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MAR ABERTO | O som nosso de cada dia

por Boca Migotto

Recentemente li que nas praias do litoral paulista estava rolando uma espécie de “guerra de sons”. Uma frequentadora da praia, em entrevista, definiu o fenômeno como “farofada da música”. Embora a expressão até seja de fácil (re)conhecimento por parte do grande público e, por isso, acaba ilustrando facilmente o fenômeno, considero “farofada” pejorativo.

A classe-média brasileira adora criar expressões pejorativas para definir as práticas sociais daqueles menos privilegiados. O engraçado, no entanto, é que o pobre é um “farofeiro” por levar sua própria comida à praia, já a classe-média, que acha isso tudo muito brega, faz uma viagem rápida pela Europa e descobre que lá, a “farofada” é uma instituição nacional, praticada há séculos, por todas as classes sociais. Os franceses, de tanto que a praticam, têm até verbo para isso: “Je pique-nique, tu pique-niques, il pique-nique, nous pique-niquons, vous pique-niquez, ils pique-niquent”. Então, o brasileiro privilegiado – de pensamento colonizado – vê isso, acha chique, volta pra casa, compra uma toalha xadrez, uma cesta de vime em alguma feira “vintage” e, “voilà”, a “farofada” ganha status “gourmet” e viraliza. Sempre me impressiona o quando a nossa dita “elite” é óbvia. Tá aí o Jeep Renegade, o beach tennis e a cerveja artesanal para comprovar.

Apropriações indevidas a parte, e de volta ao “pique-nique sonoro” ocorrido nas praias da baixada santista, devo dizer que mesmo eu, gaúcho e que nunca estive por lá, consigo imaginar perfeitamente bem o quanto uma tarde no Guarujá pode se transformar no inferno na Terra. Esse privilégio não é apenas dos paulistas. Aqui, em solo rio-grandense, a “farofada” conta até com churrasqueiras portáteis. E não é apenas em Tramandaí, Cidreira ou Quintão que isso ocorre. Para lá do Mampituba a prática é a mesma. Quanto ao churrasco “desgourmetizado”, tô dentro, defendo 100%, e sou fã. Mas som alto, convenhamos, é uma total falta de respeito. Principalmente quando a música é desprovida de qualidade artística e/ou, independentemente do tipo ou gênero musical, quando os decibéis ultrapassam os limites definidos pela lei. Portanto, em determinados locais e em determinados horários, até John Coltrane, The Beatles ou Mozart incomodariam. Infelizmente – ou felizmente, para o bom senso – estes artistas não costumam figurar nas playlists das tais “farofadas sonoras”. Antes fosse.

Foto: Boca Migotto

Não sei se alguém estuda esse fenômeno social nas pós-graduações Brasil afora, mas é impressionante o quanto sempre há um som ligado perto de ti. Me parece, é algo bem brasileiro, ou latino-americano, quiçá.

Não lembro de ver isso na Europa. As “farofadas” de lá são fundamentadas no diálogo e nas conversas. E não quero, com isso, considerar os europeus melhores do que nós, latinos. Quem me conhece sabe bem que sou extremamente crítico a essa breguice de perceber a Europa – e os Estados Unidos – como referência imaculada para o nosso “estilo de vida”. Até porque, com o nosso ouro, prata, diamantes e sangue, ficou fácil até para aqueles bárbaros, que nem banho tomavam direito, um dia, se civilizarem. Portanto, não são referências isentas de “poréns”.

Mas isso é outra história que pode, inclusive, ser lida em outros textos meus aqui na Rede Sina. O que importa, nessa coluna, é discutirmos um pouco sobre esse hábito – e/ou tragédia – de estarmos, sempre, rodeados por algum tipo de som. Algo que, me parece, é uma jabuticaba bem brasileira. Independente, até, de se tratar de música. E nessa lista vale citar carro de som, vendedor de puxa-puxa, afiador de facas – embora os ame de paixão – lojas populares do centro da cidade, bares, cafés e restaurantes, caminhão do gás e, inclusive, aqueles adolescentes que acham “manero” desfilar pelas ruas da cidade nos seus carros rebaixados pelo peso dos alto-falantes. Embora estes últimos, tadinhos, ainda mereçam o benefício da dúvida, afinal, a adolescência é apenas uma fase da vida. Eu mesmo sei disso e confessarei meus pecados.

