Arquivos brasil - Rede Sina https://redesina.com.br/tag/brasil/ Comunicação fora do padrão Mon, 11 Sep 2023 23:13:53 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.4.4 https://redesina.com.br/wp-content/uploads/2016/02/cropped-LOGO-SINA-V4-01-32x32.jpg Arquivos brasil - Rede Sina https://redesina.com.br/tag/brasil/ 32 32 MAR ABERTO | A Constituição de dom Pedro I https://redesina.com.br/mar-aberto-a-constituicao-de-dom-pedro-i/ https://redesina.com.br/mar-aberto-a-constituicao-de-dom-pedro-i/#respond Mon, 11 Sep 2023 23:13:53 +0000 https://redesina.com.br/?p=116778 por Boca Migotto No próximo ano, 2024, a primeira Constituição do Brasil, como Estado independente, completará 200 anos. A Constituição de 1824, outorgada pelo imperador dom Pedro I, não é apenas a primeira, mas também a mais longeva Carta Magna com a qual o Brasil já foi regido. Vigorou por 67 anos e durou até …

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por Boca Migotto

No próximo ano, 2024, a primeira Constituição do Brasil, como Estado independente, completará 200 anos. A Constituição de 1824, outorgada pelo imperador dom Pedro I, não é apenas a primeira, mas também a mais longeva Carta Magna com a qual o Brasil já foi regido. Vigorou por 67 anos e durou até depois da Proclamação da República, quando foi substituída pela Constituição de 1891. Além destas, o Brasil teve, ao longo da sua História, outras cinco constituições: a terceira foi outorgada por Getúlio Vargas, junto à formação do Estado Novo, em 10 de novembro de 1937 e, depois, ainda vieram as constituições de 1946, 1967 antes de, finalmente, chegarmos à Constituição Cidadã. A primeira realmente outorgada em um Estado democrático, apenas em 1988, e que vigora até os dias atuais.

A Constituição de 1824, imposta por dom Pedro I, é bastante contraditória e fruto de um processo arbitrário que envolveu, inclusive, a dissolução da assembleia constituída a partir de maio de 1823. Segundo o historiador Boris Fausto – falecido em abril deste ano – em seu livro História do Brasil, dom Pedro, inspirado pelo rei Luís XVIII da França, jurou que defenderia a futura Constituição se esta “fosse digna do Brasil e dele próprio”. Ou seja, o monarca não aceitava perder um milímetro do seu poder.

Os membros da constituinte, no entanto, nem de longe eram políticos radicais. A assembleia era formada, basicamente, por expoentes da elite brasileira, que defendiam, na sua essência, os seus próprios interesses. Ao mesmo tempo, é verdade que o país estava em ebulição desde a independência. Portanto, muitas questões estavam em jogo e isso, naturalmente, provocava discussões acaloradas entre os mais diversos setores aristocráticos. A historiadora Lilia M. Schwarcz, no livro escrito em parceria com Heloisa M. Starling, Brasil – uma biografia, explica que o país, naquele momento, se dividia entre os grupos “coimbrão”, composto, basicamente, por portugueses e os “brasilienses”, formado por brasileiros natos. Segundo a historiadora, “(…) não havia, por exemplo, acordo acerca das estruturas básicas sobre as quais o Estado iria se organizar. E não por acaso, nos dois primeiros anos de país independente – entre 1822 e 1824 – os debates centraram-se na primeira Constituição brasileira”.

Em meio a tudo isso, em maio de 1823 ocorreu a primeira reunião da Assembleia Constituinte. Havia, entre a maioria dos seus membros, a certeza de que o melhor caminho era defender uma monarquia constitucional que garantisse os direitos institucionais dos cidadãos, limitasse o poder do imperador, regrasse o país após este ter se separado de Portugal, mas que não significasse necessariamente uma ruptura completa ao modelo praticado.

Em verdade, a busca era por manter tudo que interessava às elites e apenas diminuir o poder de dom Pedro sobre as questões políticas do país. Basicamente, três grupos se formaram: 1) os liberais moderados defendiam uma monarquia constitucional, sujeita a clássica divisão de Montesquieu, constituída por três poderes, mas sem comprometer a ordem social e status quo vigente; 2) os liberais exaltados que eram os mais audazes na sua luta por transformações estruturais, não apenas sociais, como também políticas. Nesse sentido, eles defendiam um sistema federalista, separação da Igreja do Estado, sufrágio universal, implantação de uma República e gradual emancipação dos escravos. Por fim, os conservadores, chamados também de “partido português”, embora não fosse formado apenas por estrangeiros, que reivindicavam o poder absoluto da monarquia. Foi, portanto, nesse ambiente que iniciaram os trabalhos da Constituinte de 1824, apelidada de “Mandioca” pois esta determinava que apenas teria direito ao voto, ou concorrer ao cargo de deputado, aqueles cidadãos brasileiros “(…) que tivessem renda anual equivalente a 150 alqueires de farinha de mandioca.” Mais do que tudo, uma clara demonstração de força da elite agrária brasileira.

Mal iniciaram as discussões e já estava claro a todos que havia uma articulação para retirar poderes de dom Pedro I, bem como, proibir estrangeiros – no caso, essencialmente os portugueses – de se candidatarem a cargos públicos. Isso chamou a atenção de dom Pedro que, naturalmente, se aproximou do grupo dos portugueses e, em 12 de novembro de 1823, com apoio militar, cercou o prédio e ameaçou os deputados. Estes resistiram, passaram a noite legislando, declararam o monarca um fora-da-lei e enfrentaram o poder do imperador naquela que foi conhecida como “a noite da agonia”.

Em resposta a tão insolente provocação, entretanto, dom Pedro dissolveu a Assembleia Constituinte e os ameaçou com prisão. Ao raiar do dia, diferente do prometido, quase todos deputados voltaram para casa – com exceção de seis, que foram deportados para a França – mas, a partir de então, dom Pedro coordenou os trabalhos até o dia 25 de março de 1824, quando acabou por outorgar, finalmente, a primeira Constituição do Brasil. Esta, no entanto, novamente segundo Boris Fausto, “(…) nascia de cima para baixo, imposta pelo rei ao ‘povo’, embora devamos entender por ‘povo’ a minoria de brancos e mestiços que votava e que, de algum modo, tinha participação na vida política”.

Não é estranho, no entanto, perceber que a Constituição carregava, em si, uma série de contradições que espelhavam o próprio imperador. Dom Pedro gostaria de ser visto como um monarca esclarecido, ilustrado e liberal, embora agisse para garantir seus poderes autocráticos. A Carta Magda não deixa de ser o reflexo desse homem e líder confuso. Por uma lado, trata-se de uma constituição bastante moderna para a época mas, ao mesmo tempo imposta, ampliou os poderes do monarca com a adoção do mecanismo do “Poder Moderador”. Schwarcz explica que o documento “(…) seguia o modelo liberal francês, prevendo um sistema representativo baseado na teoria da soberania nacional. A forma de governo era monárquica, hereditária, constitucional e representativa, dividindo-se o país em províncias. A novidade ficava por conta da introdução não de três poderes, mas de quatro, seguindo-se e adaptando-se a proposta de Benjamin Constant, que defendia a existência de cinco poderes: o real, o executivo, o representativo da continuidade, representativo da opinião e o poder de julgar, estando este acima dos demais”

Praticado exclusivamente pelo imperador, o Poder Moderador, conforme o Artigo 98 do Capítulo I da Constituição, estava acima dos demais e poderia ser aplicado sempre que houvesse necessidade de definir uma questão em disputa. Mais do que um poder de veto, garantido ao imperador ainda no projeto de 1823, o Poder Moderador, conforme aparece na Constituição de 1824, “(…) é a chave de toda a organização política, e é delegado privativamente ao imperador, como chefe supremo da nação e seu primeiro representante”. Dessa forma, o poder de dom Pedro lhe concedia o direito de demitir ministros de Estado, membros vitalícios do Conselho de Estado, presidentes de províncias, autoridades eclesiásticas, senadores vitalícios e magistrados do Poder Judiciário. Por fim, o imperador era inimputável e não poderia responder judicialmente por seu atos. Assim, se, esta Constituição representava um avanço ao organizar os poderes, definir atribuições e garantir direitos individuais, por outro lado, sobretudo no campo dos direitos, sua aplicação seria relativa e insuficiente.

Falamos de um país, naquele momento, essencialmente agrário e extrativista, onde praticamente não havia indústrias e o comércio dependia, sobretudo, das importações.

Nesse sistema ainda beirando o feudalismo, a elite, detentora das terras – e o país, consequentemente –, dependia exclusivamente do trabalho escravo para se viabilizar economicamente. Por isso, não espanta o fato de nenhum dos grupos acima mencionados, inclusive os liberais exaltados, tocarem no tema da escravidão. Dom Pedro, por sua vez, também não o fez. Mesmo amparado pelos militares e tendo garantido um poder quase absoluto, não seria ele a enfrentar toda a classe dominante do país e propor a abolição naquele momento crucial, quando o Brasil atravessava uma séria ameaça de se desfragmentar em diversas repúblicas, a exemplo do que já havia ocorrido com a América hispânica. Como bem sabemos, levou sessenta e quatro anos para que o Brasil, finalmente, conseguisse romper com a escravidão. E quando o fez, logo em seguida o império ruiu. Portanto, até o presente momento tudo já havia mudado o suficiente para que mais nada mudasse e, assim, os diversos setores da aristocracia brasileira, bem como o próprio imperador, haviam preservado seu status quo. Não por acaso, os demais pontos da Constituição eram mera formalidade e não geraram discórdia.

Embora a religião oficial do Império fosse a Católica Romana, e esta submetia-se ao Estado, abriu-se espaço para as mais diversas manifestações religiosas, uma vez que estas ocorressem dentro dos seus respectivos templos. A Assembleia Geral era constituída por duas casas, sendo a primeira, dos deputados, temporária e a segunda, dos senadores, vitalícia. As eleições mantiveram-se censitárias indiretas, em dois turnos e, conforme Artigo 90, Capítulo VI das Eleições, as nomeações seriam feitas “(…) por eleições indiretas, elegendo a massa dos cidadãos ativos em Assembleias Paroquiais, os eleitores de províncias, e estes os representantes da nação e da província”. O direito político era restrito, conforme explicitado já no Artigo 92 do mesmo Capítulo. Não votavam escravos, indígenas, mulheres, menores de 25 anos e solteiros, religiosos de claustro, criados a servir, além de todos que tivessem uma renda anual inferior a 100 mil réis. Mas, ao mesmo tempo que a Constituição outorgou poderes absolutistas ao imperador, não rompeu com a escravidão, manteve a Igreja atrelada ao Estado e limitou o direito ao voto, ao longo de todo o Artigo 179 do Título 8°, também garantiu a liberdade de imprensa, o direito à propriedade, o direito do cidadão de ir e vir, exercer e expressar o pensamento livre, e, aos escravos, de não sofrerem tortura ou castigos físicos.

Ao mesmo tempo, além de, fundamentalmente, organizar as leis de um país que estava nascendo para o mundo, a Carta de 1824 passou a considerar como cidadãos brasileiros aqueles nascidos no Brasil e aqueles que, embora nascidos em Portugal, residiam no país por ocasião da Independência. De certa forma, e de uma forma um tanto quanto torta, a Carta de 1824 tentava formar um império liberal, submetido ao controle dos cidadãos e afastado da herança colonial absolutista. Nem tudo saiu como os mais liberais desejavam, mas foi onde se pode chegar em meio a um país ainda em convulsão social, algo, aliás, que levaria mais de uma décadas para ser pacificado, e governado por um imperador de tendência absolutista.

Em meio a tudo isso, então, em 1826 se formou a primeira Assembleia Geral brasileira, com 50 senadores e 102 deputados. A Assembleia se tornou, como não poderia deixar de ser, a casa da discussão política, no entanto, graças ao poder que a Constituição outorgou ao imperador, toda discussão poderia ser facilmente esvaziada por uma canetada aleatória. Ainda havia muito o que transformar nesse país recém nascido e isso, a História nos conta, demandou séculos para ocorrer. As consequências, portanto, estão presentes no Brasil até os dias de hoje.

I. BOCA MIGOTTO

I., de Ivanir, Boca Migotto é cineasta, pesquisador, fotógrafo e escritor. Publicitário formado pela Unisinos, cedo se deu conta que estava na área certa – a Comunicação – mas no curso errado. Formado, então, largou tudo e foi para Londres. Nos dois anos que permaneceu na Inglaterra fez de tudo: lavou prato, fez café, foi garçom e auxiliar de cozinha, estudou inglês e cursou cinema na Saint Martins College of Arts and Design. Ao regressar para o Brasil, fez Especialização em Cinema e Mestrado em Comunicação, ambos pela Unisinos. Nesta mesma instituição, foi professor de Documentário no Curso de Realização Audiovisual, onde permaneceu por dez anos, atuando também em disciplinas dos cursos de Jornalismo, Comunicação Digital e Publicidade. Finalizou seu Doutorado em Comunicação pela FABICO/UFRGS, com extensão na Sorbonne/Paris 3. Foi quando morou em Paris, aliás, que decidiu lançar seu primeiro livro de ficção “Na antessala do fim do mundo”. Como cineasta – diretor e roteirista – realizou mais de vinte curtas-metragens e séries de TV, além dos longas-metragens “Filme sobre um Bom Fim”, “Pra ficar na história”, “O sal e o açúcar” e “Já vimos esse filme”. Em 2021 lançou seu segundo livro “Um certo cinema gaúcho de Porto Alegre”, resultado da sua pesquisa de doutorado. Neste ano de 2023 está lançando seu terceiro livro “A última praia do Brasil” pela editora Bestiário em parceria com a Rede Sina. Atualmente é graduando em História- Bacharelado na PUCRS.

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“Em que ideias fundamentais se vão basear as sociedades que sucederão à nossa?”. Por enquanto, não o podemos saber. Mas podemos prever que terão de contar com um novo poder, último poder soberano da idade moderna: o poder das multidões. Sobre as ruínas de tantas ideias, outrora consideradas verdadeiras e já mortas hoje, sobre os destroços de tantos poderes sucessivamente derrubados, este poder das multidões é o único que se ergue e parece destinado a absorver rapidamente os outros. No momento em que as nossas antigas crenças vacilam e desaparecem, em que os velhos pilares das sociedades desabam, a ação das multidões é a única força que não está ameaçada e cujo prestígio vai sempre aumentando. A época em que estamos a entrar será, na verdade, a era das multidões”.

