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MAR ABERTO | O futuro sem Bolsonaro*

por Boca Migotto

Meus dois últimos textos, aqui, para a coluna Mar Aberto, foram sobre as eleições. Impossível não ler, falar e escrever sobre o que estava em jogo no Brasil.

No primeiro texto dessa rápida sequência que se encerra hoje, publicado em 6 de outubro, fiz uma relação sobre a “Jornada do Herói”, de Joseph Campbell, e a história recente de Luís Inácio Lula da Silva (PT). Estava enganado, no entanto, sobre o formato audiovisual. Não estávamos em um longa-metragem mas, sim, numa interminável série de TV. Desde domingo até, pelo menos, esse feriado de Finados (2), vivemos os últimos episódios dessa temporada. Lula venceu a eleição mais difícil da nossa história e foi aclamado presidente por líderes de todo planeta. We are back! Esta eleição, vivenciada por todos nós, foi histórica e, certamente, será estudada por gerações. O mais significativo, contudo, é que meio país comemorou a vitória do “amor sobre o ódio”.

Como era esperado, no entanto, Jair Bolsonaro (PL) não reconheceu sua derrota e se apequenou ainda mais, trancado dentro de si e do silêncio sepulcro do Palácio do Planalto. Um “terceiro turno”, apesar das manifestações antidemocráticas, não ocorreu. E não vai ocorrer. Houve tentativas, algumas, inclusive, seguem até hoje, sexta-feira (4), trancando algumas rodovias do país. Mas o fato é que a democracia resistiu nas urnas. Toda alanhada, mas viva. Em coma, mas ainda respirando. O que não significa dizer que os próximos quatro anos serão um mar de rosas vermelhas. Financiados pelo agronegócio, e por outros setores que flertam abertamente com o fascismo tropical, a patética massa de manobra que foi às ruas nesses últimos dias, certamente, voltará. Por um lado, o riso estará garantido. Por outro lado, imagino que já aprendemos que apenas rir da ignorância dessa gente é uma atitude bastante perigosa. Este será um governo que conviverá, ao menos por algum tempo, com boicotes e sabotagens de todo tipo e, para sobreviver, precisará levar a sério, institucionalmente falando, toda ameaça antidemocrática.

No entanto, tempo ao tempo. O que importa, agora, é que o coração, mais leve, ainda bate e, como diz o ditado, “tudo aquilo que não mata, nos deixa mais fortes”. Com 60.345.825 votos, Lula foi o candidato a presidente mais votado da História do Brasil. Essa maior votação, infelizmente, não evitou que fosse, também, a vitória mais apertada em um segundo turno. A goleada do amor contra o ódio não rolou, e Bolsonaro recebeu 58.206.354 votos. Por isso, mesmo perdendo, ele se tornou o segundo candidato a presidente mais votado da história. A eleição do último domingo superou todos os recordes, inclusive a diferença mínima entre os dois primeiros candidatos. Lula obteve 50,90% dos votos válidos contra 49,10% do, agora, futuro ex-presidente. Por esse motivo, ainda segunda-feira (31), quando comecei a escrever essa coluna, não faltaram jornalistas e analistas políticos exaltando a força de Bolsonaro e do bolsonarismo. Com uma votação tão expressiva, disseram alguns, o futuro ex-presidente estaria credenciado a ser a principal voz de oposição ao governo petista e, em consequência, o candidato natural da direita – na verdade, extrema-direita – para a eleição de 2026. Poderia ser, se Bolsonaro não fosse limitadíssimo. Ao contrário do que ouço falar, e apesar de, obviamente, não ser um especialista nas ciências políticas, percebo Bolsonaro como um homem covarde e, portanto, sem a grandeza necessária para se tornar um verdadeiro líder. Uma vez apartado do centro do poder e longe da sua caneta Bic, é preciso talento para conquistar uma liderança. Seu destino será, novamente, o baixo clero, de onde veio e onde, nem lá, deveria ter estado. Tudo que levou o Brasil a crer nesse homem, até o presente momento, na minha opinião, é mais fruto das consequências do que das causas. O distanciamento a esse período triste da história nos ajudará melhor a perceber isso, no entanto, ao longo deste texto pretendo antecipar um pouco sobre o que me leva a crer no desaparecimento político deste que foi – e será – o mais irrelevante presidente da Nova República.