Lembro que, quando nessa época confusa da vida, eu colocava as caixas de som do meu “3 em 1” para fora da janela do meu quarto, o volume no máximo possível, para “mostrar” aos transeuntes que passam em frente à minha casa o tipo de som que eu estava escutando. Hoje me pergunto por que eu praticava tal imbecilidade. E eu tenho a resposta: era adolescente e como tal precisava me auto-afirmar. Também isso faz parte daquelas coisas ridículas que adolescentes fazem e depois se envergonham. Mas ok, é do crescimento pessoal. Geralmente essa fase passa, lá pelos 20 anos, e o sentimento de vergonha é o sinal de que houve um amadurecimento pessoal ao longo do processo. Por isso, até entendo um jovem, em busca de afirmação identitária, impor seu som para toda a rua como se não houvesse outra verdade no mundo. Mas um adulto de 40 ou 50 anos seguir fazendo isso na praia? O que isso significa? Imaturidade psicológica? Síndrome do “pau pequeno”? Falta de empatia? Desrespeito? Egoísmo? Falta de noção?

Em janeiro estava na Gamboa, em Santa Catariana. Vou para lá desde os anos noventa. Naquela época, então um jovem universitário, aquela praia era tão “fora do eixo” que mal havia estrada para chegar até lá. Era quase uma viagem a parte sair da “Brioi” – BR 101 – e acessar a estrada de chão batido que levava à pequena vila da Gamboa. E quando chovia, então, era preciso rezar. A estrada ficava intransitável e a gente isolados do mundo. A vida não poderia ser mais perfeita. Mesmo que ainda não soubéssemos disso. Na Gamboa daqueles nostálgicos anos, imperava o silêncio, cortado apenas pelas ondas do mar e os mugidos das vacas. Mas o tempo passou, o asfalto chegou e a praia se popularizou. Ainda é relativamente tranquila, se comparada a outras na região, mas está longe de ser aquele paraíso de paz e sossego de outrora. Mesmo assim, por insistência, nostalgia ou amizades, sigo frequentando-a com assiduidade.

Como já passei – passamos – da fase de virar noite fazendo festa, acordo fácil com os primeiros raios de sol e gosto de aproveitar o dia – e a praia – desde bem “temprano”.

A experiência vai nos ensinando que o amanhecer e o anoitecer são os melhores momentos do dia e o período do meio-dia é ótimo, mesmo, para uma sesta pós-almoço. Tudo isso, no entanto, clama por paz e tranquilidade. Sensações que, claro, quando jovens temos mais dificuldade de comprazer-se porque, naturalmente, estamos mais preocupados com nossos próprios umbigos. São outras prioridades e não tem nada de errado nisso. Aos poucos, no entanto, também me parece natural que a idade carregue, consigo, além das dores nas articulações, um pouco de serenidade e empatia.

Mas nem sempre é assim. E talvez isso ocorra porque as pessoas se sintam tão escravizadas pela vida – e pelos seus trabalhos – que nos momentos de lazer é preciso, necessariamente, extravasar. A adolescência, então, se transforma num Landau sem freios e desgovernado, correndo ladeira abaixo. Junta tudo isso a um hedonismo doentio da sociedade, pautada, quase sempre, pelo verbo “ter”, e os sons exagerados se tornam apenas mais uma forma de expressar as individualidades. Foda-se o coletivo. Bastou uma pandemia mundial – me perdoem a redundância, e a ironia – para deixar tudo ainda mais evidente. Por isso, mesmo na ainda tranquila Gamboa, quando as pessoas vão chegando com suas caixas de som e os volumes vão aumentando, a gente vai sendo obrigado a levantar o guarda-sol, se distanciando mais e mais da disputa sonora e, obviamente, dos melhores trechos de praia. O que nos resta – a nós e aqueles que também preferem o silêncio – é o exílio forçado para outros lugares onde a disputa sonora (ainda) não nos alcança. Um dia, imagino, nos restará curtir a praia de cima das pedras. Depois o cara vai se tornando um antissocial e ninguém sabe explicar os motivos.

