Arquivos cinema - Rede Sina https://redesina.com.br/tag/cinema/ Comunicação fora do padrão Sun, 25 Feb 2024 12:26:52 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.4.4 https://redesina.com.br/wp-content/uploads/2016/02/cropped-LOGO-SINA-V4-01-32x32.jpg Arquivos cinema - Rede Sina https://redesina.com.br/tag/cinema/ 32 32 MAR ABERTO | Foi ao cinema e salvou a história https://redesina.com.br/mar-aberto-foi-ao-cinema-e-salvou-a-historia-2/ https://redesina.com.br/mar-aberto-foi-ao-cinema-e-salvou-a-historia-2/#respond Sun, 25 Feb 2024 12:26:52 +0000 https://redesina.com.br/?p=120893 Por I. Boca Migotto* Durante boa parte do século XX uma das principais atividades populares de lazer era ver um filme. No Brasil, os italianos sempre tiveram a tradição de investir no ramo do entretenimento e, por isso, consequentemente, também apostaram no cinema. Os irmãos Alfonso, Pasquale e Gaetano Segreto, por exemplo, oriundos de Nápoles, …

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Por I. Boca Migotto*

Durante boa parte do século XX uma das principais atividades populares de lazer era ver um filme. No Brasil, os italianos sempre tiveram a tradição de investir no ramo do entretenimento e, por isso, consequentemente, também apostaram no cinema. Os irmãos Alfonso, Pasquale e Gaetano Segreto, por exemplo, oriundos de Nápoles, são até hoje referencias importantes para a história do audiovisual brasileiro do início do século XX. Em Porto Alegre, assim como ocorria em São Paulo e Rio de Janeiro, os italianos foram os pioneiros no negócio de exibição cinematográfica. Cedo ou tarde, consequentemente, os italianos também se envolveram com a produção dos filmes. Não por nada, o homem por trás da principal produtora gaúcha da primeira metade do século XX, a Leopoldis-Som, era um imigrante italiano, Italo Majeroni e outro produtor de sobrenome italiano, que marcou o cinema gaúcho daquele período, foi Itacir Rossi, da Interfilms. Ambos trabalharam com Vitor Mateus Teixeira, o Teixerinha.

No entanto, essa relação dos italianos com o cinema não começou no Brasil. É quase tão antiga quanto a própria história dessa arte – e indústria – que nasceu no final do século XIX, na França. Mas foi durante e após a Segunda Guerra Mundial que a Itália deu sua maior contribuição à história do cinema. O Neorrealismo Italianoinfluenciou europeus e americanos e contribuiu para com o surgimento de outro movimento determinante na história do cinema mundial, então na França, a Nouvelle Vague. Os principais realizadores do Neorrealismo, como Roberto Rossellini, Victorio de Sica, Michelangelo Antonioni e Luchino Visconti, influenciaram toda uma geração de diretores italianos que vieram a seguir como Pior Paolo Pasolini, Federico Fellini e Bernardo Bertolucci os quais, muitos, inclusive foram trabalhar em Hollywood.

É de Bertolucci, provavelmente, o filme que melhor explica a Itália pós-imigrações. Novecento (1976), é um épico que aborda a história da Itália desde o início do século XX até o término da Segunda Guerra e, ao longo desse período, contextualiza o nascimento e fortalecimento das lutas trabalhistas num país ainda desfragmentado o qual, apenas há alguns poucos anos, havia promovido uma das maiores diásporas do mundo moderno, obrigando milhões de italianos a buscar esperança em outras terras, principalmente nas Américas. Essa mesma miséria generalizada, que expulsou os imigrantes e, décadas depois, contribuiu para com a ascensão do Fascismo e do próprio Benito Mussolini, foi muito bem retratada por outro filme; L’albero degli Zoccoli (1978), dirigido por Ermanno Olmi. Ao compor todo o elenco por camponeses reais da província de Bergamo, Olmi dialogou com o Neorrealismo e chamou a atenção do mundo para a diáspora italiana ao ganhar a Palma de Ouro no Festival de Cannes de 1978.

Já na vida real, quando nossos antepassados aqui chegaram, foram apresentados a uma região montanhosa, de mata fechada e animais selvagens, no extremo sul do Brasil. Portanto, diferentemente daqueles italianos dos centros urbanos, pioneiros do entretenimento, os colonos que subiram a Serra Gaúcha não tinham como prioridade o cinema e o lazer. Ao contrário, o único objetivo era sobreviver.

Lembro do relato, para o meu documentário Pra ficar na História (2016), da historiadora da UCS – Universidade de Caxias do Sul – Loraines Slomp Giron, uma das primeiras a pesquisar e escrever sobre os imigrantes italianos na Serra Gaúcha, quando ela comenta, em uma conversa com o personagem principal do filme, o Luiz Henrique Fitarelli, que “ninguém se interessa pela história dos pobres e os imigrantes italianos que chegaram no Brasil, eram, na sua época, apenas miseráveis desgarrados, sem pátria, sem terras e sem posses”. Essa afirmação da professora e pesquisadora de Caxias do Sul ajuda a explicar um pouco o que pretendo contextualizar a seguir[1].

É facilmente perceptível que a produção de obras audiovisuais com temática acerca da imigração italiana e/ou que se utilizam das paisagens da Serra Gaúcha, é intensificada por volta, apenas, dos anos 2000. Antes dos anos 1990, por exemplo, a produção pode ser considerada tão efêmera ao ponto de conseguirmos citar apenas algumas poucas obras como, por exemplo, o curta-metragem As colônias italianas do Rio Grande do Sul (1975), de Antonio Carlos Textor, além de filmagens domésticas como aquelas realizadas por Oscar Boz, nos anos 1950, as quais renderam, em 2003, devido justamente à raridade de tais imagens, um curta-metragem homônimo dirigido por Jorge Furtado. A já citada Leopoldis-Som, conhecida pela realização de inúmeros cinejornais que revelam a sociedade e as cidades gaúchas ao longo da primeira metade do século XX, produziu um documentário sobre a Festa da Uva, em 1937. Inclusive, este foi o primeiro registro sonoro realizado no Estado. Além disso, é bem possível que existam inúmeros outros registros domésticos perdidos, destruídos ou até desconhecidos.

 Eu mesmo, dirigi meu primeiro curta-metragem na Serra Gaúcha, apenas em 2008. Rio das Antas – Vale da Fé, foi um episódio da série Na Trilha dos Rios, realizada para a RBS TV. A partir de então, entretanto, foram 13 obras entre curtas-metragens, séries de TV e um documentário longa-metragem, o qual nasceu como um projeto de curta-metragem para a mesma RBS TV e se ampliou a partir da parceria com a Globo Filmes e Globo News. Esse fenômeno pessoal ajuda a ilustrar um pouco a relação da Serra com a produção audiovisual. Por isso, se num primeiro momento a dificuldade é citar títulos anteriores aos anos 1990, num segundo momento, a quantidade de obras é tão vasta que um texto de 3000 palavras, como este, não é suficiente para elencar todos os inúmeros títulos realizados na região a partir da virada do século. E, para tal fenômeno, existe uma explicação.

Acontece que a relação entre a preservação do patrimônio arquitetônico, que faz parte também do que chamamos “paisagem da Serra Gaúcha”, e o resgate da história e da memória local, são elementos cruciais para a viabilidade turística que ganhou força, especialmente, a partir dos anos 1990. Foi o turismo, por uma necessidade de negócio, que ajudou a salvar a história dos colonos italianos. História a qual, por causa da vergonha do passado miserável, era preciso apagar da memória. Portanto, tal sentimento incentivou e justificou a destruição de milhares de documentos e fotografias dos imigrantes, bem como, contribuiu para com a demolição das primeiras construções dos italianos que aqui chegaram e, até, o esquecimento forçado do próprio dialeto vêneto. No entanto, quando as pessoas ligadas à produção vitivinícola perceberam que os turistas não se deslocariam para a região apenas para comprar uma garrafa de vinho, mas o que os atraia – e atrairia cada vez mais – era ver as velhas casas de pedra e de madeira erguidas na paisagem montanhosa da Serra, o jeito do descendente italiano falar, as comunidades rurais onde o passado parecia ter estacionado no tempo, ficou claro que o diferencial da região não era apenas a qualidade do bom vinho local mas, sobretudo, justamente aquilo que os descendentes tentaram apagar e destruir com a máxima força e rapidez possível ao longo das últimas décadas. O vinho, o turista poderia comprar em qualquer supermercado do centro do país, mas a experiência de viver um pouco daquela história, somente deslocando-se para a região da Serra Gaúcha.

Se dependesse apenas do IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional –, que apesar do excelente trabalho, sempre esbarrou nas limitações orçamentárias, o processo de preservação não teria sido tão eficaz. Portanto, a percepção de que o sucesso econômico do turismo local estaria diretamente associado à preservação do patrimônio histórico-social contribuiu para com a desaceleração desse processo de destruição enquanto que, paralelamente, promoveu o inicio de um trabalho de resgate de todo o universo do imigrante italiano. É bem verdade, também, que o turismo patrocinou heresias em nome dessa “italianização” muitas vezes exagerada, mas foi essa conscientização, pelo bem e pelo mal, que despertou o interesse das produtoras em filmar as paisagens serranas inaugurando, assim, um circulo virtuoso que aproximou o turismo e a produção audiovisual. Esse processo, o qual se intensificou a partir dos anos 2000, teve início nos anos 1980, com o projeto de modernização e qualificação do vinho da região mas, também, com a realização do filme O Quatrilho, em 1995.

Para que o projeto vitivinícola do Vale dos Vinhedos – primeira Região de Denominação para o vinho brasileiro – surtisse efeito, além de melhorar a qualidade da bebida, era preciso também preservar a memória dos imigrantes, pois um conceito estava diretamente relacionado ao outro. No entanto, devido ao rápido processo de apagamento da memória, mais do que resgatar, era preciso salvar essa história. Um dado que ajuda a reforçar tal afirmação vem da própria UCS. Apesar da relação direta da instituição com a história da Serra Gaúcha, as primeiras pesquisas acadêmicas sobre a imigração italiana, ainda de forma incipiente, começaram apenas no final da década de 1970. Ou seja, até esse momento muita coisa já havia se perdido. O projeto ECIRS – Elementos Culturais da Imigração Italiana no Nordeste do Rio Grande do Sul, iniciado 1978 junto à UCS a partir de pesquisadores como Cleodes Maria Piazza, José Clemente Pozzenato e do fotógrafo Aldo Toniazzo, foi determinante para a preservação dos bens e valores culturais das comunidades rurais da região.

Os registros fotográfico, oral e videográfico do ECIRS, inclusive, fundamentaram a pesquisa da produção d’O Quatrilho, filme dirigido por Fábio Barreto a partir do livro homônimo de José Clemente Pozzenato. Essa obra se mostrou essencial no processo de reconhecimento dos valores culturais dos imigrantes italianos e, consequentemente, ponto de virada determinante naquele momento decisivo para a Serra Gaúcha. As filmagens mobilizaram várias cidades como Carlos Barbosa, Garibaldi, Bento Gonçalves, Farroupilha, Caxias do Sul, Antônio Prado as quais, de repente, passaram a receber artistas até então vistos apenas na televisão. Sem dúvida, isso despertou até o mais cético dos “gringos” para o fato de que havia alguma coisa na sua cidade – e naquela história – que merecia melhor atenção.

O Quatrilho é um dos filmes da chamada “Retomada do Cinema Brasileiro”, uma espécie de renascimento da produção nacional que ocorreu alguns anos após o Presidente Fernando Collor de Melo ter extinguido a EMBRAFILME – Empresa Brasileira de Filmes, praticamente aniquilando o setor cinematográfico brasileiro. A título de registro, é irônico pensar que exatamente no mesmo momento quando esse texto foi escrito, o Presidente Jair Bolsonaro atacava a ANCINE – Agência Nacional do Cinema Brasileiro, entidade que veio a ser criada após a “Retomada” e, desde então, passou a regular e incentivar a produção audiovisual nacional. Segundo o site da ANCINE, O Quatrilho fez uma bilheteria de 1.117,754 espectadores, gerou muita publicidade, teve veiculação televisiva, foi distribuído para o mercado de Home Video e foi indicado ao OSCAR de Melhor Filmes Estrangeiro em 1996. Não levou o tão esperado prêmio, mas a partir dessa experiência tudo mudou. Não apenas pelo retorno de imagem do filme, mas também porque o próprio mercado de cinema e televisão sofreu uma transformação radical com a chegada das novas tecnologias digitais as quais contribuíram, decisivamente, para com o aumento da produção, bem como proliferação das janelas de recepção de uma produção cada vez mais pujante. Esse fenômeno foi mundial mas, especificamente no Brasil, coincidiu com o desenvolvimento de uma política de incentivo à produção audiovisual estável e relativamente constante mantida pela ANCINE.

No Rio Grande do Sul, particularmente, também contamos com a experiência do Núcleo de Especiais da RBS TV o qual, ao longo de 15 anos, desde 1999, ajudou a viabilizar inúmeros projetos de curtas-metragens. Muitos foram filmados na região. Para se ter uma ideia, desde o primeiro programa realizado na Serra Gaúcha, Mundo Grande do Sul – Viagem à Terra da Fartura (2001), de João Guilherme Barone, passando por Brasile – 180 anos da Imigração Italiana (2005), de André Constantin, Sapore d’Italia (2011), a primeira série de ficção da RBS TV – e do Rio Grande do Sul – a ser filmada no exterior, dirigida por mim e pelo Rafael Ferretti em mais de 20 cidades entre a Serra Gaúcha e a Região do Vêneto, na Itália, até o último programa gravado na região, em 2012, Se milagres desejais, de Andre Constantin e Nivaldo Pereira, foram, segundo Gilberto Perin e Alice Urbin – responsáveis pelo Núcleo de Especiais – 21 programas produzidos e exibidos aos gaúchos, aos sábados à tarde, após o tradicional Jornal do Almoço. Tal projeto, além de mobilizar a economia das cidades onde as histórias se passavam, também contribuía para com um sentimento regional de valorização da própria cultura.

Então, durante esse período de pujança do audiovisual brasileiro – e gaúcho – inúmeras produções procuraram as prefeituras da Serra Gaúcha como parceiras. Não por acaso, a primeira Film Commission do Rio Grande do Sul – um órgão que existe em várias cidades, estados e países do mundo para receber e facilitar as produções audiovisuais – foi criada em Bento Gonçalves pela então Secretária do Turismo, Ivane Fávero. Tal iniciativa foi repetida também em Garibaldi e, essas duas Film Commissions foram responsáveis, desde então, por capitalizarem inúmeros projetos. Para citar apenas alguns, os longas-metragens Real Beleza (2013) e Saneamento Básico (2007), filmados em Bento Gonçalves, Santa Tereza e Monte Bello, além da série da Globo, Decamerão, a Comédia dos Sexos (2009), gravada em Garibaldi, todos os três dirigidos por Jorge Furtado. Segundo dados das próprias Film Commissions, além destas produções da Casa de Cinema de Porto Alegre, também vale destacar os longas-metragens O céu sobre mim(2012), uma produção da produtora caxiense Spaghetti Filmes, com direção do italiano Gian Vittorio Baldi; A Oeste do Fim do Mundo(2012), de Paulo Nascimento; Os Senhores da Guerra (2012), de Tabajara Ruas e O Filme da Minha Vida (2017), de Selton Mello. A paisagem e as características culturais da Serra Gaúcha também estiveram presentes em novelas, reportagens, comerciais de TV, DVDs como, por exemplo, o programa Estrelas, da TV Globo, gravado em 2017; o documentário Nas trilhas da imigração italiana, gravado em 2017, pela RAI italiana, a novela da Globo, Tempo de Amar, também de 2017; o comercial de Natal da Coca-Cola, de 2015; a novela Além do Tempo, também da Globo, gravada em 2015 e o DVD Chitãozinho & Xororó – Ao vivo em Garibaldi, dirigido por Paulo Nascimento e Gilberto Perin, ainda em 2003, muito antes da implantação da Film Commission, o qual vendeu mais de 40 mil cópias. Ali perto, a pequena cidade de Cotiporã serviu de locação para Os famosos e os duendes da morte (2009), longa-metragem de Esmir Filho, o qual foi filmado também em outras cidades da região, além do documentário Morro do Céu (2009) e do longa-metragem de ficção Os Dragões (2018), ambos de Gustavo Spolidoro. Para fugirmos um pouco da chamada Região da Uva e do Vinho, vale lembrar que Perin e Gustavo Fogaça dirigiram o DVD, Casa da Bossa – Especial Tom Jobim, produção que levou para Canela, em 2005, uma constelação de artistas da Música Popular Brasileira. Importante destacar, também, a inédita experiência ocorrida a partir de 2006, em Flores da Cunha, através de um programa da cidade com a Comunidade Europeia o qual viabilizou, financeiramente, a realização de 10 curtas-metragens sobre a valorização da identidade cultural e turística dos territórios colonizados por italianos na América Latina. Temáticas ligadas às heranças da imigração como a safra da uva, cotidiano das colônias, religiosidade, produção do vinho, dialeto, gastronomia, papel das mulheres, foram abordadas pelas produções locais que tiveram como coordenador – e diretor de alguns curtas-metragens – o realizador Juliano Carpeggiani.

Nem todas produções gravadas na Serra abordaram, diretamente, a história dos imigrantes italianos. Mesmo assim, o simples fato de as obras registrarem a paisagem – natureza, construções, pessoas e seus sotaques – já é, em si, um ato de preservação da memória. Assim, todas essas produções, e tantas outras impossíveis de listar nesse texto, contribuíram para com a divulgação da Serra Gaúcha. Não por acaso, as duas Film Commissions criadas na região nasceram de dentro das Secretarias de Turismo mas poderiam, também – e em muitos lugares do mundo é o que ocorre – terem sido alocadas junto às Secretarias de Indústria e Comércio pois, como já citado anteriormente, a economia dos municípios onde ocorre uma filmagem ganha muito com a chamada Indústria Criativa. Uma produção artística sempre demanda fornecedores como hotéis, para receber as equipes; restaurantes e/ou supermercados, para suprir a alimentação; postos de gasolina, para abastecer caminhões, carros e vans envolvidos nas filmagens, além de material de ferragem e marcenaria para cenários e costureiras para os figurinos. Tudo isso significa receita que permanece nas comunidades e incrementa a economia local. Tudo isso gera empregos, paga impostos e é necessário para que aquela obra artística, vista no cinema e na televisão, possa sair do roteiro e acontecer, através do trabalho exaustivo de milhares de profissionais de inúmeras áreas.

Mas, mais do que a chamada economia direta, essas produções também influenciam corações e mentes, ao mesmo tempo que divertem, educam, provocam reflexão, informam, valorizam e divulgam as regiões e culturas, além de contribuir para com a preservação da memória dos povos. E aqui percebemos o quanto isso é importante para a própria economia. Os Estados Unidos, sempre uma referência para nós, brasileiros, aprenderam desde cedo a importância do cinema e influenciaram o mundo, ao longo de todo o século passado, através das produções de Hollywood. A França, por outro viés, tem no cinema uma das suas principais ferramentas de integração cultural. Enquanto isso, Espanha, Canadá, Reino Unido, Japão, Argentina,  para citarmos apenas alguns países, vêm aumentando consideravelmente os incentivos para o desenvolvimento de suas indústrias do entretenimento e da cultura. Portanto, os países que investirem no audiovisual e suas inúmeras ramificações, certamente terão mais chances de não apenas sobreviverem ao futuro mas, principalmente, de se afirmarem culturalmente perante as demandas apontadas para as próximas décadas. Resta ao Brasil perceber aquilo que a Serra Gaúcha já descobriu. No final, parece que os italianos que vieram para o Estado com uma mão na frente e outra atrás também carregavam, no seu sangue, o DNA do entretenimento como negócio.