Alguns argumentarão que Bolsonaro elegeu o Congresso mais conservador da nossa história democrática. É verdade.

Nomes como Eduardo Pazuello, Hamilton Mourão, Carla Zambelli, o próprio filho, Eduardo Bolsonaro, e até o desafeto-que-deixou-de-ser-desafeto-no-meio-da-eleição, Sergio Moro, não chegariam perto das votações que alcançaram – e, alguns, inclusive, nem seriam eleitos – se não fosse o nome do presidente atrelado a eles. O próprio Tarcísio de Freitas, turista carioca na “terra da garoa”, e aposta pessoal do próprio Bolsonaro, foi eleito capitalizando os votos do “capitão”. Aliás, um terrível erro que os paulistas cometeram e o futuro reafirmará tal percepção. Com esse Congresso e o governo do Estado mais rico da federação nas mãos, felizmente, o drama para o Brasil só não foi maior porque conseguimos barrar a reeleição de Bolsonaro. Caso contrário, nem Deus saberia dizer o que seria desse país após mais quatro anos da extrema-direita no poder. Portanto, foi por pouco que Bolsonaro não se tornou rei de uma nação sem monarquia, com plenos poderes sobre tudo e todos. Mas, esse pequeno detalhe de exatos 2.129.471 votos acabou por definir a diferença entre a força e a fraqueza de Bolsonaro. Se, por muito pouco, ele quase se tornou o principal líder da extrema-direita mundial pós-Trump, herdando, dos brasileiros, um país-continente, inteiro, enorme e rico, para chamar de seu, por conta destes pouco mais de dois milhões de votos, a partir de agora, existe a possibilidade dele perder quase tudo que um dia pensou ter conquistado e garantido.

Domingo (30) à noite as luzes se apagaram mais cedo no Planalto. Ninguém, salvo os ingênuos ou ignorantes, imaginaria que Bolsonaro faria um pronunciamento reconhecendo a derrota e desejando um governo exitoso para todos os brasileiros. Bolsonaro se apresentou ao público apenas no final da tarde de terça-feira (1). Um discurso curto, ambíguo e, como era o esperado, do tamanho da sua pequenez. Não reconheceu a derrota, atacou as esquerdas, como sempre, mentiu, como sempre, e, como sempre, não foi capaz de um gesto de grandeza. Pressionado por diversos setores da economia, para que solicitasse aos seus seguidores que desobstruíssem as rodovias do país, preferiu insuflar ainda mais as massas para, dessa forma, barganhar sua anistia judicial a partir de 1 de janeiro de 2023. Um fim patético para um personagem ridículo. Tal qual qualquer ditadorzinho em fim de carreira, até o dia de hoje, salvo uma segunda live ao estilo Volodymiyr Zelensky tupiniquim, Bolsonaro permanece fechado e protegido, em seu palácio, enquanto ainda torce por uma guerra civil que não aconteceu, nem irá acontecer. Dessa forma, Bolsonaro está deixando a presidência ainda mais irrelevante do que quando era um deputado do baixo clero e o seu silêncio apenas serviu para humilha-lo ainda mais, contribuindo com todo tipo de cena grotesca que, ao contrário de ameaçar a democracia, mais serviu para escancarar o estado assustador da doença psicológica que acompanha as pessoas que ainda o seguem.

