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Imagem: Frame retirado do filme 'A chegada do trem à estação', dos irmãos Lumière.

MAR ABERTO | Sobre trens e cinema

por Boca Migotto

Os trens e o cinema sempre tiveram uma relação bastante próxima. Tão próxima que fica difícil até dizer qual chegou primeiro.

Historiograficamente, talvez possamos afirmar que foi o trem o primeiro a nascer, mas tudo depende do ponto de referência inicial. Se pensarmos na máquina a vapor, por exemplo, é preciso voltar ao ano de 1681 quando, em Pequim, um jesuíta belga chamado Ferdinand Verbiest teria idealizado o primeiro protótipo do que poderia vir a se tornar o trem. Já em 1769 foi a vez de um francês dar sua contribuição a essa história. O militar Joseph Cugnot apresentou, aos seus superiores, uma máquina a vapor capaz de carregar as munições do exército de um lado para o outro dentro do quartel. Como toda grande invenção, entretanto, também a tecnologia do trem seguiu sendo estudada e aperfeiçoada ao longo dos anos por inúmeras pessoas.

Assim, nesse trote em direção ao futuro, Richard Trevithick, um engenheiro inglês, em 1804, conseguiu construir uma locomotiva a vapor que puxou cinco vagões com dez toneladas de carga e mais setenta passageiros. Tudo isso a uma velocidade de oito quilômetros por hora. Foi também outro inglês, e não é por acaso que a Inglaterra foi a grande disseminadora dos trens pelo mundo, quem deu a contribuição derradeira para o desenvolvimento do transporte ferroviário. Em 1814, George Stephenson construiu a primeira linha de trem, a primeira locomotiva e diversos vagões de carga que deram conta de trinta toneladas de carvão que foi transportado desde as minas de Darlington, por sessenta e um quilômetros e a uma velocidade de seis quilômetros por hora, até a cidade de Stockton. Algo impressionante. Tão impressionante que, apenas quatro anos depois, o mesmo Stephenson foi chamado para construir a primeira linha férrea entre duas cidades: de Liverpool à Manchester. Justamente a região onde estava ocorrendo a Revolução Industrial que transformou as dinâmicas econômicas e sociais em todo o planeta desde então.

Há outros nomes que se misturam a essa história e que contribuíram para que, já no início do século XX, o mundo fosse costurado por mais de quatrocentos mil quilômetros de linhas férreas – por cima e, inclusive, por baixo da terra – mas, para os objetivos desse texto, acho que essa contextualização já é suficiente. Passemos, agora, ao cinema que, embora assim como os trens e todas as grandes invenções, também conta com diversos pais – e mães que foram apagadas da história –, ganhou uma data e um local de nascimento. Paris, 28 de dezembro de 1885, por conta de uma exibição pública e coletiva de uma série de curtas-metragens captados pelas lentes do cinematógrafo desenvolvido pelos Irmãos Lumière. Mas, até chegarmos a esse momento sublime da modernidade, e para sermos justos com a História – com “H” maiúsculo – novamente é preciso regressar ao passado.

Por isso, se pensarmos que houve todo um processo de desenvolvimento e pesquisa da tecnologia cinematográfica para antes dos Irmãos Lumière ou, ainda, que o próprio cinema, como devir – ou seja, algo que já existia como imaginário mesmo antes de surgir a tecnologia capaz de filmar e projetar imagens em movimento – remonta ao homem das cavernas, estamos afirmando que a ideia de contarmos histórias através do uso da luz é algo que nos acompanha desde sempre. Afinal, uma tocha iluminando uma sequência de desenhos na parede de uma caverna não deixa de ser a própria essência do cinema: luz provocando a sensação de movimento. Mas mesmo que não queiramos voltar tanto assim no tempo, é impossível falar da invenção do cinema sem citar o “Teatro das Sombras”, por exemplo, praticado pelos chineses há mais de cinco mil anos antes de cristo.

Assim como a invenção do trem, desde então, inúmeros nomes emprestaram sua genialidade para o desenvolvimento desta tecnologia que permitiu o surgimento da imagem em movimento.

