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LIVRO: A ÚLTIMA PRAIA DO BRASIL DE BOCA MIGOTTO

“A última praia do Brasil” o romance do cineasta e colunista da Rede Sina, Boca Migotto é  o quinto livro publicado através da parceria da Rede Sina com a editora Bestiário.

A pré-venda do romance está com 20% de desconto até o dia 1 de setembro. O lançamento acontece em 2 de setembro, sábado a partir das 16h no Terezas Café em Porto Alegre. Já o lançamento em Santa Maria deve acontecer entre 21 e 24 de setembro durante o 16º Santa Maria Vídeo e Cinema (SMVC), onde o cineasta vai estar exibindo um dos seus longas. Em breve divulgaremos mais informações sobre. Para quem quiser conhecer um pouco da literatura de Boca pode acessar a coluna “Mar Aberto” na Rede Sina. E para adquirir o novo romance, basta clicar aqui.  

Após Na antessala do fim do mundo (2021) e Um certo cinema gaúcho de Porto Alegre – ou como o cinema imagina a capital dos gaúcho (2022), Boca Migotto, conhecido, sobretudo, pelo seu documentário Filme sobre um Bom Fim (2015), se utiliza do cenário da fronteira do Brasil com o Uruguai para desenvolver uma narrativa que acompanha o cotidiano de Pedro e sua esposa, Ana, ambos aposentados que decidem abrir mão da vida na capital, Porto Alegre, para curtirem seus últimos anos isolados na Barra do Chuí, próximos ao mar.

Ao se mudarem para lá, no entanto, estoura a pandemia mundial de 2020 e o casal se vê isolado dentro de um isolamento ainda maior. O livro se utiliza da condição de Pedro como ex-professor de História e do cenário, a fronteira do Brasil com o Uruguai, para discorrer sobre aspectos fundamentais da formação histórico-cultural do país e sua relação com a América Latina. De repente, uma inusitada tragédia pessoal se abate sobre Pedro que, a partir de então, é levado a confrontar-se consigo mesmo ao longo do rigoroso inverno gaúcho daquele ano.

Além de Pedro e Ana, fazem parte da narrativa César, um ermitão uruguaio que vive recolhendo tábuas pela praia, e Henrique, roteirista e filho do casal, que vive na França e retorna ao Brasil após a tragédia.

Apresentado pelo cineasta e escritor Tabajara Rua, A última praia do Brasil aprofunda uma reflexão sobre a inúmeras fronteiras que nos acompanham ao longa da vida, um aspecto que já esteve presente no livro que Migotto lançou sobre o cinema gaúcho no ano de 2022. Segundo Tabajara Ruas, a obra de Migotto “(…) é uma façanha literária na sua capacidade de reunir todos nossos medos. No seu empenho em contar com tão pouco nossa variada fauna de horrores, Boca Migotto realiza uma minuciosa, sutil, enigmática jornada. Acompanhá-lo nessa estrada de areia é descobrir muito de cada um de nós. E acertar o passo com um narrador – e cineasta – moderno, dizendo presente no mundo futuro.”

Para o autor nascido em Carlos Barbosa e que construiu carreira, como cineasta, na Capital e Região Metropolitana, além de se debruçar sobre o cotidiano de Pedro e Ana, o seu mais recente livro pretende retratar, também, o fatídico ano de 2020, quando o planeta, e o Brasil em especial, vivenciaram a maior pandemia da história moderna, obrigando países a fecharem suas fronteiras e pessoas a se isolarem em suas casas. Algo que nem sempre ocorreu a contento.

Sobre o autor:

I., de Ivanir, Boca Migotto, é cineasta, pesquisador, fotógrafo e escritor. Publicitário de formação, ao se graduar foi para Londres, onde frequentou cursos de cinema na Saint Martins College of Arts and Design. Ao regressar ao Brasil, já certo que era com cinema que trabalharia, cursou Especialização em Cinema e Mestrado em Comunicação, ambos pela Unisinos. Nesta mesma instituição, foi professor de Documentário no Curso de Realização Audiovisual, onde permaneceu por dez anos, atuando também em diversas outras disciplinas nos cursos de Jornalismo, Comunicação Digital e Publicidade. Também atuou como professor na Faculdade Cenecista de Bento Goncalves. Em 2021, Migotto concluiu o doutorado em Comunicação pela FABICO/UFRGS, com extensão na Sorbonne/Paris 3.