Entretanto, a simbologia por trás da escuridão do palácio, no domingo a noite, vai muito além disso. O presidente é um estúpido, um moleque, um covarde, mas burro ele não. Ele tem a total dimensão dessa derrota, pois sabe que não perdeu apenas uma eleição mas, sim, o poder. Rei posto é rei morto. Bolsonaro, sem poder, é um coitado. Bolsonaro, sem poder, é apenas aquele cara que faz piada sem graça. Aquele cara que, para ter lugar no futebol do final de semana precisa oferecer o campinho, a bola e pagar o churrasco. Até no casamento é um infeliz. Qualquer um mais atento à linguagem corporal do casal, quando juntos, percebe que ali não há amor nem cumplicidade. Não me surpreenderia se, agora, após sua queda, também a Michelle logo o abandonará. Afinal, o cara é misógino, machista, agressivo, velho e feio. Está longe de ser o “imbrochável” que ele grita ser – nem me refiro ao apelo sexual – e a esposa ainda tem que suportar os filhos mais velhos que, todos sabem, não gostam dela. O que um homem como Bolsonaro tem a oferecer a uma mulher interesseira como Michelle – Micheque –, além do poder e do cartão coorporativo? Seu senso de humor ao estilo tio do pavê?

Chego até suspirar de pena do pobre-coitado. Afinal, não imagino a primeira dama abraçando-o e consolando-o após a derrota de domingo.

Ao contrário, a imagem que me vem à cabeça, e me perdoem se estiver sendo injusto com a família Bolsonaro, é de um homem solitário na sua derrota. Uma criança assustada, abandonada na escuridão do palácio, que não sabe lidar com suas perdas e nem ao menos compreende a sua própria condição pois, obviamente, lhe faltam recursos psicológicos para processar suas emoções. Toda aquela raiva que o presidente exala cotidianamente, é claro, tem uma origem. Bolsonaro não conheceu o amor ou, se conheceu, o escondeu dentro do armário. No entanto, como diz o ditado, “quem planta vento colhe tempestade”. Se pôde comprar 107 imóveis – 51 deles com dinheiro vivo – Bolsonaro tem recursos financeiros suficientes para pagar uma boa terapeuta e resolver seus conflitos internos. Não o faz, novamente, por covardia. Por isso, já deixei de sentir pena do genocida. Que seja enterrado na lata de lixo da história para todo o sempre.

Alguns que assistiram as rodovias fechadas por apoiadores seus, contudo, podem argumentar sobre a sua capacidade de articulação. Afinal, seria ingênuo demais acreditar que esses bloqueios ocorreram sem uma coordenação centralizada e muito bem financiada. No entanto, a classe-média-sempre-assustada-do-Brasil pode ficar tranquila, dessa vez não é – como, de fato, não foi – preciso estocar papel higiênico. Ainda na terça-feira, por determinação do STF, as barricadas começaram a ser desfeitas e uma multa de 100 mil reais/hora já fez o patriotismo dos bolsonaristas balançar. É bem verdade que um pessoal aproveitou o feriado para fazer turismo em frente aos quarteis, pedir um golpe de estado e demonstrar seu entusiasmo pelo nazismo, mas, já no final da tarde, vi vários destes patriotas-canarinhos no supermercado, comprando picanha, carvão e cerveja artesanal para compensarem a longa jornada no circo dos horrores. São patéticos como o seu líder. É verdade que existe, sim, as tais pautas identitárias, e estas movimentam uma legião de alucinados e fanáticos, como de fato vimos acontecer nessa quarta-feira (2), mas no fim do fundo das psicologias mais insanas, o que move a elite – e quem pensa ser elite nesse país – é grana.