* Ivanir Migotto (nome artístico, Boca Migotto) é formado em Publicidade e Propaganda e estudou cinema na Saint Martins College, em Londres. É Especialista em Cinema e Mestre em Comunicação pela Unisinos, onde também foi professor e coordenador-adjunto do Cursos de Realização Audiovisual, além de atuar nos Cursos de Jornalismo e Comunicação Digital. Também foi professor no Curso de Publicidade e Propaganda da Faculdade Cenecista de Bento Gonçalves, onde coordenou o Núcleo de Produção Audiovisual e o Curso de Extensão É tutto vero. Está no último ano do Doutorado em Comunicação na UFRGS – Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Nouvelle Sorbonne – Paris 3. Como realizador, dirigiu e roteirizou mais de 20 curtas-metragens em ficção e documentário, além de séries de TV, comerciais e videoclipes. Os documentários longas-metragens Filme Sobre um Bom Fim (2015), Pra ficar na história (2008) e Já vimos esse filme (2018) são seus principais trabalhos. Atualmente, realiza seu quinto longa-metragem, sobre o Cinema Gaúcho pós-década de 1970, paralelamente à Tese de Doutorado.

BIBLIOGRAFIA

Brasil e Itália em tempo de cinema – RECINE – Revista do Festival Internacional de Cinema de Arquivo – Ano 8 – Número 8 – Arquivo Nacional – Novembro de 2011. Acessado em Agosto/2019 em: https://imigracaohistoricablog.files.wordpress.com/2016/12/brasil-e-italia-em-tempo-de-cinema-recine.pdf

CECÍLIA CORRÊA, Ricardo. O Acervo Leopoldis-Som. Trabalho de Conclusão de Curso – UFRGS – Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação, 2013. Acessado em Agosto/2019 em: https://lume.ufrgs.br/handle/10183/88679

ZANIN, Luis Fernando Zanin Oricchio. A Presença Italiana no Cinema Brasileiro. Cinema Cultura & Afins, 18 de junho de 2017. Acessado em Agosto/2019 em: https://luizzanin7.wordpress.com/2017/06/18/presenca-italiana-no-cinema-brasileiro/

Site Casa de Cinema de Porto Alegre. Acessado em Agosto/2019 em: http://www.casacinepoa.com.br/

Site UCS – Universidade de Caxias do Sul/ ECIRS – Elementos Culturais da Imigração Italiana no Nordeste do Rio Grande do Sul. Acessado em Agosto/2019 em: https://www.ucs.br/site/instituto-memoria-historica-e-cultural/ecirs/

Site Observatório Brasileiro do Cinema e do Audiovisual – ANCINE – Agencia Nacional do Cinema. Acessado em Agosto/2019 em: https://oca.ancine.gov.br/

Sobre as produções citadas, as relações das obras e informações sobre as produções vieram do contato direto com as seguintes fontes (não sei como citá-las segundo ABNT):

– Gilberto Perin – ex-Coordenador do Núcleo de Especiais da RBS TV (ele não trabalha mais na RBS, então é um contato direto com ele e não com a empresa)

– Juliano Carpeggiani – ex-Coordenador do Núcleo de Produção Audiovisual de Flores da Cunha.

– Film Commission de Bento Gonçalves – RS

– Film Commission de Garibaldi – RS

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MAR ABERTO | Sobre trens e cinema https://redesina.com.br/mar-aberto-sobre-trens-e-cinema/ https://redesina.com.br/mar-aberto-sobre-trens-e-cinema/#respond Thu, 19 Oct 2023 13:14:24 +0000 https://redesina.com.br/?p=120176 por Boca Migotto Os trens e o cinema sempre tiveram uma relação bastante próxima. Tão próxima que fica difícil até dizer qual chegou primeiro. Historiograficamente, talvez possamos afirmar que foi o trem o primeiro a nascer, mas tudo depende do ponto de referência inicial. Se pensarmos na máquina a vapor, por exemplo, é preciso voltar …

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por Boca Migotto

Os trens e o cinema sempre tiveram uma relação bastante próxima. Tão próxima que fica difícil até dizer qual chegou primeiro.

Historiograficamente, talvez possamos afirmar que foi o trem o primeiro a nascer, mas tudo depende do ponto de referência inicial. Se pensarmos na máquina a vapor, por exemplo, é preciso voltar ao ano de 1681 quando, em Pequim, um jesuíta belga chamado Ferdinand Verbiest teria idealizado o primeiro protótipo do que poderia vir a se tornar o trem. Já em 1769 foi a vez de um francês dar sua contribuição a essa história. O militar Joseph Cugnot apresentou, aos seus superiores, uma máquina a vapor capaz de carregar as munições do exército de um lado para o outro dentro do quartel. Como toda grande invenção, entretanto, também a tecnologia do trem seguiu sendo estudada e aperfeiçoada ao longo dos anos por inúmeras pessoas.

Assim, nesse trote em direção ao futuro, Richard Trevithick, um engenheiro inglês, em 1804, conseguiu construir uma locomotiva a vapor que puxou cinco vagões com dez toneladas de carga e mais setenta passageiros. Tudo isso a uma velocidade de oito quilômetros por hora. Foi também outro inglês, e não é por acaso que a Inglaterra foi a grande disseminadora dos trens pelo mundo, quem deu a contribuição derradeira para o desenvolvimento do transporte ferroviário. Em 1814, George Stephenson construiu a primeira linha de trem, a primeira locomotiva e diversos vagões de carga que deram conta de trinta toneladas de carvão que foi transportado desde as minas de Darlington, por sessenta e um quilômetros e a uma velocidade de seis quilômetros por hora, até a cidade de Stockton. Algo impressionante. Tão impressionante que, apenas quatro anos depois, o mesmo Stephenson foi chamado para construir a primeira linha férrea entre duas cidades: de Liverpool à Manchester. Justamente a região onde estava ocorrendo a Revolução Industrial que transformou as dinâmicas econômicas e sociais em todo o planeta desde então.

Há outros nomes que se misturam a essa história e que contribuíram para que, já no início do século XX, o mundo fosse costurado por mais de quatrocentos mil quilômetros de linhas férreas – por cima e, inclusive, por baixo da terra – mas, para os objetivos desse texto, acho que essa contextualização já é suficiente. Passemos, agora, ao cinema que, embora assim como os trens e todas as grandes invenções, também conta com diversos pais – e mães que foram apagadas da história –, ganhou uma data e um local de nascimento. Paris, 28 de dezembro de 1885, por conta de uma exibição pública e coletiva de uma série de curtas-metragens captados pelas lentes do cinematógrafo desenvolvido pelos Irmãos Lumière. Mas, até chegarmos a esse momento sublime da modernidade, e para sermos justos com a História – com “H” maiúsculo – novamente é preciso regressar ao passado.

Por isso, se pensarmos que houve todo um processo de desenvolvimento e pesquisa da tecnologia cinematográfica para antes dos Irmãos Lumière ou, ainda, que o próprio cinema, como devir – ou seja, algo que já existia como imaginário mesmo antes de surgir a tecnologia capaz de filmar e projetar imagens em movimento – remonta ao homem das cavernas, estamos afirmando que a ideia de contarmos histórias através do uso da luz é algo que nos acompanha desde sempre. Afinal, uma tocha iluminando uma sequência de desenhos na parede de uma caverna não deixa de ser a própria essência do cinema: luz provocando a sensação de movimento. Mas mesmo que não queiramos voltar tanto assim no tempo, é impossível falar da invenção do cinema sem citar o “Teatro das Sombras”, por exemplo, praticado pelos chineses há mais de cinco mil anos antes de cristo.

Assim como a invenção do trem, desde então, inúmeros nomes emprestaram sua genialidade para o desenvolvimento desta tecnologia que permitiu o surgimento da imagem em movimento.

Leonardo da Vinci, no século XV, desenvolveu a “Câmera Escura”, provavelmente a primeira “tecnologia cinematográfica”. No século seguinte, o alemão Athanasius Kirchner criou a “Lanterna Mágica”, inspirado no experimento do próprio da Vinci. Em 1832, Joseph-Antoine Plateau criou o “Fenacistoscópio” – cada nome! – uma espécie de prato com inúmeras imagens desenhadas em posições diferentes que, ao ser girado com velocidade, criava a sensação de movimento. Hoje, isso tudo parece brincadeira de criança, mas na época cada novidade destas era mais um passinho em direção ao grande sonho do ser humano em apreender e reproduzir o mundo ao seu redor. E nesse processo, inúmeros outros personagens contribuíram mas, sem sombra de dúvida, a invenção da fotografia – ela também, cheia de pais como os franceses, Joseph Nièpce e Louis Jacques Daguerre, e o inglês, William Fox Talbot – permitiu que a coisa toda deixasse de ser uma “brincadeira de adultos” para se transformar em “coisa séria”. Afinal, a partir da fotografia não estávamos mais falando de desenhos e pinturas em movimento mas, sim, a própria realidade circundante que, a partir de então, poderia ser apreendida em toda sua verdade – conforme acreditavam na época –, através das lentes fotográficas. A história, claro, é longa e cheia de outros personagens e inúmeros hiperlinks que merecem o devido aprofundamento, mas é impossível chegar nos Irmãos Lumière sem lembrar, ainda, das experiências de Étienne-Jules Marey e Edward Muybridge. Este último responsável por capturar os movimentos de um cavalo para provar que, em determinado momento, o animal tiraria as quatro patas do chão. Essa experiência, digamos, mais do âmbito da curiosidade biológica, revolucionou a técnica do movimento aplicado à fotografia e, a partir daí, então, foi um pulinho para chegarmos em Thomas Edison, nos Estados Unidos, os Irmãos Skladanowsky, na Alemanha e, claro, os Lumière, na França.

Estamos no final do século XIX, o período das transformações tecnológicas e da Belle Époque, quando a França era percebida como o centro do mundo artístico e a Inglaterra o centro comercial e industrial do planeta. O trem, já há algumas décadas era considerado a própria metáfora dos novos tempos. Tempo, este, que inclusive estava no centro do progresso. Com a indústria passou a ser necessário marcar o tempo do trabalho para que este adquirisse um valor monetário. Assim, a relação entre o cotidiano das pessoas com o tempo altera completamente, e definitivamente, a nossa relação com o espaço. A natureza perde importância e é apreendida pela dinâmica das cidades que, agora, inclusive, e justamente por conta dos trens, parecem todas ainda mais próximas umas das outras. Com o trem, a impressão era de que o tempo havia sido dominado e as distâncias entre cidades e países encolhido dramaticamente. Não por acaso, ainda antes de iniciada a relação entre o cinema e os trens, estes foram tema da pintura. O movimento, fenômeno intrínseco tanto ao cinema como aos trens, tentou ser apreendido e reproduzido por William Turner, por exemplo, no seu quadro Chuva, vapor e velocidade, de 1844. De forma semelhantes, Claude Monet, antecipando os próprios Irmãos Lumière, vai pintar a Gare Saint Lazare, em 1877. Ou seja, o universo do trem passa a ser temática para os artistas que logo percebem que as dinâmicas sociais estão sendo completamente modificadas com a chegada dessa nova tecnologia. Por isso, foram inúmeros os pintores e fotógrafos que se dedicaram ao registro e representação do trem mas, certamente, nada se compara A chegada do trem à estação (1895) pois, além da impressionante imagem em movimento daquela máquina à vapor que parecia irromper a tela do cinema – conta-se a lenda (ou não) que algumas pessoas gritaram e se jogaram das cadeiras por medo de serem atropeladas pela imagem – esta, sobretudo, marca o nascimento do próprio cinema.

Desde então, trens e filmes não mais se largaram.

Após os Irmãos Lumière, ainda em Paris, temos Georges Méliès, considerado o pai do cinema de ficção e do cinema de ficção científica. Era um tempo quando tudo parecia possível ao ser humano e os temas preferidos de Méliès, um mágico que se apaixonou pela potencialidade da tecnologia cinematográfica, dialogavam com as mesmas temáticas de outro francês muito famoso e imaginativo, o escritor Julio Verne. Por isso, viagens à lua, aventuras no fundo do mar e deslocamentos em trens voadores eram histórias que agradavam o cineasta por conta da possibilidade de experimentar os efeitos especiais que o cinema permitia e, ao público, sobretudo, porque essas histórias dialogavam com aquele período de inúmeras transformações tecnológicas. A relação entre o cinema e os trens, no entanto, não se limita à Cidade Luz. Logo apareceu, também, no cinema americano. The great train robbery, que Edwin S. Porter realizou em 1903, é considerado, já, uma evolução na linguagem cinematográfica. E, esta, a partir desse momento, vai dar um salto gigantesco, ao ponto de, em apenas vinte anos, não apenas já estar consolidada como, também, já passar a ser questionada e descontruída pelas inúmeras vanguardas europeias que surgirão no período entre guerras.

Mas isso é outra história. Linguagem clássica ou desruptiva, não importa, o cinema e os trens se enamoraram de tal forma que é praticamente impossível pensar os filmes ambientados no Far West, por exemplo, sem imaginar um trem. Aliás, ele próprio, ferramenta indispensável para a colonização de toda Costa Oeste. Ao mesmo tempo, trens e estações se tornaram cenários, metáfora e até personagens de diversos filmes ao longo das décadas. O Assalto ao Trem Pagador (1962), de Roberto Farias, Pacto Sinistro (1951), de Alfred Hitchock, Matar ou Morrer (1952), de Fred Zinnermann, Quanto mais Quente Melhor (1959), de Billy Wilder, Quinteto Irreverente (1982), do italiano Mario Monicelli, Il ferrovieri (1956), do também italiano Pietro Germi, A Ponte do Rio Kwai (1957), Lawrence da Arábia (1962) e Doutor Jivago (1965), os três de David Lean, todos estes filmes que carregam o imaginário do trem em suas cenas, sejam elas de romance, perseguição, violência ou um simples deslocamento dos personagens.

Realizadas as devidas e necessárias contextualizações, é chegado o momento de falar sobre o que me motivou a escrever sobre trens e cinema.

Tudo começou porque essa semana trabalhei em um roteiro de curta-metragem, para um edital, no qual a história se passa em uma antiga estação ferroviária da Serra Gaúcha. Foi quando – e agora não sei mais o que vem antes ou depois – me dei conta da minha própria relação com os trens e com o cinema. Também na minha vida foi o trem que chegou antes. Muito antes do cinema. Nasci e cresci em Carlos Barbosa, no centro da cidade e bem próximo da estação ferroviária que, para mim, a partir de certa idade, era como se fosse o quintal da minha casa. Já não existia aquele movimento intenso e frenético de trens e pessoas indo e vindo o tempo todo. A própria estação já não funcionava mais para passageiros e, estes, naquela época, apenas embarcavam em trens se fosse para fazer turismo. Eu mesmo fiz um passeio de Maria Fumaça – essa mesma que hoje faz o roteiro turístico regular entre Bento Gonçalves e Carlos Barbosa – com o meu pai. Desde o centro de Carlos Barbosa até Jaboticaba. Lembro que o passeio era incrível, com quedas d’água ao longo do trajeto, passava por desfiladeiros, pontes, viadutos e vários túneis dentre os quais, o último, em forma de Y. Dava para ver direitinho, a Maria Fumaça entrava na montanha e, lá dentro, aos poucos, surgiam duas luzes no fim do túnel. Essas duas luzes iam aumentando até, finalmente, o trem seguir na direção de uma delas.

Mas voltando aos trens e o cinema, se mal ou bem os primeiros ainda passaram pela minha infância, o mesmo não posso dizer sobre o cinema. Durante toda minha infância Carlos Barbosa não teve sala de cinema e, por isso, a primeira vez quando vi um filme, fora da televisão, eu já tinha quase dezoito anos. Foi quando reformaram a mesma estação ferroviária da qual falei acima e, lá, instalaram o Cine Ideale. Sim, o nome precisava ser em italiano. Mas, se isso não lhe parece clichê o suficiente, o que vocês diriam do primeiro filme que vi nessa sala de cinema? Cine Paradiso (1990), de Giuseppe Tornatore. Sim, um filme sobre o amor ao cinema e, sobretudo, um filme italiano. E belíssimo, é preciso reconhecer. Mas o que importa é revelar que, desde então, passei a frequentar aquela sala de cinema todos os finais de semana. Cheguei a fazer parte da associação criada para manter o cinema aberto. Não importava o filme, eu estava sempre lá. Mesmo depois de me mudar para Porto Alegre, ao voltar para Carlos Barbosa, nos finais de semana, eu saia de casa para uma longa noite que começava, claro, com o filme do Cine Ideale. Quando filmaram O Quatrilho (1995), dirigido por Fabio Barreto, em Carlos Barbosa – a cena da festa do casamento foi filmada lá – eu usei a minha carteirinha de sócio do cinema para furar a barreira de segurança e chegar perto das filmagens. Lembro que eu mostrei a carteirinha para o segurança, ele olhou e gritou para o colega dele, mais adiante, que eu estava autorizado a passar porque “ele é do cinema”. Aquele dia foi a primeira vez que vi um set de filmagem pertinho de mim. Mal sabia eu que, um dia, eu mesmo trabalharia em sets de filmagens.

Mas eu preciso confessar algo antes de seguir com esse texto. Quando disse que eu tinha dezoito anos ao entrar, pela primeira vez, numa sala de cinema, eu não quis dizer, necessariamente, que esta tinha sido a primeira vez que vi um filme ser projetado. E a primeira vez a gente não esquece.

Bem antes de inaugurarem o Cine Ideale houve uma outra experiência. Uma única vez, mas impactante. Eu ainda era criança, talvez cinco ou seis anos, e a estação ferroviária, como disse, ainda recebia os trens. Uma noite saímos de casa, eu, minha mãe e meu pai, levando cadeiras, para uma projeção de filmes que aconteceria na estação, ao ar livre. Toda cidade estava lá. Bom, toda cidade que eu conhecia estava lá. Não lembro exatamente dos filmes, mas da sensação em ver aquelas imagens sendo projetadas sobre um daqueles vagões-baú, que estavam estacionados sobre os trilhos. Isso tudo, claro, foi marcante também por conta de toda a atmosfera. Algo assim não acontecia todas as noites e, naquela noite específica, quando as pessoas estavam sentadas em suas cadeiras, a temperatura estava agradável e havia um sentimento coletivo irmanado àquela experiência cinematográfica. Embora não lembre dos filmes, especificamente, nunca esqueci que eram filmes curtos e em preto e branco. Não seria um absurdo imaginar que, naquele momento e circunstância, e levando em conta que se tratava de filmes curtos e em preto e branco, um deles fosse, justamente, A chegada do trem à estação. Inclusive, seria muito decepcionante se os responsáveis por aquela projeção inesquecível não tivessem pensado nisso. O fato é que aquela noite e aquelas imagens em movimento projetadas sobre os vagões do trem me marcaram tanto que, quando lancei Pra ficar na História (2016), filmado em Garibaldi, fiz questão de fechar as ruas do centro da cidade e fazer o lançamento do longa-metragem ao ar livre. Vai que eu tenha encantado algum menino ou menina de cinco ou seis anos como eu mesmo fui encantado aquela noite dos anos 1980.

O cinema é luz. E, além disso, sua história é carregada de coincidências e contradições. Sempre me chamou a atenção, por exemplo, que o sobrenome dos “pais do cinema” significasse, justamente, “luz” em francês. Se o cinema é luz e essa luz associada ao movimento produz o efeito mágico que tanto permitiu que contássemos inúmeras histórias através dessa tecnologia, o trem, por sua vez, é a própria essência do movimento. E, de certa forma, quando estamos dentro de um trem, olhando pela janela, a gente vê o mundo passar em frente aos nossos olhos. Novamente, o movimento. Não é por acaso que, no final do século XIX, tanto um quanto o outro eram símbolos da modernidade e dos sonhos. De formas diferentes, ambos nos levam viajar.