Leonardo da Vinci, no século XV, desenvolveu a “Câmera Escura”, provavelmente a primeira “tecnologia cinematográfica”. No século seguinte, o alemão Athanasius Kirchner criou a “Lanterna Mágica”, inspirado no experimento do próprio da Vinci. Em 1832, Joseph-Antoine Plateau criou o “Fenacistoscópio” – cada nome! – uma espécie de prato com inúmeras imagens desenhadas em posições diferentes que, ao ser girado com velocidade, criava a sensação de movimento. Hoje, isso tudo parece brincadeira de criança, mas na época cada novidade destas era mais um passinho em direção ao grande sonho do ser humano em apreender e reproduzir o mundo ao seu redor. E nesse processo, inúmeros outros personagens contribuíram mas, sem sombra de dúvida, a invenção da fotografia – ela também, cheia de pais como os franceses, Joseph Nièpce e Louis Jacques Daguerre, e o inglês, William Fox Talbot – permitiu que a coisa toda deixasse de ser uma “brincadeira de adultos” para se transformar em “coisa séria”. Afinal, a partir da fotografia não estávamos mais falando de desenhos e pinturas em movimento mas, sim, a própria realidade circundante que, a partir de então, poderia ser apreendida em toda sua verdade – conforme acreditavam na época –, através das lentes fotográficas. A história, claro, é longa e cheia de outros personagens e inúmeros hiperlinks que merecem o devido aprofundamento, mas é impossível chegar nos Irmãos Lumière sem lembrar, ainda, das experiências de Étienne-Jules Marey e Edward Muybridge. Este último responsável por capturar os movimentos de um cavalo para provar que, em determinado momento, o animal tiraria as quatro patas do chão. Essa experiência, digamos, mais do âmbito da curiosidade biológica, revolucionou a técnica do movimento aplicado à fotografia e, a partir daí, então, foi um pulinho para chegarmos em Thomas Edison, nos Estados Unidos, os Irmãos Skladanowsky, na Alemanha e, claro, os Lumière, na França.

Estamos no final do século XIX, o período das transformações tecnológicas e da Belle Époque, quando a França era percebida como o centro do mundo artístico e a Inglaterra o centro comercial e industrial do planeta. O trem, já há algumas décadas era considerado a própria metáfora dos novos tempos. Tempo, este, que inclusive estava no centro do progresso. Com a indústria passou a ser necessário marcar o tempo do trabalho para que este adquirisse um valor monetário. Assim, a relação entre o cotidiano das pessoas com o tempo altera completamente, e definitivamente, a nossa relação com o espaço. A natureza perde importância e é apreendida pela dinâmica das cidades que, agora, inclusive, e justamente por conta dos trens, parecem todas ainda mais próximas umas das outras. Com o trem, a impressão era de que o tempo havia sido dominado e as distâncias entre cidades e países encolhido dramaticamente. Não por acaso, ainda antes de iniciada a relação entre o cinema e os trens, estes foram tema da pintura. O movimento, fenômeno intrínseco tanto ao cinema como aos trens, tentou ser apreendido e reproduzido por William Turner, por exemplo, no seu quadro Chuva, vapor e velocidade, de 1844. De forma semelhantes, Claude Monet, antecipando os próprios Irmãos Lumière, vai pintar a Gare Saint Lazare, em 1877. Ou seja, o universo do trem passa a ser temática para os artistas que logo percebem que as dinâmicas sociais estão sendo completamente modificadas com a chegada dessa nova tecnologia. Por isso, foram inúmeros os pintores e fotógrafos que se dedicaram ao registro e representação do trem mas, certamente, nada se compara A chegada do trem à estação (1895) pois, além da impressionante imagem em movimento daquela máquina à vapor que parecia irromper a tela do cinema – conta-se a lenda (ou não) que algumas pessoas gritaram e se jogaram das cadeiras por medo de serem atropeladas pela imagem – esta, sobretudo, marca o nascimento do próprio cinema.

Desde então, trens e filmes não mais se largaram.

Após os Irmãos Lumière, ainda em Paris, temos Georges Méliès, considerado o pai do cinema de ficção e do cinema de ficção científica. Era um tempo quando tudo parecia possível ao ser humano e os temas preferidos de Méliès, um mágico que se apaixonou pela potencialidade da tecnologia cinematográfica, dialogavam com as mesmas temáticas de outro francês muito famoso e imaginativo, o escritor Julio Verne. Por isso, viagens à lua, aventuras no fundo do mar e deslocamentos em trens voadores eram histórias que agradavam o cineasta por conta da possibilidade de experimentar os efeitos especiais que o cinema permitia e, ao público, sobretudo, porque essas histórias dialogavam com aquele período de inúmeras transformações tecnológicas. A relação entre o cinema e os trens, no entanto, não se limita à Cidade Luz. Logo apareceu, também, no cinema americano. The great train robbery, que Edwin S. Porter realizou em 1903, é considerado, já, uma evolução na linguagem cinematográfica. E, esta, a partir desse momento, vai dar um salto gigantesco, ao ponto de, em apenas vinte anos, não apenas já estar consolidada como, também, já passar a ser questionada e descontruída pelas inúmeras vanguardas europeias que surgirão no período entre guerras.