Convenhamos, é difícil conviver com esse universo raso da música que, hoje, faz sucesso nas rádios e aplicativos musicais. Mas independente do estilo de som, estou numa época da vida que prefiro menos decibéis ao meu entorno.

Não importa se falamos de sertanejo ou “bosta nova pra universitário”. A questão vai muito além do gênero musical. E da própria música. O fato é que nos transformamos em uma sociedade extremamente barulhenta. Desde o mais cedo amanhecer até os últimos raios de sol, nossas cidades produzem todo tipo de ruído sem o menor respeito pelo próximo. Carros, ônibus e caminhões, britadeiras, coleta do lixo, reformas no vizinho, buzinas na rua, brigas, sirenes, enfim, as cidades são insuportavelmente poluídas sonoramente. E o pior, nós nos acostumamos a isso tudo. Tanto que, ao sairmos das cidades em busca de “lugares tranquilos”, muitos de nós acabam por simplesmente reproduzir o mesmo padrão urbano no local que deveria ser de descanso.

Geralmente, quando chega o final de ano – e as férias – (quase) todo mundo corre para o litoral. Haja Freeway para tanta ansiedade. Mas, nessa corrida maluca em busca do ócio, a cidade embarca junto. Quase sem percebermos, os sons das pequenas reformas nas casas de praia, a música de gosto duvidável chamando o cliente para o consumo alcóolico em bares e quiosques, as buzinas pedindo passagem em meio ao engarrafamento e os próprios veranistas com suas caixas de som, professam essa guerra sonora em uma atmosfera que deveria, penso eu, ser de paz e tranquilidade. Afinal, férias combina com sossego, correto? A mim, ao menos, parece que sim. Mas, talvez, minha percepção acerca da satisfação inerente a uma disputa sonora embalada, principalmente, por sertanejo universitário, seja apenas um sinal inequívoco de que a velhice, finalmente, me bate à porta. Nesse caso, me perdoem. Afinal, mesmo velho e gagá é preciso ser coerente com os fatos. Não pode o mundo inteiro estar errado e apenas eu (e alguns poucos outros velhos como eu) certo. Peço para sair ou me junto à maioria?

 

I. BOCA MIGOTTO

I., de Ivanir, Boca Migotto é cineasta, pesquisador, fotógrafo e escritor. Publicitário formado pela Unisinos, cedo se deu conta que estava na área certa – a Comunicação – mas no curso errado. Formado, então, largou tudo e foi para Londres. Nos dois anos que permaneceu na Inglaterra fez de tudo: lavou prato, fez café, foi garçom e auxiliar de cozinha, estudou inglês e cursou cinema na Saint Martins College of Arts and Design. Ao regressar para o Brasil, fez Especialização em Cinema e Mestrado em Comunicação, ambos pela Unisinos. Nesta mesma instituição, foi professor de Documentário no Curso de Realização Audiovisual, onde permaneceu por dez anos, atuando também em disciplinas dos cursos de Jornalismo, Comunicação Digital e Publicidade. Finalizou seu Doutorado em Comunicação pela FABICO/UFRGS, com extensão na Sorbonne/Paris 3. Foi quando morou em Paris, aliás, que decidiu lançar seu primeiro livro de ficção “Na antessala do fim do mundo”. Como cineasta – diretor e roteirista – realizou mais de vinte curtas-metragens e séries de TV, além dos longas-metragens “Filme sobre um Bom Fim”, “Pra ficar na história”, “O sal e o açúcar” e “Já vimos esse filme”. No momento trabalha no seu próximo livro “Um certo cinema gaúcho de Porto Alegre”, que pretende publicar junto ao seu quinto longa-metragem sobre o mesmo tema. Com essas duas últimas obras, Boca pretende fechar mais um ciclo de vida e de produções. A partir daí, o destino apontará novos caminhos e, quem sabe, o convide para escrever uma coluna quinzenal para a Rede Sina seja um indício de para onde seguir.
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