Eu já fiz filme sobre trens. Um em Bento Gonçalves, quando dava aula e montamos um curso de extensão em cinema. Professores e alunos se juntaram para contar a história da ferrovia do trigo e daqueles viadutos impressionantes que passam por Muçum, Encantado, enfim, aquela região toda. O outro filme é um média-metragem, e foi feito no Norte do Estado. Conta a história da primeira ferrovia a ligar o Rio Grande do Sul a então capital, Rio de Janeiro. Os dois filmes envolvem pessoas idosas contando histórias do passado, quase sempre utilizando construções antigas como cenário e, sempre, desencadeando uma forte nostalgia sobre o passado ferroviário. Histórias sobre trens, contadas através do cinema. Histórias sobre coisas velhas e fora de moda, ao menos para nós, brasileiros, que a tudo e todos descartamos em nome da novidade.

Mas até esses filmes já faz tempo que eu realizei. Hoje eu estou com quase cinquenta anos e já começo a sentir o peso da idade.

As dores chegam e permanecem por mais tempo. Ainda de leve, mas já anunciam o que eu posso vir a encontrar nas esquinas de um futuro não tão longínquo assim se não levar uma academia a sério. Aliás, hoje mesmo, para fechar esse texto, estou trocando as flexões em nome das reflexões. E exercitar o cérebro é tão importante quanto, afinal, também a memória já não é mais a mesma. Mas o que me deixa mais indignado sobre o fato de envelhecermos é que, para um progressista convicto como eu, muitas vezes me vejo mais conservador do que gostaria de ser. Por último, mas não por fim, cada vez mais percebo a morte torna-se uma amiga bem próxima. Inclusive, às vezes, até uma sábia conselheira.

Aos poucos me vejo chegando na idade das pessoas que eu costumava dizer, brincando, que “têm histórias para contar”. Afinal, jovens têm muitas coisas, mas convenhamos, histórias para contar lhes faltam. Aos poucos, como uma velha Maria Fumaça que hoje é peça de museu ou um objeto exótico utilizado para o turismo, me vejo chegando à idade quando nos aposentam em nome do moderno. Até o cinema, aquele de película, já foi aposentado. De certa forma, as salas de cinema estão, também, sendo aposentadas. Ano após ano. O filme Retratos fantasmas (2023), do Kleber Mendonça Filho, é um documentário que mostra isso de forma poética, a partir do Recife. Mas poderia ser qualquer cidade brasileira onde os grandes cinemas do passado dão espaço para igrejas evangélicas, estacionamentos ou farmácias. Religião, carro e “remédios”. Estamos mesmo muito doentes.

Enquanto isso, aos poucos, todos nós e tudo ao nosso redor, vira uma grande peça de museu em um país que não dá a mínima para museus. Trens, casas antigas, estações e até salas cinemas podem ser restaurados e procurados por turistas, por interessados em história e na memória, mas nós, seres humanos, quando somos aposentados, só nos resta sentar, acompanhados das nossas dores, e esperar pela a morte e pelo esquecimento. Talvez seja justamente por isso eu faço cinema, documentários sobretudo, escrevo livros, fotografo o mundo ao meu redor, pesquiso histórias e tenho, inclusive, retornado à faculdade para estudar História. É tudo uma obsessão por dar uma sobrevida às memórias. É uma forma de fazer com que as pessoas, assim como trens, casas antigas e salas de cinema, também tenham uma segunda chance de serem vistos e escutados. Mas, eu não me engano com isso. Sei bem que, lá no fundo, é também uma forma de tentar evitar que esqueçam de mim, assim como estão esquecendo dos trens e do cinema.

I. BOCA MIGOTTO

I., de Ivanir, Boca Migotto é cineasta, pesquisador, fotógrafo e escritor. Publicitário formado pela Unisinos, cedo se deu conta que estava na área certa – a Comunicação – mas no curso errado. Formado, então, largou tudo e foi para Londres. Nos dois anos que permaneceu na Inglaterra fez de tudo: lavou prato, fez café, foi garçom e auxiliar de cozinha, estudou inglês e cursou cinema na Saint Martins College of Arts and Design. Ao regressar para o Brasil, fez Especialização em Cinema e Mestrado em Comunicação, ambos pela Unisinos. Nesta mesma instituição, foi professor de Documentário no Curso de Realização Audiovisual, onde permaneceu por dez anos, atuando também em disciplinas dos cursos de Jornalismo, Comunicação Digital e Publicidade. Finalizou seu Doutorado em Comunicação pela FABICO/UFRGS, com extensão na Sorbonne/Paris 3. Foi quando morou em Paris, aliás, que decidiu lançar seu primeiro livro de ficção “Na antessala do fim do mundo”. Como cineasta – diretor e roteirista – realizou mais de vinte curtas-metragens e séries de TV, além dos longas-metragens “Filme sobre um Bom Fim”, “Pra ficar na história”, “O sal e o açúcar” e “Já vimos esse filme”. Em 2021 lançou seu segundo livro “Um certo cinema gaúcho de Porto Alegre”, resultado da sua pesquisa de doutorado. Neste ano de 2023 está lançando seu terceiro livro “A última praia do Brasil” pela editora Bestiário em parceria com a Rede Sina. Atualmente é graduando em História- Bacharelado na PUCRS.

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Após ter lançado a adaptação da sua tese de doutorado em livro, Um certo cinema gaúcho de Porto Alegre – ou como o cinema imaginou a capital dos gaúchos, que ocorreu no Festival de Cinema de Gramado ano passado, Boca Migotto apresentou no Festival, o segundo produto originado da sua pesquisa, o documentário: Um certo cinema gaúcho de Porto Alegre.

O filme será exibido no Festival de Cinema de Santa Maria-SMVC, dia 22 de setembro, às 15h no Theatro Treze de Maio, logo após haverá bate-papo com diretor e às 17h ainda no teatro, Boca lança seu romance “A Última Praia do Brasil”, uma publicação da parceria da Rede Sina e editora Bestiário.

Sobre o documentário:

O documentário faz um recorte de aproximadamente 40 anos do cinema gaúcho. Seu ponto de partida é o filme Deu pra ti anos 70, de Giba Assis Brasil e Nelson Nadotti, longa-metragem de 1981, que inaugura a ruptura do incipiente cinema urbano porto-alegrense com o cinema que ficou conhecido como de “bombacha e chimarrão”, termo cunhado por Tuio Becker. Deste então, até, aproximadamente, 2016, com a chegada da Novíssima Geração – este termo criado pelo próprio Boca Migotto em seu estudo –, parte do cinema gaúcho ligado à Geração Deu pra ti concentrou-se em realizar filmes urbanos e que destoassem completamente da figura do gaúcho do Pampa e da Fronteira. Mesmo que alguns filmes desses realizadores ditos, “urbanos”, estabelecessem contato com o interior do estado, o universo do gaúcho – a cavalo ou a pé –, bem como uma reflexão sobre o mesmo, se manteve distante das telas desse “certo cinema gaúcho de Porto Alegre”.

Foi necessário aproximadamente 40 anos para que os herdeiros da Geração Deu pra ti retomassem o diálogo com o gaúcho através de filmes como Rifle, de Davi Pretto e Mulher do pai, de Cristiane Oliveira, ambos de 2016. No entanto, se por um lado essa ponte entre a capital e o interior do estado foi reestabelecida, da mesma forma, filmes dessa mesma geração, como Castanha (2014), do mesmo Davi Pretto, assim como Beira-mar (2015) e Tinta bruta (2018) de Filipe Matzembacher e Marcio Reolon, passaram a apresentar, nas telas, uma Porto Alegre bem menos convidativa que aquela constituída pelas câmeras super-8 da Geração Deu pra ti ou, mesmo, pelo longa-metragem em plano sequencia, Ainda Orangotangos (2007), de Gustavo Spolidoro.

Entre a primeira geração, Deu pra ti, que veio a formar a Casa de Cinema de Porto Alegre e a Novíssima Geração, que se caracteriza também por ser a primeira a aprender cinema nos bancos das universidades gaúchas, temos um ponto de virada representado pela Geração Clube Silêncio e os filmes realizados a partir dessa experiência do início dos anos 2000. A Clube Silêncio durou pouco tempo, no entanto, na sua intensa curta duração realizou filmes como Cão sem dono, de Beto Brant e Renato Ciasca, coproduzido pela Clube Silêncio, assim como os longas-metragens Ainda orangotangos – já citado – e Morro do céu, de Gustavo Spolidoro, Última estrada da praia, de Fabiano de Souza e Dromedário no asfalto, de Gilson Vargas, todos ex-sócios da produtora. Estes filmes, colocados na sua ordem de produção, não apenas simbolizam a transição entre a Geração Deu pra ti e a Novíssima geração como, também, explicitam que esta se deu em diversos níveis e de diversas formas, apresentando inúmeras novas leituras desse certo cinema gaúcho de Porto Alegre.

O documentário Um certo cinema gaúcho de Porto Alegre, que já foi exibido no Festival de Vassouras, no Rio de Janeiro e no Santos Film Festival, em São Paulo, agora foi selecionado para a Mostra Gaúcha de Longas-metragens do Festival de Cinema de Gramado, e terá sua primeira exibição em terras gaúchas. O documentário em questão complementa o estudo de Migotto o qual, após a tese de doutorado, foi adaptado para o livro – praticamente esgotado – Um certo cinema gaúcho de Porto Alegre – ou como o cinema imaginou a capital dos gaúchos. É, portanto, também um complemento audiovisual do livro através do qual é possível viajar não apenas pelo cinema gaúcho mas, da mesma forma, pela história do próprio Estado e sua capital. Além de propor que o Rio Grande do Sul, este estado marcado pelas guerras de fronteiras, é, na verdade, uma ponte entre o Brasil e toda a América Latina.

O documentário segue sua carreira em festivais, mas já está confirmado o lançamento da obra para o segundo semestre deste ano.

Sinopse:

                Este documentário aborda quarenta anos, e três gerações, de um certo cinema gaúcho. Portanto, é um filme sobre cinema. Mas não só. É também um filme sobre o Rio Grande do Sul e sua capital, Porto Alegre. Por isso, não deixa de ser, também, um filme sobre a América Latina e sobre a fronteira que aproxima e afasta a América de colonização espanhola do Brasil. Em nenhum outro lugar do país é possível vencer a fronteira em apenas um passo e isso diz muito sobre os gaúchos e sobre o cinema realizado nessas paragens. De um lado a Argentina, o Uruguai e toda a latinoamérica, do outro, o Brasil e, no meio, esse Estado esquizofrênico que, há séculos, busca compreender a si mesmo. Nessas andanças, o cinema gaúcho é quase como um espelho que reflete os inúmeros conflitos deste Brasil ora tropical, ora casi platino.

Sobre o diretor:

Boca Migotto é cineasta, pesquisador e escritor. Publicitário de formação, ao se graduar foi para Londres onde estudou cinema na Saint Martins College of Arts and Design. Ao regressar ao Brasil, cursou Especialização em Cinema e Mestrado em Comunicação, ambos pela Unisinos. Nesta mesma instituição, foi professor de Documentário no Curso de Realização Audiovisual, onde permaneceu por dez anos, atuando também em diversas outras disciplinas nos cursos de Jornalismo, Comunicação Digital e Publicidade. Também atuou como professor na Faculdade Cenecista de Bento Goncalves.

Boca Migotto concluiu, em 2021, o doutorado em Comunicação pela FABICO/UFRGS, com extensão na Sorbonne/Paris 3. Foi também na capital francesa que finalizou seu primeiro livro de ficção Na antessala do fim do mundo. Em 2022 lançou seu segundo livro, Um certo cinema gaúcho de Porto Alegre – ou como o cinema imagina a capital dos gaúchos e, agora em agosto de 2023, está lançando seu terceiro livro intitulado A última praia do Brasil. Desde seu primeiro livro, e por conta das dificuldades que o setor audiovisual passou nos últimos anos, decidiu levar a escrita mais a sério e também começou a escrever uma coluna quinzenal para o site Rede Sina. Recentemente ingressou como Bacharel em História na PUCRS.

Como diretor, roteirista, editor e produtor, realizou mais de 30 curtas e médias-metragens, séries de TV, além dos documentários em longa-metragem Filme sobre um Bom Fim (2015) – um dos títulos mais assistidos do cinema gaúcho – Pra ficar na história (2018), Já vimos esse filme (2017) e O sal e o açúcar (2013). Atualmente, além das aulas de História, em parceria com Gilberto Perin adapta seu livro, A última praia do Brasil, para vir a ser seu primeiro longa-metragem de ficção e também dedica-se a escrita do seu próximo livro, Dona Dora.

Créditos:
Co-produção: TEIMOSO FILMES E ARTES. CONVULTION EPICS
Produtoras Parceiras: PROSA FILMES, EFRAME, CROMAGATO, CAMPITO
Produção – BOCA MIGOTTO – NATÁLIA GUASSO – ALEXANDRE DERLAM. Direção Musical e Produção Musical de Copyright – PAOLA OLIVEIRA. Músicas – E AÍ, MAN? – Reverba Trio – Julio Cascaes – KILL SUMMERTIME – Space Rave – Eduardo Norman e Mariana Kirscher – CINEMA 180 – Plato Divorak & Os Exciters – Leonardo Bomfim Pedrosa e Plato Divorak – DETETIVE – Comunidade Nin-Jitsu – Mano Changes/Fredi Endres – O TINTUREIRO – Reverba Trio  – Julio Cascaes – PEGADAS – Bebeto Alves. Direção de Fotografia – PEDRO CLEZAR. Câmera adicional – BOCA MIGOTTO – GUILHERME NOVELLO – ISABEL ALVES PRUDÊNCIO. Imagens Drone – ALEXANDRE DERLAM DOS SANTOS. Conversão do Material Bruto – JONATAS RUBERT – JOANA BERNARDES. Montagem – EDUARDO PÚA. Som Direto e Desenho de Som – JUAN QUINTÁNS. Assistência de Som Direto – GABRIEL MUNIZ – HENRIQUE GARCIA SOMMER. Pós-produção e Colometria – JULIANO MOREIRA. Motion Graphics – NATÁLIA KOREN – DIOVANE RIELLA – GUILHERME CINTRÃO. Produção Motion Graphics pela eFrame Films and Arts – VOLTI BARBIERI. Design Título – VINI FONTOURA. Motion Design – NATÁLIA KOREN. Trailer – EDUARDO PÚA – Assessoria Jurídica – DANIELA DINIZ FREITAS. Identidade Gráfica – RODRIGO SANTANNA. Produção Executiva – BOCA MIGOTTO – Pesquisa, Roteiro e Direção – BOCA MIGOTTO
Depoimentos – ALEX SERNAMBI – ALICE DUBINA TRUSZ – ALICE URBIM – ANA LUIZA AZEVEDO – ARTHUR DE FARIA – BETO BRANT – BETO RODRIGUES – BIA BARCELLOS – BRUNO POLIDORO – CACÁ NAZÁRIO – CARLOS FERREIRA – CARLOS GERBASE – CRISTIANE OLIVEIRA – CRISTIANO TREIN – DANIEL FEIX – DAVI PRETTO – DIEGO OLIVARI MARTINEZ – EDUARDO WANNMACHER – ENÉAS DE SOUZA – FABIANO DE SOUZA – FATIMARLEI LUNARDELI – FEDERICO OLIVARI – FILIPE MATZEMBACHER – FLÁVIA SELIGMAN – GIBA ASSIS BRASIL – GILBERTO PERIN – GILSON VARGAS – GUSTAVO SPOLIDORO – HIQUE MONTANARI – IVONETE PINTO – JAQUELINE BELTRAME – JORGE FURTADO – JOSÉ PEDRO GOULART – LEO GARCIA – LEONARDO BOMFIM PEDROSA – LEONARDO MACHADO (in memoriam) – LILIANA SULZBACH – LUCAS CASSALES – LUCIANA TOMASI – MARIANA MULLER – MARCIO REOLON – MARCOS CONTRERAS – MARCUS MELLO – MARTA BIAVASCHI – MILTON DO PRADO FRANCO – NELSON DINIZ – NORA GOULART – OTTO GUERRA – PEDRO GUINDANI – ROGÉRIO FERRARI – ROGER LERINA – TABAJARA RUAS – VANISE CARNEIRO – VICENTE MORENO – WERNER SCHUNEMANN – ZÉ ADÃO BARBOSA – ZECA BRITO

SOBRE O FESTIVAL:

SMVC | 16º FESTIVAL DE CINEMA E VÍDEO DE SANTA MARIA ACONTECE DE 21 À 23 DE SETEMBRO NO Theatro Treze de Maio

 

SOBRE O LIVRO:

LIVRO: A ÚLTIMA PRAIA DO BRASIL DE BOCA MIGOTTO

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FESTIVAL DE GRAMADO 2023 ROMPENDO FRONTEIRAS por Beto Rodrigues https://redesina.com.br/festival-de-gramado-2023-rompendo-fronteiras-por-beto-rodrigues/ https://redesina.com.br/festival-de-gramado-2023-rompendo-fronteiras-por-beto-rodrigues/#respond Sun, 27 Aug 2023 11:08:27 +0000 https://redesina.com.br/?p=100098 Algo curioso e instigante é que já estive em 31 edições neste festival, entre as 51 já realizadas, evento que se tornou a principal referência para o cinema brasileiro. Algumas vezes ficando ali em Gramado uns poucos dias, assistindo parte da programação ou indo a algum encontro de cinema e, porque não, às festas. Mas …

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Algo curioso e instigante é que já estive em 31 edições neste festival, entre as 51 já realizadas, evento que se tornou a principal referência para o cinema brasileiro. Algumas vezes ficando ali em Gramado uns poucos dias, assistindo parte da programação ou indo a algum encontro de cinema e, porque não, às festas. Mas na maior parte das vezes ficando a semana inteira ou mais dias, dependendo de sua duração.

A primeira delas foi em 1989, ano marcado pelo emblemático e impactante curta-metragem “Ilha das Flores”, de Jorge Furtado. Agora, 34 anos depois, Jorge, um dos nomes mais relevantes do RS por detrás das câmeras, aparece na tela do festival como personagem em um longa documental sobre Luis Fernando Veríssimo. Ou melhor, buscando o rigor do vocábulo, como participante depoente. Mas isso é só um gancho para começar esse artigo, meu primeiro, aliás, sobre o Festival de Gramado.

Entretanto, não se trata de minha primeira elaboração sobre o festival, considerando que em 1995 realizei um programa especial de TV inteiro sobre sua 23ª edição. Fazia minha pós-graduação em Producción Audiovisual na tradicional Universidad Complutense de Madrid e, ao mesmo tempo, em julho daquele ano, estagiava no Departamento de Televisão da Agencia EFE, em Madri. Ali, pude fazer contato com uma das emissoras públicas transcontinentais que operava em colaboração com a agência, a TEI – Televisión Educativa Iberoamericana. Consegui convencer a direção da emissora, sediada em Madri e viajando por meus próprios meios, a vir como representante de imprensa credenciado para cobrir o festival e, a partir do evento, produzir um programa de 45 minutos, que se intitulou “Iberoamérica a 24 Fotogramas”.

O festival, após a profunda crise do cinema brasileiro, iniciada com a extinção da Embrafilme em março de 1990, e da quase absoluta ausência de fomento público, estava em sua 4ª edição depois de se converter, no ano de 1992, em Festival de Cinema Ibero-americano de Gramado. Naquela edição, 19 anos depois de sua fundação como “Festival do Cinema Brasileiro”, pela primeira vez premiava filmes, profissionais e elencos estrangeiros, marcada pela forte presença mexicana como o filme de Jorge Fons, “Callejon de los Milagros”, obra que praticamente lançou Salma Hayek, cuja carreira decolou após este filme, indo rapidamente parar em Hollywood, começando pelo filme de Robert Rodriguez, A Balada do Pistoleiro. Pois bem, meu programa especial para a TEI, contou com entrevistas, trechos de trailers dos filmes concorrentes e com a apresentação de Carolina Calderón, minha colega colombiana no pós-graduação da Complutense, ela que tinha o tipo e o pendor para ser apresentadora de TV, tudo gravado em Betacam no estúdio de TV da Agencia EFE.