É o que move, também, o poder. Dessa forma, a questão, agora, é como Bolsonaro poderá seguir manipulando as mesmas redes sociais na mesma intensidade e organização como fazia o Gabinete do Ódio, mantido com (muito) dinheiro público. Além disso, assim todos esperamos, em dois meses Bolsonaro sairá da presidência e será investigado de verdade. E é preciso que seja. Os militares golpistas, que Bolsonaro coagiu durante seu governo, estão ai para nos alertar sobre os perigos de, nesse país, não se investigar e punir as devidas responsabilidades. Portanto, sem contar com a proteção do cargo e a sua influencia direta sobre o PGR, sobre parte da PF e da PRF, esta sim, quase que totalmente aparelhada, haverá muito com o que se preocupar. Um STF terrivelmente evangélico também não vai rolar. Pelo menos nos próximos quatro anos. E as Forças Armadas, estas sim, que pelo seu histórico repressor preocupavam, parece que optaram em seguir as diretrizes do Tio Sam: Stay out of it! Ao fim e ao cabo, levando em conta tudo o que sabemos, me parece que Bolsonaro está encurralado. Terá que entregar o poder e será investigado. Uma vez investigado – e são tantos os processos – imagino que ele terá pouco tempo para se preocupar com suas lives semanais. Convenhamos, como Pessoa Física, sem mais nenhum tipo de imunidade, cheio de processos nas costas e sem a chave do cofre nem o cartão corporativo, Bolsonaro terá muito com o que se preocupar. E pelo o quê trabalhar. Não é por acaso que ele topou se pronunciar, conforme as mais variadas fontes jornalísticas, apenas depois de garantir, junto ao presidente do PL, Valdemar da Costa Neto, uma boa mesada, bem como a garantia de que contará com os advogados do partido para ajuda-lo a se livrar dos inúmeros imbróglios judiciais que terá que enfrentar a partir de janeiro de 2023.

Ao longo de quatro anos no poder Bolsonaro pouco trabalhou como presidente. Fato, aliás, que pode ser facilmente comprovado acessando a sua agenda oficial.

Desde o dia da sua posse não houve um único momento quando Bolsonaro colocou os interesses do país em frente à sua determinação de reeleger-se presidente. Afinal, ele nunca esteve lá para trabalhar pelo povo brasileiro. Seu projeto sempre foi pessoal e ele sempre soube que este, para dar certo, dependeria exclusivamente do aparelhamento total e completo das estruturas democráticas do país. A única forma de alcançar tal objetivo seria destruindo a democracia por dentro, através de um segundo mandato. Por isso foram quatro anos em campanha permanente, utilizando o Estado – e o seu orçamento – de todas as formas legais e ilegais possível. Datas cívicas, bem como já havia ocorrido com os símbolos nacionais, foram sequestradas para o seu próprio benefício. O Congresso foi comprado pelo tal orçamento secreto e deu o aval para que o governo pudesse romper o Teto de Gastos e esbanjar, aleatoriamente, 213 bilhões de reais fora do orçamento. Sem nenhum planejamento, apenas visando as eleições. Destes, 41,2 bilhões foram entregues à população mais carente, disfarçados de benefícios sociais, o que ajudou a criar a falsa impressão de que o governo se preocupava com os mais vulneráveis e que a economia brasileira estava se reestabelecendo. A chamada “PEC dos Auxílios” turbinou o Auxílio Brasil para 600 reais, criou um voucher de mil reais para caminhoneiros autônomos, um auxílio-taxistas e ampliou o valor do vale-gás, tudo isso apenas até dezembro deste ano. Na verdade, o maior estelionato eleitoral já visto no país. Não satisfeito, o governo autorizou os bancos públicos a emprestar, criminosamente, dinheiro a uma população já completamente endividada. Para se ter uma ideia, a perversidade embutida no tal Empréstimo Consignado foi tamanha que os bancos privados se negaram a participar. Mas não parou por ai, houve liberação de verbas para políticos em campanha, compra de votos nos rincões mais ermos do país e, como de praxe, uma avalanche de Fake News. Segundo alguns dos mais renomados economistas do Brasil, a conta final de toda essa insanidade é um déficit de aproximadamente 400 bilhões de reais que terá que ser pago pelo próximo governo. Assim como a conta a pagar, a lista de ilegalidades também é enorme. Contra a lei, Bolsonaro manteve a propaganda institucional do governo sendo veiculada durante o período eleitoral e nem ficou vermelho ao utilizar o Palácio do Planalto como cenário e QG particular para sua campanha. Para alimentar sua claque, atacou – ainda mais – o STF, seus ministros e, em especial, o presidente do TSE, ministro Alexandre de Moraes, que, a propósito, foi fundamental na lisura do pleito eleitoral deste ano, equilibrando legalidade com bom senso conforme a situação demandava.