Mas isso é outra história. Linguagem clássica ou desruptiva, não importa, o cinema e os trens se enamoraram de tal forma que é praticamente impossível pensar os filmes ambientados no Far West, por exemplo, sem imaginar um trem. Aliás, ele próprio, ferramenta indispensável para a colonização de toda Costa Oeste. Ao mesmo tempo, trens e estações se tornaram cenários, metáfora e até personagens de diversos filmes ao longo das décadas. O Assalto ao Trem Pagador (1962), de Roberto Farias, Pacto Sinistro (1951), de Alfred Hitchock, Matar ou Morrer (1952), de Fred Zinnermann, Quanto mais Quente Melhor (1959), de Billy Wilder, Quinteto Irreverente (1982), do italiano Mario Monicelli, Il ferrovieri (1956), do também italiano Pietro Germi, A Ponte do Rio Kwai (1957), Lawrence da Arábia (1962) e Doutor Jivago (1965), os três de David Lean, todos estes filmes que carregam o imaginário do trem em suas cenas, sejam elas de romance, perseguição, violência ou um simples deslocamento dos personagens.

Realizadas as devidas e necessárias contextualizações, é chegado o momento de falar sobre o que me motivou a escrever sobre trens e cinema.

Tudo começou porque essa semana trabalhei em um roteiro de curta-metragem, para um edital, no qual a história se passa em uma antiga estação ferroviária da Serra Gaúcha. Foi quando – e agora não sei mais o que vem antes ou depois – me dei conta da minha própria relação com os trens e com o cinema. Também na minha vida foi o trem que chegou antes. Muito antes do cinema. Nasci e cresci em Carlos Barbosa, no centro da cidade e bem próximo da estação ferroviária que, para mim, a partir de certa idade, era como se fosse o quintal da minha casa. Já não existia aquele movimento intenso e frenético de trens e pessoas indo e vindo o tempo todo. A própria estação já não funcionava mais para passageiros e, estes, naquela época, apenas embarcavam em trens se fosse para fazer turismo. Eu mesmo fiz um passeio de Maria Fumaça – essa mesma que hoje faz o roteiro turístico regular entre Bento Gonçalves e Carlos Barbosa – com o meu pai. Desde o centro de Carlos Barbosa até Jaboticaba. Lembro que o passeio era incrível, com quedas d’água ao longo do trajeto, passava por desfiladeiros, pontes, viadutos e vários túneis dentre os quais, o último, em forma de Y. Dava para ver direitinho, a Maria Fumaça entrava na montanha e, lá dentro, aos poucos, surgiam duas luzes no fim do túnel. Essas duas luzes iam aumentando até, finalmente, o trem seguir na direção de uma delas.

Mas voltando aos trens e o cinema, se mal ou bem os primeiros ainda passaram pela minha infância, o mesmo não posso dizer sobre o cinema. Durante toda minha infância Carlos Barbosa não teve sala de cinema e, por isso, a primeira vez quando vi um filme, fora da televisão, eu já tinha quase dezoito anos. Foi quando reformaram a mesma estação ferroviária da qual falei acima e, lá, instalaram o Cine Ideale. Sim, o nome precisava ser em italiano. Mas, se isso não lhe parece clichê o suficiente, o que vocês diriam do primeiro filme que vi nessa sala de cinema? Cine Paradiso (1990), de Giuseppe Tornatore. Sim, um filme sobre o amor ao cinema e, sobretudo, um filme italiano. E belíssimo, é preciso reconhecer. Mas o que importa é revelar que, desde então, passei a frequentar aquela sala de cinema todos os finais de semana. Cheguei a fazer parte da associação criada para manter o cinema aberto. Não importava o filme, eu estava sempre lá. Mesmo depois de me mudar para Porto Alegre, ao voltar para Carlos Barbosa, nos finais de semana, eu saia de casa para uma longa noite que começava, claro, com o filme do Cine Ideale. Quando filmaram O Quatrilho (1995), dirigido por Fabio Barreto, em Carlos Barbosa – a cena da festa do casamento foi filmada lá – eu usei a minha carteirinha de sócio do cinema para furar a barreira de segurança e chegar perto das filmagens. Lembro que eu mostrei a carteirinha para o segurança, ele olhou e gritou para o colega dele, mais adiante, que eu estava autorizado a passar porque “ele é do cinema”. Aquele dia foi a primeira vez que vi um set de filmagem pertinho de mim. Mal sabia eu que, um dia, eu mesmo trabalharia em sets de filmagens.