Junto estes dois fragmentos do tempo porque de alguma maneira, em minha disposição de fazer livres analogias, esses momentos se encontraram em meu universo subjetivo nesta 51ª edição do Festival. Primeiro porque me faz recordar nitidamente o cenário onde pisei pela primeira vez o espaço festivaleiro, em agosto de 1989, vindo como credenciado pela Prefeitura de Porto Alegre, onde havia começado a trabalhar, 7 meses antes, como Coordenador de Cinema, Vídeo e Fotografia na gestão do saudoso Luis Pilla Vares, à frente da Secretaria Municipal de Cultura da capital gaúcha. O cenário era de um cinema brasileiro em ladeira descendente no mercado, com o modelo de produção da Embrafilme dando sinais de esgotamento e, naquele momento, com a maior parte dos grupos exibidores de cinema no Brasil, havendo ganho na justiça o direito de não atender à obrigação de cumprimento da cota de tela para o cinema brasileiro. Em suma, conseguir espaços de exibição em salas era difícil ou quase impossível, muito semelhante, por outra razão, mas que não deixa de ser similar aos dias de hoje. Neste momento, não se trata de ações na justiça pelos exibidores reivindicando o direito de não se obrigarem a ocupar suas telas em um percentual de dias do ano com obras brasileiras, como estava estabelecido legalmente naquela época, cujo cumprimento era fiscalizado pela Embrafilme. No corrente ano de 2023, se trata, isto sim, da ausência de cota de tela, após 4 anos de um governo federal que quase asfixiou o cinema e audiovisual brasileiros, tendo como uma de suas anti-metas não dar continuidade às ações políticas vitais existentes até o começo do desgoverno, a exemplo do cumprimento de cota de tela para o cinema brasileiro.

Entramos na edição do festival deste ano, com uma participação de nosso cinema no mercado – conhecida como market share – de menos de 1% das bilheterias no todo do primeiro semestre. Podendo chegar, quem sabe, com uma boa dose de otimismo e confiando nas produções a serem lançadas no segundo semestre, a cerca de 4% do mercado. Número que seria levemente superior ao que alcançamos entre 1992 e 1995, época que podemos chamar de o fundo do poço.

Nesse sentido, o que trouxe de novo o festival e que possa nos dar algum respiro? Talvez a principal novidade seja a (quase) quebra de paradigma, tendo uma comédia, aliás potente, como grande vencedora: Mussum, o Filmis, dirigido pelo ator, produtor, diretor e dramaturgo Silvio Guindane.

Não que seja a primeira vez que uma comédia é premiada, cabendo aqui lembrar o filme de Mauro Farias que, seguindo os passos de seu pai, Roberto Farias, também ganhou o prêmio de melhor filme em Gramado, justamente em 1991, último ano como Festival do Cinema Brasileiro. Uma comédia suburbana estrelada por Evandro Mesquita, Não Quero Falar Sobre Isso Agora. Evandro que depois irá nos brindar com sua veia cômica – que já aparecia nas performances da Banda Blitz – com o incorrigível e hilariante personagem do mecânico Paulão, em A Grande Família.

Ganhar a estatueta de melhor filme, desconstruindo preconceitos, estereótipos e resgatando a riqueza do personagem de Mussum, através de uma dramédia afiada, não só nos permite sair do lugar-comum de que comédia não dialoga com o cinema de autor ou “de arte”, conforme reza o jargão, como lança esperanças de que possamos ganhar novamente o coração das plateias de preferência que seja em breve. Segundo dados do OCA – Observatório do Cinema e Audiovisual, ligado a ANCINE, a comédia é o gênero mais popular no cinema brasileiro, havendo conquistado 12 entre as 20 maiores bilheterias na história do cinema brasileiro. Mussum o Filmis, é uma obra que transita com leveza e a densidade necessária nos momentos dramáticos, sendo capaz de contentar até críticos empedernidos e que rejeitam o valor artístico do gênero. Mesmo estudiosos acadêmicos que se debruçaram sobre A Poética, de Aristóteles, consideram que suas citações à comédia em nada a diminuem em relação à tragédia, antes o contrário, tendo em vista a capacidade da comédia em universalizar dramas humanos. Segundo Pierre Destrée, por exemplo, em seu ensaio A Comédia na Poética de Aristóteles, “duas passagens importantes mostram muito claramente que Aristóteles considerava que a comédia tem tanto valor quanto a tragédia” (Organon, Porto Alegre, nº 49, julho-dezembro, 2010, p.69 – 94).

É o que vemos com maestria no filme sobre Mussum, capaz de provocar nosso riso espontaneamente, sem deixar de levar-nos à reflexão sobre as ambivalências da fama e do êxito na TV, com o êxtase e a dor que carrega. Também pincela brevemente, em seu recorte histórico, sobre como esse meio foi capaz de absorver e manejar as mazelas da sociedade brasileira, sendo o humor uma de suas principais ferramentas na aderência do público espectador.

Considero um resultado muito feliz o júri ter se despido de eventuais preconceitos e superado alguns narizes torcidos pelo filme ter estado no seleto grupo de apenas 6 filmes em competição, dentre as centenas de longas-metragens que se inscreveram. Agora é esperar para ver, mas, nesse meio tempo, é claro, teremos que lidar com a luta pela aprovação da volta da cota tela ao cinema nacional. Pois assim como outras obras neste segundo semestre, que podem contribuir para reconquistar o público para nossa cinematografia, Mussum também precisará ter um tempo em cartaz, para que o boca à boca possa criar um caudal longo de espectadores.

Por fim, a outra grande novidade do Festival de Gramado deste ano, além do já mencionado acima, que foi o fim, depois de 30 anos, da mostra competitiva estrangeira, ou melhor, ibero-latino-americana, é o fato desta ter sido substituída por uma mostra competitiva de documentários, ficando esta inclusive com o horário nobre de exibição, depois da 9 da noite. A mostra já havia acontecido no ano passado pela primeira vez, mas ainda como uma espécie de “patinho feio” do evento e apenas transmitida pelo Canal Brasil, sem direito a plateia presencial. Neste ano não só ganhou grande relevância, como trouxe à tela do Palácio dos Festivais, 5 longas-metragens com grande diversidade de temáticas, abordagens e linguagens, todos com significativo valor artístico e criativo. Destes, dois filmes são notáveis cinebiografias, um deles, Luis Fernando Veríssimo, o Filme, dirigido pela gaúcha  Luzimar Stricher, consegue a proeza de revelar não só a admirável e singular trajetória do escritor, como, de maneira sensível, sua recatada vida pessoal, marcada pela timidez e pelo mais refinado senso de espírito, que o posicionou, durante anos, como um dos escritores mais lidos no Brasil. Além de sua significativa trajetória como criativo e roteirista na TV Globo. Também o filme Roberto Farias – Memórias de um cineasta, dirigido por sua filha, Marise Farias, não só traz à luz a imensamente relevante trajetória deste cineasta, um dos primeiros brasileiros a competir em Cannes, como desvela o turbulento período em que esteve à frente da Embrafilme, deixando momentaneamente de lado sua carreira, em plena ditadura. Filme imperdível para quem desejar conhecer melhor a atmosfera que permitiu que o cinema nacional mobilizasse grandes plateias no que já se convencionou chamar de “Era Embrafilme”, que durou 21 anos.

Mas além desses dois filmes, de narrativa clássica e linear, outros 3 filmes retratam um país em eterno conflito consigo mesmo. País cheio de aforismos que tentam nos ditar condutas e traçar linhas entre certo e errado, em geral apoiados em uma moralidade conveniente de ocasião, sem uma alteridade e substância. Temos aqui o drama e a resiliência dos motoboys de Brasília durante a pandemia, no filme Da Porta Pra Fora, que além de retratar o universo e dilemas pessoais de 3 motoboys e uma motogirl, desmascara a hiper exploração e a escandalosa falta de legislação protetiva a essa profissão, que foi vital durante a pandemia. Na outra ponta do hemisfério social, foi possível apreciar o contundente documentário do cearense Wolney Machado, Memórias da Chuva, relato pungente que acompanha durante anos o doloroso drama da população do pequeno município de Jaguaribara, no Ceará profundo, que se vê obrigada a aceitar a inundação de sua cidade para a construção da polêmica, desnecessária e ineficiente Barragem do Castanhão. O filme consegue, sem ceder à tentação do viés panfletário, desvelar a matriz da tradicional política daquele estado, onde desfilam “coronéis” como Paes de Andrade e Tasso Jereissati, que não pouparam esforços e manipulações, na mídia e no universo da política local, para literalmente afundarem esse pequeno município, onde para quase todos significava destruir os laços de várias gerações. É um filme com legado de memória precioso e exemplar sobre capacidade de abandono do Estado brasileiro quando lhe cabe considerar populações em estado de vulnerabilidade.

Por fim, o quinto documentário e grande vencedor como melhor filme documentário, Anhagabaú, produção paulista bastante outsider e dirigida por um gaúcho, Lufe Bollini, traça um inusitado paralelo entre a comunidade Guarani Mbya, do Jaraguá, distante bairro de São Paulo e população nômade do centro da Paulicéia. Aqui em ação os “ocupas” de um tradicional edifício na Rua do Ouvidor e o exercício artístico de seus moradores, assim como sua relação próxima com o Teatro Oficina Uzyna Uzona e Zé Celso Martinez, que tem breves aparições registradas. Enquanto os Guarani resistem e lutam, tentando garantir seu direito ancestral, por quinhão daquelas terras, na borda dos resquícios de Mata Atlântica no Parque Estadual do Jaraguá, os ocupas do Ouvidor buscam retomar um espaço urbano abandonado e sem função social. É do cruzamento dessas duas lutas que o filme, um pouco desordenado e anárquico em seu começo, cresce e termina de maneira potente, como um retrato e reflexão indispensáveis na contemporaneidade brasileira.

A Maratona cinematográfica valeu cada minuto dentro da sala escura do tradicional Palácio dos Festivais, que nasceu como Cine Embaixador em 1967. Ofereceu aos participantes credenciados e convidados e ao público transitório, uma ampla mostra da riqueza criativa do cinema brasileiro, que ainda incluiu, além da cinebiografia de Mussum, mais 5 longas-metragens de ficção na competição nacional, os quais não abordei, pelo propósito desse artigo, assim como 5 longas-metragens gaúchos, com a vitória de Hamlet, do cineasta Zeca Brito; 12 curtas-metragens nacionais e 18 curtas-metragens gaúchos, desta vez espraiando a seleção para 8 municípios. E assim o festival, que contrasta a opulência do turismo e da atmosfera gramadense com o ambiente de diversidade, genuinamente cinematográfico do evento, segue sua jornada, se reafirmando a cada ano que passa, como uma das mais importantes referências e vitrine indispensável para o cinema brasileiro.

 

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Beto Rodrigues é graduado em História pela UFRGS e pós-graduado em Producción Audiovisual, pela Universidad Complutense de Madrid. É produtor, diretor e colaborador de roteiros, já com 26 longas-metragens em sua carreira e 8 séries de TV.

 

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SMVC – FESTIVAL PARCEIRO DA REDE SINA ESTÁ COM INSCRIÇÕES DE CURTAS ABERTAS ATÉ 4 DE SETEMBRO https://redesina.com.br/smvc-festival-parceiro-da-rede-sina-esta-com-inscricoes-de-curtas-abertas-ate-4-de-setembro/ https://redesina.com.br/smvc-festival-parceiro-da-rede-sina-esta-com-inscricoes-de-curtas-abertas-ate-4-de-setembro/#respond Fri, 18 Aug 2023 21:41:11 +0000 https://redesina.com.br/?p=88169 Festival ocorre entre os dias 21 e 24 de setembro INSCRIÇÕES DE CURTAS | ATÉ 4 DE SETEMBRO O 16º Santa Maria Vídeo e Cinema (SMVC) está com as inscrições abertas para as mostras competitivas Nacional e de Santa Maria e Região até o dia 4 de setembro, pelo site oficial do evento: smvc.com.br. O …

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Festival ocorre entre os dias 21 e 24 de setembro

INSCRIÇÕES DE CURTAS | ATÉ 4 DE SETEMBRO

O 16º Santa Maria Vídeo e Cinema (SMVC) está com as inscrições abertas para as mostras competitivas Nacional e de Santa Maria e Região até o dia 4 de setembro, pelo site oficial do evento: smvc.com.br. O festival ocorre entre os dias 21 e 24 de setembro em Santa Maria-RS
Para este ano, as atividades serão estruturadas com o tema “o tempo não para”, uma reflexão em torno das mudanças ocorridas no audiovisual e na sociedade como um todo.  Os realizadores podem inscrever, gratuitamente, curta-metragens em duas mostras – a nacional e a local, esta para produções feitas em Santa Maria e cidades com até 90 km de distância. Os trabalhos inscritos somente serão aceitos se forem falados, dublados ou legendados em português. As produções precisam ser finalizadas a partir de 1º de janeiro de 2022, com até 25 minutos de duração, incluído os créditos e não inscritos em edições anteriores do SMVC. Tanto para a mostra Local, como a Nacional, existem três categorias: Animação, Documentário e Ficção.

TODAS PREMIAÇÕES

Para a Mostra Nacional, o troféu Vento Norte será entregue nas seguintes categorias: Melhor Curta do Festival, Melhor Curta de Animação, Melhor Curta de Ficção, Melhor Curta Documentário, Melhor Direção, Duas premiações de Melhor Interpretação, Melhor Roteiro, Melhor Direção de Fotografia, Melhor Montagem,  Melhor Trilha Sonora Original, Melhor Direção de Arte, Melhor Desenho de Som e  menções honrosas, quando houver.
Já para a Mostra local, a premiação será nas seguintes categorias: Melhor Curta de Santa Maria, Melhor Direção, 2 troféus de Melhor Interpretação, Melhor Roteiro, Melhor Direção Fotografia, Melhor Montagem, Melhor Trilha Sonora Original,  Melhor Direção de Arte, Melhor Desenho de Som e menções honrosas, quando houver.
Ainda, serão escolhidos dois filmes por votação direta do público, um da Mostra Competitiva Nacional e outro da Mostra Competitiva de Santa Maria e região, para receberem os Troféus Vento Norte como melhores curtas pelo júri popular. Serão entregues também os prêmios Rede Sina (melhor curta com tema social), Clayton Coelho de Direitos Humanos,  o Troféu Cineclube Lanterninha Aurélio, o Prêmio Jornalista Luiz Roese sobre justiça, juventude e prevenção e o prêmio Isadora Viana Costa, para uma obra que aborde a afirmação dos direitos das mulheres e o combate à violência.

TROFÉU REDE SINA

A Rede Sina em parceria com o SMVC, com objetivo de destacar as obras com temas sociais, realiza desde 2018 entrega do troféu Rede Sina para as obras que tragam temas de revelância social. Confira as que já levaram o prêmio em: https://redesina.com.br/category/portal/sinaeventos/premio/

LANÇAMENTO DE LIVRO | 22 de setembro

No dia 22 de setembro, o cineasta, escritor e colunista da Rede Sina vai estar exibindo seu longa “Um certo cinema gaúcho de Porto Alegre”, o documentário no Theatro Treze de Maio. Na ocasião também estarará previsto o lançamento do seu romance “A ÚLTIMA PRAIA DO BRASIL”, o livro é o quinto, lançado através da parceria da Rede Sina com a editora Bestiário.

Saiba mais sobre:

LIVRO: A ÚLTIMA PRAIA DO BRASIL DE BOCA MIGOTTO

 

SMVC

SMVC nasceu em 2002 como um democrático festival de cinema para valorizar a produção audiovisual local e nacional, e convidar a comunidade para acompanhar as exibições no Theatro Treze de Maio e na Praça Saldanha Marinho. As primeiras 11 edições do evento foram seguidas por um breve hiato, entre 2014 e 2016. Em 2017, o evento foi retomado com uma retrospectiva de sua trajetória.  Nos dois anos seguintes, as atividades voltaram a ser realizadas na Praça Saldanha Marinho. Em 2021 – quando passa a figurar no Calendário Oficial de Eventos do Estado do Rio Grande do Sul – o evento ocorreu de forma remota, em função da pandemia de Covid-19. O 16° SMVC é organizado pelas empresas Filmes de Junho Produtora, IdeiaAção Design e Planejamento e Padrinho Agência de Conteúdo, em parceria com outras entidades da cidade. Mais no site https://smvc.com.br

 

 

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LIVRO: A ÚLTIMA PRAIA DO BRASIL DE BOCA MIGOTTO https://redesina.com.br/livro-a-ultima-praia-do-brasil-de-boca-migotto/ https://redesina.com.br/livro-a-ultima-praia-do-brasil-de-boca-migotto/#comments Thu, 10 Aug 2023 20:48:11 +0000 https://redesina.com.br/?p=79346 “A última praia do Brasil” o romance do cineasta e colunista da Rede Sina, Boca Migotto é  o quinto livro publicado através da parceria da Rede Sina com a editora Bestiário. A pré-venda do romance está com 20% de desconto até o dia 1 de setembro. O lançamento acontece em 2 de setembro, sábado a partir …

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“A última praia do Brasil” o romance do cineasta e colunista da Rede Sina, Boca Migotto é  o quinto livro publicado através da parceria da Rede Sina com a editora Bestiário.

A pré-venda do romance está com 20% de desconto até o dia 1 de setembro. O lançamento acontece em 2 de setembro, sábado a partir das 16h no Terezas Café em Porto Alegre. Já o lançamento em Santa Maria deve acontecer entre 21 e 24 de setembro durante o 16º Santa Maria Vídeo e Cinema (SMVC), onde o cineasta vai estar exibindo um dos seus longas. Em breve divulgaremos mais informações sobre. Para quem quiser conhecer um pouco da literatura de Boca pode acessar a coluna “Mar Aberto” na Rede Sina. E para adquirir o novo romance, basta clicar aqui.  

Após Na antessala do fim do mundo (2021) e Um certo cinema gaúcho de Porto Alegre – ou como o cinema imagina a capital dos gaúcho (2022), Boca Migotto, conhecido, sobretudo, pelo seu documentário Filme sobre um Bom Fim (2015), se utiliza do cenário da fronteira do Brasil com o Uruguai para desenvolver uma narrativa que acompanha o cotidiano de Pedro e sua esposa, Ana, ambos aposentados que decidem abrir mão da vida na capital, Porto Alegre, para curtirem seus últimos anos isolados na Barra do Chuí, próximos ao mar.

Ao se mudarem para lá, no entanto, estoura a pandemia mundial de 2020 e o casal se vê isolado dentro de um isolamento ainda maior. O livro se utiliza da condição de Pedro como ex-professor de História e do cenário, a fronteira do Brasil com o Uruguai, para discorrer sobre aspectos fundamentais da formação histórico-cultural do país e sua relação com a América Latina. De repente, uma inusitada tragédia pessoal se abate sobre Pedro que, a partir de então, é levado a confrontar-se consigo mesmo ao longo do rigoroso inverno gaúcho daquele ano.

Além de Pedro e Ana, fazem parte da narrativa César, um ermitão uruguaio que vive recolhendo tábuas pela praia, e Henrique, roteirista e filho do casal, que vive na França e retorna ao Brasil após a tragédia.