Por tudo isso, nos dois meses que antecederam as eleições a economia aqueceu significativamente. Entretanto, tudo irreal, fabricado e inventado. Tudo construído em nome da reeleição. Assim como o preço da gasolina, do gás e do diesel, artificialmente contidos pela Petrobrás, em uma manobra que, convenhamos, se não aconselhável economicamente, de timmimg perfeito eleitoralmente. Tanto foi que a estratégia quase deu certo. Vale-disso, vale-daquilo e motociatas por todo país, também viabilizadas pelo dinheiro público. Inclusive em meio à pandemia. Padre de festa junina para ajuda-lo nos debates, tentativa de criar factoides eleitorais como a vitimização – que deu errado – de Roberto Jefferson, o fantasioso atentado – que também deu errado – em Paraisópolis (SP) e a acusação – para variar, inventada – de terem sido sabotados pelas rádios do interior do Nordeste. Se isso tudo não fosse suficiente, aos quarenta minutos do segundo tempo do domingo, o Brasil acompanhou estarrecido aquela intervenção cafajeste da PRF sobre os eleitores de Lula, no Nordeste. Inclusive desrespeitando ordem do próprio ministro Alexandre de Moraes. Mas o pacote eleitoreiro ainda não acabou. Conforme a Folha de São Paulo e a Gazeta do Povo, para citar apenas duas fontes, Bolsonaro recebeu mais de 100 milhões de reais em doações de empresários como Salim Mattar, Luciano Hang, Alexandre Grendene e outros tantos. A principio isso não é ilegal, mas ajuda a compreendermos o porquê de, nas últimas duas semanas de campanha, qualquer vídeo aberto no YouTube ser antecipado pela cara mal diagramada do presidente. Aliás, por falar em empresários, não esqueçamos todos aqueles, pequenos, médios e grandes, bem como prefeitos do Brasil profundo, que assediaram seus funcionários e servidores públicos para votarem no “mito”. E por falar em doação, também não deixemos de imaginar que, provavelmente, houve muito investimento estrangeiro nessa eleição. Afinal, se esta era percebida como uma eleição crucial para as democracias do planeta, o mesmo pode-se afirmar quanto ao projeto da extrema-direita internacional. No entanto, apesar de tudo isso, e apesar do fanático assédio eleitoral por parte, também, dos pastores das igrejas evangélicas, além de tudo aquilo que, provavelmente, nunca nem ficaremos sabendo, Bolsonaro NÃO conseguiu vencer Lula. Pior, assim como ocorreu com Donald Trump, nos EUA, Bolsonaro conseguiu a proeza de se tornar o primeiro presidente da nossa frágil democracia a ser rejeitado para um segundo mandato.

Portanto, retomando o início deste texto, embora existam inúmeros especialistas que podem analisar essas eleições e o futuro do Brasil melhor do que eu, na minha modesta opinião, o fato é que não vejo, em Bolsonaro, a força de um líder. Vejo, sim, perigo.

Mas este sempre esteve latente na sociedade escravocrata brasileira. A última, aliás, a abolir a escravidão no ocidente. O buraco sempre esteve lá, embora disfarçado como uma armadilha. Agora, entretanto, ele está à mostra, sabemos da sua existência e este é o primeiro passo para fecha-lo. Já Bolsonaro foi competente em expressar e amplificar esse perigo através da sua agressividade verbal e um discurso antissistema. Por obra do acaso e do destino, estava no lugar certo, na hora certa. Mas isso não o transformou em um estadista, assim como não lhe garantirá o papel de líder. O momento chave dessa infeliz história foi quando o então inexpressivo, porém patético, deputado federal, dentro do Congresso Nacional, votou pelo impeachment de Dilma Rousseff ao mesmo tempo que defendeu seu voto em nome do torturador Brilhante Ustra. O fato dele não ter saído preso da “Casa da Democracia”, naquela tarde de 11 de abril de 2016, foi determinante para tudo o que ocorreu, neste país, desde então. Mais uma vez, a história nos ensinando que é preciso responsabilizar os responsáveis.