Foi na capital francesa, aliás, que finalizou seu primeiro romance, Na antessala do fim do mundo. A partir de então, levou a escrita e a História mais a sério. Em agosto de 2021 começou a escrever uma coluna quinzenal para o site Rede Sina e, este semestre ingressou no Bacharelado em História, na PUCRS.

Como diretor, roteirista, editor e produtor, realizou mais de 30 curtas, médias e séries de TV, além dos documentários em longa-metragem Filme sobre um Bom Fim (2015) – um dos títulos mais assistidos do cinema gaúcho. Pra ficar na história (2018), Já vimos esse filme (2017) e O sal e o açúcar (2013) completam sua filmografia de longas-metragens.

Título: A ÚLTIMA PRAIA DO BRASIL
Autor: I. Boca Migotto

Formato: 14 x 21 cm.
Páginas: 202
Gênero: Romance brasileiro
Publicação: Bestiário / Rede Sina, 2023

ISBN 978-65-85039-95-6

 

LANÇAMENTO | SANTA MARIA

22 de setembro – sexta-feira – 17h

no Theatro Treze de Maio (Praça Saldanha Marinho)

Durante o 16º Santa Maria Vídeo e Cinema (SMVC)

Compre também em: https://bestiario.com.br/livros/a_ultima_praia_do_brasil.html

 

LANÇAMENTO | PORTO ALEGRE

2 de setembro – sábado – 16h

no Teresas Café – Rua Giordano Bruno, 318, Porto Alegre, RS, Brazil

Compre também em: https://bestiario.com.br/livros/a_ultima_praia_do_brasil.html

 

 

PRÉ-VENDA

De 10 de agosto à 1 de setembro de 2023

20% de desconto  – R$ 54,00

https://bestiario.com.br/livros/a_ultima_praia_do_brasil.html

 

 

 

 

foto do autor é capa do livro

 

APRESENTAÇÃO | TABAJARA RUAS

A última praia do Brasil é um NÃO lugar.
Isso é raro. Um país tão vasto.
Esta narrativa apanha a derradeira parte do nosso pesadelo comum das décadas derradeiras. Quando todos tínhamos a ilusão de que tudo acabaria como nos antigos musicais de Hollywood, com serenatas e violinos afinados. Esta narrativa é contada sem premura, talvez em voz baixa. Conforme o modo gaúcho de contar histórias. Mas, quando o momento pede, surgem os fantasmas.
Não quer dizer que esta seja uma história de fantasmas. Há fantasmas, e mais de um, e eles espreitam em silêncio o tempo todo, mas só entram na narrativa quando não há mais possibilidade de outro artificio. É como um final de sonho. No caso, o sonho de Pedro e de Ana. Professores aposentados, com direito a um último sonho. Nada demais. Uma casa na praia.
Essa praia, a Barra do Chuí, a última, é a mais longa praia do Brasil. Quilômetros de vento e solidão. Pescadores silenciosos. Tartarugas mortas. Carcaças de barcos. O vento assobiando nas frestas. E solidão amarga.
Pedro e Ana se prepararam longamente. Escolheram a casa. Tomaram providências para a pandemia. E da vasta noite do Albardão surgem os fantasmas de toda uma vida. Ali ficam frente a frente. Se observando. Cada um com sua culpa secreta.
Este livro é uma façanha literária na sua capacidade de reunir todos nossos medos. No seu empenho em contar com tão pouco nossa variada fauna de horrores, Boca Migotto realiza uma minuciosa, sutil, enigmática jornada. Acompanhá-lo nessa estrada de areia é descobrir muito de cada um de nós. E acertar o passo com um narrador – e cineasta – moderno, dizendo presente no mundo futuro.