Apresentado pelo cineasta e escritor Tabajara Rua, A última praia do Brasil aprofunda uma reflexão sobre a inúmeras fronteiras que nos acompanham ao longa da vida, um aspecto que já esteve presente no livro que Migotto lançou sobre o cinema gaúcho no ano de 2022. Segundo Tabajara Ruas, a obra de Migotto “(…) é uma façanha literária na sua capacidade de reunir todos nossos medos. No seu empenho em contar com tão pouco nossa variada fauna de horrores, Boca Migotto realiza uma minuciosa, sutil, enigmática jornada. Acompanhá-lo nessa estrada de areia é descobrir muito de cada um de nós. E acertar o passo com um narrador – e cineasta – moderno, dizendo presente no mundo futuro.”

Para o autor nascido em Carlos Barbosa e que construiu carreira, como cineasta, na Capital e Região Metropolitana, além de se debruçar sobre o cotidiano de Pedro e Ana, o seu mais recente livro pretende retratar, também, o fatídico ano de 2020, quando o planeta, e o Brasil em especial, vivenciaram a maior pandemia da história moderna, obrigando países a fecharem suas fronteiras e pessoas a se isolarem em suas casas. Algo que nem sempre ocorreu a contento.

Sobre o autor:

I., de Ivanir, Boca Migotto, é cineasta, pesquisador, fotógrafo e escritor. Publicitário de formação, ao se graduar foi para Londres, onde frequentou cursos de cinema na Saint Martins College of Arts and Design. Ao regressar ao Brasil, já certo que era com cinema que trabalharia, cursou Especialização em Cinema e Mestrado em Comunicação, ambos pela Unisinos. Nesta mesma instituição, foi professor de Documentário no Curso de Realização Audiovisual, onde permaneceu por dez anos, atuando também em diversas outras disciplinas nos cursos de Jornalismo, Comunicação Digital e Publicidade. Também atuou como professor na Faculdade Cenecista de Bento Goncalves. Em 2021, Migotto concluiu o doutorado em Comunicação pela FABICO/UFRGS, com extensão na Sorbonne/Paris 3.

Foi na capital francesa, aliás, que finalizou seu primeiro romance, Na antessala do fim do mundo. A partir de então, levou a escrita e a História mais a sério. Em agosto de 2021 começou a escrever uma coluna quinzenal para o site Rede Sina e, este semestre ingressou no Bacharelado em História, na PUCRS.

Como diretor, roteirista, editor e produtor, realizou mais de 30 curtas, médias e séries de TV, além dos documentários em longa-metragem Filme sobre um Bom Fim (2015) – um dos títulos mais assistidos do cinema gaúcho. Pra ficar na história (2018), Já vimos esse filme (2017) e O sal e o açúcar (2013) completam sua filmografia de longas-metragens.

Título: A ÚLTIMA PRAIA DO BRASIL
Autor: I. Boca Migotto

Formato: 14 x 21 cm.
Páginas: 202
Gênero: Romance brasileiro
Publicação: Bestiário / Rede Sina, 2023

ISBN 978-65-85039-95-6

 

LANÇAMENTO | SANTA MARIA

22 de setembro – sexta-feira – 17h

no Theatro Treze de Maio (Praça Saldanha Marinho)

Durante o 16º Santa Maria Vídeo e Cinema (SMVC)

Compre também em: https://bestiario.com.br/livros/a_ultima_praia_do_brasil.html

 

LANÇAMENTO | PORTO ALEGRE

2 de setembro – sábado – 16h

no Teresas Café – Rua Giordano Bruno, 318, Porto Alegre, RS, Brazil

Compre também em: https://bestiario.com.br/livros/a_ultima_praia_do_brasil.html

 

 

PRÉ-VENDA

De 10 de agosto à 1 de setembro de 2023

20% de desconto  – R$ 54,00

https://bestiario.com.br/livros/a_ultima_praia_do_brasil.html

 

 

 

 

foto do autor é capa do livro

 

APRESENTAÇÃO | TABAJARA RUAS

A última praia do Brasil é um NÃO lugar.
Isso é raro. Um país tão vasto.
Esta narrativa apanha a derradeira parte do nosso pesadelo comum das décadas derradeiras. Quando todos tínhamos a ilusão de que tudo acabaria como nos antigos musicais de Hollywood, com serenatas e violinos afinados. Esta narrativa é contada sem premura, talvez em voz baixa. Conforme o modo gaúcho de contar histórias. Mas, quando o momento pede, surgem os fantasmas.
Não quer dizer que esta seja uma história de fantasmas. Há fantasmas, e mais de um, e eles espreitam em silêncio o tempo todo, mas só entram na narrativa quando não há mais possibilidade de outro artificio. É como um final de sonho. No caso, o sonho de Pedro e de Ana. Professores aposentados, com direito a um último sonho. Nada demais. Uma casa na praia.
Essa praia, a Barra do Chuí, a última, é a mais longa praia do Brasil. Quilômetros de vento e solidão. Pescadores silenciosos. Tartarugas mortas. Carcaças de barcos. O vento assobiando nas frestas. E solidão amarga.
Pedro e Ana se prepararam longamente. Escolheram a casa. Tomaram providências para a pandemia. E da vasta noite do Albardão surgem os fantasmas de toda uma vida. Ali ficam frente a frente. Se observando. Cada um com sua culpa secreta.
Este livro é uma façanha literária na sua capacidade de reunir todos nossos medos. No seu empenho em contar com tão pouco nossa variada fauna de horrores, Boca Migotto realiza uma minuciosa, sutil, enigmática jornada. Acompanhá-lo nessa estrada de areia é descobrir muito de cada um de nós. E acertar o passo com um narrador – e cineasta – moderno, dizendo presente no mundo futuro.

TRECHO DO LIVRO:

Após tudo preparado e sem sinal de Ana acordar, Pedro decidiu que era hora de agir. Já passava das nove horas, quase dez, na verdade. Então, por mais que estivesse ainda cansada, estava em tempo de descer, se alimentar e, se fosse o caso de a ressaca inviabilizar os passeios planejados por Pedro, que Ana voltasse para a cama alimentada. Dessa forma, certamente, após mais um soninho complementar, estaria nova ao meio-dia. O Albardão e seus ermitões poderiam esperar. Para Pedro isso não seria um problema, pois poderia aproveitar a manhã e parte da tarde para projetar alternativas de isolar as janelas e portas para o inverno.
Subiu as escadas e foi até o quarto ainda escuro. Caminhou até a janela, o assoalho rangia timidamente sob seus pés cuidadosos, afastou as cortinas e abriu a veneziana lentamente, para que a luz não invadisse abruptamente o quarto e incomodasse o despertar de Ana. Ao vê-la imóvel na cama, no entanto, Pedro estranhou. Nem seus passos rangidos, nem a claridade invasiva e, agora, nem a voz de Pedro chamando-a, provocaram a mínima reação da esposa. Ao aproximar-se, Pedro sentiu um calafrio. Não sabia de onde vinha e qual a razão, mas os três ou quatro passos que o separavam da cama, por algum motivo alheio a sua vontade, lhe pareceram intermináveis. Um frio subiu pela sua espinha alojando-se na nuca, formigando a cabeça e quase tirando toda a força das suas pernas. Dois passos e a sensação de que algo estava errado dominou sua percepção. Três passos e Pedro se abaixou, sentou-se no canto da cama e esticou o braço até sua mão alcançar o rosto de Ana, parcialmente escondido sob as cobertas. A mão trêmula de Pedro tocou levemente os cabelos da mulher, puxando-os carinhosamente para o lado a fim de poder ver seu rosto. Quase ao mesmo tempo, da sua boca saiu um sussurro quase involuntário. Ana? Chamou a esposa mais uma vez. Então, finalmente a mão encontrou o rosto gélido de Ana.
Com desespero Pedro a sacudiu. Gritou. Puxou de cima de Ana todas as cobertas. Mas nenhum movimento, além do seu próprio, refletiu no grande espelho preso à parede oposta à cama. Ana estava inerte, fria e já completamente enrijecida. Pedro pensou em ligar para o SAMU, correr até o seu celular, chamar ajuda, ligar para a polícia, gritar para alguém na praia. Completamente desnorteado, um turbilhão de coisas passou pela sua cabeça. Caminhou de um lado ao outro do quarto, voltou para perto da janela, olhou para fora, voltou a olhar para a esposa, voltou para perto dela e nada fez além de deixar-se cair sobre o leito, ao lado do corpo frio de Ana. Permaneceu também ele lá, imóvel, olhando para o teto. Naquele instante, ou horas, absolutamente nada se mexeu em todo o quarto, com exceção da cortina, levemente balançada pela brisa daquele dia que prometia tanta coisa boa. Também o tempo, lhe pareceu, havia congelado. Irreal, inverossímil, inacreditável. Ana não estava mais lá.
Mas como assim? Qual a explicação. Na noite anterior ela estava bem. Beberam, conversaram, transaram, dançaram, planejaram uma viagem juntos, ele a levou sonâmbula nos braços até a cama. E agora ela estava morta? Então aquela teria sido a última noite com ela? A última noite deles? E ele nem ao menos dormira ao lado dela na última noite? Eles haviam planejado toda uma aposentadoria juntos naquela casa, naquele lugar. Agora que estava tudo encaminhado, organizado, estavam adaptados, ELE estava adaptado, o destino lhe esfregava a efemeridade na cara assim, desse jeito tão vil, determinante e tão covarde. Por que? Como? Tudo bem que a morte é inexplicável e a tudo aquilo que não há explicação, inútil remoer sentido. Tudo bem que ambos não eram mais jovens, tinham lá seus pequenos problemas de saúde, mas também se cuidavam, se medicavam e, convenhamos, um colesterol mais alto aqui, um triglicerídeos a mais ali não justificavam uma morte assim abrupta e incompreensível. Ana reclamava de dores de cabeça, mas nenhum exame acusara qualquer problema. O médico havia receitado férias. Foi o que fizeram. Férias permanentes. O que poderia ter acontecido? Qual a explicação? O coração simplesmente teria parado de bater? Teria Ana acordado antes de desaparecer para todo sempre ou morrera em sono profundo? Teria ela o chamado ou esticado o braço ao lado da cama em busca de socorro e nada encontrado?
A morte é uma senhora injusta por demais, pois quando bate à porta, dessa forma, inadvertidamente, não permite a sua vítima ao menos explicar o motivo da partida. A pessoa está bem, sorridente, planejando o futuro e, de repente, sem o mínimo direito de advertir aos demais, é levada em um adeus silencioso e solitário. Ao menos, acreditava Pedro, embora certeza alguma pudesse ter, o derradeiro momento, quando a alma se despede do corpo, deve ser algo sublime. Pensou isso e isso o confortou. Inúmeras vezes Ana e ele conversaram sobre o momento do último suspiro. Afinal, depois de certa idade, a morte é um tema inevitável. Mesmo que não seja verbalizado, afinal, muitos temem a morte ao ponto de dela não falar, em pensamento ela se faz presente. Impossível não. No caso deles, a morte nunca fora um tabu. Por isso, varavam noites arquitetando teorias sobre a sensação da despedida eterna. Aquele momento quando o último fio de energia – chamem de alma, se assim preferirem – deixa a carne para trás. Ana tinha certeza do quão sublime seria o momento da morte. Sua teoria era baseada nos ciclos da vida. Pedro sorriu ao se lembrar de Ana discorrendo sobre o tema. Justificava que ao nascer o ser humano era arrancado de dentro do calor e da proteção materna de uma forma tão agressiva que o final da vida só poderia ser o inverso radical de tal sensação. Ou seja, se nascer nos faz chorar, morrer deveria nos fazer rir. Nosso choro rebelde, ao nascermos, necessariamente teria que ser recompensado por um largo sorriso de prazer ao nos despedirmos da vida. Independente do tipo de morte, se morte matada e dolorida ou morte morrida e silenciosa, Ana se referia ao momento único da separação da matéria e do espírito. Quando já não há mais dor, apenas o despedir da consciência. Aquele momento que tantos já relataram como uma viagem de luz. Através da luz e em direção a um buraco negro.
Infelizmente, ninguém nunca voltou para comprovar a tese de Ana. Nem ela voltaria, nunca mais, para preencher as noites vazias de Pedro com suas criativas, e absurdas, teorias de vida e de morte. Ou para simplesmente escutar as palestras intermináveis de Pedro. Ou para dançarem desajeitados. Que miserável será MINHA vida, agora, sem a tua companhia, falou Pedro, em voz alta, para o corpo ainda despido, e inerte, da esposa ao seu lado. Só então Pedro levantou, desceu, se serviu de um pouco de café frio, acendeu um cigarro e parou para pensar nos próximos passos. Haveria de organizar as ideias, pois a morte pode até ser sublime aqueles que a encontram, mas é penosa e essencialmente burocrática para aqueles que remanescem. Além da dor da separação eterna, aos vivos resta, como tema de casa, organizar a despedida dos que se foram. Precisava avisar Henrique, mas como contar isso para ele, assim, à distância, por telefone? E, depois, com o lockdown e os aeroportos fechados, ele nem teria como vir para o Brasil, quanto mais até o Chuí. De toda forma, cedo ou tarde teria que avisar o piá. Teria que criar coragem, achar uma forma de contar e fazer isso, mas decidiu que não precisava ser naquele momento. Naquele momento, a prioridade era outra. Ligar para uma funerária, quem sabe? Ela já estava morta, de nada adiantaria chamar um médico. O que ele precisava era de um caixão e um lugar para enterrar a esposa.
Foi o que fez, descobriu o telefone de uma funerária, na cidade, ligou para lá. Perguntou quanto custava um caixão, se tinham como realizar um velório. A mulher que o atendeu informou que por causa da pandemia não havia caixões. Não que tivessem ocorrido tantas mortes simultâneas na cidade, mas que o setor, no país todo, estava à beira do colapso. Sucesso total de vendas, brincou, sarcástico, Pedro. O fato é que não havia pronta entrega de caixões e os velórios estavam proibidos porque não se permitia mais aglomerações. Em Porto Alegre, assim como nas maiores cidades do país, as famílias que conseguiam um caixão para seus mortos estavam enterrando-os sem velório. Mas já era comum cremá-los diretamente, até sem caixões. De qualquer forma, em toda a região não havia nem um, nem outro. Pedro quis argumentar, mas desistiu e decidiu desligar o telefone. Nem um dos dois era religioso, portanto, o ritual não faria diferença alguma. Padres, pastores, reverendos, xamãs, o que for, não eram requeridos. No entanto, um cemitério onde enterrar Ana seria necessário. E, para isso, era necessário, também, um caixão. Foi quando teve a ideia dele mesmo confeccioná-lo com as madeiras sobradas do sofá.
Pedro terminou de fumar seu quinto cigarro seguido, pegou uma trena, subiu ao quarto e mediu a esposa. Depois a vestiu com um vestido retrô, colorido, que Ana comprara certa vez em uma feira de rua em Porto Alegre. Aquele era o vestido que Ana mais amava e só o escolhia para ocasiões especiais. Pedro lembrou do perfume que Ana sempre combinava com aquela roupa e não teve dúvida, procurou por ele e pingou duas gotas no pescoço dela. Por fim, a cobriu completamente com um lençol branco e desceu para sua marcenaria. Não era daquela forma que imaginou que passaria o sábado, como sabemos, os planos eram outros. Um café da manhã, um passeio pelo Albardão, uma janta, fogo na lareira, quem sabe uma garrafa de vinho e, quem sabe, repetir o sexo da noite anterior. Tinha sido tão boa a noite passada. Que merda, nunca mais nada disso seria possível.
Pensou em tudo isso e se deu conta do que estava fazendo. Como naqueles momentos quando agimos automaticamente até, finalmente, a realidade cair sobre nossas cabeças e nos pressionar contra o chão. Pedro se viu no fundo do mundo, isolado em meio a uma pandemia mundial, confeccionando um caixão com as próprias mãos para enterrar, sabe-se lá como e aonde, a esposa que, naquele momento, por volta da uma hora da tarde, estava imóvel lá na cama deles, esperando o momento de desaparecer para todo o sempre debaixo da terra. Foi quando Pedro desabou. Não literalmente, como se tivesse desmaiado ou tropeçado em uma pedra, mas emocionalmente. O que, de certa forma, não deixava de ser quase a mesma coisa. Pedro sentou-se e, pela primeira vez, confrontado pela realidade inexorável, chorou. Do jeito que sabia chorar, para dentro, mas chorou. Se viu velho, muito velho, ainda mais velho do que era, e completamente sozinho. Então, lhe passou pela cabeça o quão surreal era aquela cena dele confeccionando um caixão para Ana. Até poucas semanas atrás ele havia confeccionado uma espreguiçadeira, depois um sofá, agora um caixão.
Era como se tivesse voltado no tempo, para um tempo quando nem ele era nascido. Um tempo que ele conhecia apenas dos livros, quando não havia funerárias, não havia cidades, cemitérios, igrejas e, muitas vezes, nem padres. Um tempo como aquele quando aventureiros imigrantes desbravaram novas terras, construíram suas cabanas no meio do nada e sobreviveram quase como animais em busca, justamente, de um mínimo de dignidade que, aos pobres e miseráveis, era negada nas cidades europeias. Se imaginou entre estes primeiros colonizadores, mas também entre os antepassados do seu pai, seus antepassados também, os povos indígenas, que também enterravam seus mortos sem registrar óbito, cancelar CPF e demandar pensão ao estado. Se viu assim, mais do que nunca isolado do mundo dito civilizado. Que loucura aquela história de deixar a cidade grande para passar o resto da vida numa praia solitária no fim do Brasil.

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Yo afectado: reflexões de uma atriz afetada pelo exercício de Augusto Fernandes POR JULIANA VALENTE https://redesina.com.br/yo-afectado-reflexoes-de-uma-atriz-afetada-pelo-exercicio-de-augusto-fernandes-por-juliana-valente/ https://redesina.com.br/yo-afectado-reflexoes-de-uma-atriz-afetada-pelo-exercicio-de-augusto-fernandes-por-juliana-valente/#respond Mon, 31 Jul 2023 22:44:32 +0000 https://redesina.com.br/?p=67925 TRECHOS DA DISSERTAÇÃO  DE MESTRADO | ECA – USP Resumo em português Essa dissertação de mestrado realiza um mergulho no exercício teatral Yo Afectado, idealizado pelo artista luso-argentino Augusto Fernandes (1937-2018). Fernandes foi ator, professor e diretor teatral. Reconhecido por sua atuação no teatro independente argentino e encenações premiadas, dedicou-se também à docência, destacando-se por …

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TRECHOS DA DISSERTAÇÃO  DE MESTRADO | ECA – USP

Resumo em português
Essa dissertação de mestrado realiza um mergulho no exercício teatral Yo Afectado, idealizado pelo artista luso-argentino Augusto Fernandes (1937-2018). Fernandes foi ator, professor e diretor teatral. Reconhecido por sua atuação no teatro independente argentino e encenações premiadas, dedicou-se também à docência, destacando-se por seu trabalho com a formação e o desenvolvimento do ofício de artistas teatrais. Ao longo da pesquisa foram coletados materiais bibliográficos, reportagens, entrevistas e relatos a fim de contextualizar a trajetória artística de Augusto Fernandes, a criação do exercício Yo Afectado, assim como suas referências teóricas e parcerias artísticas. Dentre estas, destaca-se a influência do trabalho de Konstantín Stanislávski, as práticas desenvolvidas por Lee Strasberg e a parceria com a atriz e professora austríaca Hedy Crilla. O Yo Afectado caracteriza-se como uma prática de improvisação na qual se propõe o uso de aspectos autobiográficos como disparadores para uma pesquisa de estados expressivos extracotidianos. A dissertação traz uma descrição detalhada do exercício, elaborada a partir da vivência prática do Yo Afectado, conduzido pela atriz, diretora e preparadora de elenco Estrela Straus. Em seguida, foram tecidas reflexões emergentes da prática, que ressaltam os seus mecanismos de funcionamento, seu aspecto ficcional e lúdico, possíveis objetivos práticos, dentre outras questões. Nesse processo evidenciou-se a temática da ética na condução como elemento fundamental na reflexão sobre o Yo Afectado. Buscou-se então levantar questionamentos a respeito da criação de parâmetros para uma condução ética e responsável nas práticas teatrais. Nessa etapa, a dissertação propõe uma aproximação entre o Yo Afectado e alguns princípios do Psicodrama, criado por Jacob Levy Moreno (1889-1974). O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior Brasil (CAPES) código de financiamento 001.