Gustave Le Bon (1841-1931)

 

8 de janeiro de 2023 – A psicologia das multidões – A filosofia e a responsabilidade

 

8 de janeiro de 2023

 

No dia 31 de março de 2023, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, declarou em palestra na Fundação FHC (de acordo com o jornal O Globo): “Eu fui no presídio com a ministra Rosa (Weber). Há várias pessoas alienadas, que acham que não fizeram nada, que era liberdade de manifestação (…) uma delas chegou a dizer que estava passando por perto, viu (o ato de depredação) e aí ela ia orar e Deus disse para ela se refugiar embaixo da mesa do presidente do Senado. Só por causa disso ela entrou. É um negócio assustador”.

O evento de 8 de janeiro entrou como um dos capítulos sombrios e vergonhosos da nossa história republicana. O 8 de janeiro foi um ataque às instituições e a democracia brasileira.

Movidos por fanatismo, histeria coletiva, alienação e cegueira ideológica, os extremistas cometeram uma série de vandalismos, invasões e depredações do patrimônio público contra símbolos da República: o Palácio do Planalto, Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal. O objetivo era instigar um golpe de Estado. A derrota do então presidente da República, Jair Messias Bolsonaro (PL), causou uma série de eventos golpistas desde o desfecho eleitoral.

Em relação ao 08 de janeiro, muitos presos ainda não entenderam porque permanecem no Complexo da Papuda, em Brasília. Destaquemos que no dia 10 de abril de 2023, eles escreveram cartas para congressistas com pedidos, desabafos e relatos.

Talvez o livro Psicologia das Multidões, de Gustave Le Bon, explique o comportamento dos extremistas de 8 de janeiro de 2023.

Psicologia das multidões

 

No livro A psicologia das multidões, o médico, sociólogo e psicólogo Gustave Le Bon[1] (1841-1931) explicita o contágio inconsciente da multidão: “o indivíduo em multidão adquire, pelo simples fato do seu número, um sentimento de poder invencível que lhe permite ceder a instintos que, se estivesse sozinho, teria forçosamente reprimido. E cederá tanto mais facilmente quanto, por a multidão ser anônima e por consequência irresponsável, mais completamente desaparece o sentimento de responsabilidade que sempre retém os indivíduos” (Le Bon, 1980, p. 13-14).

Ainda sobre a teoria de Le Bon, ela sugere que as multidões exercem uma espécie de influência hipnótica sobre seus membros. Ou seja, “a influência hipnótica combinada com o anonimato de pertencer a um grupo grande de pessoas (…) resulta em um comportamento irracional, emocionalmente carregado (…) a multidão mexe com as emoções a ponto de poder levar as pessoas a se comportarem de uma forma irracional, até mesmo violenta” (BONS LIVROS PARA LER).

 

O desaparecimento da personalidade consciente, o predomínio da personalidade inconsciente, a orientação num mesmo sentido, por meio da sugestão e do contágio, dos sentimentos e das ideias, a tendência para transformar imediatamente em atos as ideias sugeridas, são, portanto, os principais caracteres do indivíduo em multidão. Deixa de ser ele próprio para se tornar um autômato sem vontade própria. Só pelo fato de pertencer a uma multidão, o homem desce vários graus na escala da civilização. Isolado seria talvez um indivíduo culto; em multidão é um ser instintivo, por consequência, um bárbaro. Possui a espontaneidade, a violência, a ferocidade e também o entusiasmo e o heroísmo dos seres primitivos e a eles se assemelha ainda pela facilidade com que se deixa impressionar pelas palavras e pelas imagens e se deixa arrastar a atos contrários aos seus interesses mais elementares. O indivíduo em multidão é um grão de areia no meio de outros grãos que o vento arrasta a seu bel-prazer (LE BON, 1980, p. 15)

 

Independente de ser um grão de areia no meio de outros grãos que o vento arrasta a seu bel-prazer, a responsabilidade pelos atos continua individualizada pelo 8 de janeiro. Vale salientar o que pensam alguns filósofos sobre a responsabilidade.

 

Os filósofos e a responsabilidade

 

Aristóteles foi um dos primeiros a observar que nos tornamos as pessoas que somos devido às nossas próprias decisões.

Nas Confissões, Santo Agostinho usou o senso de responsabilidade enfraquecido pela pressão dos pares como traço geral da meditação sobre o vandalismo de sua juventude “porque temos vergonha de recuar quando os outros dizem Vamos!”

Soren Kierkegaard, um dos pais do Existencialismo do século XIX, deplorava os efeitos nocivos dos grupos e das multidões em nosso senso de responsabilidade. Ele diz: “Uma multidão em seu próprio conceito é o falso, pelo fato de deixar o indivíduo completamente impune e irresponsável ou, no mínimo, enfraquecer seu senso de responsabilidade, reduzindo-o a uma fração”.

A filósofa inglesa Mary Midgley diz que “o ponto central, de verdadeira excelência do Existencialismo é a aceitação da responsabilidade de ser como nos fizemos, a recusa a dar falsas desculpas” (BENNETT, 1995, p. 140).

Não devemos esquecer que ser “responsável” é responder pelos próprios atos, é corresponder. Devemos reconhecer a responsabilidade pessoal pelo que fazemos.

E, dessa forma, “um senso de responsabilidade enfraquecido não enfraquece o fato da responsabilidade” (BENNETT, 1995, p. 140).

 

Referências

 

BENNETT, William J. O livro das virtudes: uma antologia de William J. Bennett. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1995.

BONS LIVROS PARA LER. Psicologia das Multidões. https://www.bonslivrosparaler.com.br/livros/resenhas/psicologia-das-multidoes/5236. Acesso em 18 de julho de 2023.

Carta Capital. O relato de Moraes https://www.cartacapital.com.br/cartaexpressa/o-relato-de-moraes-sobre-a-alienacao-dos-presos-do-8-de-janeiro-e-assustador/. Acesso em 18 de julho de 2023.

LE BON, Gustave. Psicologia das Multidões. São Paulo: Edições Roger Delraux, 1980.

Poder 360. Presos no 8 de Janeiro escrevem cartas em tom de revolta.
https://www.poder360.com.br/justica/presos-no-8-de-janeiro-escrevem-cartas-em-tom-de-revolta-leia/. Acesso em 18 de julho de 2023.

 

[1] Considerado o pai do estudo da psicologia das multidões.

 

Prof. Dr. José  Renato Ferraz da Silveira

Professor Associado III do Departamento de Economia e Relações Internacionais (DERI) da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) . Líder do Grupo de Teoria, Arte e Política (GTAP). Editor-chefe da Revista Interação (ISSN 2357-7975). Articulista do Diário de Santa Maria . Colaborador do Blog Obvious

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MAR ABERTO | A última praia do Brasil? https://redesina.com.br/mar-aberto-a-ultima-praia-do-brasil/ https://redesina.com.br/mar-aberto-a-ultima-praia-do-brasil/#respond Tue, 30 May 2023 18:39:04 +0000 https://redesina.com.br/?p=21080 por Boca Migotto Andei um tanto ausente nessas últimas semanas, mas a desculpa é boa. Estava correndo para finalizar meu próximo livro, A última praia do Brasil, a ser publicado ainda este ano. Portanto, nos próximos meses, se tudo correr conforme o previsto, teremos um lançamento para comemorar. Após o Na antessala do fim do …

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por Boca Migotto

Andei um tanto ausente nessas últimas semanas, mas a desculpa é boa. Estava correndo para finalizar meu próximo livro, A última praia do Brasil, a ser publicado ainda este ano. Portanto, nos próximos meses, se tudo correr conforme o previsto, teremos um lançamento para comemorar.

Após o Na antessala do fim do mundo, publicado em 2020, este será meu segundo romance. Se, no primeiro, o personagem Diego viajava pela Argentina, num permanente deslocamento em busca do irmão que vive – ou viveria, é preciso ler o livro para saber – na Terra do Fogo, agora, o novo personagem, Pedro, de A última praia do Brasil, praticamente não sai de casa. E sua casa é, justamente, a fronteira do Brasil com o Uruguai. Mais precisamente, a Barra do Chuí. Se levarmos em conta que o país foi achado, pelos portugueses, na Bahia, esta seria, de fato, a última praia. No entanto, claro, tudo é uma questão de percepção. A Barra do Chuí até pode ser nossa última praia, mas para os uruguaios é a primeira. A primeira praia do Brasil.

Esse livro é parte de um processo maior. Se, o meu primeiro livro nasceu da impossibilidade de ser filmado, uma vez que foi concebido para ser um road movie protagonizado pelo amigo e ator Leonardo Machado, falecido precocemente em 2018, este que estou prestes a lançar nasce como livro mas, já de antemão, pensado em um dia virar filme. O futuro dirá se os personagens, Pedro, Ana, César e Henrique, um dia, ganharão rosto e voz na telona.

Mas essa coluna não é sobre o livro. Ao menos, não apenas, não diretamente. No entanto, claro, não perderei a oportunidade de já divulga-lo e sugeri-lo aos meus leitores. Quem me lê por aqui, ou já leu meus primeiros livros – Um certo cinema gaúcho de Porto Alegre, embora não seja uma ficção, estabelece uma bela ponte entre o primeiro e este próximo livro – tenho (quase) certeza de que gostarão do resultado. Nesse texto, aqui na Rede Sina, no entanto, me proponho a refletir sobre a fronteira do Brasil com o Uruguai, cenário onde se passa a história do protagonista Pedro.

A fim de finalizar o livro em questão estive lá nesse último final de semana. Não foi a primeira. Conheço as cidades da fronteira com o Uruguai há muito tempo. Meu trabalho, como cineasta, me proporcionou inúmeras chances de filmar a região.

E a cada ida para a fronteira, fosse com o Uruguai, fosse com a Argentina, mais seduzido pelo imaginário fronteiriço eu ficava. Ao ponto de virar quase uma obsessão. No entanto, a grandeza do rio Uruguai, que separa o Brasil da Argentina, dificulta uma integração maior como aquela que ocorre mais ao sul, na fronteira com o Uruguai. Ali, seja qual for a cidade, há um ir e vir entre um lado e outro da linha imaginária que não ocorre em nenhuma outra parte do Brasil.

Ao todo, o Brasil tem 16.885 quilômetro de fronteira com dez países latino-americanos. Apenas dois, Chile e Equador, não compartilham seus limites com a gente. Apenas três, Guiana, Suriname e Guiana Francesa – que é, na verdade, um departamento ultramarino da França –, dos dez países que fazem fronteira conosco, não têm o espanhol como língua oficial. No entanto, em apenas um país há um longo trecho de fronteira terrestre que não apresenta obstáculos naturais para o ir e vir de pessoas, animais e mercadorias. Esse país é o Uruguai.

Em seus 1.069 quilômetros de divisa entre Brasil e Uruguai, que se estende deste a tríplice fronteira com a Argentina, na Barra do Quaraí, até a foz do arroio Chuí, no oceano Atlântico, pelo menos 320 quilômetros são definidos apenas por marcos construídos em pedra e concreto em meio ao Pampa. Nesse trecho não há rios, lagoas ou canais utilizados como limites naturais entre os dois países, o que permite que a integração se dê de uma forma ainda mais fluída e constante.

Santana do Livramento e Rivera, Quaraí e Artigas, Aceguá e Aceguá e, ainda, as icônicas Chuí e Chuy – do Oiapoque ao Chuí – são cidades irmãs que estão plenamente integradas, muitas vezes separadas por uma única avenida ou praça. Nesses pontos, um único passo é suficiente para atravessar dois países, algo que não ocorre em mais nenhum outro ponto do Brasil onde a fronteira é marcada por grandes rios, longas distâncias ou florestas densas e de difícil acesso.

Algo inédito na América do Sul e, de certa forma, inclusive em nível mundial salvo, certamente, os países que integram a Comunidade Europeia. Essa fronteira, no entanto, nem sempre foi assim tão pacífica. E é irônico pensar que, justamente o sul do Brasil, uma região que, num primeiro momento, não despertou o interesse nem de portugueses, nem de espanhóis, também tivesse sido, por ambos impérios, disputada ao longo de tantos séculos. Inclusive após a independência desses países dos seus colonizadores.

Um marco importante nessa disputa secular é a construção dos molhes no arroio Chuy, erguidos somente em 1975. Até então, conforme a vontade da natureza, o arroio encontrava o mar mais para o norte, mais para o sul ou, inclusive, nem o encontrava, uma vez que, dependendo da estação do ano, chegava secar. Consequentemente, a divisa entres os países viajava metros para cima, metros para baixo ou desaparecia por completo ao sabor da natureza. Com a sua construção foi possível, portanto, fixar aquele trecho da fronteira. Mas, definir os limites da fronteira sul da América colônia sempre foi muito mais complicado que isso. Trata-se de uma disputa de mais de três séculos que, de tão complexa e carregada de tantas nuances, para compreender os meandros da sua formação seria preciso mergulhar nos documentos de uma interminável batalha diplomática e bélica a qual, ainda hoje, não se resolveu plenamente.

O fato é que a imprecisão do Tratado de Tordesilhas permitiu, por séculos, que as linhas fronteiriças se alterassem constantemente, sendo resolvidas, salvo ainda alguns pontos pendentes, somente no século XX. A Espanha, por exemplo, muito objetivou avançar sobre o território português até, pelo menos, São Vicente, em São Paulo. Já Portugal, por sua vez, sempre desejou dominar o extremo sul até o Rio da Prata. O sonho da coroa portuguesa – e inclusive do Imperador dom Pedro II – era emoldurar o Brasil pelo Rio Amazonas, no norte, e pelo Rio da Prata, ao sul. Mesmo após as independências, Brasil, Argentina, Uruguai e até o Paraguai herdaram essa disputa e seguiram, por ainda muito tempo, tensionando as fronteiras conforme os interesses e o momento histórico de cada envolvido. A própria Guerra do Paraguai, o mais sangrento conflito que a América do Sul já viu, foi, em parte, consequência dessa disputa interminável pelo domínio sobre o Rio da Prata.

No entanto, claro, tudo teve início com a divisão do mundo entre portugueses e espanhóis, através do Tratado de Tordesilhas. Uma vez que a tecnologia da época era insuficiente para apontar com exatidão por onde passava a linha divisória, inúmeras eram as possibilidades, conforme a interpretação e os interesses de cada império.

Dessa forma, o continente poderia ser dividido na altura de Buenos Aires, o que, obviamente, era melhor para a Portugal, pois garantia a posse do Rio da Prata, ou de Santos, o que significava que praticamente toda a América pertenceria à Espanha. Entre uma e outra linhas extremas para um lado e para o outro, havia, ainda, pelo menos outras cinco que cortavam nosso continente em diversos pontos. Algumas mais vantajosas para a Espanha, outras para Portugal, mas nenhuma delas pacíficas a um e outro impérios ao ponto de solucionar o impasse.