Toda a agressividade profanada pelo bolsonarismo, bem como o falso discurso antissistema, deu certo até aqui. E talvez até funcione por mais um tempo. Nem sempre a mentira tem perna curta e o ódio de classe, este sim, é eterno enquanto dure. Entretanto, com a derrota do último domingo, o próximo presidente será Lula. E quando começar esse novo governo as coisas vão melhorar, simplesmente porque, em termos de economia, política e sociedade, piorar, sem um Bolsonaro no poder, é impossível. Aliás, bastaram três dias de Lula para que o novo presidente eleito fizesse mais pelo Brasil do que Bolsonaro em quase quatro anos. Já no domingo, “reestabelecemos” nossas relações diplomáticas com países estratégicos como Estados Unidos, China, França e Argentina. A Noruega, seguida da Alemanha, já anunciou que voltará a financiar o Fundo Amazônia. O valor bloqueado, desde 2019, é de 483 milhões de dólares ou algo em torno de 2,5 bilhões de reais. Na segunda-feira o dólar caiu e o índice Ibovespa fechou em alta. A Jovem Pan desligou quase todo seu time fascista de comentarista e, dizem as más línguas, inscreveu os comunicadores que sobreviveram à demissão em um curso EAD de Jornalismo, para finalmente aprenderem o que é fato e o que é fake. A exemplo do pragmatismo do Tutinha, dono da Jovem Pan, também o pastor Silas Malafaia acenou para o novo governo pedindo, aos fiéis da Assembléia de Deus, que rezem pelo Lula. Algo que também foi imitado pelo líder da Igreja Universal do Reino de Deus, e proprietário do Grupo Record, Edir Macedo, que teve a cara de pau de dizer que “perdoava Lula”. Enquanto os fanáticos passam frio, debaixo de chuva, pedindo intervenção militar, os chefes das máfias que regem parte do país já estão reescrevendo seus discursos para os próximos quatro anos. Afinal, essa galera definitivamente não rasga dinheiro. O próprio silêncio do Bolsonaro, já tido como “o primeiro milagre de Lula”, nos antecipou – ou nos fez relembrar – como será bom viver em um país relativamente saudável, sem um presidente que vomita impropérios um dia sim e outro também. Para fechar a “lista das alegrias”, estou confiante na palavra do “véio da Havan” que, assim como o recém citado Silas Malafaia, e até o próprio Bolsonaro, prometeram deixar o país caso Lula vencesse as eleições. Aliás, ontem mesmo li que a Carla Zambelli fugiu para os Estados Unidos. Não é possível, ainda, saber se essa viagem configura uma fuga, mas que “amanhã será um lindo dia”, a previsão do tempo já anuncia. Até rimou!

Deixando – mas não tanto – as brincadeiras de lado, quando tudo isso começar a ocorrer, a partir da posse do novo presidente, o que a oposição bolsonarista poderá argumentar?

Que não devemos investir em educação? Que não devemos diminuir o desmatamento na Amazônia? Que não aceitemos os investimentos estrangeiros no Brasil? E os evangélicos, como argumentarão contra o fato de as igrejas não terem sido fechadas ou as “mamadeiras de piroca” não invadirem as escolas? De outro lado, como esconder a verdade que virá a tona a partir do momento quando os sigilos de cem anos começarem a cair? Quando começar a ficar clara – ainda mais – a relação do clã Bolsonaro com as milícias do Rio de Janeiro? Quem sabe até conseguiremos uma resposta para o assassinato de Marielle Franco, algo que, segundo muitas fontes, tem muito de Bolsonaro ou, ainda, descobriremos que a facada de 2018 foi, de fato, a maior mentira bolsonarista. É muito crime para desmascarar, uma administração catastrófica para revelar e toda a mamata de quatro anos no poder – ou até mais, levando em conta o longo período na Câmara – para desvendar. Se isso tudo, de fato, ocorrer – e, de novo, precisa ocorrer – não consigo imaginar um Bolsonaro ainda influente e poderoso. Da mesma forma como também não imagino uma resistência intransigente contra um governo amplo que está, de fato, melhorando a vida das pessoas. Precisamos lembrar, ainda, que a grande maioria dos eleitores de Bolsonaro foi ludibriada pela máquina de estado, pelas Fake News, pela intensa repercussão jornalística da Lava-Jato e, principalmente, pelo antipetismo, construído e reforçado ao longo de décadas pela mesma mídia que se permitiu ludibriar por Sérgio Moro e Deltan Dallagnol. Portanto, o chamado “bolsonarismo raiz” é formado por uma minoria e, sobre isso, vale citar o próprio Bolsonaro quando eleito presidente, em 2018: “as minorias tem que se curvar a maioria”. Não fui eu quem disse, foi o “mito”.