TRECHO DO LIVRO:

Após tudo preparado e sem sinal de Ana acordar, Pedro decidiu que era hora de agir. Já passava das nove horas, quase dez, na verdade. Então, por mais que estivesse ainda cansada, estava em tempo de descer, se alimentar e, se fosse o caso de a ressaca inviabilizar os passeios planejados por Pedro, que Ana voltasse para a cama alimentada. Dessa forma, certamente, após mais um soninho complementar, estaria nova ao meio-dia. O Albardão e seus ermitões poderiam esperar. Para Pedro isso não seria um problema, pois poderia aproveitar a manhã e parte da tarde para projetar alternativas de isolar as janelas e portas para o inverno.
Subiu as escadas e foi até o quarto ainda escuro. Caminhou até a janela, o assoalho rangia timidamente sob seus pés cuidadosos, afastou as cortinas e abriu a veneziana lentamente, para que a luz não invadisse abruptamente o quarto e incomodasse o despertar de Ana. Ao vê-la imóvel na cama, no entanto, Pedro estranhou. Nem seus passos rangidos, nem a claridade invasiva e, agora, nem a voz de Pedro chamando-a, provocaram a mínima reação da esposa. Ao aproximar-se, Pedro sentiu um calafrio. Não sabia de onde vinha e qual a razão, mas os três ou quatro passos que o separavam da cama, por algum motivo alheio a sua vontade, lhe pareceram intermináveis. Um frio subiu pela sua espinha alojando-se na nuca, formigando a cabeça e quase tirando toda a força das suas pernas. Dois passos e a sensação de que algo estava errado dominou sua percepção. Três passos e Pedro se abaixou, sentou-se no canto da cama e esticou o braço até sua mão alcançar o rosto de Ana, parcialmente escondido sob as cobertas. A mão trêmula de Pedro tocou levemente os cabelos da mulher, puxando-os carinhosamente para o lado a fim de poder ver seu rosto. Quase ao mesmo tempo, da sua boca saiu um sussurro quase involuntário. Ana? Chamou a esposa mais uma vez. Então, finalmente a mão encontrou o rosto gélido de Ana.
Com desespero Pedro a sacudiu. Gritou. Puxou de cima de Ana todas as cobertas. Mas nenhum movimento, além do seu próprio, refletiu no grande espelho preso à parede oposta à cama. Ana estava inerte, fria e já completamente enrijecida. Pedro pensou em ligar para o SAMU, correr até o seu celular, chamar ajuda, ligar para a polícia, gritar para alguém na praia. Completamente desnorteado, um turbilhão de coisas passou pela sua cabeça. Caminhou de um lado ao outro do quarto, voltou para perto da janela, olhou para fora, voltou a olhar para a esposa, voltou para perto dela e nada fez além de deixar-se cair sobre o leito, ao lado do corpo frio de Ana. Permaneceu também ele lá, imóvel, olhando para o teto. Naquele instante, ou horas, absolutamente nada se mexeu em todo o quarto, com exceção da cortina, levemente balançada pela brisa daquele dia que prometia tanta coisa boa. Também o tempo, lhe pareceu, havia congelado. Irreal, inverossímil, inacreditável. Ana não estava mais lá.
Mas como assim? Qual a explicação. Na noite anterior ela estava bem. Beberam, conversaram, transaram, dançaram, planejaram uma viagem juntos, ele a levou sonâmbula nos braços até a cama. E agora ela estava morta? Então aquela teria sido a última noite com ela? A última noite deles? E ele nem ao menos dormira ao lado dela na última noite? Eles haviam planejado toda uma aposentadoria juntos naquela casa, naquele lugar. Agora que estava tudo encaminhado, organizado, estavam adaptados, ELE estava adaptado, o destino lhe esfregava a efemeridade na cara assim, desse jeito tão vil, determinante e tão covarde. Por que? Como? Tudo bem que a morte é inexplicável e a tudo aquilo que não há explicação, inútil remoer sentido. Tudo bem que ambos não eram mais jovens, tinham lá seus pequenos problemas de saúde, mas também se cuidavam, se medicavam e, convenhamos, um colesterol mais alto aqui, um triglicerídeos a mais ali não justificavam uma morte assim abrupta e incompreensível. Ana reclamava de dores de cabeça, mas nenhum exame acusara qualquer problema. O médico havia receitado férias. Foi o que fizeram. Férias permanentes. O que poderia ter acontecido? Qual a explicação? O coração simplesmente teria parado de bater? Teria Ana acordado antes de desaparecer para todo sempre ou morrera em sono profundo? Teria ela o chamado ou esticado o braço ao lado da cama em busca de socorro e nada encontrado?