Levou tempo, demandou inúmeras batalhas, muita diplomacia e novos e velhos tratados para que essa disputa, finalmente, se encerrasse. Algo que veio a ocorrer apenas no início do século XX, através da diplomacia iluminista do barão de Rio Branco, que incentivou os políticos da Velha Republica a cederem parte da lagoa Mirim aos uruguaios, como sinal de boa vizinhança. Embora, por trás dessa pretensa boa vizinhança tivesse, também, a intenção de melhorar a imagem internacional do Brasil, marcada pela interminável escravidão, o que fez com que o nosso país fosse o último a aboli-la em todo o ocidente. De qualquer forma, ceder parte da lagoa Miriam aos vizinhos sobre os quais, inclusive, o Império tentou estender seus tentáculos, surtiu efeito e, a partir de então, as disputas fronteiriças foram sendo pacificadas.

Mesmo assim, hoje, em pleno século XXI, ainda há dois pontos entre Brasil e Uruguai que seguem em litigio internacional. Uma ilha no rio Quaraí e uma área de aproximadamente vinte e dois mil hectares, denominada Vila Thomaz Alborno, que em tese pertence ao Rio Grande do Sul mas, na prática, todos os seus moradores se sentem – e querem ser – uruguaios. Por isso, de certa forma, aqueles blocos de concreto que lembram miguelitos gigantes, empilhados de um lado e outro do arroio Chuy, são mais do que uma obra geopolítica. São a metáfora perfeita para a concretude de uma fronteira líquida que demandou séculos – e o sacrifício de muitas vidas – para ser minimamente domada e plenamente delimitada.

Para quase todo mundo, uma fronteira é uma linha limítrofe, que define o início e o fim de uma jurisdição, de uma cultura, de uma língua. A fronteira separa, divide e até opõe pessoas. É uma linha geográfica, mas também simbólica entre dois países, resultado histórico de disputas políticas que podem ter sido, ou são, definidas através de guerras e/ou muita diplomacia.

Portanto, toda fronteira é, também, uma construção identitária que marca uma transição entre diferentes sociedades. Assim sendo, adquire poderes quase mágicos, uma vez que também pode significar a liberdade ou o aprisionamento das pessoas que por ela transitam. Ou tentam, pretendam, objetivam transitar. Os gaúcho – ou gauchos – que o digam, afinal, para estes, assim como para o vento, o pampa – ou a pampa, para uruguaios e argentinos – não reconhecia linhas imaginárias que definiam qual lado pertencia a qual Estado.

Portanto, defendo que a fronteira sul, entre Brasil e Uruguai, é, também, o ponto onde a América Latina se encontra. O lugar onde o continente Brasil, sempre virado de costas para o resto da América, que fala português e mira o Atlântico à espera dos eternos colonizadores e seus espelhos e panelas, se encontra não apenas com o Uruguai, mas com toda a América Latina. E o gaúcho, esse personagem transnacional, é filho dessa mesma fronteira. Nascido, também, do encontro e do desencontro, nem sempre consentido, entre os povos indígenas que habitavam essas terras com os exploradores portugueses e espanhóis.

Mas não só, pois se pensarmos na Espanha, é preciso também lembrar que toda a península ibérica foi, por séculos, dominada por árabes. Portanto, muitos dos espanhóis que vieram para a América eram descendentes da miscigenação moura-europeia. Se pensarmos em Portugal, que também foi dominado pelos árabes durante séculos, precisamos também lembrar que açorianos, africanos e os próprios europeus de tantos outros países, que para cá vieram em busca de aventura e oportunidades sob a bandeira portuguesa, eram, todos, náufragos, traficantes, degredados e contrabandistas. Portanto, na sua essência, gaúcho e gauchos são, desde sempre, seres transnacionais que muito demoraram para reconhecer os limites alfandegários impostos por estados, impérios e nações que, dessa pampa livre, emergiram. Quer dizer, essa fronteira que levou séculos para ser definitivamente constituída e aceita pelos territórios que viriam a formar o Brasil, o Uruguai, a Argentina e também o Paraguai, desde sempre foi povoada por “não-pessoas” de toda parte. Inclusive brasileiros do norte, já descendentes da inevitável mescla entre indígenas, europeus e africanos, algo que já ocorria, naquela parte do então território português, há séculos.

É nesse lugar histórico, parte dele, durante um tempo, denominado como Campos Neutrais, e marcado por essa globalização precoce, onde gaúchos e gauchos transitavam em liberdade sem reconhecerem as inúmeras tentativas de se definir os limites entre os impérios de Portugal e Espanha, que decidi ambientar a história do meu próximo livro. Não apenas porque a fronteira é esse lugar poroso, que aproxima e afasta duas nações e seus cidadãos, mas também porque o conceito de fronteira é apropriado para pensarmos inúmeras outras experiências humanas. No meu livro, Pedro se vê na situação de encarar a fronteira entre a vida e a morte, mas também no dilema de cruzar ou não a fronteira física que o separa de novas experiências na banda oriental. E da banda oriental para toda a América Latina.

Por isso, após muita pesquisa e o livro quase pronto, tirei quatro dias para revisitar a região. Ficamos, minha namorada e eu, numa casa aconchegante na praia do Hermenegildo, alugada através do airbnb e, lá, mergulhei fundo nas possibilidades que a fronteira tinha a me oferecer.

Fizemos o trajeto, de carro, entre o Hermenegildo e a Barra do Chuí, pela beira mar. Subimos os molhes, olhamos para o outro lado do arroio, avistando o Uruguai e a praia que, do lado de lá, segue igual ao lado brasileiro – a maior praia em extensão do mundo, segundo o Guinness Book. Circulamos pelas ruas de areia da Barra, desfrutando e fotografando a paisagem constituída por casas e chalés, muitos ainda construídos em madeira, com suas parrillas enferrujadas nos pátios a espera da próxima temporada. E, inclusive, voltamos ao Uruguai para, em Punta del Diablo, não muito longe da fronteira, comprar livros e almoçar em um restaurante local.

Foi um final de semana que deu para conciliar trabalho e prazer. Fotografei imagens para a capa do meu livro, coloquei um ponto final no texto e voltamos de lá, no domingo de manhã, com alguns queijos e algumas garrafas de vinho, compradas nos freeshops, no porta-malas do carro. Não sem antes, por muita sorte, presenciarmos a virada do tempo com a chegada do famigerado vento sul que, assustadoramente, sempre que aparece com força, coloca casas, postes de luz e pessoas de joelhos frente sua inevitabilidade. Inclusive, quem conhece o Hermenegildo sabe que a ressaca do mar, quando empurrada pelos ventos oriundo do Fim do Mundo, tem potencial para engolir as construções à beira-mar. Como, de fato, já ocorreu outras vezes no Hermenegildo.

Não posso finalizar esse texto, no entanto, sem indicar essa viagem. De carro ou de ônibus – de carro melhor, pois dá para ir parando –, separem uma playlist com Vitor Ramil, Jorge Drexler, Fito Paez, Bebeto Alvez, Andrés Calamaro e tantos outros poetas que cantam nossa vertente platina, peguem seus casacos, uma touca e um cachecol de lã, levem o Passaporte ou a Carteira de Identidade para dar um pulo do lado de lá da fronteira, e se joguem contra o vento em busca, justamente, dos encantos do sul. Se possível, levem um livro que tenha a região como cenário na bagagem. Além do meu, que está quase batendo à porta, tenho várias indicações. É só me chamar nas redes sociais. Y buen viaje.

I. BOCA MIGOTTO

I., de Ivanir, Boca Migotto é cineasta, pesquisador, fotógrafo e escritor. Publicitário formado pela Unisinos, cedo se deu conta que estava na área certa – a Comunicação – mas no curso errado. Formado, então, largou tudo e foi para Londres. Nos dois anos que permaneceu na Inglaterra fez de tudo: lavou prato, fez café, foi garçom e auxiliar de cozinha, estudou inglês e cursou cinema na Saint Martins College of Arts and Design. Ao regressar para o Brasil, fez Especialização em Cinema e Mestrado em Comunicação, ambos pela Unisinos. Nesta mesma instituição, foi professor de Documentário no Curso de Realização Audiovisual, onde permaneceu por dez anos, atuando também em disciplinas dos cursos de Jornalismo, Comunicação Digital e Publicidade. Finalizou seu Doutorado em Comunicação pela FABICO/UFRGS, com extensão na Sorbonne/Paris 3. Foi quando morou em Paris, aliás, que decidiu lançar seu primeiro livro de ficção “Na antessala do fim do mundo”. Como cineasta – diretor e roteirista – realizou mais de vinte curtas-metragens e séries de TV, além dos longas-metragens “Filme sobre um Bom Fim”, “Pra ficar na história”, “O sal e o açúcar” e “Já vimos esse filme”. No momento está lançando seu novo livro “Um certo cinema gaúcho de Porto Alegre”, resultado da sua pesquisa de doutorado, defendida em 2021. Com essas duas últimas obras, Boca pretende fechar mais um ciclo de vida e de produções. A partir daí, o destino apontará novos caminhos e, quem sabe, o convide para escrever uma coluna quinzenal para a Rede Sina seja um indício de para onde seguir.

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O CUSTO DO ASSÉDIO PARA A ECONOMIA | por Melina Guterres (Mel Inquieta) https://redesina.com.br/o-custo-do-assediopara-a-economia-por-melina-guterres-mel-inquieta/ https://redesina.com.br/o-custo-do-assediopara-a-economia-por-melina-guterres-mel-inquieta/#respond Tue, 30 May 2023 03:14:56 +0000 https://redesina.com.br/?p=21069 Na segunda, 22, diversas funcionárias da Rede Globo, entre elas Ana Maria Braga e Patrícia Poeta, vestiram verde em solidariedade à Esmeralda*, nome fictício de uma ex-funcionária da empresa vítima de assédio moral, sexual por 4 homens no ambiente de trabalho. A história revelada na reportagem “A Globo e o assédio sexual” de João Batista …

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Na segunda, 22, diversas funcionárias da Rede Globo, entre elas Ana Maria Braga e Patrícia Poeta, vestiram verde em solidariedade à Esmeralda*, nome fictício de uma ex-funcionária da empresa vítima de assédio moral, sexual por 4 homens no ambiente de trabalho. A história revelada na reportagem “A Globo e o assédio sexual” de João Batista Jr., na sexta 19, na revista Piauí, traz depoimentos de um ambiente totalmente insalubre pelo assédio.

O assédio sexual foi constitucionalizado crime em 2001, já uma educação anti-assédio ainda carece de muito investimento. A empresa já foi condenada a pagar R$ 2 milhões de indenização e ainda pode perder 50 milhões em ação coletiva que envolve funcionárias vítimas de assédio sexual em outras situações dentro do local de trabalho da empresa. Esmeralda, como tantas outras vítimas, teve a saúde mental atingida gravemente a ponto de tentar tirar a própria vida por duas vezes.

As consequências da saúde mental das mulheres vítimas de assédio também afetam gravemente a economia. De acordo com a pesquisa “Impactos Econômicos da Violência contra a Mulher” feita pela Gerência de Economia e Finanças Empresariais da FIEMG em 2021, em 10 anos, a violência contra a mulher provocou o fechamento de 1,96 milhão de postos de trabalho, com perdas de R$ 91,44 bilhões em massa salarial e de R$ 16,44 bilhões em arrecadação de impostos. Ao todo, estima que a violência contra as mulheres produza um prejuízo de R$ 214,42 bilhões no PIB do país ao longo de 10 anos.

Um levantamento da clínica de medicina preventiva Med-Rio em 2020, realizado a partir do acompanhamento de check-ups de executivas, constatou que, quando a clínica foi inaugurada há 30 anos, 40% das mulheres apresentavam sinais de estresse; hoje, são 67%. E as doenças gástricas estão ocorrendo mais nas mulheres (18%) do que nos homens (12%). Entre as executivas pesquisadas: 25% relatam insônia, 12 % têm sinais de depressão, 62% apresentam sobrepeso, 60% não mantêm uma dieta equilibrada, 50% estão com o colesterol alto e 50% bebem álcool regularmente.

A violência, além de um dano emocional irreparável, representa grande perda para as empresas não apenas em ações indenizatórias, mas também por falta de rendimento, perda de potenciais funcionárias que, abaladas, paralisam ou desistem de seus trabalhos.
Cientes, algumas multinacional e empresas nacionais já têm tomados medidas para diminuição de danos.

Google, a empresa de tecnologia anunciou em 2018 uma série de mudanças em sua política interna para combater o assédio sexual, após protestos de milhares de funcionários em todo o mundo. Entre as medidas estão a obrigatoriedade de treinamentos anuais sobre o tema, a criação de um canal de denúncia online e a transparência nos relatórios sobre os casos investigados. Uber, a empresa de transporte por aplicativo criou um programa chamado “Driving Change”, que oferece treinamentos online e presenciais sobre assédio sexual e violência de gênero para os motoristas parceiros e os usuários. A empresa também disponibiliza um canal de denúncia 24 horas por dia, sete dias por semana, que pode ser acessado pelo aplicativo ou pelo site.

Magazine Luiza, a empresa de varejo lançou em 2020 uma campanha chamada “Você não está sozinha”, que visa conscientizar e apoiar as mulheres vítimas de violência doméstica. A empresa oferece assistência psicológica, jurídica e social para as funcionárias que sofrem esse tipo de violência, além de divulgar informações sobre o tema nas redes sociais e nos pontos de venda. Natura, a empresa de cosméticos tem uma política interna de prevenção e combate ao assédio sexual e moral, que define os conceitos, as condutas proibidas e as sanções aplicáveis aos agressores. A empresa também conta com um canal de denúncia confidencial e independente, que pode ser acessado por telefone, e-mail ou site.

Apesar dos esforços, a mulher brasileira não tem, literalmente, um segundo de paz. A Pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostra que, em 2022, 30 milhões de mulheres sofreram algum tipo de assédio. É o equivalente a uma mulher assediada a cada um segundo. Um dos tipos de assédio que mais cresceu, segundo Samira Bueno, diretora do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, foi o caracterizado por comentários sexuais e constrangedores em ambiente de trabalho. Foram 11,9 milhões de mulheres alvos de assédio no meio profissional, o equivalente a um caso por hora.