Querida leitora,

Escrever uma dissertação de mestrado significa (além de muitas outras coisas) permanecer várias horas em frente a uma tela de computador. O exercício da escrita é, ao mesmo tempo, prazeroso e extenuante, instigante e solitário. Nesses momentos nos quais estive sentada diante da tela, frequentemente me esforcei para imaginar uma interlocutora. Uma pessoa para a qual eu estava (e estou nesse exato momento) falando as coisas que eu escrevia, compartilhando pensamentos traduzidos em palavras, frases, sentenças, pontuação, regras de formatação, ABNT, etc. A pessoa imaginada era conhecida, desconhecida, inventada, um grupo de pessoas ou ainda, eu mesma. Esse exercício de imaginação me ajudou no processo de criar um texto, de “inventar uma dissertação”, por me relembrar constantemente do propósito dessa escrita: COMPARTILHAR, conversar, comunicar. Penso que a existência de uma interlocutora (ainda que imaginária) tem o potencial de nos manter constantemente em contato com o fato de que a criação de um texto é um ato de comunicação.

O processo de criação mostra-se, também, como uma tendência para o outro. Está em sua própria essência a necessidade de seu produto ser compartilhado […] É necessário entrar na complexidade da constatação de que a criação é um ato comunicativo. (SALLES, 2013, p. 49).

A comunicação que se desenvolve aqui é o relato, a documentação e compartilhamento de um processo de pesquisa desenvolvido na Universidade de São Paulo no período de março de 2020 a janeiro de 2023. Essa pesquisa foi realizada no PPGAC – Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas (Escola de Comunicação e Artes), com a orientação do Prof. Dr. Eduardo Tessari Coutinho e auxílio da bolsa CAPES, pelo Programa de Excelência Acadêmica (PROEX). Teve como objetivo central o estudo do exercício teatral Yo Afectado, idealizado pelo artista luso-argentino Augusto Fernandes e ministrado no Brasil por Estrela Straus[1].

A primeira vez que tive contato com o Yo Afectado foi no ano de 2016. Já fazia quatro anos que eu havia concluído a graduação e, desde então, havia participado de algumas montagens teatrais. À época eu dava aulas de teatro para crianças e adolescentes e me sentia um pouco apartada do ofício de atriz. Decidi buscar cursos de teatro que pudessem me apresentar abordagens de criação artística diferentes daquelas com as quais eu estava habituada e, assim, entrar em contato com pessoas novas e me reconectar com algumas discussões teatrais e inquietações artísticas. No fundo, eu estava em busca de espaços de troca. Nesse período me inscrevi em alguns cursos e workshops muito diferentes entre si. Um desses cursos era um workshop intensivo de uma semana de duração, ministrado por Estrela Straus, que aconteceu no centro cultural B_arco[2]. A proposta do curso era fazer uma introdução às técnicas de atuação desenvolvidas pelo diretor norte-americano Lee Strasberg.

Para minha surpresa, ao conhecer Estrela Straus descobri que ela havia passado também por uma formação teatral em Buenos Aires (Argentina), onde estudou com um importante ator, diretor e professor chamado Augusto Fernandes. O curso ministrado por Estrela fazia uma combinação das práticas aprendidas em sua formação norte-americana, com influência de sua formação argentina e a adição de dois exercícios específicos idealizados por Augusto Fernandes: O Yo Afectado e o Bloco de Texto[3]. Aqui vale sublinhar que, de acordo com Estrela, os exercícios de Augusto Fernandes são complementares às práticas de Strasberg.

Naquele curso em 2016, a artista conduziu uma roda de Yo Afectado da qual participei sem pretensões ou expectativas e acabei fisgada pelo exercício. Terminei a semana encantada com o curso e, sobretudo, com o Yo Afectado. Sendo assim, devo sublinhar, a minha primeira experiência com o Yo Afectado e, portanto, a minha primeira forma de olhar para o exercício foi de dentro dele, por meio da vivência prática.

Desde então, participei de uma série de cursos (intensivos e extensivos) ministrados por Estrela entre os anos de 2016 e 2023. No entanto, por mais que eu me interessasse pelas práticas como um todo, existia em mim um encantamento especial pelo Yo Afectado, que era ministrado de tempos em tempos. A cada novo curso, aguardava ansiosamente pelo exercício, que me instigava mais e mais a cada nova participação. Acredito que minha pesquisa informal com o Yo Afectado começou nos cursos de Estrela Straus. A partir dessas experiências surgiu o desejo de regressar à Universidade para desenvolver uma pesquisa acadêmica.

O que é o Yo Afectado?

No teatro tudo muda, você está o tempo todo lidando com a ideia da morte e da ressurreição, procurando um fantasma que será desarmado. O teatro tem muito a ver com a morte, tudo morre depois de um ensaio. (FERNANDES apud AUDIOVIDEOTECA DE BUENOS AIRES).[4]

O Yo Afectado é um exercício teatral geralmente praticado em salas de aula, processos de criação artística e ensaios. Trata-se de uma prática coletiva de improvisação na qual propõe-se o uso de aspectos autobiográficos das participantes como elemento disparador para uma pesquisa de estados expressivos extracotidianos. O exercício é composto por diferentes etapas que, de modo geral, o aproximam de um julgamento. Ao final de cada Yo Afectado, um réu será condenado e morto diante do grupo participante. As improvisações desenvolvidas ao longo do exercício tencionam os limites entre ficção e realidade, transitando do campo da pessoalidade à criação de uma realidade ficcional.

Ainda que evoque experiências pessoais e mobilize memórias, sensações e emoções frequentemente intensas, o exercício estimula a ludicidade e a criatividade e não se conecta necessariamente a nenhuma estética teatral. De acordo com Estrela Straus, o Yo Afectado é uma ferramenta que nos possibilita aprender e exercitar a capacidade de “brincar com o nosso material pessoal[5]”, ou seja, utilizar aspectos autobiográficos como um meio para acessar estados psicofísicos extracotidianos de maneira lúdica e teatral.

Ele [o Yo Afectado] afirma que a subjetividade de cada indivíduo é composta por várias facetas, que são chamadas de “eus”. Existem eventos que podem afetar alguns desses “eus” de alguma forma, mas as convenções sociais, o respeito ao outro e as proibições, não permitem que isso seja totalmente expresso. O exercício se propõe a investigar esses fatos para que essa parte afetada do eu possa encontrar expressão, dando lugar a emoções (muitas vezes transbordantes). (MAURO, 2008, tradução minha).[6]

O Yo Afectado compõe um conjunto de práticas idealizadas, adaptadas e ministradas por Augusto Fernandes com o intuito formativo, de desenvolvimento e aperfeiçoamento do trabalho de atrizes profissionais. Em suas aulas, o artista costumava dividir as práticas em duas diferentes categorias: os exercícios para o instrumento e os exercícios para o ofício.

E o Augusto tinha isso, […] que tem o treinamento do instrumento e o treinamento do ofício. Então tem os exercícios de instrumento e os exercícios de ofício…o Bloco de Texto e o Yo Afectado são exercícios de instrumento. É, porque é isso é habilitar o instrumento do ator para depois estocar o que o ofício vai pedir, então o que é que você mexe nos exercícios de instrumento? Na pessoa que cada ator é, e eu gosto muito disso de que as traduções dos livros do Stanislávski. […] a tradução da preparação do ator na Argentina é O trabalho do ator sobre si mesmo […] então, tanto o Bloco de Texto quanto o Yo Afectado são claramente exercícios do ator sobre si mesmo, e é só depois de habilitar esse lugar que você vai para um oficio. (informação verbal)[7]

Nesse contexto, o Yo Afectado era considerado por Augusto Fernandes um exercício para o instrumento. Dentre outros aspectos já abordados, isso também significava que o exercício não foi idealizado para ser conduzido à cena ou resultar, de algum modo, na produção de materiais cênicos direcionados à apresentação pública. Ou seja, o Yo Afectado foi desenvolvido para ser praticado a “portas fechadas”, como uma ferramenta de desenvolvimento de habilidades e potencialidades artísticas, que não tinha pretensões de produzir qualquer resultado cênico.

Durante o processo de pesquisa, diversos fatores colaboraram para que fosse difícil encontrar material diretamente sobre o Yo Afectado. Até o início da escrita, não havia nenhuma pesquisa acadêmica que mencionasse o exercício, assim como foi difícil encontrar artigos e entrevistas. A busca por matérias foi uma tarefa delicada durante a qual, diante das circunstâncias do período, fui garimpando informações em trechos de trabalhos, livros, entrevistas dadas por Augusto Fernandes disponíveis online, materiais e relatos concedidos por Estrela Straus. Nessa construção, uma das questões mais complexas foi compreender com
quais referências artísticas e bibliográficas optaria por dialogar ao longo do trabalho.

Ao longo do processo fiz uso do levantamento de perguntas como uma estratégia metodológica para construir reflexões acerca do Yo Afectado, de modo que essa dissertação se tornou também uma coletânea de perguntas. Acredito no potencial de mobilização da pergunta: busco me orientar elaborando perguntas e as perguntas me colocam em movimento. Passei a elaborar perguntas para o Yo Afectado e dialogar com elas. As perguntas levantadas, na maioria das vezes, não geram respostas certeiras ou objetivas, ou melhor, não podem ser respondidas de uma única maneira. No entanto, fomentam reflexões. E essas reflexões me interessam aqui.

No processo de escrita da dissertação, busquei organizar o texto em três etapas diferentes, fazendo uma brincadeira com a estrutura da Ronda, que como veremos adiante, é o exercício subsequente ao Yo Afectado. Cada capítulo, ou etapa da dissertação foi intitulada de “Rodada”, de modo que o texto é composto de três diferentes Rodadas. Na estrutura da Ronda[8], a primeira rodada é dedicada às “apresentações dos Yos Afectados”, desse modo, dediquei a Primeira Rodada da dissertação às contextualizações. Busquei introduzir o exercício Yo Afectado, descrevendo sua estrutura e funcionamento. Procurei abordar, também, a biografia de Augusto Fernandes, sua trajetória e referências artísticas, assim como o contexto no qual o Yo Afectado foi idealizado. Nessa etapa da pesquisa, entendi o alinhamento de Augusto Fernandes com os princípios do trabalho de Konstantín Stanislávski e sua admiração pelas práticas desenvolvidas pelo diretor norte-americano Lee Strasberg. Compreendi também sua conexão com a atriz e diretora Hedy Crilla, além de observar o contexto teatral argentino do período e a trajetória do artista no Teatro Independente, passando por sua atuação no grupo La Máscara. Nessa etapa da pesquisa me baseei, dentre outras autoras, nos trabalhos do autor argentino Jorge Dubatti.

A Segunda Rodada da Ronda é dedicada aos confrontos, ou improvisações em duplas. Sendo assim, na Segunda Rodada desse trabalho busquei desenvolver reflexões que emergiam das perguntas elaboradas ao Yo Afectado, assim como fazer o levantamento de outras perguntas que se apresentavam nesse processo. Nessa parte do texto procuro acentuar o diálogo. Esse diálogo é travado entre o Yo Afectado e as perguntas elaboradas entre a experiência prática e a reflexão emergente da experiência e, sobretudo, o diálogo com outras artistas, autoras e pesquisadoras. Nessa Rodada busquei referências que me ajudassem a refletir mais profundamente sobre as estruturas do exercício, encontrar caminhos para abordar as perguntas:

Em diálogo com as integrantes do CEPECA[9] e, sobretudo, com a orientação do Prof. Dr. Eduardo Tessari Coutinho, optei por dialogar com alguns princípios do Psicodrama, desenvolvido por Jacob Levy Moreno, como um caminho para abordar as perguntas levantadas, elaborar novas perguntas, construir e aprofundar as reflexões que emergiam do Yo Afectado na medida em que a pesquisa se desenvolvia.

Psicodrama pode ser definido como uma via de investigação da alma humana mediante a ação. É um método de pesquisa e intervenção nas relações interpessoais, nos grupos, entre grupos ou de uma pessoa consigo mesma. (FEDERAÇÃO BRASILEIRA DE PSICODRAMA, c2023).

Desse modo, na Segunda Rodada, busco traçar paralelos entre princípios do Psicodrama e alguns aspectos do Yo Afectado. Para tal, dialogo com os escritos de Moreno, assim como de Jaime G. Rojas-Bermúdez, colombiano radicado em Buenos Aires, fundador da Associação Argentina de Psicodrama e Psicoterapia de Grupo[10] e um dos grandes divulgadores do Psicodrama na América Latina. Dialogo, também, com autoras e psicodramatistas brasileiras.

O psicodrama é uma técnica psicoterápica cujas origens se acham no teatro, na psicologia e na sociologia. Do ponto de vista técnico, constitui, em princípio, um processo de ação e interação. Seu núcleo é a dramatização. (…) o psicodrama faz intervir, manifestamente, o corpo em suas variadas expressões e interações com outros corpos. (ROJAS-BERMÚDEZ, 2016).

Além disso, participam dessa conversa uma série de artistas, autoras, professoras e pesquisadoras na medida em que novas perguntas vão surgindo e reflexões vão sendo construídas. Colaboram com essa pesquisa também todas as artistas integrantes do CEPECA, minhas colegas de curso, minhas alunas, minhas parceiras de Yo Afectado, minhas parceiras artísticas e todas as demais pessoas que dialogaram comigo ao longo desse processo.

A terceira e última rodada da Ronda é quando se desenvolve uma improvisação coletiva. Por esse motivo, na Terceira Rodada desse texto busquei desenvolver a reflexão acerca de aspectos coletivos do Yo Afectado, com ênfase na questão da condução. O questionamento em relação a uma condução ética e responsável do exercício, assim como a preocupação quanto aos potenciais riscos que o Yo Afectado pode oferecer orientam essa parte do texto. Foram levantadas perguntas como:

A terceira rodada de uma Ronda é também conhecida como o confronto de “Todas contra todas”. Aqui não dou ênfase à ideia de confronto, mas à possibilidade de existência de múltiplas vozes, muitas vezes radicalmente opostas, dentro do jogo. Desse modo, busquei trazer também uma coletânea de relatos de colegas e amigas que já vivenciaram o Yo Afectado, com o intuito de alimentar a dissertação com outras vozes oriundas da prática.

Em busca de uma escrita mais inclusiva e marcadamente conectada com a minha experiência pessoal, optei por utilizar o gênero feminino na criação do texto. Essa opção fica evidente, sobretudo, quando faço generalizações ou me refiro a grupos de pessoas. Desse modo, opto por escrever “o trabalho da atriz” ao invés de “o trabalho do ator”, ou escolho mencionar as “atrizes, diretoras e autoras” ou invés de “atores, diretores e autores” e assim por diante. Isso não significa que me refiro apenas a mulheres, mas sim que opto conscientemente pelo uso do gênero feminino nessas situações.

[1] Estrela Straus é atriz, professora, diretora e preparadora de elenco. Falarei mais sobre ela ao longo desse trabalho.

[2] Espaço cultural particular localizado no bairro de Pinheiros, na cidade de São Paulo (SP).

[3] Bloco de Texto é um exercício idealizado por Augusto Fernandes que tem o foco no trabalho com o texto.

[4] Tradução minha. No original: “En el teatro cambia todo, estás todo el tiempo con eso de la muerte y la resurrección, buscando un fantasma que se desarma constantemente. El teatro tiene mucho que ver con la muerte, todo muere después de un ensayo.” (FERNANDES apud AUDIOVIDEOTECA DE BUENOS AIRES).

[5] Desenvolvo melhor essa questão no tópico Yo Afectado é ficção, na Segunda Rodada deste trabalho.

[6] No original: “El mismo sostiene que la subjetividad de cada individuo está conformada por diversas facetas, que se denominan “yoes”. Hay sucesos que pueden afectar de alguna manera a alguno de estos “yoes”, pero las convenciones sociales, el respeto por el otro y las prohibiciones, no permiten que esto se exprese totalmente. El ejercicio propone indagar en estos hechos con el objeto de que esta parte afectada del yo pueda hallar expresión, dando lugar a emociones (muchas veces, desbordadas).” (MAURO, 2008).

[7] Conversa realizada com Estrela Straus e disponibilizada nos apêndices dessa dissertação.

[8] Falo mais detalhadamente sobre a Ronda no tópico: 1.2.11.Ronda.

[9] Centro de Pesquisa e Experimentação Cênica do Ator, grupo de pesquisa da Universidade de São Paulo, criado pelo Prof. Dr. Armando Sérgio da Silva no ano de 2007. Atualmente é coordenado pelo Prof. Dr. Eduardo Tessari Coutinho.

[10] Asociación Argentina de Psicodrama y Psicoterapia de Grupo.

Juliana Valente é atriz, diretora e educadora. Mestre em Artes Cênicas pela USP, onde concluiu também seu bacharel em Artes Cênicas com habilitação em Interpretação Teatral. Atriz-pesquisadora do Centro de Pesquisa em Experimentação Cênica do Ator (CEPECA-USP) desde 2019. Atua como atriz em peças na cidade de São Paulo desde 2007 e é cofundadora do grupo de teatro Coletivo Cardume. Atualmente é professora de teatro no Colégio Oswald de Andrade (SP) e artista docente do curso de atuação na SP Escola de Teatro.

 

DISSERTAÇÃO  COMPLETA:

https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/27/27155/tde-26042023-134759/pt-br.php

 

JulianaRodriguesValenteSantanaNunesOriginal

 

 

 

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BATE-PAPO: ESTRELA STRAUS (atriz)

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A idealização de uma vida no espaço, vagar por planetas tripulando naves, seres extraterrestres, super poderes. Pouco ou quase nada disso está ao nosso alcance. Por isso alguns escritores e cineastas fritam a criatividade ao dar vida a histórias nestes cenários onde tudo pode, basta querer. Porém, humanos que somos, nossas problemáticas cotidianas estão sempre lá. Seja na lua de Endor ou na Enterprise. Seja no complexo Darth Vader ou no caricato Peter Quill, em voga no novíssimo Guardiões da Galáxia Vol. 3. A forma de escrever um arco de personagem pode até ter um contexto ficcional, mas não há como fugir de nossa humanidade. Até mesmo um guaxinim falante não consegue nos desumanizar, de forma alguma.

Fiz essa breve introdução porque o tema recomeço e/ou seguir em frente tem me tocado. 

Aqui, um pequeno spoiler: Em uma cena do filme Guardiões da Galáxia Vol. 3, Rocket Raccoon diz algo como “eu fui desmontado e remontado tantas vezes até me tornar essa coisa horrível”. Ao falar de sua forma física, o personagem nos atenta parabolicamente ao fato de que a vida nos faz em pedaços consecutiva e inevitavelmente. Claro que em um filme que encerra uma trilogia, ele se resolve com esse trauma, escolhendo um caminho que o coloca em conforto, em aceitação com o passado e aberto ao futuro. Opa! Temos aqui um processo psicanalítico? Darth Vader também foi desmontado e remontado, passou por um longo processo de negação até a redenção final. Nos dois casos, há sempre uma relação forte com alguém, seja um amor, um filho ou uma mochila. 

Comumente temos a pretensão de sermos inteiros. O espelho nos passa essa impressão. Não obstante, longe dele, a vida nos mostra que não, que não somos uma partícula, um pontinho no espaço, sem massa, sem forma, para facilitar o cálculo. Somos um amontoado de dias, de vivências e de fracassos e frustrações. Viver é ser desmontado a cada passo. Geralmente, histórias ficcionais fechadas nos trazem essa sensação de que, no fim, vai dar tudo certo. Mas, convenhamos, nossa vida não é uma trilogia do James Gunn que dura 10 anos. 