A morte é uma senhora injusta por demais, pois quando bate à porta, dessa forma, inadvertidamente, não permite a sua vítima ao menos explicar o motivo da partida. A pessoa está bem, sorridente, planejando o futuro e, de repente, sem o mínimo direito de advertir aos demais, é levada em um adeus silencioso e solitário. Ao menos, acreditava Pedro, embora certeza alguma pudesse ter, o derradeiro momento, quando a alma se despede do corpo, deve ser algo sublime. Pensou isso e isso o confortou. Inúmeras vezes Ana e ele conversaram sobre o momento do último suspiro. Afinal, depois de certa idade, a morte é um tema inevitável. Mesmo que não seja verbalizado, afinal, muitos temem a morte ao ponto de dela não falar, em pensamento ela se faz presente. Impossível não. No caso deles, a morte nunca fora um tabu. Por isso, varavam noites arquitetando teorias sobre a sensação da despedida eterna. Aquele momento quando o último fio de energia – chamem de alma, se assim preferirem – deixa a carne para trás. Ana tinha certeza do quão sublime seria o momento da morte. Sua teoria era baseada nos ciclos da vida. Pedro sorriu ao se lembrar de Ana discorrendo sobre o tema. Justificava que ao nascer o ser humano era arrancado de dentro do calor e da proteção materna de uma forma tão agressiva que o final da vida só poderia ser o inverso radical de tal sensação. Ou seja, se nascer nos faz chorar, morrer deveria nos fazer rir. Nosso choro rebelde, ao nascermos, necessariamente teria que ser recompensado por um largo sorriso de prazer ao nos despedirmos da vida. Independente do tipo de morte, se morte matada e dolorida ou morte morrida e silenciosa, Ana se referia ao momento único da separação da matéria e do espírito. Quando já não há mais dor, apenas o despedir da consciência. Aquele momento que tantos já relataram como uma viagem de luz. Através da luz e em direção a um buraco negro.
Infelizmente, ninguém nunca voltou para comprovar a tese de Ana. Nem ela voltaria, nunca mais, para preencher as noites vazias de Pedro com suas criativas, e absurdas, teorias de vida e de morte. Ou para simplesmente escutar as palestras intermináveis de Pedro. Ou para dançarem desajeitados. Que miserável será MINHA vida, agora, sem a tua companhia, falou Pedro, em voz alta, para o corpo ainda despido, e inerte, da esposa ao seu lado. Só então Pedro levantou, desceu, se serviu de um pouco de café frio, acendeu um cigarro e parou para pensar nos próximos passos. Haveria de organizar as ideias, pois a morte pode até ser sublime aqueles que a encontram, mas é penosa e essencialmente burocrática para aqueles que remanescem. Além da dor da separação eterna, aos vivos resta, como tema de casa, organizar a despedida dos que se foram. Precisava avisar Henrique, mas como contar isso para ele, assim, à distância, por telefone? E, depois, com o lockdown e os aeroportos fechados, ele nem teria como vir para o Brasil, quanto mais até o Chuí. De toda forma, cedo ou tarde teria que avisar o piá. Teria que criar coragem, achar uma forma de contar e fazer isso, mas decidiu que não precisava ser naquele momento. Naquele momento, a prioridade era outra. Ligar para uma funerária, quem sabe? Ela já estava morta, de nada adiantaria chamar um médico. O que ele precisava era de um caixão e um lugar para enterrar a esposa.