Para um ambiente saudável e economia crescente é preciso aumentar o investimento em uma educação anti-assédio. Na maior cidade do país, a mudança começou nessa terça, 23, o prefeito de São Paulo-SP, Ricardo Nunes sancionou a lei “Não se Cale”, que estabelece a criação de uma série de medidas para o combate à violência sexual contra mulheres em bares, baladas e outros locais de lazer na cidade de São Paulo, além de outras medidas de acolhimento às vítimas seguindo o protocolo de ação desenvolvido pela Coordenação de Política para Mulheres da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania (SMDHC).

Que as mudanças sigam avançando, especialmente no magistrado onde as punições mais graves a juízes que comentem crimes é a aposentadoria compulsória. Ou seja, uma proteção corporativa, uma vez que a punição máxima implica no afastamento das funções, mas asseguram que o “culpado” continue recebendo seus salários, muitas vezes acima de R$ 30 mil reais.

Também nesta terça, o juiz Marcos Scalercio, acusado de assédio sexual, foi punido em decisão unânime dos conselheiros do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, com uma aposentadoria compulsória. Caso seja condenado na ação penal de assédio, ele pode perder rendimentos que recebe desde que foi afastado compulsoriamente. Em 17 anos de atuação, o CNJ já aplicou 130 penalidades a servidores e magistrados. Foram oito penas de advertência, 19 de censura, cinco remoções compulsórias, 17 de disponibilidade, 75 aposentadorias compulsórias e seis demissões.

Supondo que 75 recebam 30 mil por mês, só um mês saí mais de 2 milhões aos cofres públicos de salários pagos a criminosos.

Que as mudanças sigam, a justiça vença o corporativismo e seja verdadeiramente feita pelas mulheres e pela economia brasileira.

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Melina Guterres é CEO, fundadora da REDE SINA
www.redesina.com.br/melinaguterres

 

 

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O BRASIL PRECISA DESCOBRIR A ÍNDIA https://redesina.com.br/o-brasil-precisa-descobrir-a-india/ https://redesina.com.br/o-brasil-precisa-descobrir-a-india/#respond Thu, 24 Nov 2022 14:11:07 +0000 https://redesina.com.br/?p=19610 Tadany Cargnin dos Santos1 e Ronaldo Mota2 Alguém nascido neste ano de 2022, provavelmente, passará a maior parte de sua existência em um mundo onde a Índia será o país mais populoso e com uma das mais fortes economias do planeta. Isso é tão surpreendente como teria sido informar a um jovem brasileiro, ao final …

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Tadany Cargnin dos Santos1 e Ronaldo Mota2

Alguém nascido neste ano de 2022, provavelmente, passará a maior parte de sua existência em um mundo onde a Índia será o país mais populoso e com uma das mais fortes economias do planeta. Isso é tão surpreendente como teria sido informar a um jovem brasileiro, ao final da século passado, que na sua fase adulta seria a China, e não os Estados Unidos ou a União Europeia, o principal parceiro comercial do Brasil.

Os intercâmbios comerciais entre os Brasil e Índia têm se ampliado (no início do século era quase desprezível, da ordem de US$ 300 milhões), porém, é ainda muito tímido (da ordem de US$ 11 bilhões). Ou seja, ainda pouco para duas nações continentais, com muitas afinidades (ambos estão entre as maiores democracias estáveis do mundo) e com economias dinâmicas e que podem ser vistas, em alguns aspectos, como complementares. Pelo lado brasileiro, cumpre descobrir, o quanto antes, o caminho da Índia.

Em setembro deste ano, a Índia ultrapassou o Reino Unido, tornando-se a quinta maior economia do mundo. Por sinal, a mesma posição que, há uma década, foi ocupada pelo Brasil (hoje somos a décima economia mundial). A Índia baliza o seu plano nacional em direção a vir a ser a terceira economia antes do final desta década, atrás somente de China e Estados Unidos. A previsão contempla caminhar em direção a ser a maior economia mundial em torno da metade do século.

Um plano estratégico de desenvolvimento econômico tão ambicioso somente é possível graças às políticas monetárias, fiscais e tecnológicas claras, coerentes e práticas que não são somente criadas pelo governo, mas viabilizadas via investimentos do orçamento nacional e, em paralelo, convertidas em produtos, serviços e inovações pelos empresários e empreendedores, nacionais e internacionais.

Cabe destacar que a existência na Índia de uma juventude fluente em inglês e altamente qualificada nas áreas de tecnologia de informação, ciências, matemática, programação e engenharia garante as bases de outro objetivo nacional de tornar o país um dos centros mundiais de inteligência artificial e outras áreas estratégicas.

O governo indiano, com a intenção de atrair investimento externos e alavancar investimentos nacionais, está investindo e abrindo o mercado, para a ampliação de infraestrutura como ferrovias, rodovias, portos e aeroportos. Além disso, o governo diminuiu o imposto corporativo de 35% para 25%, expandiu as “Zonas Econômicas Especiais” que possuem incentivos fiscais, infraestrutura competitiva e implementou outras medidas que facilitam o desenvolvimento de negócios para empresas de exportação (EPZ), áreas de livre comércio (FTZ) , parques industriais (IE), e empresas de Tecnologia.

A Índia é uma das maiores formadoras de startups do mundo, desenvolvendo unicórnios em tempo recorde, nas mais diversas áreas de atuação e nos mais diversos setores, se aproximando de quase uma centena unicórnios no país, sendo que quase 20% deles na área de finanças. Este cenário é também resultante de um programa nacional de incubadoras (NIDHI) que tem como objetivo, até 2025, criar mil incubadoras no território nacional e que cada uma, por sua vez, incube pelo menos mil startups.

Por fim, vale ressaltar que a Índia é referência em tecnologia de informação e inovação no mundo. O Vale do Silício indiano inclui as cidades de Bangalore e Hyderabad, que são referências mundiais e sedes das principais empresas de tecnologia do mundo. Praticamente todas as empresas internacionais possuem centros de inovações, laboratórios, centros de estudos e de desenvolvimento nessas cidades, gerando um ecossistema favorável para a inovação e para a criação de novas soluções para os problemas que o país e o mundo vêm enfrentando.

(1) Globalization Champion at IBM w AdvaitaVedanta Acharya, Pune, Índia; (2) Membro da Academia Brasileira de Educação, ex-secretário nacional de Desenvolvimento Tecnológico e Inovação do Ministério de Ciência e Tecnologia.

#india #inovação #tecnologia #progresso #incubadoras #economia #unicornio #ciências #colaboração #políticamonetária #políticafiscal #parceriainternacional

 

 

 

 

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Por que o governo Bolsonaro foi o pior da Nova República? | por José Renato Ferraz da Silveira https://redesina.com.br/por-que-o-governo-bolsonaro-foi-o-pior-da-nova-republica-por-jose-renato-ferraz-da-silveira/ https://redesina.com.br/por-que-o-governo-bolsonaro-foi-o-pior-da-nova-republica-por-jose-renato-ferraz-da-silveira/#respond Sat, 12 Nov 2022 20:04:58 +0000 https://redesina.com.br/?p=19569 O governo Bolsonaro foi desastroso em diversos aspectos. O cientista político Cláudio Couto afirma: “Desmontaram-se diversos âmbitos da administração pública, foram desorganizadas políticas públicas que levaram anos para ser estruturadas, envenenou-se o ambiente político e se produziu uma crise institucional sem precedentes no funcionamento e na relação dos três poderes. Instituições cuja autonomia funcional e …

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O governo Bolsonaro foi desastroso em diversos aspectos.

O cientista político Cláudio Couto afirma: “Desmontaram-se diversos âmbitos da administração pública, foram desorganizadas políticas públicas que levaram anos para ser estruturadas, envenenou-se o ambiente político e se produziu uma crise institucional sem precedentes no funcionamento e na relação dos três poderes. Instituições cuja autonomia funcional e operacional seria primordial, como a Polícia Federal e a Procuradoria Geral da República, foram capturadas. E ainda, como se não bastasse, tivemos a perda evitável de centenas de milhares de vidas humanas em função da gestão caótica e sabotadora da pandemia, assim como danos ambientais de grande magnitude e provavelmente irreversíveis. O Brasil se tornou um pária internacional e perdeu influência nos principais debates globais, em particular aqueles em que se destacava, como o relacionado à questão ambiental. Foram anos de destruição que exigirão muito mais anos para reconstruir tudo”.

Um fato incontestável é que Bolsonaro – mesmo com todo estelionato eleitoral e fez uso do poder e das instituições – é o primeiro presidente a concorrer e não ser reeleito. Corrompeu o sistema para adiantar auxílios, congelar preços, ampliação do número de beneficiários do Auxílio Brasil, o vale gás, auxílio caminhoneiro e taxista, liberação de parte do FGTS, crédito consignado, a lista é interminável. Além da tentativa frustrada de suspensão das eleições pela farsa grotesca da inserção das rádios e a suspeição das urnas eletrônicas durante o período pré-eleitoral, eleitoral e pós-eleitoral.

Listo aqui de forma detalhada outros desastres da gestão de Bolsonaro:

GESTÃO CAÓTICA E SABOTADORA NA PANDEMIA
Em carta da Pfizer às autoridades brasileiras, a empresa declarou que uma de suas intenções era tornar o Brasil uma vitrine da vacinação na América Latina. O laboratório se comprometeu a fazer o possível para reduzir o tempo de entrega e auxiliar na logística.
Apesar disso, teve 53 e-mails ignorados e 9 propostas recusadas. Entre negociação e contrato assinado, o governo federal levou 330 dias para contratar as vacinas da Pfizer.

POLÍTICA EXTERNA ERRÁTICA
Adesão sistemática ao trumpismo (rolou até um “Eu te amo”) e posturas grosseiras e rudes em diversos episódios em relação a três parceiros comerciais e estratégicos (potências e membros permanentes do Conselho de Segurança): Estados Unidos sob gestão Biden (“quando acaba a saliva tem que entrar a pólvora”); China (“o chinês inventou o vírus); França (“a mulher de Macron é feia”).

DESMONTE NA EDUCAÇÃO
Diversos ministros despreparados e desqualificados, muitos escândalos de corrupção e o Enem diminuiu em inscritos e, dessa forma, o acesso ao ensino superior.

MAPA DA FOME
– Entramos no Mapa da Fome: 33 milhões Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, que aponta a existência de 33,1 milhões de pessoas vivendo em situação de insegurança alimentar grave, quando não há garantia de acesso à alimentação em quantidade suficiente.
– No Brasil, 125 milhões de pessoas vivem em situação de insegurança alimentar. Estado de insegurança alimentar é quando não há a garantia de que teremos o que comer na próxima refeição. Uma situação inaceitável especialmente aqui no Brasil, que bate recordes no agronegócio e desperdiçou 23,6 milhões de toneladas de alimentos em 2019.

EMPOBRECIMENTO DAS CLASSES D E E
– Empobrecimento das classes D e E De acordo com a consultoria Tendências, entre 2021 e 2022, a fatia de domicílios brasileiros que integra as classes D e E aumentou de 48,7% para 51%.

DESMATAMENTO
O balanço parcial de 2022 também consolida a explosão do desmatamento no governo de Jair Bolsonaro. Os piores números de desmatamento entre janeiro e agosto registrados pelo SAD aconteceram nos últimos quatro anos, com o total saltando de 4.234 km2 em 2019 para 7.943 km2 em 2022

A POBREZA NO BRASIL
– Estimativas apontam que 52,7 milhões de pessoas – um quarto da população brasileira – vivem em situação de pobreza ou extrema pobreza. No ano passado, tivemos um salto na taxa de pobreza extrema no Brasil. O país tem hoje mais pessoas na miséria do que antes da pandemia e em relação ao começo da década passada, em 2011.

BAIXO CRESCIMENTO
– Com o baixo crescimento no último ano do governo do presidente Jair Bolsonaro, a gestão dele aparece como a que teve o menor crescimento do PIB em quatro anos de mandato. Levantamento realizado pelo economista Alex Agostini, da Austin Rating, mostra que os quatro anos do Governo Bolsonaro devem fechar com um PIB médio de 0,78%, o menor percentual dos governos das últimas duas décadas. Conforme o estudo, o Governo Temer tinha apresentado o pior desempenho, com média do PIB de 1,32% no período de 31 de agosto de 2016 a 31 de dezembro de 2018. Os dois últimos anos de Dilma Rousseff na presidência contabilizaram um PIB de 1,92%.

O USO DO SUS
O uso de recursos do Sistema Único de Saúde (SUS) pelo Ministério da Defesa bateu recorde no governo do presidente Jair Bolsonaro (PL). As informações constam em documento divulgado pela Comissão de Orçamento e Financiamento do Conselho Nacional de Saúde (CNS) em fevereiro deste ano.
Em 2019, o valor anual de verbas do SUS gasto pelos militares foi a R$ 350 milhões. Dois anos depois, em 2021, a cifra chegou a R$ 355 milhões, quebrando novamente o recorde da série histórica, de 2013 a 2021. O governo Bolsonaro dedicou, em média, R$ 325 milhões por ano ao Ministério da Defesa.
Na gestão da presidente Dilma Rousseff (PT), a média anual do uso de recursos do SUS pelos militares era de R$ 88 milhões, considerando o período analisado, de 2013 a 2015. Sob o comando de Michel Temer (MDB), o valor já havia dado um salto, com média de R$ 245,5 milhões anuais.
O levantamento foi divulgado em uma publicação sobre a evolução dos gastos federais do Sistema Único de Saúde, produzida pelo CNS, órgão que reúne representantes da sociedade civil e do poder público.

ROMBO NAS CONTAS
O governo Bolsonaro deixará uma herança maldita. “Rombo fiscal que Lula herdará será três vezes maior do que o estimado”. A visão é de Henrique Meirelles, criador do Teto de Gastos. Integrantes do futuro governo negociam alterações na proposta orçamentária de Bolsonaro que praticamente não destina recursos para pautas sociais.