Mas eu preciso confessar algo antes de seguir com esse texto. Quando disse que eu tinha dezoito anos ao entrar, pela primeira vez, numa sala de cinema, eu não quis dizer, necessariamente, que esta tinha sido a primeira vez que vi um filme ser projetado. E a primeira vez a gente não esquece.

Bem antes de inaugurarem o Cine Ideale houve uma outra experiência. Uma única vez, mas impactante. Eu ainda era criança, talvez cinco ou seis anos, e a estação ferroviária, como disse, ainda recebia os trens. Uma noite saímos de casa, eu, minha mãe e meu pai, levando cadeiras, para uma projeção de filmes que aconteceria na estação, ao ar livre. Toda cidade estava lá. Bom, toda cidade que eu conhecia estava lá. Não lembro exatamente dos filmes, mas da sensação em ver aquelas imagens sendo projetadas sobre um daqueles vagões-baú, que estavam estacionados sobre os trilhos. Isso tudo, claro, foi marcante também por conta de toda a atmosfera. Algo assim não acontecia todas as noites e, naquela noite específica, quando as pessoas estavam sentadas em suas cadeiras, a temperatura estava agradável e havia um sentimento coletivo irmanado àquela experiência cinematográfica. Embora não lembre dos filmes, especificamente, nunca esqueci que eram filmes curtos e em preto e branco. Não seria um absurdo imaginar que, naquele momento e circunstância, e levando em conta que se tratava de filmes curtos e em preto e branco, um deles fosse, justamente, A chegada do trem à estação. Inclusive, seria muito decepcionante se os responsáveis por aquela projeção inesquecível não tivessem pensado nisso. O fato é que aquela noite e aquelas imagens em movimento projetadas sobre os vagões do trem me marcaram tanto que, quando lancei Pra ficar na História (2016), filmado em Garibaldi, fiz questão de fechar as ruas do centro da cidade e fazer o lançamento do longa-metragem ao ar livre. Vai que eu tenha encantado algum menino ou menina de cinco ou seis anos como eu mesmo fui encantado aquela noite dos anos 1980.

O cinema é luz. E, além disso, sua história é carregada de coincidências e contradições. Sempre me chamou a atenção, por exemplo, que o sobrenome dos “pais do cinema” significasse, justamente, “luz” em francês. Se o cinema é luz e essa luz associada ao movimento produz o efeito mágico que tanto permitiu que contássemos inúmeras histórias através dessa tecnologia, o trem, por sua vez, é a própria essência do movimento. E, de certa forma, quando estamos dentro de um trem, olhando pela janela, a gente vê o mundo passar em frente aos nossos olhos. Novamente, o movimento. Não é por acaso que, no final do século XIX, tanto um quanto o outro eram símbolos da modernidade e dos sonhos. De formas diferentes, ambos nos levam viajar.

Eu já fiz filme sobre trens. Um em Bento Gonçalves, quando dava aula e montamos um curso de extensão em cinema. Professores e alunos se juntaram para contar a história da ferrovia do trigo e daqueles viadutos impressionantes que passam por Muçum, Encantado, enfim, aquela região toda. O outro filme é um média-metragem, e foi feito no Norte do Estado. Conta a história da primeira ferrovia a ligar o Rio Grande do Sul a então capital, Rio de Janeiro. Os dois filmes envolvem pessoas idosas contando histórias do passado, quase sempre utilizando construções antigas como cenário e, sempre, desencadeando uma forte nostalgia sobre o passado ferroviário. Histórias sobre trens, contadas através do cinema. Histórias sobre coisas velhas e fora de moda, ao menos para nós, brasileiros, que a tudo e todos descartamos em nome da novidade.