Foi o que fez, descobriu o telefone de uma funerária, na cidade, ligou para lá. Perguntou quanto custava um caixão, se tinham como realizar um velório. A mulher que o atendeu informou que por causa da pandemia não havia caixões. Não que tivessem ocorrido tantas mortes simultâneas na cidade, mas que o setor, no país todo, estava à beira do colapso. Sucesso total de vendas, brincou, sarcástico, Pedro. O fato é que não havia pronta entrega de caixões e os velórios estavam proibidos porque não se permitia mais aglomerações. Em Porto Alegre, assim como nas maiores cidades do país, as famílias que conseguiam um caixão para seus mortos estavam enterrando-os sem velório. Mas já era comum cremá-los diretamente, até sem caixões. De qualquer forma, em toda a região não havia nem um, nem outro. Pedro quis argumentar, mas desistiu e decidiu desligar o telefone. Nem um dos dois era religioso, portanto, o ritual não faria diferença alguma. Padres, pastores, reverendos, xamãs, o que for, não eram requeridos. No entanto, um cemitério onde enterrar Ana seria necessário. E, para isso, era necessário, também, um caixão. Foi quando teve a ideia dele mesmo confeccioná-lo com as madeiras sobradas do sofá.
Pedro terminou de fumar seu quinto cigarro seguido, pegou uma trena, subiu ao quarto e mediu a esposa. Depois a vestiu com um vestido retrô, colorido, que Ana comprara certa vez em uma feira de rua em Porto Alegre. Aquele era o vestido que Ana mais amava e só o escolhia para ocasiões especiais. Pedro lembrou do perfume que Ana sempre combinava com aquela roupa e não teve dúvida, procurou por ele e pingou duas gotas no pescoço dela. Por fim, a cobriu completamente com um lençol branco e desceu para sua marcenaria. Não era daquela forma que imaginou que passaria o sábado, como sabemos, os planos eram outros. Um café da manhã, um passeio pelo Albardão, uma janta, fogo na lareira, quem sabe uma garrafa de vinho e, quem sabe, repetir o sexo da noite anterior. Tinha sido tão boa a noite passada. Que merda, nunca mais nada disso seria possível.
Pensou em tudo isso e se deu conta do que estava fazendo. Como naqueles momentos quando agimos automaticamente até, finalmente, a realidade cair sobre nossas cabeças e nos pressionar contra o chão. Pedro se viu no fundo do mundo, isolado em meio a uma pandemia mundial, confeccionando um caixão com as próprias mãos para enterrar, sabe-se lá como e aonde, a esposa que, naquele momento, por volta da uma hora da tarde, estava imóvel lá na cama deles, esperando o momento de desaparecer para todo o sempre debaixo da terra. Foi quando Pedro desabou. Não literalmente, como se tivesse desmaiado ou tropeçado em uma pedra, mas emocionalmente. O que, de certa forma, não deixava de ser quase a mesma coisa. Pedro sentou-se e, pela primeira vez, confrontado pela realidade inexorável, chorou. Do jeito que sabia chorar, para dentro, mas chorou. Se viu velho, muito velho, ainda mais velho do que era, e completamente sozinho. Então, lhe passou pela cabeça o quão surreal era aquela cena dele confeccionando um caixão para Ana. Até poucas semanas atrás ele havia confeccionado uma espreguiçadeira, depois um sofá, agora um caixão.
Era como se tivesse voltado no tempo, para um tempo quando nem ele era nascido. Um tempo que ele conhecia apenas dos livros, quando não havia funerárias, não havia cidades, cemitérios, igrejas e, muitas vezes, nem padres. Um tempo como aquele quando aventureiros imigrantes desbravaram novas terras, construíram suas cabanas no meio do nada e sobreviveram quase como animais em busca, justamente, de um mínimo de dignidade que, aos pobres e miseráveis, era negada nas cidades europeias. Se imaginou entre estes primeiros colonizadores, mas também entre os antepassados do seu pai, seus antepassados também, os povos indígenas, que também enterravam seus mortos sem registrar óbito, cancelar CPF e demandar pensão ao estado. Se viu assim, mais do que nunca isolado do mundo dito civilizado. Que loucura aquela história de deixar a cidade grande para passar o resto da vida numa praia solitária no fim do Brasil.

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