 

Prof. Dr. José  Renato Ferraz da Silveirajosé

Professor Associado III do Departamento de Economia e Relações Internacionais (DERI) da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) . Líder do Grupo de Teoria, Arte e Política (GTAP). Editor-chefe da Revista Interação (ISSN 2357-7975). Articulista do Diário de Santa Maria . Colaborador do Blog Obvious 

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O BRASIL NO CENÁRIO INTERNACIONAL | por Odilon Marcuzzo do Canto https://redesina.com.br/o-brasil-no-cenario-internacional-por-odilon-marcuzzo-do-canto/ https://redesina.com.br/o-brasil-no-cenario-internacional-por-odilon-marcuzzo-do-canto/#respond Wed, 09 Nov 2022 18:30:45 +0000 https://redesina.com.br/?p=19525 Odilon Marcuzzo do Canto, Ph.D, ex Reitor da UFSM Dia 20 deste mês de novembro se inicia no Catar o maior evento do futebol mundial: a Copa do Mundo de Futebol. A seleção brasileira estará a postos para a sua 21ª participação nesse evento. Única seleção a disputar todas as copas é também a única …

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Odilon Marcuzzo do Canto, Ph.D, ex Reitor da UFSM

Dia 20 deste mês de novembro se inicia no Catar o maior evento do futebol mundial: a Copa do Mundo de Futebol. A seleção brasileira estará a postos para a sua 21ª participação nesse evento. Única seleção a disputar todas as copas é também a única a ter vencido a competição por cinco vezes. Certamente, um grande número de brasileiros sabe recitar facilmente, ano a ano, o desempenho de nossa “seleção canarinho” e com riqueza de detalhes.

Mas o Brasil, como nação soberana, tem convocação certa e necessária em muitos outros certames e reuniões internacionais com temas de interesse global, com certeza muito mais importantes e determinantes para o futuro do país e para o bem estar de sua gente.

As conferências de paz, realizadas logo após os conflitos beligerantes que marcaram o cenário mundial na primeira metade do século XX, tiveram como resultado a formulação e a construção de um organismo internacional aceito, num entendimento comum, como o fórum de debates e discussões dos grandes temas de interesse das nações. O Organismo das Nações Unidas (ONU) foi criada em 24 de outubro de 1945, na cidade de San Francisco, na California.

A ONU tem uma estrutura funcional composta por órgãos específicos para determinadas atividades e objetivos como, por exemplo, o Conselho de Segurança, do qual o Brasil atualmente faz parte, composto por 15 países membros, dos quais cinco são permanentes (Estados Unidos, Rússia, China, França e Inglaterra).  Além disso, conta também com um sistema de conferências dedicadas a temas específicos como a Conferência Mundial da Criança, a Conferência Mundial da Alimentação, a Conferência Mundial das Mulheres e outras tantas.

A partir do dia 6 do corrente mês está sendo realizada a Conferência sobre Mudanças Climáticas – ECO27, no Egito, cujo tema foi considerado pelo Secretário Geral da ONU como uma das duas maiores ameaças atuais à segurança da humanidade: as mudanças climáticas e o arsenal nuclear existente.  A ECO27 é um grande fórum de discussões e de decisões que desenharão o cenário de compromissos que cada nação deverá assumir nos próximos anos, na luta contra o aquecimento global e as mudanças climáticas.

Tais decisões vão impactar as relações econômicas entre as nações. O Brasil, como grande exportador de grãos e carnes, poderá ser fortemente afetado.  Este é um dos muitos seminários internacionais aos quais o Brasil pode e deve se fazer presente com um time escalado entre os melhores experts nacionais em cada assunto, em cada área. E o Brasil os tem, sem dúvida.

Voltando ao futebol, acredito existir dúvidas na cabeça de todos nós sobre se traremos ou não o hexacampeonato – a desejada sexta estrela.  A maioria dos brasileiros, com certeza, já avaliou que temos grande probabilidade de que isso aconteça.  O técnico é a figura fundamental para o sucesso da empreitada, pois além de ser o principal responsável pela escalação do time, tem por missão a orientação tática e estratégica que definirá o melhor aproveitamento dos talentos individuais de cada jogador de forma a consolidá-los em jogadas conjuntas de qualidade e efetivas na consecução do objetivo maior que é o gol. A confiança no técnico passa a ser uma boa indicação de sucesso. Tivesse o Brasil um técnico que se intitulasse o escolhido pelos céus e fosse negacionista dos princípios científicos que norteiam os avanços técnicos do esporte, certamente estaríamos mais apreensivos.

De forma análoga, os resultados que o Brasil colherá nos seminários internacionais sobre os temas de interesse nacional – na ECO27 e em muitos outros que virão nos próximos anos e nos mais diversos temas, serão proporcionais à qualidade e competência das equipes técnicas escaladas para representarem nossa nação.

Felizmente o povo brasileiro acaba de fazer a escolha certa. Acaba de escolher um técnico já experimentado, com reconhecimento e prestígio na comunidade internacional e que certamente escalará um time de craques do mais alto nível que – embora ainda não de forma oficial,  saberão defender os interesses do povo brasileiro na arena internacional. Certamente o Brasil voltará a ter papel protagonista no cenário internacional.

 

ODILON MARCUZO DO CANTO

Eng. Civil pela UFSM (1968); M.Sc. (1979) e Ph.D. (1991) em Engenharia Nuclear pela Universidade da Califórnia, Berkeley, EUA; Professor de Física Nuclear, Reitor da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM); Presidente da Associação Nacional de Reitores ANDIFES (1996/97). Presidente da CIENTEC/RS (1999/2002). Diretor de P&D da FINEP (2003/05). Presidente da FINEP (2005/07). Secretário-Geral da Agência Brasileira-Argentina de Controle de Materiais Nucleares – ABACC (2007/16). O Prof. do Canto foi membro do Conselho Deliberativo do CNPq e do Conselho Superior da CAPES, presidente do Comitê Brasileiro de Metrologia-CBM e presidente do Conselho Deliberativo da Sociedade Brasileira de Metrologia. Presidente da Sessão Latino-Americana da Sociedade Nuclear Americana (2009-10). Membro da Sociedade Nuclear Americana e da Academia Internacional de Energia Nuclear (INEA).

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MAR ABERTO | O futuro sem Bolsonaro* https://redesina.com.br/mar-aberto-o-futuro-sem-bolsonaro/ https://redesina.com.br/mar-aberto-o-futuro-sem-bolsonaro/#respond Fri, 04 Nov 2022 14:11:12 +0000 https://redesina.com.br/?p=19514 por Boca Migotto Meus dois últimos textos, aqui, para a coluna Mar Aberto, foram sobre as eleições. Impossível não ler, falar e escrever sobre o que estava em jogo no Brasil. No primeiro texto dessa rápida sequência que se encerra hoje, publicado em 6 de outubro, fiz uma relação sobre a “Jornada do Herói”, de …

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por Boca Migotto

Meus dois últimos textos, aqui, para a coluna Mar Aberto, foram sobre as eleições. Impossível não ler, falar e escrever sobre o que estava em jogo no Brasil.

No primeiro texto dessa rápida sequência que se encerra hoje, publicado em 6 de outubro, fiz uma relação sobre a “Jornada do Herói”, de Joseph Campbell, e a história recente de Luís Inácio Lula da Silva (PT). Estava enganado, no entanto, sobre o formato audiovisual. Não estávamos em um longa-metragem mas, sim, numa interminável série de TV. Desde domingo até, pelo menos, esse feriado de Finados (2), vivemos os últimos episódios dessa temporada. Lula venceu a eleição mais difícil da nossa história e foi aclamado presidente por líderes de todo planeta. We are back! Esta eleição, vivenciada por todos nós, foi histórica e, certamente, será estudada por gerações. O mais significativo, contudo, é que meio país comemorou a vitória do “amor sobre o ódio”.

Como era esperado, no entanto, Jair Bolsonaro (PL) não reconheceu sua derrota e se apequenou ainda mais, trancado dentro de si e do silêncio sepulcro do Palácio do Planalto. Um “terceiro turno”, apesar das manifestações antidemocráticas, não ocorreu. E não vai ocorrer. Houve tentativas, algumas, inclusive, seguem até hoje, sexta-feira (4), trancando algumas rodovias do país. Mas o fato é que a democracia resistiu nas urnas. Toda alanhada, mas viva. Em coma, mas ainda respirando. O que não significa dizer que os próximos quatro anos serão um mar de rosas vermelhas. Financiados pelo agronegócio, e por outros setores que flertam abertamente com o fascismo tropical, a patética massa de manobra que foi às ruas nesses últimos dias, certamente, voltará. Por um lado, o riso estará garantido. Por outro lado, imagino que já aprendemos que apenas rir da ignorância dessa gente é uma atitude bastante perigosa. Este será um governo que conviverá, ao menos por algum tempo, com boicotes e sabotagens de todo tipo e, para sobreviver, precisará levar a sério, institucionalmente falando, toda ameaça antidemocrática.

No entanto, tempo ao tempo. O que importa, agora, é que o coração, mais leve, ainda bate e, como diz o ditado, “tudo aquilo que não mata, nos deixa mais fortes”. Com 60.345.825 votos, Lula foi o candidato a presidente mais votado da História do Brasil. Essa maior votação, infelizmente, não evitou que fosse, também, a vitória mais apertada em um segundo turno. A goleada do amor contra o ódio não rolou, e Bolsonaro recebeu 58.206.354 votos. Por isso, mesmo perdendo, ele se tornou o segundo candidato a presidente mais votado da história. A eleição do último domingo superou todos os recordes, inclusive a diferença mínima entre os dois primeiros candidatos. Lula obteve 50,90% dos votos válidos contra 49,10% do, agora, futuro ex-presidente. Por esse motivo, ainda segunda-feira (31), quando comecei a escrever essa coluna, não faltaram jornalistas e analistas políticos exaltando a força de Bolsonaro e do bolsonarismo. Com uma votação tão expressiva, disseram alguns, o futuro ex-presidente estaria credenciado a ser a principal voz de oposição ao governo petista e, em consequência, o candidato natural da direita – na verdade, extrema-direita – para a eleição de 2026. Poderia ser, se Bolsonaro não fosse limitadíssimo. Ao contrário do que ouço falar, e apesar de, obviamente, não ser um especialista nas ciências políticas, percebo Bolsonaro como um homem covarde e, portanto, sem a grandeza necessária para se tornar um verdadeiro líder. Uma vez apartado do centro do poder e longe da sua caneta Bic, é preciso talento para conquistar uma liderança. Seu destino será, novamente, o baixo clero, de onde veio e onde, nem lá, deveria ter estado. Tudo que levou o Brasil a crer nesse homem, até o presente momento, na minha opinião, é mais fruto das consequências do que das causas. O distanciamento a esse período triste da história nos ajudará melhor a perceber isso, no entanto, ao longo deste texto pretendo antecipar um pouco sobre o que me leva a crer no desaparecimento político deste que foi – e será – o mais irrelevante presidente da Nova República.

Alguns argumentarão que Bolsonaro elegeu o Congresso mais conservador da nossa história democrática. É verdade.

Nomes como Eduardo Pazuello, Hamilton Mourão, Carla Zambelli, o próprio filho, Eduardo Bolsonaro, e até o desafeto-que-deixou-de-ser-desafeto-no-meio-da-eleição, Sergio Moro, não chegariam perto das votações que alcançaram – e, alguns, inclusive, nem seriam eleitos – se não fosse o nome do presidente atrelado a eles. O próprio Tarcísio de Freitas, turista carioca na “terra da garoa”, e aposta pessoal do próprio Bolsonaro, foi eleito capitalizando os votos do “capitão”. Aliás, um terrível erro que os paulistas cometeram e o futuro reafirmará tal percepção. Com esse Congresso e o governo do Estado mais rico da federação nas mãos, felizmente, o drama para o Brasil só não foi maior porque conseguimos barrar a reeleição de Bolsonaro. Caso contrário, nem Deus saberia dizer o que seria desse país após mais quatro anos da extrema-direita no poder. Portanto, foi por pouco que Bolsonaro não se tornou rei de uma nação sem monarquia, com plenos poderes sobre tudo e todos. Mas, esse pequeno detalhe de exatos 2.129.471 votos acabou por definir a diferença entre a força e a fraqueza de Bolsonaro. Se, por muito pouco, ele quase se tornou o principal líder da extrema-direita mundial pós-Trump, herdando, dos brasileiros, um país-continente, inteiro, enorme e rico, para chamar de seu, por conta destes pouco mais de dois milhões de votos, a partir de agora, existe a possibilidade dele perder quase tudo que um dia pensou ter conquistado e garantido.

Domingo (30) à noite as luzes se apagaram mais cedo no Planalto. Ninguém, salvo os ingênuos ou ignorantes, imaginaria que Bolsonaro faria um pronunciamento reconhecendo a derrota e desejando um governo exitoso para todos os brasileiros. Bolsonaro se apresentou ao público apenas no final da tarde de terça-feira (1). Um discurso curto, ambíguo e, como era o esperado, do tamanho da sua pequenez. Não reconheceu a derrota, atacou as esquerdas, como sempre, mentiu, como sempre, e, como sempre, não foi capaz de um gesto de grandeza. Pressionado por diversos setores da economia, para que solicitasse aos seus seguidores que desobstruíssem as rodovias do país, preferiu insuflar ainda mais as massas para, dessa forma, barganhar sua anistia judicial a partir de 1 de janeiro de 2023. Um fim patético para um personagem ridículo. Tal qual qualquer ditadorzinho em fim de carreira, até o dia de hoje, salvo uma segunda live ao estilo Volodymiyr Zelensky tupiniquim, Bolsonaro permanece fechado e protegido, em seu palácio, enquanto ainda torce por uma guerra civil que não aconteceu, nem irá acontecer. Dessa forma, Bolsonaro está deixando a presidência ainda mais irrelevante do que quando era um deputado do baixo clero e o seu silêncio apenas serviu para humilha-lo ainda mais, contribuindo com todo tipo de cena grotesca que, ao contrário de ameaçar a democracia, mais serviu para escancarar o estado assustador da doença psicológica que acompanha as pessoas que ainda o seguem.

Entretanto, a simbologia por trás da escuridão do palácio, no domingo a noite, vai muito além disso. O presidente é um estúpido, um moleque, um covarde, mas burro ele não. Ele tem a total dimensão dessa derrota, pois sabe que não perdeu apenas uma eleição mas, sim, o poder. Rei posto é rei morto. Bolsonaro, sem poder, é um coitado. Bolsonaro, sem poder, é apenas aquele cara que faz piada sem graça. Aquele cara que, para ter lugar no futebol do final de semana precisa oferecer o campinho, a bola e pagar o churrasco. Até no casamento é um infeliz. Qualquer um mais atento à linguagem corporal do casal, quando juntos, percebe que ali não há amor nem cumplicidade. Não me surpreenderia se, agora, após sua queda, também a Michelle logo o abandonará. Afinal, o cara é misógino, machista, agressivo, velho e feio. Está longe de ser o “imbrochável” que ele grita ser – nem me refiro ao apelo sexual – e a esposa ainda tem que suportar os filhos mais velhos que, todos sabem, não gostam dela. O que um homem como Bolsonaro tem a oferecer a uma mulher interesseira como Michelle – Micheque –, além do poder e do cartão coorporativo? Seu senso de humor ao estilo tio do pavê?