Posso estar errado, mas depois de quatro anos de angustia, prefiro me permitir errar por otimismo. Por isso prevejo um futuro muito mais difícil para um Bolsonaro fora do governo do que ao novo governo Lula. E, mesmo que o bolsonarismo siga presente nas nossas vidas, se sobrevivemos a quatro anos deste, entranhado nos corredores do poder, como não sobreviveríamos agora, uma vez enxotado do Palácio do Planalto? Estar do lado certo da história nunca foi fácil e, também por isso, seguiremos lutando todos os dias. E haverá dias muito difíceis pela frente, não apenas para o Brasil, mas para toda a humanidade. No entanto, respiremos um pouco pois, no curto prazo, o pior já passou, a democracia resistiu e nós sobrevivemos. Assim como ocorre com a jornada do herói, no the end o bem supera todos os obstáculos e triunfa sobre o mal. O herói volta para casa, para os seus, e as luzes do cinema nos acordam do transe coletivo no qual estávamos imersos. Vai dar certo, aos poucos até os patéticos bolsonaristas terão vergonha de, um dia, terem acreditado em mitos e contos de fada. Ainda não entramos no céu mas, certamente, por um tempo ao menos, fechamos as portas do inferno.

* Dedico este texto aos irmão nordestinos. Um grande axé ao povo do Nordeste, obrigado por carregarem o Brasil nas costas e contribuírem, decisivamente, para que pudéssemos resgatar a nossa bandeira das mãos do fascismo.

I. BOCA MIGOTTO

I., de Ivanir, Boca Migotto é cineasta, pesquisador, fotógrafo e escritor. Publicitário formado pela Unisinos, cedo se deu conta que estava na área certa – a Comunicação – mas no curso errado. Formado, então, largou tudo e foi para Londres. Nos dois anos que permaneceu na Inglaterra fez de tudo: lavou prato, fez café, foi garçom e auxiliar de cozinha, estudou inglês e cursou cinema na Saint Martins College of Arts and Design. Ao regressar para o Brasil, fez Especialização em Cinema e Mestrado em Comunicação, ambos pela Unisinos. Nesta mesma instituição, foi professor de Documentário no Curso de Realização Audiovisual, onde permaneceu por dez anos, atuando também em disciplinas dos cursos de Jornalismo, Comunicação Digital e Publicidade. Finalizou seu Doutorado em Comunicação pela FABICO/UFRGS, com extensão na Sorbonne/Paris 3. Foi quando morou em Paris, aliás, que decidiu lançar seu primeiro livro de ficção “Na antessala do fim do mundo”. Como cineasta – diretor e roteirista – realizou mais de vinte curtas-metragens e séries de TV, além dos longas-metragens “Filme sobre um Bom Fim”, “Pra ficar na história”, “O sal e o açúcar” e “Já vimos esse filme”. No momento está lançando seu novo livro “Um certo cinema gaúcho de Porto Alegre”, resultado da sua pesquisa de doutorado, defendida em 2021. Com essas duas últimas obras, Boca pretende fechar mais um ciclo de vida e de produções. A partir daí, o destino apontará novos caminhos e, quem sabe, o convide para escrever uma coluna quinzenal para a Rede Sina seja um indício de para onde seguir.
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