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MAR ABERTO | Eu estava errado

por Boca Migotto.

Sim, eu estava errado. Há dois anos, quando da vitória de Lula nas eleições presidenciais de 2022, escrevi, aqui nesse espaço, muitas coisas que, hoje, ao olhar para trás, percebo o quanto estava errado.

Naquele momento, apesar da Câmara dos Deputados que o Brasil elegeu, com amplo número de deputados da direita e da extrema-direita, apesar de o Rio Grande do Sul ter eleito Mourão senador, em detrimento ao grande nome e pessoa que representa Olívio Dutra, apesar de a esquerda, em peso, se obrigar a votar em Eduardo Leite para governador, a fim de evitar um mal maior, apesar disso tudo, realmente acreditei que a eleição de Lula faria a diferença.

De certa forma, fez. Afinal, mais quatro anos de Bolsonaro na presidência representaria o desmonte total das estruturas democráticas desse país. Ninguém mais o seguraria. Ao menos por quatro anos, apesar da tentativa de golpe que ocorreu no dia 8 de janeiro de 2023, a democracia resistiu e seguimos respirando em um país democrático. Ao menos, o mais democrático que o Brasil, e esse planeta Terra, nos permite ser.

No entanto, minha ingenuidade – ou poderia dizer, esperança negacionista, no sentido de quem quer tentar negar o buraco fundo onde nos metemos – me fez acreditar, e escrever, que o governo Lula seria mais exitoso, que logo colheríamos os frutos de uma administração saudável e responsável e que as classes menos privilegiadas seriam atendidas. De certa forma, isso também ocorreu. Apesar da propaganda contrária, impetrada por uma mídia hegemônica interesseira e (sempre) a serviço dos grandes empresários e latifundiários desse país, a inflação está controlada, o preço da gasolina baixou, o dólar estabilizou, as notas dos organismos internacionais avaliam bem o país. O Brasil voltou a ser um player importante da dinâmica mundial, respeitado, e os mais pobres, ao menos, saíram da fila do osso. Segundo os dados divulgados pela mesma imprensa, afinal, os dados não podem ser manipulados, vivemos um período de empregabilidade crescente – alguns falam em pleno emprego –, investimentos em infraestrutura e na indústria nacional e tudo isso sem esquecer da famigerada responsabilidade fiscal, sempre perseguida por um Ministério da Fazenda liderado por uma pessoa sensata e competente como Fernando Haddad. O setor que segue mendigando, claro, é a cultura. Mas essa é outra história.

Infelizmente, entretanto, o Congresso hegemonicamente de direita, liderado por um Centrão sedento por Emendas Parlamentares cada vez mais astronômicas e uma extrema-direita estridente, que faz sucesso em desviar as discussões de temas importantes para o país em nome de uma hipócrita agenda de costumes, se mostrou muito mais forte. Nem a habilidade política de Lula parece dar conta dos interesses escusos dessa gente. Tudo por dinheiro. Quem quer dinheiro. E as redes, ditas sociais, utilizadas por essa extrema-direita cada vez mais articulada, auxiliam significativamente o projeto de destruição das democracias em todo mundo. As pessoas voltaram a ter o que comer, mas o que importa, mesmo, é não votar em comunistas. O discurso da meritocracia pegou e as pessoas estão estudando para serem influencers.

Nesse cenário, a fim de evitar ainda mais desgastes, a esquerda se encolheu. Abriu mão de lutar por suas pautas e debater seriamente questões importantes e necessárias para o país. Na verdade, o governo faz o que pode, ou acha que consegue fazer, uma vez imersos nesse lamaçal que se tornou a política nacional. Bater de frente com o Congresso, impossível. Enfrentar os políticos que articulam as Emendas Parlamentares bilionárias, improvável. Dessa forma, levar a frente um projeto de país, muito difícil. E perceberíamos o quão difícil se estudássemos minimamente a História do Brasil mas, se pastores e influencers estão em alta, professores de História, além de mal remunerados, nesse Brasil do presente, também são odiados e tratados como inimigos.

Lembro que escrevi, lá em 2022, que a população mudaria de opinião a partir do momento quando os resultados do novo governo Lula surgissem. Que seria impossível a extrema-direita dominar a pauta nacional e influenciar mentes e corações quando a economia se estabilizasse e os resultados batessem sobre a mesa dos mais pobres e no bolso da classe média. Acreditei mesmo que, frente as atrocidades cometidas pelo governo Bolsonaro, este e seus amigos de primeira ordem teriam que responder à justiça. E seriam julgados e presos.

Nada disso, no entanto, ocorreu de forma eficaz. Até há investigações, fala-se muito sobre o futuro do ex-presidente na cadeia e também já foi retirada a possibilidade dele concorrer nas próximas eleições. Muito blá, blá, blá. Apesar de tudo, as investigações não viram processo, Bolsonaro não é indiciado, a tentativa de golpe de 8 de janeiro se perdeu no tempo e nos corredores da justiça brasileira que, parece, se esqueceu da ameaça que essa extrema-direita representa à democracia do país. Sabemos bem que confiar na justiça brasileira também é, em si, um ato de desespero. Xandão herói brasileiro? Me poupem.

Nesse cenário, o que não foi esquecido é o discurso de uma provável anistia e a possibilidade de Bolsonaro poder concorrer em 2026. As articulações para isso ocorrem nos bastidores, nem tão bastidores assim, de todas as instâncias de poder. O perigo segue rondando a democracia brasileira e será ainda mais fortalecido caso, nos Estados Unidos, seja reeleito Donald Trump.