Chego até suspirar de pena do pobre-coitado. Afinal, não imagino a primeira dama abraçando-o e consolando-o após a derrota de domingo.

Ao contrário, a imagem que me vem à cabeça, e me perdoem se estiver sendo injusto com a família Bolsonaro, é de um homem solitário na sua derrota. Uma criança assustada, abandonada na escuridão do palácio, que não sabe lidar com suas perdas e nem ao menos compreende a sua própria condição pois, obviamente, lhe faltam recursos psicológicos para processar suas emoções. Toda aquela raiva que o presidente exala cotidianamente, é claro, tem uma origem. Bolsonaro não conheceu o amor ou, se conheceu, o escondeu dentro do armário. No entanto, como diz o ditado, “quem planta vento colhe tempestade”. Se pôde comprar 107 imóveis – 51 deles com dinheiro vivo – Bolsonaro tem recursos financeiros suficientes para pagar uma boa terapeuta e resolver seus conflitos internos. Não o faz, novamente, por covardia. Por isso, já deixei de sentir pena do genocida. Que seja enterrado na lata de lixo da história para todo o sempre.

Alguns que assistiram as rodovias fechadas por apoiadores seus, contudo, podem argumentar sobre a sua capacidade de articulação. Afinal, seria ingênuo demais acreditar que esses bloqueios ocorreram sem uma coordenação centralizada e muito bem financiada. No entanto, a classe-média-sempre-assustada-do-Brasil pode ficar tranquila, dessa vez não é – como, de fato, não foi – preciso estocar papel higiênico. Ainda na terça-feira, por determinação do STF, as barricadas começaram a ser desfeitas e uma multa de 100 mil reais/hora já fez o patriotismo dos bolsonaristas balançar. É bem verdade que um pessoal aproveitou o feriado para fazer turismo em frente aos quarteis, pedir um golpe de estado e demonstrar seu entusiasmo pelo nazismo, mas, já no final da tarde, vi vários destes patriotas-canarinhos no supermercado, comprando picanha, carvão e cerveja artesanal para compensarem a longa jornada no circo dos horrores. São patéticos como o seu líder. É verdade que existe, sim, as tais pautas identitárias, e estas movimentam uma legião de alucinados e fanáticos, como de fato vimos acontecer nessa quarta-feira (2), mas no fim do fundo das psicologias mais insanas, o que move a elite – e quem pensa ser elite nesse país – é grana.

É o que move, também, o poder. Dessa forma, a questão, agora, é como Bolsonaro poderá seguir manipulando as mesmas redes sociais na mesma intensidade e organização como fazia o Gabinete do Ódio, mantido com (muito) dinheiro público. Além disso, assim todos esperamos, em dois meses Bolsonaro sairá da presidência e será investigado de verdade. E é preciso que seja. Os militares golpistas, que Bolsonaro coagiu durante seu governo, estão ai para nos alertar sobre os perigos de, nesse país, não se investigar e punir as devidas responsabilidades. Portanto, sem contar com a proteção do cargo e a sua influencia direta sobre o PGR, sobre parte da PF e da PRF, esta sim, quase que totalmente aparelhada, haverá muito com o que se preocupar. Um STF terrivelmente evangélico também não vai rolar. Pelo menos nos próximos quatro anos. E as Forças Armadas, estas sim, que pelo seu histórico repressor preocupavam, parece que optaram em seguir as diretrizes do Tio Sam: Stay out of it! Ao fim e ao cabo, levando em conta tudo o que sabemos, me parece que Bolsonaro está encurralado. Terá que entregar o poder e será investigado. Uma vez investigado – e são tantos os processos – imagino que ele terá pouco tempo para se preocupar com suas lives semanais. Convenhamos, como Pessoa Física, sem mais nenhum tipo de imunidade, cheio de processos nas costas e sem a chave do cofre nem o cartão corporativo, Bolsonaro terá muito com o que se preocupar. E pelo o quê trabalhar. Não é por acaso que ele topou se pronunciar, conforme as mais variadas fontes jornalísticas, apenas depois de garantir, junto ao presidente do PL, Valdemar da Costa Neto, uma boa mesada, bem como a garantia de que contará com os advogados do partido para ajuda-lo a se livrar dos inúmeros imbróglios judiciais que terá que enfrentar a partir de janeiro de 2023.

Ao longo de quatro anos no poder Bolsonaro pouco trabalhou como presidente. Fato, aliás, que pode ser facilmente comprovado acessando a sua agenda oficial.

Desde o dia da sua posse não houve um único momento quando Bolsonaro colocou os interesses do país em frente à sua determinação de reeleger-se presidente. Afinal, ele nunca esteve lá para trabalhar pelo povo brasileiro. Seu projeto sempre foi pessoal e ele sempre soube que este, para dar certo, dependeria exclusivamente do aparelhamento total e completo das estruturas democráticas do país. A única forma de alcançar tal objetivo seria destruindo a democracia por dentro, através de um segundo mandato. Por isso foram quatro anos em campanha permanente, utilizando o Estado – e o seu orçamento – de todas as formas legais e ilegais possível. Datas cívicas, bem como já havia ocorrido com os símbolos nacionais, foram sequestradas para o seu próprio benefício. O Congresso foi comprado pelo tal orçamento secreto e deu o aval para que o governo pudesse romper o Teto de Gastos e esbanjar, aleatoriamente, 213 bilhões de reais fora do orçamento. Sem nenhum planejamento, apenas visando as eleições. Destes, 41,2 bilhões foram entregues à população mais carente, disfarçados de benefícios sociais, o que ajudou a criar a falsa impressão de que o governo se preocupava com os mais vulneráveis e que a economia brasileira estava se reestabelecendo. A chamada “PEC dos Auxílios” turbinou o Auxílio Brasil para 600 reais, criou um voucher de mil reais para caminhoneiros autônomos, um auxílio-taxistas e ampliou o valor do vale-gás, tudo isso apenas até dezembro deste ano. Na verdade, o maior estelionato eleitoral já visto no país. Não satisfeito, o governo autorizou os bancos públicos a emprestar, criminosamente, dinheiro a uma população já completamente endividada. Para se ter uma ideia, a perversidade embutida no tal Empréstimo Consignado foi tamanha que os bancos privados se negaram a participar. Mas não parou por ai, houve liberação de verbas para políticos em campanha, compra de votos nos rincões mais ermos do país e, como de praxe, uma avalanche de Fake News. Segundo alguns dos mais renomados economistas do Brasil, a conta final de toda essa insanidade é um déficit de aproximadamente 400 bilhões de reais que terá que ser pago pelo próximo governo. Assim como a conta a pagar, a lista de ilegalidades também é enorme. Contra a lei, Bolsonaro manteve a propaganda institucional do governo sendo veiculada durante o período eleitoral e nem ficou vermelho ao utilizar o Palácio do Planalto como cenário e QG particular para sua campanha. Para alimentar sua claque, atacou – ainda mais – o STF, seus ministros e, em especial, o presidente do TSE, ministro Alexandre de Moraes, que, a propósito, foi fundamental na lisura do pleito eleitoral deste ano, equilibrando legalidade com bom senso conforme a situação demandava.

Por tudo isso, nos dois meses que antecederam as eleições a economia aqueceu significativamente. Entretanto, tudo irreal, fabricado e inventado. Tudo construído em nome da reeleição. Assim como o preço da gasolina, do gás e do diesel, artificialmente contidos pela Petrobrás, em uma manobra que, convenhamos, se não aconselhável economicamente, de timmimg perfeito eleitoralmente. Tanto foi que a estratégia quase deu certo. Vale-disso, vale-daquilo e motociatas por todo país, também viabilizadas pelo dinheiro público. Inclusive em meio à pandemia. Padre de festa junina para ajuda-lo nos debates, tentativa de criar factoides eleitorais como a vitimização – que deu errado – de Roberto Jefferson, o fantasioso atentado – que também deu errado – em Paraisópolis (SP) e a acusação – para variar, inventada – de terem sido sabotados pelas rádios do interior do Nordeste. Se isso tudo não fosse suficiente, aos quarenta minutos do segundo tempo do domingo, o Brasil acompanhou estarrecido aquela intervenção cafajeste da PRF sobre os eleitores de Lula, no Nordeste. Inclusive desrespeitando ordem do próprio ministro Alexandre de Moraes. Mas o pacote eleitoreiro ainda não acabou. Conforme a Folha de São Paulo e a Gazeta do Povo, para citar apenas duas fontes, Bolsonaro recebeu mais de 100 milhões de reais em doações de empresários como Salim Mattar, Luciano Hang, Alexandre Grendene e outros tantos. A principio isso não é ilegal, mas ajuda a compreendermos o porquê de, nas últimas duas semanas de campanha, qualquer vídeo aberto no YouTube ser antecipado pela cara mal diagramada do presidente. Aliás, por falar em empresários, não esqueçamos todos aqueles, pequenos, médios e grandes, bem como prefeitos do Brasil profundo, que assediaram seus funcionários e servidores públicos para votarem no “mito”. E por falar em doação, também não deixemos de imaginar que, provavelmente, houve muito investimento estrangeiro nessa eleição. Afinal, se esta era percebida como uma eleição crucial para as democracias do planeta, o mesmo pode-se afirmar quanto ao projeto da extrema-direita internacional. No entanto, apesar de tudo isso, e apesar do fanático assédio eleitoral por parte, também, dos pastores das igrejas evangélicas, além de tudo aquilo que, provavelmente, nunca nem ficaremos sabendo, Bolsonaro NÃO conseguiu vencer Lula. Pior, assim como ocorreu com Donald Trump, nos EUA, Bolsonaro conseguiu a proeza de se tornar o primeiro presidente da nossa frágil democracia a ser rejeitado para um segundo mandato.

Portanto, retomando o início deste texto, embora existam inúmeros especialistas que podem analisar essas eleições e o futuro do Brasil melhor do que eu, na minha modesta opinião, o fato é que não vejo, em Bolsonaro, a força de um líder. Vejo, sim, perigo.

Mas este sempre esteve latente na sociedade escravocrata brasileira. A última, aliás, a abolir a escravidão no ocidente. O buraco sempre esteve lá, embora disfarçado como uma armadilha. Agora, entretanto, ele está à mostra, sabemos da sua existência e este é o primeiro passo para fecha-lo. Já Bolsonaro foi competente em expressar e amplificar esse perigo através da sua agressividade verbal e um discurso antissistema. Por obra do acaso e do destino, estava no lugar certo, na hora certa. Mas isso não o transformou em um estadista, assim como não lhe garantirá o papel de líder. O momento chave dessa infeliz história foi quando o então inexpressivo, porém patético, deputado federal, dentro do Congresso Nacional, votou pelo impeachment de Dilma Rousseff ao mesmo tempo que defendeu seu voto em nome do torturador Brilhante Ustra. O fato dele não ter saído preso da “Casa da Democracia”, naquela tarde de 11 de abril de 2016, foi determinante para tudo o que ocorreu, neste país, desde então. Mais uma vez, a história nos ensinando que é preciso responsabilizar os responsáveis.

Toda a agressividade profanada pelo bolsonarismo, bem como o falso discurso antissistema, deu certo até aqui. E talvez até funcione por mais um tempo. Nem sempre a mentira tem perna curta e o ódio de classe, este sim, é eterno enquanto dure. Entretanto, com a derrota do último domingo, o próximo presidente será Lula. E quando começar esse novo governo as coisas vão melhorar, simplesmente porque, em termos de economia, política e sociedade, piorar, sem um Bolsonaro no poder, é impossível. Aliás, bastaram três dias de Lula para que o novo presidente eleito fizesse mais pelo Brasil do que Bolsonaro em quase quatro anos. Já no domingo, “reestabelecemos” nossas relações diplomáticas com países estratégicos como Estados Unidos, China, França e Argentina. A Noruega, seguida da Alemanha, já anunciou que voltará a financiar o Fundo Amazônia. O valor bloqueado, desde 2019, é de 483 milhões de dólares ou algo em torno de 2,5 bilhões de reais. Na segunda-feira o dólar caiu e o índice Ibovespa fechou em alta. A Jovem Pan desligou quase todo seu time fascista de comentarista e, dizem as más línguas, inscreveu os comunicadores que sobreviveram à demissão em um curso EAD de Jornalismo, para finalmente aprenderem o que é fato e o que é fake. A exemplo do pragmatismo do Tutinha, dono da Jovem Pan, também o pastor Silas Malafaia acenou para o novo governo pedindo, aos fiéis da Assembléia de Deus, que rezem pelo Lula. Algo que também foi imitado pelo líder da Igreja Universal do Reino de Deus, e proprietário do Grupo Record, Edir Macedo, que teve a cara de pau de dizer que “perdoava Lula”. Enquanto os fanáticos passam frio, debaixo de chuva, pedindo intervenção militar, os chefes das máfias que regem parte do país já estão reescrevendo seus discursos para os próximos quatro anos. Afinal, essa galera definitivamente não rasga dinheiro. O próprio silêncio do Bolsonaro, já tido como “o primeiro milagre de Lula”, nos antecipou – ou nos fez relembrar – como será bom viver em um país relativamente saudável, sem um presidente que vomita impropérios um dia sim e outro também. Para fechar a “lista das alegrias”, estou confiante na palavra do “véio da Havan” que, assim como o recém citado Silas Malafaia, e até o próprio Bolsonaro, prometeram deixar o país caso Lula vencesse as eleições. Aliás, ontem mesmo li que a Carla Zambelli fugiu para os Estados Unidos. Não é possível, ainda, saber se essa viagem configura uma fuga, mas que “amanhã será um lindo dia”, a previsão do tempo já anuncia. Até rimou!

Deixando – mas não tanto – as brincadeiras de lado, quando tudo isso começar a ocorrer, a partir da posse do novo presidente, o que a oposição bolsonarista poderá argumentar?