“Eu amo a maneira como a experiência nos atravessa a tal ponto que o passado se torna eterno em nossos corpos. E ele passa, em alguma medida, a ser presente. E nos acompanha no trajeto futuro”, me disse uma amiga ao refletir quando conversávamos sobre viver momentos maravilhosos e marcantes. E somando isso ao o assunto recomeço, me baguncei todo, confesso. Por isso esse texto.

Como viver um dia após o outro e lidar com a ideia de recomeço? É possível recomeçar todos os dias? Somos feitos de pegadas? Acredito que sim. Nosso ontem nos faz o que somos hoje. É a partir do que deixamos para trás (deixamos?) que podemos vislumbrar um futuro, novas ações e novas idealizações. Porque, assim como nos filmes, idealizar é o que nos faz tocar o bonde, ver no outro, no objeto, na situação algo que nos inspira e satisfaz. Quem sabe nossos recomeços sejam constantes, numa linha paralela ao nosso viver de hoje?

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MAR ABERTO | UM ESTRANGEIRO EM PORTO ALEGRE https://redesina.com.br/mar-aberto-um-estrangeiro-em-porto-alegre/ https://redesina.com.br/mar-aberto-um-estrangeiro-em-porto-alegre/#respond Tue, 28 Mar 2023 17:26:54 +0000 https://redesina.com.br/?p=20476 por Boca Migotto No último domingo, 26, Porto Alegre comemorou 251 anos. No dia seguinte, segunda, 27, foi a vez do Cinema Gaúcho comemorar o seu dia, instituído em 2002 através de um projeto de lei do deputado Ronaldo Zulke e sancionado pelo então governador, Olívio Dutra. Claro, ninguém esperaria isso do Ivo “Sartonaro”, aliás, …

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por Boca Migotto

No último domingo, 26, Porto Alegre comemorou 251 anos. No dia seguinte, segunda, 27, foi a vez do Cinema Gaúcho comemorar o seu dia, instituído em 2002 através de um projeto de lei do deputado Ronaldo Zulke e sancionado pelo então governador, Olívio Dutra. Claro, ninguém esperaria isso do Ivo “Sartonaro”, aliás, o governador que extinguiu a Secretaria de Cultura e que mandou os professores buscarem seu piso na Tumelero.

Em homenagem à Porto Alegre e ao Cinema Gaúcho, então, publico um capítulo do meu livro, “Um certo cinema gaúcho de Porto Alegre”, no qual discorro sobre a histórica influência dos estrangeiros – todos os estrangeiros – para nós, gaúchos e porto-alegrenses, e reflito sobre a importância do filme Cão sem dono, dirigido pelos paulistas Beto Brant e Renato Ciasca, para a nossa cinematografia.

O texto abaixo sofreu algumas pequenas alterações para que pudesse ser lido fora do fluxo do livro, no entanto, mantém sua essência que visa relacionar a famosa visita do escritor Albert Camus à capital, com nossa síndrome de vira-lata e a produção cinematográfica gaúcha contemporânea. Espero que gostem e, caso gostem, e queiram ler mais, informo que ainda há alguns livros à venda. Boa leitura.

UM ESTRANGEIRO EM PORTO ALEGRE

Um estrangeiro em Porto Alegre é o título do curta-metragem de Fabiano de Souza, realizado em 1999, o qual retrata, ficcionalmente, a passagem de Albert Camus por Porto Alegre em 9 de agosto de 1949. Camus, o autor do livro “O estrangeiro” (1942), provavelmente, seja o estrangeiro – ele próprio – mais notório a ter pisado as ruas da capital gaúcha. Isso não quer dizer que ele tenha sido o mais famoso – vejam só, até um ex-Beatle e o próprio Papa já deram as caras por aqui –, mas é bem possível que seja o mais significativo. Isso porque o parceiro existencialista de Sartre representa – ou representou – muito bem a relação da cidade consigo mesma. Se Porto Alegre fosse uma pessoa, eu diria que ela sofre daquilo que, na psicologia, é conhecido como “confiança básica”. No senso comum, a cidade precisaria resolver seus problemas de baixa autoestima. Porto Alegre não é uma pessoa, é verdade, mas por pessoas é constituída. Seus habitantes. E são estes que precisam compreender o próprio lugar onde vivem. Não se trata, obviamente, de uma constatação científica, mas, como percebemos através da historiadora Sandra Pesavento, a capital dos gaúchos – e o próprio Rio Grande do Sul – sempre se viu na posição ingrata daquele amigo estranho, diferente, incompreendido, que não é convidado para as festas e que, invariavelmente, até sobre bullying. Ao contrário da autossuficiente Rio de Janeiro, que inclusive se autodenomina a “Cidade Maravilhosa” –, e realmente é (seguirá sendo?) belíssima –, Porto Alegre busca, na opinião dos estrangeiros que por aqui passam – e/ou passaram –, o devido respaldo que possa evidenciar suas qualidades. A opinião dos estrangeiros sempre nos foi muito importante, principalmente se vier acompanhada de elogios. Por isso, a passagem de Camus pela capital foi tão marcante, tanto por conta do que significou recebê-lo, em 1949, quanto descobrir, apenas décadas depois, que as boas impressões, infelizmente, não eram recíprocas ou, pelo menos, aos porto-alegrenses assim pareceu.

Segundo matéria de Zero Hora, de 5 de outubro de 2008, escrita pelo jornalista Ricardo Chaves (2018), a chegada do futuro Prêmio Nobel de Literatura à cidade – ele receberia o prêmio em 1957 – foi acompanhada pelas figuras mais expressivas do meio literário local, além dos mais importantes representantes da alta sociedade gaúcha da época. Segundo a Revista do Globo, número 490, de 3 de setembro de 1949, citada na matéria escrita por Chaves, o autor francófono permaneceu em Porto Alegre por menos de 24 horas antes de seguir viagem para Montevidéu. A visita de Camus à capital gaúcha fazia parte de uma grande missão de intercâmbio cultural por diversos países e cidades da América do Sul. E como não poderia deixar de ser diferente para uma capital provinciana – e colonizada – como a Porto Alegre do final da década de 1940, o escritor estrangeiro foi recebido com os devidos mimos e idolatria característicos. Em função do cinquentenário de morte do escritor argelino, o artigo publicado por Gervásio Rodrigues Neves (2010) aborda a famosa passagem de Albert Camus por Porto Alegre. A partir das suas memórias de estudante secundarista da época, então com 15 anos, Neves conta como foi aquela tarde quando o auditório do Instituto de Artes da UFRGS ficou pequeno devido à quantidade de pessoas que queriam escutar Camus palestrar sobre o tema “A Europa e o crime”. Segundo consta no artigo de Neves publicado no Correio do Povo Camus seria um “[…] filósofo, romancista, dramaturgo e jornalista, um homem significativo, incorporando o espírito da civilização ocidental e, particularmente, da francesa de modo ardente e dinâmico”.

Tão elogiosa quanto a matéria do Correio do Povo foi a apresentação de Érico Veríssimo, feita em francês – obviamente –, na qual destacou a posição intelectual e ética de Camus, expressas nos seus romances anteriores a 1949, como a obra-prima “O estrangeiro” (1942), e o então recém-lançado “A peste” (1947). Nosso principal escritor, em seu discurso publicado no suplemento “Letras e livros” do Correio do Povo de 15 de agosto de 1981, já traduzido do francês, dirigiu-se ao colega de profissão da seguinte forma:

[…] senhor Camus, vós pertenceis a uma idade nova e dramática. Vós sois uma das mais claras, mais belas e corajosas vozes da França de hoje, temperada na forja da Resistência. Vós representais a nossos olhos o homem que, segundo a frase de Matthew Arnold [13], encontra-se dilacerado entre um mundo que agoniza e outro que tenta. É por isso, senhor Camus, que eu quero vos dizer o quanto nós todos somos felizes, esta noite, de vos ter entre nós e, sobretudo, de vos ouvir (NEVES, 2010, p. 3).

Foi assim, nesse clima de cordialidade intelectual e diplomacia provinciana, que se seguiu o dia atípico na pequena capital do Rio Grande do Sul. Após a apresentação de Veríssimo, Camus proferiu sua palestra, seguida de um coquetel com a alta sociedade porto-alegrense e, segundo relatos, distribuiu autógrafos àqueles que arriscaram solicitá-los. Talvez sem nem ao menos ter visto os pontos turísticos da cidade, Camus seguiu no final do dia para Montevidéu, e sua impressão sobre Porto Alegre – naquela época contava com menos de 400 mil habitantes – foi conhecida apenas em 1978, quando da publicação póstuma do seu “Diário de viagem”, no original, Journaux de Voyage. Não deu nem para reclamar pessoalmente com o autor que, ao descrever o Brasil como o país da “indiferença e exaltação”, escreveu o seguinte – e curto – comentário sobre a capital dos gaúchos: “[…] a luz é muito bela, a cidade feia. Apesar dos seus cinco rios […] essas ilhotas de civilização são frequentemente horrendas”. Além disso, não deixou de observar que o auditório onde palestrou não suportava o público presente, “[…] chegando a recusar pessoas”. Tal afirmação é respaldada pelo registro da Revista do Globo, que, na época, destacou “[…] o enorme público que lotou inteiramente o auditório do Instituto de Artes”.

No entanto, não me surpreende que, embora inteiramente ficcionalizado, o dia de Camus proposto pelo cineasta Fabiano de Souza, em seu curta-metagem, encerre, justamente, com um off do ator Nelson Diniz – na pele de Camus – citando as observações pouco elogiosas do escritor sobre Porto Alegre. Faz parte dessa livre adaptação de Fabiano retratar a passagem do escritor franco-argelino pelo Rio Grande do Sul em um inusitado dia de agosto de muito calor. Algo que, inclusive, contraria todos os registros da época, embora, certamente, justifica-se por conta da liberdade poética, contida no curta-metragem, que busca refletir, possivelmente, a escaldante Argélia onde transita o personagem Meursault em “O estrangeiro”. Trata-se de uma ficção e, como tal, mais do que “registrar” fielmente a passagem do escritor por Porto Alegre, pode sugerir que foi devido ao inusitado passeio pelo litoral gaúcho – conforme o curta-metragem – que surgiu a ideia para Camus escrever o seu clássico livro. Nesse caso, teria sido o estrangeiro Camus a registrar o assassinato que ele mesmo cometera em cenário gaúcho – “a maior praia do mundo”. Mesmo assim, chama a atenção o diretor/roteirista reconstruir toda a passagem de Camus pelo Rio Grande do Sul como uma jornada fantástica, para, então, finalizá-la com um único detalhe factual feito sobre a capital dos gaúchos. Como se houvesse a necessidade, dentre tanta fantasia, de sublinhar que o único aspecto real dessa história, que recai sobre Porto Alegre, é, justamente, algo depreciativo. As palavras de Camus sobre nossa capital.

Felizmente – para Camus e para Porto Alegre –, devo dizer que a palestra lotada ocorreu num típico dia frio do inverno gaúcho. Chamo a atenção para isso porque, tenho certeza, a temperatura amena registrada naquele dia certamente preservou o escritor da desagradável experiência de vivenciar uma sufocante jornada de calor porto-alegrense em um auditório repleto de pessoas e, obviamente, por conta da época, sem ar-condicionado. Quanto a isso, não há autoestima que nos redima. Se Camus tivesse vivido algo assim na sua passagem pela capital, certamente esse detalhe não passaria em branco nas suas anotações. As altas temperaturas presentes no curta-metragem de Fabiano, portanto, não acompanharam Camus pela Porto Alegre real da sua passagem. Bem ao contrário disso, afinal, foi justamente o frio daquela tarde de agosto que proporcionou uma observação, digamos, intrigante do autor sobre sua curta estadia na cidade. Como um bom francófono, chamaram a sua atenção os exóticos ponchos – “kapotes” – que protegiam os porto-alegrenses daquele frio invernal.

Tal introdução, construída com base na traumática relação entre Porto Alegre e Albert Camus, o que já foi tema de inúmeras reportagens e artigos acadêmicos, além do próprio curta-metragem de Fabiano de Souza, tem por objetivo propor uma reflexão acerca da influência de outros dois estrangeiros sobre, no caso, o cinema porto-alegrense. Falo de Beto Brant e Renato Ciasca, realizadores paulistas que vieram para Porto Alegre filmar Cão sem dono (Beto Brant e Renato Ciasca, 2007), adaptado do livro “Até o dia em que o cão morreu” (2003), do escritor paulistano radicado no Rio Grande do Sul, Daniel Galera. A produção desse longa-metragem foi mais uma oportunidade de a cidade – nesse caso, o ambiente da produção audiovisual – se ver frente a frente com aquele forasteiro que ao chegar a um lugar necessariamente provocará um inevitável caos. No entanto, contrariamente ao que fez Camus, Brant viveu a cidade, fez amigos e sempre falou bem – até onde se sabe – de Porto Alegre. A partir disso, se construiu uma outra relação entre a cidade – e os porto-alegrenses – e o diretor paulista. Isso porque, quando há uma reciprocidade de sentimentos, a influência do estrangeiro sobre o lugar será maior afinal, como destaquei no início deste texto, nós sempre fomos reféns dos elogios forasteiros. Foi o que aconteceu com Brant, que conquistou os (quase todos) corações e as mentes locais e, por causa disso, suas observações – bem como sua obra – foram mais bem aceitas e assimiladas pelos porto-alegrenses.

Ao mesmo tempo, não estou aqui condicionando a qualidade do filme de Brant e Ciasca à generosidade com a qual ambos trataram a quase sempre carente de elogios, Porto Alegre, mas, uma vez que os paulistas foram – e são – pessoas agradáveis e educadas, também os porto-alegrenses se dispuseram a recebê-los – e receber o resultado do seu trabalho – com mais simpatia. Uma espécie de “gentileza gera gentileza”. Seja como for, a minha pesquisa demonstrou, com base nas entrevistas realizadas, principalmente com os realizadores locais que trabalharam com Brant e Ciasca, que houve um diálogo mútuo entre “estrangeiros e nativos”, o qual gerou, além de gentilezas, um belo filme, boas amizades que perduraram e, sobretudo, influências recíprocas. Sobre isso, o quanto Porto Alegre influenciou – e afetou – Beto Brant e Renato Ciasca não é tão claro, mas não importou muito à pesquisa. No entanto, para nós, o fundamental é tentar compreender o quanto eles – os estrangeiros – influenciaram a produção audiovisual gaúcha.

Nesse sentido, ao longo dos quatro anos de pesquisa, cada vez mais foi ficando evidente que se há, neste ciclo de praticamente 40 anos de produções porto-alegrenses, um ponto de virada, este ocorreu ao longo da realização de Cão sem dono. Entretanto, esse ponto de virada não teria ocorrido se a produção de Cão sem dono tivesse se dado conforme havia sido planejada. Isso porque, segundo as entrevistas realizadas com os ex-sócios da Clube Silêncio – coprodutora porto-alegrense do filme, constituída por Gustavo Spolidoro, Milton do Prado, Fabiano de Souza e Gilson Vargas – e com o próprio Beto Brant, num primeiro momento, a coprodução dessa obra estava pensada para ser realizada com a Casa de Cinema de Porto Alegre. Ao menos, essa era a intenção inicial de Brant e Ciasca, que vieram para Porto Alegre com o objetivo de conversar sobre essa possível parceria.

Segundo Brant, em entrevista concedida a mim, em São Paulo, a relação com os sócios da Casa de Cinema, principalmente Giba Assis Brasil, Ana Luiza Azevedo, Carlos Gerbase e Luciana Tomasi, remetia às suas primeiras participações no Festival de Cinema de Gramado. Tratava-se, portanto, de uma amizade relativamente longa, sólida e também havia uma admiração profissional, sobretudo em relação aos primeiros longas-metragens, realizados em Super-8, nos anos 1980. Conforme relatou Brant, no entanto, ao ser recebido por Nora Goulart, sócia e produtora executiva dos projetos da Casa de Cinema, a percepção de como a coprodução entre eles deveria ocorrer não combinou com o tipo de filme e, consequentemente, com o modo de produção que os diretores paulistas tinham em mente.

Posso estar propondo uma analogia insuficiente sobre tal situação, mas é curioso pensar que uma casa, geralmente, reúne a família e os amigos mais próximos, enquanto um clube, mesmo que privado, está mais aberto a receber novos sócios, novos agregados. Já citei a observação realizada por Gustavo Spolidoro, em um artigo escrito por ele ao CAC, no qual dizia estar muito agradecido à geração da Casa de Cinema por instruí-lo a buscar sua própria “turma”. A paternidade da expressão “cinema de turma”, na verdade, é desconhecida, creio, até pelos próprios protagonistas. No entanto, independentemente de quem seja o pai e a mãe dessa expressão, a “turma”, aqui, significa dizer que em Porto Alegre se faz um cinema coletivo, embora restritivo. Giba Assis Brasil – um dos sócios da Casa de Cinema – também confirma tal característica quando, segundo ele, tratava-se de “[…] um cinema de autores em lugar do cinema de autor, a ‘saudável utopia’, certa vez identificada pelo crítico Antonio Hohlfeldt”. Se pensarmos que “cinema de turma” é o mesmo que trabalhar, sempre que possível, com as mesmas pessoas, essa característica seria ainda anterior à própria Geração Deu pra ti, uma vez que o próprio Teixeirinha repetia os diretores – Pereira Dias ou Milton Barragan – com quem realizava seus filmes, assim como vários atores e técnicos. No entanto, mesmo que Spolidoro e os seus sócios praticassem um “cinema de turma”, me parece que souberam se moldar muito mais facilmente ao modo de produção de Brant e Ciasca e, dessa forma, escancararam as portas do clube aos cineastas “estrangeiros”.

Spolidoro comentou, em um dos seus depoimento para este vos escreve, que Beto Brant, assim como o diretor pernambucano Lírio Ferreira, eram referências importantes para o seu cinema, pois eram expoentes de uma geração de realizadores que estavam propondo novas abordagens para a produção audiovisual brasileira. Baile perfumado (Lírio Ferreira e Paulo Caldas, 1996) e Os matadores (Beto Brant, 1997), por exemplo, são dois filmes que marcaram a Geração Clube Silêncio não apenas por terem sido realizadas na retomada, mas, essencialmente, por se apresentarem como filmes mais orgânicos, viscerais e, essencialmente, autorais, sobretudo quando comparados com a filmografia brasileira daquele período. Havia, portanto, uma admiração de Spolidoro por Brant e, como este relata, os dois já se conheciam por conta de um encontro inusitado no Centro Técnico Audiovisual (CTAV), no Rio de Janeiro. Brant, por sua vez, disse que tinha pensado em procurar Spolidoro, mas como sua principal referência, ainda da época dos Festivais de Gramado, era Giba Assis Brasil, Carlos Gerbase, Ana Luiza Azevedo e Luciana Tomasi – então, todos sócios da Casa de Cinema, junto com Jorge Furtado e Nora Goulart –, concluiu que o caminho natural seria a própria Casa de Cinema. No entanto, no momento em que ficou claro para o diretor paulista que as filosofias de trabalho não combinariam, decidiu “tomar uma cerveja” – sempre há “uma cerveja” no cinema brasileiro – com Spolidoro e os seus sócios. Nesse encontro, segundo Spolidoro, Brant decidiu que faria a coprodução com a Clube Silêncio, que era uma produtora jovem, formada por jovens e, por isso, mais propícia a experimentar o seu jeito de produzir e filmar. Ao mesmo tempo, para uma produtora recém-criada, coproduzir um filme de um diretor reconhecido nacionalmente, além de significar prestígio e experiência, representaria algum dinheiro extra em caixa. O negócio parecia bom para os dois lados. Dessa forma, Brant e Ciasca optaram por abrir mão da estrutura mais segura e experiente – embora também mais rígida, que viria associada a uma coprodução com a Casa de Cinema – por uma estrutura menor, mas que lhes parecia mais flexível e permitiria maior liberdade de produção.