Já a esquerda, em meio a tudo isso, tenta apagar incêndios. E levando em conta as queimadas que atingiram o país nesses últimos meses, podemos dizem que nem se trata de, apenas, uma metáfora ou analogia. Realmente coube à esquerda, em vez de disputar a narrativa – não gosto dessa palavra – amenizar os problemas a fim de evitar um mal maior. No entanto, por conta disso, quem se apaga é a própria esquerda. E o resultado está ai, impresso nas urnas eletrônicas nessa última eleição. O avanço do Centrão, regado pelas Emendas, foi substancial. O encolhimento das esquerdas, apesar de algumas vitórias importantes, evidente. E Bolsonaro, mesmo que enfraquecido, segundo algumas analises políticas, segue dando as cartas para uma população cada vez mais desinformada.

Segundo a Folha de São Paulo, em torno de 5 mil Câmaras de Vereadores, em todo o Brasil, serão comandadas por maiorias de direita. O Brasil tem 5.570 município. São Paulo, maior cidade da América Latina, está prestes a reeleger um prefeito apoiado pela extrema-direita. Isso depois de esta mesma extrema-direita comandar o Estado. O Rio de Janeiro e parte do Nordeste está sob o comando das milícias. Não por acaso, governador atrás de governador carioca é preso não importa o carnaval. Para não me alongar demais, mas puxando a brasa para o nosso assado, Porto Alegre segue a mesma tendência. Apesar de uma enchente catastrófica para a capital dos gaúchos, algo que já havia sido anunciado desde setembro do ano passado, mas que o prefeito nada fez para amenizar, Sebastião Melo quase levou no Primeiro Turno. E tendo o bairro do Sarandi, um dos mais atingidos pela enchente, aquele que também mais votou nele.

É como se vivêssemos numa distopia sem fim. Parece que nos tornamos todos zumbis em uma série interminável. Sempre há espaço para uma nova temporada, afinal, os roteiristas são extremamente competentes. Para melhorar, ainda há muito o que piorar, pois essa população que caminha de cabeça baixa, imersa em suas redes sociais, precisa se dar conta do que está, de fato, acontecendo. Infelizmente, não sei mais se há tempo suficiente para piorar ainda mais, até, enfim, algo melhorar. A pauta climática não existiu nessas eleições, embora as transformações climáticas, estas sim, bateram à nossa porta. É só a meteorologia anunciar uma chuva mais forte que as pessoas se trancam em casa, as aulas são suspensas, as cidades entram em estado de emergência. Mas discutir a sério esse tema, votar em candidatos minimamente comprometidos com as causas climáticas, nem pensar. Infelizmente não adianta tapar o sol – cada vez mais quente – com a peneira. Vai piorar muito. Cada vez mais. Num tempo cada vez mais curto para que algo seja feito a fim de evitarmos a catástrofe total.

A extrema-direita avança a cada dia, seja aqui, seja nos Estados Unidos, na França, na Espanha, pasmem, na Alemanha. Para tornar tudo ainda mais dramático, por conta do desespero das pessoas que acreditam no sonho influencer de se tornarem milionários da noite para o dia, as bets invadiram nossas TVs, nossa internet, nossas vidas, arrasaram nossas famílias. Milhares de pessoas estão perdendo o pouco que têm apostando em tigrinhos e ratinhos. Paralelo a isso tudo, mas em comunhão celestial, o tráfico de drogas e as milícias espraiam seu poder sobre todos os estados da Federação. Não tem nem para onde correr.

Para todo lado que uma pessoa minimamente inteligente olhar, se esta quiser abrir os olhos para enxergar, o futuro é assustador. Portanto, peço desculpas pelo otimismo inconsequente que pautou minha coluna há dois anos atrás. Eu estava muito errado. E o futuro, este, plagiando o grande Raul Seixas, ainda nem começou.

Domingo está logo aí, votem com o cérebro.

I. BOCA MIGOTTO

I., de Ivanir, Boca Migotto é cineasta, pesquisador, fotógrafo e escritor. Publicitário formado pela Unisinos, cedo se deu conta que estava na área certa – a Comunicação – mas no curso errado. Formado, então, largou tudo e foi para Londres. Nos dois anos que permaneceu na Inglaterra fez de tudo: lavou prato, fez café, foi garçom e auxiliar de cozinha, estudou inglês e cursou cinema na Saint Martins College of Arts and Design. Ao regressar para o Brasil, fez Especialização em Cinema e Mestrado em Comunicação, ambos pela Unisinos. Nesta mesma instituição, foi professor de Documentário no Curso de Realização Audiovisual, onde permaneceu por dez anos, atuando também em disciplinas dos cursos de Jornalismo, Comunicação Digital e Publicidade. Finalizou seu Doutorado em Comunicação pela FABICO/UFRGS, com extensão na Sorbonne/Paris 3. Foi quando morou em Paris, aliás, que decidiu lançar seu primeiro livro de ficção “Na antessala do fim do mundo”. Como cineasta – diretor e roteirista – realizou mais de vinte curtas-metragens e séries de TV, além dos longas-metragens “Filme sobre um Bom Fim”, “Pra ficar na história”, “O sal e o açúcar” e “Já vimos esse filme”. Em 2021 lançou seu segundo livro “Um certo cinema gaúcho de Porto Alegre”, resultado da sua pesquisa de doutorado. Em 2023 lançou seu terceiro livro “A última praia do Brasil” pela editora Bestiário em parceria com a Rede Sina. Atualmente é graduando em História- Bacharelado na PUCRS.
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