Que não devemos investir em educação? Que não devemos diminuir o desmatamento na Amazônia? Que não aceitemos os investimentos estrangeiros no Brasil? E os evangélicos, como argumentarão contra o fato de as igrejas não terem sido fechadas ou as “mamadeiras de piroca” não invadirem as escolas? De outro lado, como esconder a verdade que virá a tona a partir do momento quando os sigilos de cem anos começarem a cair? Quando começar a ficar clara – ainda mais – a relação do clã Bolsonaro com as milícias do Rio de Janeiro? Quem sabe até conseguiremos uma resposta para o assassinato de Marielle Franco, algo que, segundo muitas fontes, tem muito de Bolsonaro ou, ainda, descobriremos que a facada de 2018 foi, de fato, a maior mentira bolsonarista. É muito crime para desmascarar, uma administração catastrófica para revelar e toda a mamata de quatro anos no poder – ou até mais, levando em conta o longo período na Câmara – para desvendar. Se isso tudo, de fato, ocorrer – e, de novo, precisa ocorrer – não consigo imaginar um Bolsonaro ainda influente e poderoso. Da mesma forma como também não imagino uma resistência intransigente contra um governo amplo que está, de fato, melhorando a vida das pessoas. Precisamos lembrar, ainda, que a grande maioria dos eleitores de Bolsonaro foi ludibriada pela máquina de estado, pelas Fake News, pela intensa repercussão jornalística da Lava-Jato e, principalmente, pelo antipetismo, construído e reforçado ao longo de décadas pela mesma mídia que se permitiu ludibriar por Sérgio Moro e Deltan Dallagnol. Portanto, o chamado “bolsonarismo raiz” é formado por uma minoria e, sobre isso, vale citar o próprio Bolsonaro quando eleito presidente, em 2018: “as minorias tem que se curvar a maioria”. Não fui eu quem disse, foi o “mito”.

Posso estar errado, mas depois de quatro anos de angustia, prefiro me permitir errar por otimismo. Por isso prevejo um futuro muito mais difícil para um Bolsonaro fora do governo do que ao novo governo Lula. E, mesmo que o bolsonarismo siga presente nas nossas vidas, se sobrevivemos a quatro anos deste, entranhado nos corredores do poder, como não sobreviveríamos agora, uma vez enxotado do Palácio do Planalto? Estar do lado certo da história nunca foi fácil e, também por isso, seguiremos lutando todos os dias. E haverá dias muito difíceis pela frente, não apenas para o Brasil, mas para toda a humanidade. No entanto, respiremos um pouco pois, no curto prazo, o pior já passou, a democracia resistiu e nós sobrevivemos. Assim como ocorre com a jornada do herói, no the end o bem supera todos os obstáculos e triunfa sobre o mal. O herói volta para casa, para os seus, e as luzes do cinema nos acordam do transe coletivo no qual estávamos imersos. Vai dar certo, aos poucos até os patéticos bolsonaristas terão vergonha de, um dia, terem acreditado em mitos e contos de fada. Ainda não entramos no céu mas, certamente, por um tempo ao menos, fechamos as portas do inferno.

* Dedico este texto aos irmão nordestinos. Um grande axé ao povo do Nordeste, obrigado por carregarem o Brasil nas costas e contribuírem, decisivamente, para que pudéssemos resgatar a nossa bandeira das mãos do fascismo.

I. BOCA MIGOTTO

I., de Ivanir, Boca Migotto é cineasta, pesquisador, fotógrafo e escritor. Publicitário formado pela Unisinos, cedo se deu conta que estava na área certa – a Comunicação – mas no curso errado. Formado, então, largou tudo e foi para Londres. Nos dois anos que permaneceu na Inglaterra fez de tudo: lavou prato, fez café, foi garçom e auxiliar de cozinha, estudou inglês e cursou cinema na Saint Martins College of Arts and Design. Ao regressar para o Brasil, fez Especialização em Cinema e Mestrado em Comunicação, ambos pela Unisinos. Nesta mesma instituição, foi professor de Documentário no Curso de Realização Audiovisual, onde permaneceu por dez anos, atuando também em disciplinas dos cursos de Jornalismo, Comunicação Digital e Publicidade. Finalizou seu Doutorado em Comunicação pela FABICO/UFRGS, com extensão na Sorbonne/Paris 3. Foi quando morou em Paris, aliás, que decidiu lançar seu primeiro livro de ficção “Na antessala do fim do mundo”. Como cineasta – diretor e roteirista – realizou mais de vinte curtas-metragens e séries de TV, além dos longas-metragens “Filme sobre um Bom Fim”, “Pra ficar na história”, “O sal e o açúcar” e “Já vimos esse filme”. No momento está lançando seu novo livro “Um certo cinema gaúcho de Porto Alegre”, resultado da sua pesquisa de doutorado, defendida em 2021. Com essas duas últimas obras, Boca pretende fechar mais um ciclo de vida e de produções. A partir daí, o destino apontará novos caminhos e, quem sabe, o convide para escrever uma coluna quinzenal para a Rede Sina seja um indício de para onde seguir.

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O dia de amanhã por Rosana Zucolo https://redesina.com.br/o-dia-de-amanha-por-rosana-zucolo/ https://redesina.com.br/o-dia-de-amanha-por-rosana-zucolo/#respond Sun, 02 Oct 2022 01:47:29 +0000 https://redesina.com.br/?p=19324 Anos atrás, quando nós, brasileiros, tínhamos crise mas esperança, uma querida ex-colega de doutorado mudou os rumos e foi viver no Maine, EUA.  Depois de algum tempo por lá, relatou-me as suas impressões acerca do forte sentido comunitário (para o bem e para o mal) da vida norte-americana ou de parte dela. E para além …

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Anos atrás, quando nós, brasileiros, tínhamos crise mas esperança, uma querida ex-colega de doutorado mudou os rumos e foi viver no Maine, EUA.  Depois de algum tempo por lá, relatou-me as suas impressões acerca do forte sentido comunitário (para o bem e para o mal) da vida norte-americana ou de parte dela. E para além do que habitual e utopicamente entendemos por comunitarismo aqui no Brasil, Nívea Bona também dizia das estratégias e dos movimentos das comunidades de ódio que se organizavam, convocando a depredar e matar os considerados diferentes.

Naquele momento, não se supunha que tal violência pudesse vingar de modo institucionalizado em solo brasileiro, apesar da imensa desigualdade que sempre imperou por aqui e dos estudos conceituais sobre a área. E não, não se trata de ignorar a violência que sempre existiu no Brasil – o país tem seus ódios incrustados profundamente em todos os aspectos de sua sociedade – mas de constatar que, desde o final de 2018, ela vem sendo instigada, autorizada, consentida e normalizada como rotina na sociedade civil.

Sim, o mundo girou à extrema direita nos últimos anos.  Os líderes mais conhecidos eleitos pela via do voto democrático são Trump nos EUA, Bolsonaro aqui (ainda), Orban na Hungria, Moraviek na Polônia e, recentemente, na Itália, Meloni cuja campanha tem o slogan “Deus, pátria e família”. Soa familiar aqui no território nacional?

O que parecia improvável ou soava quase caricato aconteceu lá e cá. Nesse giro, as palavras que sustentam o mundo democrático foram sendo esvaziadas de sentido e de poder, porque às palavras se sucedem as ações. Quando isso deixa de ocorrer, elas são esvaziadas e o silenciamento que se segue permite a outros elementos, a simulacros, ocuparem os espaços de poder.  Esvaziam-se também as instituições que deveriam representar e defender os cidadãos.

Perceber este movimento  horroriza porque nos invade um misto de indignação e impotência. Como conceber que um representante do poder público minta descaradamente, distorça os fatos, pregue a violência, faça acusações sem provas, desrespeite as pessoas e tudo fique por isso mesmo? E mais, que seja vetor desse modo de agir sem que os mecanismos legais capazes de barrar esse tipo de ação sejam acionados por quem tem competência para tanto?

Para lembrar quando começou de modo público e notório tal silenciamento da democracia, basta voltar ao golpe de 2016. Os argumentos utilizados durante a votação do impeachment de Dilma Roussef já sinalizavam a tendência. Retóricos e sem alma, priorizaram o pragmatismo fisiológico que destituiu, sem base legal, uma presidenta eleita democraticamente.

Quem assistiu a transmissão daquele acontecimento pela TV sabe que a “votação”, de fato, foi um fuzilamento público e misógino, com o atual presidente homenageando Brilhante Ustra, responsável por mais de 50 mortes e centenas de torturas durante a ditadura, como “o pavor de Dilma Roussef”. Ali já se perdia a civilidade política. Cassar o mandato da presidenta foi um golpe de estado travestido de oficialidade, sustentado também pelas discussões na sociedade civil que assumiram a retórica da legalidade.

Também assustou naquele processo, ver a racionalidade de pessoas próximas, muitas delas dotadas de inteligência acima da média, ser capturada pelo discurso retórico do pragmatismo fisiológico.

De lá para cá, palavras vazias e extemporâneas tomaram o cenário nacional como verdades absolutas e fundamentais. Foi ressuscitado o comunismo, a terra plana, o homescholling, o fundamentalismo religioso, o combate à corrupção como se nunca antes existisse. E propagam-se como discurso a permear a vida cotidiana das gentes, enquanto a estratégia do grupo no poder é o desmonte de todas as políticas públicas e a privatização desse patrimônio. E se somam a isto,  a misogênia,  a homofobia, a discriminação racial, o genocídio dos povos originários, a destruição ambiental, a perseguição aos negros, o armamento da sociedade civil e o consentimento à violência desenfreada para os policiais,  entre tantos outros horrores que ocorreram nestes quatro anos de destruição da vida brasileira.

Talvez o mais grave disso tudo, seja o risco de se ter a identidade nacional substituída por outra, cujas marcas se forjam na barbárie. Intolerância, xenofobia, acirramento das desigualdades, concentração da renda, miséria, fome, negligência, milhares de mortes são as consequências do mandato do presidente ultradireitista que ocupa o maior posto do país. Eleito democraticamente, ameaça recusar o resultado das urnas no dia de amanhã caso não seja reeleito.

Esse vácuo institucional que caracteriza os regimes ditatoriais e facistas e desumaniza as sociedades pode ou não se instalar de modo incisivo no país a partir de amanhã. Mas também é possível pensar que o tamanho da sombra é proporcional ao tamanho da luz. Assim, neste domingo, 2 de outubro, dia da eleição mais importante dos últimos tempos ao Brasil, o meu voto é o da esperança de que retomemos o processo democrático rumo a uma sociedade mais justa e  igualitária.

Não se trata de retomar um Brasil  corróido pelo atual governo, mas de reconstruir um país diferente, mais equânime, justo e com mais dignidade. Não será tarefa fácil, mas é fundamental retomar e defender a democracia.

 

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por Boca Migotto

Hoje é 7 de setembro de 2022. Há exatos 200 anos, segundo o que aprendi na escola, Dom Pedro I erguia sua espada às margens do riacho Ipiranga e gritava: “Independência ou Morte”.

Esse ato bravio de coragem e desprendimento, então, fez do Brasil um país livre de Portugal. Quando criança, na escola, já me soava inverossímil nossa independência ter nascido de um ato tão banal, no meio do mato e longe de tudo e de todos. Mas o que poderia uma criança argumentar frente aos fatos e professores? Na minha época – papo de velho – o que os professores diziam era verdade inquestionável e, questioná-los, um ato de insurreição penalizado, muitas vezes, com a famigerada “ida à sala da diretoria”. Para tornar tudo um pouco mais dramático, os livros didáticos que me introduziram na educação formal foram escritos durante a ditadura militar e os professores que me ensinaram haviam sido formados pelo mesmo regime.

Passados quase 40 anos, hoje sou eu quem escreve. Não para estudantes ginasianos – ou fundamentais, para me mostrar mais contemporâneo – mas para quem quiser me ler, aqui, através do site da Rede Sina, ou nos livros e filmes que eu (ainda) me meto a produzir. Para a Rede Sina, no entanto, escrevo a cada 15 dias e, geralmente, o tema sobre o qual decido discorrer surge com relativa facilidade. Não sei se por que eu estava envolvido com o lançamento do meu segundo livro, “Um certo cinema gaúcho de Porto Alegre”, ou com o lançamento do documentário, “A próxima estação de Tabajara Ruas” mas, desta vez, estava com sérias dificuldades para decidir sobre o que escrever.

Uma jornalista de quem gosto muito, a Mariliz Pereira Jorge, além de colunista da Folha de São Paulo, tem um programa no Canal Meio, no YouTube, que se chama [no Brasil] “De tédio a gente não morre”. Todo dia, uma “BOMBA”, algo “EXCLUSIVO” ou, ainda, “URGENTE”. E sempre assim, em caixa alta. Penso que, talvez, a profusão de notícias também contribuiu com minha indecisão temática. É tanta novidade velha para atiçar nossa adrenalina que, embora não me deixe morrer de tédio, fico com certa preguiça de decidir sobre o que escrever. Afinal, por que escrever se tudo já foi ou está sendo escrito?

Por isso, pensei, então, em começar este texto discorrendo sobre o bloqueio criativo. Nada mais clichê, confesso. Discursaria sobre o vazio da alma, sobre as angustias do escritor sem tema, mergulharia na retórica do papel em branco, descreveria o silêncio soturno da velha máquina de datilografar e, voilà, tudo estaria resolvido.

Foi quando me caiu a ficha que deveria escrever sobre os 200 anos da(s) independência(s) do Brasil. Assim, no plural, afinal, se houve mesmo uma independência, essa não se resume a apenas uma, mas, sim, muitas. Coincidência ou não, foi ao decidir o tema desta coluna que me dei conta sobre o quanto ando lendo de Brasil. Recentemente, após devorar o livro “O ovo da serpente”, da Consuelo Dieguez, e enquanto aguardo ansiosamente o lançamento do livro da jornalista Juliana Dal Piva, “O negócio do Jair – a história proibida do clã Bolsonaro”, retomei – e agora com empolgação – o intenso e profundo “Diálogo Possível”, do ensaísta Francisco Bosco. Meu interesse pelo Brasil contemporâneo, no entanto, não exclui revisitar a história deste jovem senhor que completa dois séculos de autonomia (?) política. Laurentino Gomes, Marco Antônio Villa, Lilia Schwarcs, Celso Furtado, Gilberto Freyre, Lira Neto, Sérgio Buarque de Holanda, Jessé Souza, Márcia Tiburi, Fernando Morais, são alguns autores que passaram – e alguns repassaram – sobre minha cabeceira este ano, compartilhando o espaço e a alternância com escritores como Jeferson Tenório, Paulo Scott, José Falero, entre outros. Nessa celeuma literária, até Olavo de Carvalho ando a fim de visitar. Afinal, essa semana, o cara virou nome de rua na minha cidade, Porto Alegre. Rua Filósofo Olavo.