Nesse momento, se desenha algo essencial para que possamos perceber a grande transição que significou essa decisão de Brant e Ciasca. Para mim, essa escolha pela produtora mais jovem é, simbolicamente, também um marco para a minha própria pesquisa, uma vez que, de certa forma, explicita duas formas antagônicas de se fazer cinema no Rio Grande do Sul. Uma espécie de plot point dessa história. A primeira forma, o modelo tradicional de produção, que vinha sendo praticado com êxito pela Casa de Cinema ao longo de décadas. Um modo de produção que se espelha no jeito estabelecido de se fazer cinema, conforme – mediante as devidas adaptações, claro – acontece com os grandes estúdios. Geralmente, isso significa produções mais caras, equipes maiores, estruturas maiores e mais lentas e, principalmente, um controle maior sobre a produção e os prazos de realização, bem como apostar na verticalização das relações de trabalho. Cão sem dono não teria funcionado se filmado dessa forma, e os diretores paulistas sabiam disso. Brant cita, por exemplo, que eles realizaram praticamente todas as filmagens na sequência do roteiro. Uma loucura que, para ser possível, era necessário coproduzir esse projeto com parceiros que estivessem mais em sintonia com o que os paulistas imaginavam para o filme. Isso passava, necessariamente, pelo modo de produção e pela forma como técnicos e artistas deveriam se relacionar ao longo das filmagens. Brant e Ciasca apostavam em um filme mais experimental no sentido de buscarem uma atuação orgânica que imprimisse, na película, um certo naturalismo, o qual apenas seria possível de alcançar com um relativo improviso. Para isso ocorrer, seria preciso que toda a equipe – técnicos e artistas – envolvida, bem como a coprodutora, entendessem qual era a busca estética dos diretores e, obviamente, apostassem nessa proposta que visava, consequentemente, uma permanente construção coletiva do filme, ancorada na livre possibilidade de se absorver o “incidental”. Esse tipo de cinema não era necessariamente desconhecido no Rio Grande do Sul. Inúmeros curtas-metragens já haviam sido realizados a partir desse modelos de produção, no entanto, agora, o projeto a ser filmado seria um longa. Beto Brant pediu a Spolidoro, produtor executivo do filme, para lhe indicar “não os melhores profissionais, mas os profissionais amigos”. Isso significava que Brant e Ciasca não queriam, na equipe, profissionais que atuassem como operários de uma fábrica, excessivamente burocráticos na sua relação com as filmagens. Era preciso equilibrar o trabalho com a amizade.

Esse equilíbrio era fundamental, pois apenas alguém completamente engajado ao projeto, ao ponto de até confundir os limites entre o trabalho e o bar, por exemplo, poderia entender a necessidade de extrapolar o cronograma das diárias de filmagem, se isso, um dia, fosse necessário. Segundo relato de Spolidoro, era comum os diálogos no roteiro acabarem e Brant não cortar a cena, o que obrigava atores e atrizes a seguirem improvisando. Para isso ser possível, além de se montar um elenco disposto – e corajoso – a se submeter a tal proposta, há todo um trabalho que antecede a própria filmagem. Em Cão sem dono, isso chegou ao ponto de o ator Júlio Andrade não apenas ir morar no apartamento que serviria de locação para sua casa, no filme, como também adotar o cachorro – o Churras – que seria seu parceiro no filme para, com ele, conviver durante essas semanas que antecediam as gravações. Esse foi o filme que lançou Júlio Andrade nacionalmente, mas isso apenas foi possível porque o ator compreendeu exatamente o que Brant e Ciasca estavam buscando e se permitiu mergulhar no universo diegético do seu personagem – Ciro – a ponto de, ao longo das filmagens, Andrade e Ciro até se confundirem. Isso era algo próximo daquilo que os paulistas propuseram para toda a equipe quando disseram que queriam trabalhar com quem saísse para beber com eles depois das gravações.

Se Andrade saía para beber com a equipe, não sei e isso não interessa aqui, mas que o ator bebeu e realizou uma endoscopia real enquanto filmava, isso é explicitado, em depoimento, pelo próprio Beto Brant. Assim como, muitas vezes, ao finalizar a diária, a equipe seguia discutindo o filme ao redor de uma mesa de bar ou na própria locação. Segundo Brant, as filmagens acabavam em torno das quatro horas da madrugada, toda a equipe estava excitada pelas cenas rodadas, portanto, para desacelerar, bebiam algumas cervejas e descontraiam todos juntos. Brant complementa a ideia lembrando de uma fala do Magnólio, o palhaço do seu filme Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios (Beto Brant e Renato Ciasca, 2011), “a alegria não exclui a seriedade”. Afinal, o cinema de Brant e Ciasca é “feito com amizade e celebração”, ou seja, mais uma vez estamos falando, aqui, de um “cinema de turma”. Mesmo que, talvez, de uma proposta de turma um tanto quanto diferente.

Outro aspecto que me chamou a atenção foi o fato de Brant, um cineasta que vinha de fora do Rio Grande do Sul, optar por filmar – e descobrir – Porto Alegre. Brant buscou representar várias nuances da capital dos gaúchos com a escolha de locações que não eram, geralmente, utilizadas pelos cineastas locais. Talvez, também por isso o crítico de cinema, Marcus Mello, afirma ser esse o mais porto-alegrense dos filmes gaúchos. Conforme minha orientadora no doutorado e pesquisadora, Miriam Rossini, em sintonia com a Nouvelle Vague, movimento o qual teve como uma das suas principais características redescobrir a Paris dos anos 1960 através das lentes do cinema, também Brant olhou para uma Porto Alegre um tanto desconhecida. Isso ocorre porque os filmes gaúchos, até então, haviam criado uma espécie de “circuito geográfico representacional”, que reforçava uma visão de Porto Alegre como uma cidade pequena e homogênea, formada pelo entorno dos bairros Centro, Bom Fim e da Cidade Baixa. Dessa forma, seriam os “estrangeiro” Brant e Ciasca que deram para Porto Alegre aquilo que os porto-alegrenses sempre reclamaram não haver: um certo ar de metrópole. Afinal, a cidade é muito maior que os três bairros – e alguns outros poucos – citados anteriormente.

Todas essas observações acerca do “estrangeiro”, bem como a discussão conceitual que vai colocar, em lados opostos, o que seria o cinema clássico – representado, aqui, pela Casa de Cinema de Porto Alegre – e um modelo de cinema mais desconstrutivo e, de certa forma, experimental – representado, localmente, pela Clube Silêncio –, ao que tudo indica, estão impressas no corte final de Cão sem dono tal qual o olhar paulista sobre Porto Alegre. Ainda, pode não ser algo completamente novo para o cinema, uma vez que (quase) tudo o que foge do padrão clássico, de certa forma, iniciou com a experiência da Nouvelle Vague. No entanto, por incrível que pareça, nenhum outro longa-metragem filmado profissionalmente, em solo gaúcho, a partir de um orçamento significativo e, consequentemente, associado a outras empresas produtoras até então havia proposto tal ousadia em tantas etapas e segmentos de sua realização. Por tudo isso, é mais do que interessante, é fundamental levar em conta Cão sem dono, o seu modo de produção, o momento quando ocorreu, da forma como se deu e, certamente, o seu resultado final, na hora de refletirmos sobre o que, afinal, significa essa história recente do cinema porto-alegrense. Ademais, o que Cão sem dono diz sobre esse nosso (novo) cinema.

Provavelmente, Brant estava certo ao perceber que esse filme não teria condições de acontecer através de uma coprodução com a Casa de Cinema de Porto Alegre. Ao menos, não naquele momento, quando a produtora estava vivendo seu melhor momento, na produção cinematográfica, administrando diversos projetos de filmes que contaram com os melhores orçamentos da sua história. Sem citar os projetos para a televisão. Apesar para se ter uma ideia, naquele mesmo período quando ocorreu a realização de Cão sem dono, a Casa de Cinema estava envolvida com os seguintes longas-metregans: Meu tio matou um cara (Jorge Furtado, 2005), Sal de prata (Carlos Gerbase, 2005), Saneamento básico (Jorge Furtado, 2007) e Antes que o mundo acabe (Ana Luiza Azevedo, 2009), além da coprodução Bens confiscados (Carlos Reichenbach, 2005) e o longa-metragem de baixíssimo orçamento, 3Fs (Carlos Gerbase, 2007).

Esse momento, infelizmente, não durou muito tempo e, desde então, a Casa de Cinema passou a dedicar-se mais à produção televisiva e menos à realização de projetos cinematográficos. Paralelamente, tudo indica que a própria Casa de Cinema foi aprendendo a equilibrar os elementos inerentes ao cinema clássico/comercial e autoral/experimental. Prova disso é a sua significativa participação nos filmes da Novíssima geração de realizadores gaúchos. Diante disso, é preciso ser justo em assumir que a Casa de Cinema de Porto Alegre não apenas se reinventou mas, ao fazê-lo, acabou ajudando a viabilizar alguns dos longas-metragens mais inovadores na cinematografia gaúcha contemporânea como Os famosos e duendes da morte (Esmir Filho, 2010), Castanha (Davi Pretto, 2014), Rifle (Davi Pretto, 2016) e Cidades fantasmas (Tyrrel Spencer, 2017).

As filmagens de Cão sem dono, mais do que simbolizar a opção pela produtora que havia sido criada para propor um novo modelo de produção cinematográfica em Porto Alegre, serviu para influenciar alguns filmes e realizadores gaúchos. Gustavo Spolidoro reiterou inúmeras vezes, nas diversas entrevistas realizadas para esta pesquisa, que no set de Beto Brant não havia a figura do diretor que gritava “ação” ou “corta”. Mais do que isso, não havia a figura do diretor que gritava. Spolidoro relata que isso o surpreendeu, o influenciou e influenciou o tipo de filme que ele gostaria de fazer a partir de então. Para Milton do Prado, o jeito de Brant e Cisca filmarem, bem como o modo de produção operado durante as gravações de Cão sem dono, acabaram encontrando eco nas pretensões artísticas dos diretores da Clube. Possivelmente, não porque Brant/Ciasca estivessem trazendo algo completamente novo aos sócios, mas, sim, porque Cão sem dono pode ter atestado que era viável realizar filmes de longa-metragem se utilizando de um modelo de produção e direção que os diretores da Clube também acreditavam, mas que, até então, por alguma razão ainda não havia sido aplicado em projetos de longas-metragens. Por tudo isso, é interessante observar o quanto a chegada da figura do “estrangeiro” provocou um pequeno caos e permitiu o surgimento – ou, ao menos, a reflexão – de novas configurações de trabalho, bem como possibilidades estéticas e narrativas. E que, ao virem para o Rio Grande do Sul para realizarem um projeto de longa-metragem, mais do que simplesmente filmarem Cão sem dono, Brant e Ciasca provocaram uma pequena revolução que seguiu acontecendo mesmo depois de eles retornarem para suas casas, em São Paulo. De acordo com Marcus Mello, foi preciso vir um diretor de fora do estado para que um cinema mais inventivo, orgânico e, de certa forma, experimental fosse realizado em Porto Alegre. Para ele, Cão sem dono é o filme que melhor traduziu a cidade e o jeito de ser e viver do porto-alegrense. Eu, particularmente, concordo com Mello, no entanto, cabe refletir que a Porto Alegre de Brant e Ciasca é muito mais da desesperança, do isolamento ou da fuga do que a capital da “interminável boemia bonfiniana” como aquela retratada, por exemplo, em Ainda orangotangos (Gustavo Spolidoro, 2007). Talvez a opinião de Mello ilustre um pouco daquilo que Pesavento identificou a respeito do porto-alegrense, o qual, constantemente, se preocupa “[…] como os ‘outros’ enxergam a capital gaúcha […]”, quando nem mesmo ele conseguiu ainda vê-la apropriadamente. Se pensarmos dessa forma, não surpreenderá perceber que aquele que melhor nos traduziu, no cinema, foi justamente um forasteiro, oriundo “do outro lado da fronteira”.

Dessa forma, relembrando as palavras de Albert Camus para Porto Alegre, “[…] a luz é muito bela, a cidade feia. Apesar dos seus cinco rios […]”, seria possível ressignificar nossa percepção com base em uma leitura cinematográfica? Afinal, sabemos que com uma luz bem construída e bons enquadramentos, não há cidade feia. Se assim o audiovisual quiser. Por isso, não por acaso, e é importante sublinhar, Porto Alegre também é um cenário relativamente constante na publicidade nacional. Pensando assim, o que talvez nos falte não é ouvirmos de um “estrangeiro” o quanto a nossa cidade é bonita ou legal, mas, sobretudo, concluirmos, a partir de nós mesmos, o quanto Porto Alegre é tudo aquilo que queremos que ela seja. Até mesmo feia, escura, hostil e violenta, se dessa forma nos agradar. Afinal, quem nela vive somos nós, e não os estrangeiros que por ela passam. Até porque, assim como Camus, estrangeiros virão e estrangeiros irão, mas Porto Alegre seguirá por aqui, iluminada, diariamente, por essa luz que os próprios porto-alegrenses tanto exaltam a cada pôr do sol no Guaíba – “o mais belo do Brasil”. Falta, talvez, permitir que esta mesma luz do nosso pôr do sol, de fato, nos ilumine. E ilumine nossa percepção sobre nós mesmos.

I. BOCA MIGOTTO

I., de Ivanir, Boca Migotto é cineasta, pesquisador, fotógrafo e escritor. Publicitário formado pela Unisinos, cedo se deu conta que estava na área certa – a Comunicação – mas no curso errado. Formado, então, largou tudo e foi para Londres. Nos dois anos que permaneceu na Inglaterra fez de tudo: lavou prato, fez café, foi garçom e auxiliar de cozinha, estudou inglês e cursou cinema na Saint Martins College of Arts and Design. Ao regressar para o Brasil, fez Especialização em Cinema e Mestrado em Comunicação, ambos pela Unisinos. Nesta mesma instituição, foi professor de Documentário no Curso de Realização Audiovisual, onde permaneceu por dez anos, atuando também em disciplinas dos cursos de Jornalismo, Comunicação Digital e Publicidade. Finalizou seu Doutorado em Comunicação pela FABICO/UFRGS, com extensão na Sorbonne/Paris 3. Foi quando morou em Paris, aliás, que decidiu lançar seu primeiro livro de ficção “Na antessala do fim do mundo”. Como cineasta – diretor e roteirista – realizou mais de vinte curtas-metragens e séries de TV, além dos longas-metragens “Filme sobre um Bom Fim”, “Pra ficar na história”, “O sal e o açúcar” e “Já vimos esse filme”. No momento está lançando seu novo livro “Um certo cinema gaúcho de Porto Alegre”, resultado da sua pesquisa de doutorado, defendida em 2021. Com essas duas últimas obras, Boca pretende fechar mais um ciclo de vida e de produções. A partir daí, o destino apontará novos caminhos e, quem sabe, o convide para escrever uma coluna quinzenal para a Rede Sina seja um indício de para onde seguir.

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Estão abertas as inscrições para o 15º Santa Maria Vídeo e Cinema https://redesina.com.br/estao-abertas-as-inscricoes-para-o-15o-santa-maria-video-e-cinema/ https://redesina.com.br/estao-abertas-as-inscricoes-para-o-15o-santa-maria-video-e-cinema/#respond Thu, 27 Oct 2022 00:26:24 +0000 https://redesina.com.br/?p=19487 Neste ano, o festival de curtas será realizado em duas etapas, sendo a mostra local no dia 30 de novembro; inscrições se encerram no dia 10 de novembro O 15º Santa Maria Vídeo e Cinema (SMVC) está com inscrições abertas para a Mostra Sinprosm de Curtas-Metragens de Santa Maria e Região, até o dia 10 …

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Neste ano, o festival de curtas será realizado em duas etapas, sendo a mostra local no dia 30 de novembro; inscrições se encerram no dia 10 de novembro
O 15º Santa Maria Vídeo e Cinema (SMVC) está com inscrições abertas para a Mostra Sinprosm de Curtas-Metragens de Santa Maria e Região, até o dia 10 de novembro, pelo site oficial do festival: https://smvc.com.br.

No ano em que completa 20 anos de evento, o formato do SMVC será diferente: a mostra local ocorre no dia 30 de novembro de 2022, no Centro de Convenções da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), e a Mostra Nacional de Curtas-Metragens Brasileiros, em março de 2023, no já consolidado – e democrático – espaço na Praça Saldanha Marinho, no coração da cidade, com a exibição dos filmes selecionados.

Podem ser inscritos, gratuitamente, curtas-metragens finalizados a partir de 1º de janeiro de 2021, com até 25 minutos de duração, incluído os créditos, e não inscritos em edições anteriores do SMVC. O festival conta com as categorias: Animação, Documentário e Ficção. E também com a categoria de Melhor Curta com Tema Social, criada em parceria com a Rede Sina. (veja aqui sobre prêmio Rede Sina)

Os realizadores e realizadoras precisam ser moradores de Santa Maria e/ou cidades com até 70 Km de distância de Santa Maria. Os trabalhos inscritos só serão aceitos se forem falados, dublados ou legendados em português.

Durante o festival serão realizadas homenagens para nomes que se destacam no cenário nacional e local na área do audiovisual. Os nomes dos homenageados serão divulgados em breve.

20 anos de SMVC

2022 é um ano muito especial para o SMVC: a celebração dos seus 20 anos. E para reforçar a produção local, o festival será dividido em duas etapas, dando protagonismo para obras produzidas em Santa Maria e região, agora em novembro, e estendendo o SMVC até 2023.

“É impossível registrar os nomes de todas as pessoas que construíram a história do SMVC, mas queremos que todas elas sintam-se homenageadas. 20 anos não são 20 dias”., comenta o diretor-executivo do SMVC, Luciano Ribas.

“Estamos muito felizes em chegar aos 20 anos de atividades valorizando a produção nacional e dando sempre uma atenção especial para a produção de Santa Maria e Região. Nesses 20 anos realizamos mostras competitivas de curtas, mostras não competitivas de longas nacionais e internacionais, cursos, seminários e diversas atividades cineclubistas”, reforça o coordenador artístico do festival, Luis Alberto Cassol.

“Não somente Santa Maria e região, mas o Rio Grande do Sul merece ter um festival tão importante como o SMVC. Celebrar duas décadas das mostras de curtas-metragens é a prova de que a arte e a cultura seguem vivas e cumprindo o seu papel social democrático. Tenho muito orgulho de fazer parte deste momento”, finaliza a diretora de comunicação do SMVC, Alexandra Zanela.

O SMVC

O SMVC nasceu em 2002 como um democrático festival de cinema para valorizar a produção audiovisual local e nacional, e convidar a comunidade para acompanhar as exibições no Theatro Treze de Maio e na Praça Saldanha Marinho. As primeiras 11 edições do evento foram seguidas por um breve hiato, entre 2014 e 2016. Em 2017, o evento foi retomado com uma retrospectiva de sua trajetória.

Nos dois anos seguintes, as atividades voltaram a ser realizadas na Praça Saldanha Marinho. Em 2021 – quando passa a figurar no Calendário Oficial de Eventos do Estado do Rio Grande do Sul – o evento ocorreu de forma remota, em função da pandemia de Covid-19.

O 15° SMVC é organizado pelas empresas Filmes de Junho Produtora, IdeiaAção Design e Planejamento e Padrinho Agência de Conteúdo, em parceria com a Rede Sina e outras entidades da cidade.

Serviço: Inscrições para o 15° SMVC

Quando: de 25 de outubro a 10 de novembro

Onde: no site https://smvc.com.br

 

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