Mas até esses filmes já faz tempo que eu realizei. Hoje eu estou com quase cinquenta anos e já começo a sentir o peso da idade.

As dores chegam e permanecem por mais tempo. Ainda de leve, mas já anunciam o que eu posso vir a encontrar nas esquinas de um futuro não tão longínquo assim se não levar uma academia a sério. Aliás, hoje mesmo, para fechar esse texto, estou trocando as flexões em nome das reflexões. E exercitar o cérebro é tão importante quanto, afinal, também a memória já não é mais a mesma. Mas o que me deixa mais indignado sobre o fato de envelhecermos é que, para um progressista convicto como eu, muitas vezes me vejo mais conservador do que gostaria de ser. Por último, mas não por fim, cada vez mais percebo a morte torna-se uma amiga bem próxima. Inclusive, às vezes, até uma sábia conselheira.

Aos poucos me vejo chegando na idade das pessoas que eu costumava dizer, brincando, que “têm histórias para contar”. Afinal, jovens têm muitas coisas, mas convenhamos, histórias para contar lhes faltam. Aos poucos, como uma velha Maria Fumaça que hoje é peça de museu ou um objeto exótico utilizado para o turismo, me vejo chegando à idade quando nos aposentam em nome do moderno. Até o cinema, aquele de película, já foi aposentado. De certa forma, as salas de cinema estão, também, sendo aposentadas. Ano após ano. O filme Retratos fantasmas (2023), do Kleber Mendonça Filho, é um documentário que mostra isso de forma poética, a partir do Recife. Mas poderia ser qualquer cidade brasileira onde os grandes cinemas do passado dão espaço para igrejas evangélicas, estacionamentos ou farmácias. Religião, carro e “remédios”. Estamos mesmo muito doentes.

Enquanto isso, aos poucos, todos nós e tudo ao nosso redor, vira uma grande peça de museu em um país que não dá a mínima para museus. Trens, casas antigas, estações e até salas cinemas podem ser restaurados e procurados por turistas, por interessados em história e na memória, mas nós, seres humanos, quando somos aposentados, só nos resta sentar, acompanhados das nossas dores, e esperar pela a morte e pelo esquecimento. Talvez seja justamente por isso eu faço cinema, documentários sobretudo, escrevo livros, fotografo o mundo ao meu redor, pesquiso histórias e tenho, inclusive, retornado à faculdade para estudar História. É tudo uma obsessão por dar uma sobrevida às memórias. É uma forma de fazer com que as pessoas, assim como trens, casas antigas e salas de cinema, também tenham uma segunda chance de serem vistos e escutados. Mas, eu não me engano com isso. Sei bem que, lá no fundo, é também uma forma de tentar evitar que esqueçam de mim, assim como estão esquecendo dos trens e do cinema.

I. BOCA MIGOTTO

I., de Ivanir, Boca Migotto é cineasta, pesquisador, fotógrafo e escritor. Publicitário formado pela Unisinos, cedo se deu conta que estava na área certa – a Comunicação – mas no curso errado. Formado, então, largou tudo e foi para Londres. Nos dois anos que permaneceu na Inglaterra fez de tudo: lavou prato, fez café, foi garçom e auxiliar de cozinha, estudou inglês e cursou cinema na Saint Martins College of Arts and Design. Ao regressar para o Brasil, fez Especialização em Cinema e Mestrado em Comunicação, ambos pela Unisinos. Nesta mesma instituição, foi professor de Documentário no Curso de Realização Audiovisual, onde permaneceu por dez anos, atuando também em disciplinas dos cursos de Jornalismo, Comunicação Digital e Publicidade. Finalizou seu Doutorado em Comunicação pela FABICO/UFRGS, com extensão na Sorbonne/Paris 3. Foi quando morou em Paris, aliás, que decidiu lançar seu primeiro livro de ficção “Na antessala do fim do mundo”. Como cineasta – diretor e roteirista – realizou mais de vinte curtas-metragens e séries de TV, além dos longas-metragens “Filme sobre um Bom Fim”, “Pra ficar na história”, “O sal e o açúcar” e “Já vimos esse filme”. Em 2021 lançou seu segundo livro “Um certo cinema gaúcho de Porto Alegre”, resultado da sua pesquisa de doutorado. Neste ano de 2023 está lançando seu terceiro livro “A última praia do Brasil” pela editora Bestiário em parceria com a Rede Sina. Atualmente é graduando em História- Bacharelado na PUCRS.
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