Brincadeiras à parte, não se trata apenas de ler, mas de mergulhar o mais profundo possível na alma desse país tão controverso. Nesse pulo sem paraquedas, compreender melhor a escravidão, nossa principal chaga e responsável direta pelo nosso permanente estado de atraso cívico, é minha principal obsessão. Nesse sentido, o livro do Francisco Bosco nos ajuda a compreender o Brasil contemporâneo através de uma reflexão profunda e sem concessões. Segundo ele – mas não só – é determinante, na nossa constituição como nação, o fato de não termos tido marcos políticos e sociais que estabelecessem momentos decisivos para/na nossa história. Quer dizer, não temos a nossa “Revolução Francesa” ou nossa “Guerra de Secessão”.

Nossa “Independência ou Morte” foi pintada por Pedro Américo, sob encomenda, 64 anos após o grito surdo de Dom Pedro I às margens de um riacho Ipiranga longínquo e isolado. Levou dois anos para o quadro ficar pronto e, desde os cavalos, passando pela indumentária dos soldados e a fisionomia heroica do Imperador, tudo é uma Fake News, para usar um conceito atual. Quanto muito, uma representação épica de um evento prosaico. Na verdade, sabemos que o cavalo de Dom Pedro era uma “magnífica mula baia”, que o evento não foi testemunhado por tantos militares, muito menos trajados como quem vai a uma festa no palácio, e que Dom Pedro estava sofrendo de uma terrível diarreia desde que saíra de Santos e, portanto, sua expressão varonil é pura ficção. Pior, recai sobre o próprio pintor acusações de ter plagiado os pintores franceses Jean-Louis Ernest Meissonier e Horace Vermet quando estes retrataram Napoleão III nas batalhas de Solferino e Friedland.

Nossa Proclamação da República tampouco deixa de ser uma grande farsa. Se deu através de um Golpe Militar, ocorrido, dentre vários motivos, principalmente em resposta à insatisfação da elite brasileira à Abolição da Escravatura ocorrida um ano antes, em 13 de maio de 1888.

Segundo o historiador José Murilo de Carvalho, o golpe foi acompanhado por “um povo bestializado” e totalmente alheio ao evento liderado por um doente e enciumado Marechal Deodoro da Fonseca. Chega a ser uma piada – embora, se tratando de Brasil, bastante coerente – saber que o fato determinante para que o enfermo militar deixasse sua cama, vestisse seu complexo traje de Marechal, pendurasse suas medalhas e montasse seu cavalo para dar o golpe tenha sido a descoberta de que o novo Presidente do Conselho de Ministros do Império viria a ser Gaspar Silveira Martins, rival de longa data, com quem Deodoro disputara, no Rio Grande do Sul, – e perdera – o amor da Baronesa do Triunfo. Não menos irônico é a constatação histórica, através de cartas e documentos da época, de que Dom Pedro II, embora Imperador por 49 anos, tivesse uma alma republicana enquanto Deodoro da Fonseca, o “pai da república”, ao contrário, fosse um monarquista convicto.

Por fim, mas não menos lastimável, foi a transformação de um ordinário dentista de Minas Gerais em herói nacional. Para os positivistas que embasaram a recém proclamada república, era primordial personificar a identidade republicana brasileira através da construção de um mito unificador. Nesse sentido, a figura de Joaquim José da Silva Xavier se mostrou adequada. Na verdade, embora não tenha tido papel central na Inconfidência Mineira, quando capturado, Tiradentes foi íntegro o suficiente – ou ingênuo demais – para assumir, para si, a responsabilidade pela sublevação enquanto os demais integrantes do movimento, mais importantes que ele, limitaram-se a se acusarem mutuamente para escaparem da morte ou do degredo. Foi assim que, a partir da república, surgiu a imagem de um Tiradentes de barba e camisolão, à beira do cadafalso, pintado à imagem e semelhança de um (quase) Jesus Cristo. Historiadores, entretanto, são unânimes em afirmar que, na época, para evitar a proliferação de piolhos, os presos – e Tiradentes passou três anos preso antes de ser executado – tinham a barba e o cabelo raspados. Portanto, já começa na longa barba ruiva de Tiradentes, pintada por Francisco Aurélio de Figueiredo e Melo, no seu “Martírio de Tiradentes” ou por Pedro Américo – ele de novo – no ainda mais famoso, “Tiradentes Esquartejado”, a invenção do nosso principal herói nacional. Dessa forma, nem a Independência, a Proclamação da República e, muito menos, nosso principal herói, contribuíram com a constituição de um Estado-Nação reconhecido por brasileiros e brasileiras. Nossos mitos fundantes são uma fraude, empurrados de cima para baixo, a fim de justificarem as manipulações mais espúrias de uma elite (sempre) sedenta por poder e dinheiro.

É a partir desta constatação que Bosco defende, na falta de algo mais honesto, a Cultura Popular como a argamassa que nos une – ou nos unia – como brasileiros. O carnaval, a canção popular – onde destaca-se, sobretudo, o samba – e o futebol são – ou eram – nossa revolução nunca ocorrida, nossa luta por liberdade, nosso verdadeiro sentimento patriótico. Ainda mais revelador, é o fato de que em todas essas três expressões culturais o protagonismo do povo negro é determinante. Até por isso, é claro que esta Cultura Popular sofreu enorme resistência por parte das classes dominantes e da elite intelectual que sempre buscaram fazer do Brasil um puxadinho euro-tupiniquim. O carnaval, a música popular e até o futebol, trazido da pálida Inglaterra por homens brancos, superaram essa resistência, atravessaram as classes sociais, transpassaram, até onde foi possível, os preconceitos, e se constituíram na argamassa que, por muitos anos, uniu o povo brasileiro e, inclusive, fez desta cultura a marca do Brasil internacionalmente. No entanto, Bosco nos diz que faltou realizar, na dimensão socioeconômica, aquilo que fizemos na dimensão da Cultura Popular. Infelizmente, “[…] na história brasileira mais recente, o momento mais dramático de tentativa de forçar os limites desse arranjo terá sido a proposta das reformas de base por João Goulart, que impulsionaram o golpe de 1964”. Ou seja, quanto mais próximos chegamos de finalmente virarmos a chave da nossa desigualdade endêmica, novamente os militares – associados a empresários e à grande mídia da época –, decidiram por nós o que era melhor para o país. Para piorar, aos poucos o carnaval foi institucionalizado, encaixotado e vendido pela Rede Globo, a música deturpada pela Indústria Cultural, ao ponto de, hoje, (quase) toda ela, nas rádios, se resumir, basicamente, ao Sertanejo Universitário e, por último, o futebol, esse negócio “padrão FIFA”, passou a ser acessível aos pobres somente através da TV aberta. Tudo isso, claro, diz muito sobre o Brasil que, hoje, chega aos seus 200 anos de independência(s) sequestrado por uma milícia institucional.

Ora, a democracia, por si só, demanda justiça social, demanda ações para aplicarmos à vida real aquilo que está escrito na nossa Constituição Federal. No entanto, isso não ocorre no Brasil. Na sua essência, nunca ocorreu.

E, portanto, o brasileiro nunca chegou perto de uma democracia plena. Por isso, o Brasil segue sendo um lugar extremamente injusto socialmente, onde também a justiça não chega aos mais pobres. Pretos e pobres jamais foram reparados pela democracia brasileira e, ao mesmo tempo, foram escanteados daquilo que lhes era legítimo. Quando isso esteve mais próximo de acontecer, com redemocratização, e a sociedade teve a oportunidade de demandar, minimamente, o devido reparo sócio-histórico, a direita retrógrada, mais uma vez, reagiu. Nesse sentido, o ano de 2013 é simbólico. Foi quando a direita roubou das esquerdas a pauta – além das ruas – que deu origem às manifestações daquele ano e, a partir dai, fez eclodir o adormecido ovo da serpente. “Chega de concessões” – dirão os conservadores. O povo – “bestializado e inerte” – nunca foi integrado a esse país, salvo para servir como mão de obra escrava. Aqui, então, fica a pergunta: como dialogar nesse palco onde, de um lado, milhões de pessoas clamam por um prato de comida e, de outro, descendentes das velhas capitanias insistem em manter seus privilégios hereditários? No momento quando as máscaras de um apartheid dissimulado caem por terra, ainda é possível dialogar?

É verdade, ainda segundo Bosco, que após a ditadura militar a direita não foi “convidada” a debater a nova democracia que se estabelecia. Pudera, esta direita estava associada ao próprio estado de exceção. No entanto, questiona o autor, para haver diálogo possível este não deveria se dar entre antagônicos? Afinal, uma democracia também é construída a partir do contraditório, desde que estes, obviamente, estejam, todos, do lado da democracia. É por isso que, se há algo de bom neste momento histórico o qual vivemos, sob intenso bombardeio da extrema-direita ao estado democrático de direito, e após percebermos que pouco mais de 30 anos de governos de centro-esquerda – e não venham me dizer que o PT foi um governo de esquerda – não foram suficientes para garantir a estabilidade da própria democracia, é que faltou dialogar. E muito. Mas, novamente, fica a questão que dá título ao livro de Bosco: esse diálogo é possível?

Nesse país injusto, o preto e o pobre não podem errar. Mesmo quando não erram correm o risco de serem acusados, condenados e presos. O Partido dos Trabalhadores, no poder, foi um pouco disso. Ao PT não lhe era permitido “escorregões idiotas em dias de sol”. Isso representaria sua morte. E o próprio Lula sabia disso, tanto que fez tal observação em seu discurso de posse quando eleito pela primeira vez. Ao mesmo tempo, nesse país historicamente dominado por conchavos de colarinho, como promover justiça social sem jogar o mesmo jogo já jogado há séculos? Aceitar o jogo que já está estabelecido significa aceitar que a corrupção existe, é um fato, e que é preciso utiliza-la em nome de “objetivos nobres” como um Bolsa Família, um PROUNI, um Minha Casa Minha Vida. Do contrário, é preciso ser muito ingênuo – ou ignorante – para acreditar que o Congresso aceitaria aprovar projetos assim transformadores, como os citados acima, apenas pelo bem do povo brasileiro. Mas os fins não justificam os meios e o PT não podia errar. Tanto é verdade que, assim quando possível, aquele mesmo Congresso abriu um processo de impeachment contra uma presidenta honesta, eleita democraticamente, e sobre quem nenhum crime se comprovou, afastando-a do Palácio do Planalto através dos votos de um bando de homens (quase todos) brancos, ricos, e sobre os quais, estes sim, recaíam todos os tipos de acusações.

Após esse equívoco histórico, ocorrido em 2016, a elite apertou o botão do “foda-se” e, desde então, decidiu gozar o máximo possível, roubando – ainda mais, cada vez mais – tudo que essa terra (ainda) pode(ria) oferecer.E “foda-se” se o país acabar. Sempre haverá Miami.

Nesse sentido, quem não pode roubar o estado quer roubar o vizinho. O homem machista, heterossexual, quer gozar sobre a mulher que sempre subjugou. O motoqueiro quer gozar quebrando as regras de trânsito e sair por ai em “motociatas” sem capacete, ultrapassando o sinal vermelho e acelerando acima do limite permitido. Outros querem gozar com suas armas, atirando contra índios, negros, gays, mulheres e petistas. E, quando isso não for possível, que seja em javalis, perdizes e alvos com a foto do Lula. O importante é gozar, como se não houvesse amanhã. Exatamente como faz Bolsonaro, o símbolo maior dessa distopia sem ponto de retorno. E, talvez, para melhorar, seja mesmo necessário piorar muito.

Ainda não terminei de ler o livro, por isso, não sei se o autor defenderá que um diálogo é, de fato, ainda possível. Sei que, teoricamente, este sempre é viável. No entanto tenho dúvidas sobre o quão eficiente é dialogar com aqueles que apenas querem gozar. Aqui a polarização é entre a razão e o instinto mais básico. Para dialogar é preciso racionalizar e, mais do que nunca, estamos percebendo que o Brasil não racionaliza. No seu livro, Bosco ainda diz que para um debate ocorrer é preciso que os debatedores entrem nele dispostos a se transformarem em algum nível. Mesmo que minimamente, é necessário que o debate, por meio do diálogo, transforme os pensamentos. Quando entramos num debate reticentes a nos transformarmos e dispostos a, apenas, transformar os demais debatedores, é porque esse diálogo já não faz o menor sentido.

Hoje, 7 de setembro, comemoramos 200 anos de um Brasil teoricamente livre e independente. No entanto, em vez de cultura e debate sobre o que significa essa data, o que veremos – publico esta coluna na manhã do feriado – é mais um carnaval golpista. Um gozo coletivo em nome da mais impressionante irracionalidade ético-moral. No entanto, não deixa de ser apenas mais um capítulo dessa lamentável novela de independência e morte onde o diálogo possível serviu, acima de tudo, para gerar uma entidade chamada “Centrão”. Quem sabe, antes do diálogo possível, ainda nos é necessário uma “Revolução Francesa” para chamarmos de nossa. Enquanto isso, seguirei por aqui, escrevendo a cada quinze dias, em busca de um diálogo possível com todos vocês. Mesmo que me falte inspiração. Afinal, no Brasil ninguém morre de tédio.

I. BOCA MIGOTTO

I., de Ivanir, Boca Migotto é cineasta, pesquisador, fotógrafo e escritor. Publicitário formado pela Unisinos, cedo se deu conta que estava na área certa – a Comunicação – mas no curso errado. Formado, então, largou tudo e foi para Londres. Nos dois anos que permaneceu na Inglaterra fez de tudo: lavou prato, fez café, foi garçom e auxiliar de cozinha, estudou inglês e cursou cinema na Saint Martins College of Arts and Design. Ao regressar para o Brasil, fez Especialização em Cinema e Mestrado em Comunicação, ambos pela Unisinos. Nesta mesma instituição, foi professor de Documentário no Curso de Realização Audiovisual, onde permaneceu por dez anos, atuando também em disciplinas dos cursos de Jornalismo, Comunicação Digital e Publicidade. Finalizou seu Doutorado em Comunicação pela FABICO/UFRGS, com extensão na Sorbonne/Paris 3. Foi quando morou em Paris, aliás, que decidiu lançar seu primeiro livro de ficção “Na antessala do fim do mundo”. Como cineasta – diretor e roteirista – realizou mais de vinte curtas-metragens e séries de TV, além dos longas-metragens “Filme sobre um Bom Fim”, “Pra ficar na história”, “O sal e o açúcar” e “Já vimos esse filme”. No momento está lançando seu novo livro “Um certo cinema gaúcho de Porto Alegre”, resultado da sua pesquisa de doutorado, defendida em 2021. Com essas duas últimas obras, Boca pretende fechar mais um ciclo de vida e de produções. A partir daí, o destino apontará novos caminhos e, quem sabe, o convide para escrever uma coluna quinzenal para a Rede Sina seja um indício de para onde seguir.

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