por Boca Migotto
Estamos na última semana antes do segundo turno da eleição mais importante do planeta.
Isso significa dizer que já vai fazer quase quatro semanas que não escrevo essa coluna, uma vez que a última publiquei na semana após aquele trágico e assustador primeiro turno. Ao longo desses longos dias, praticamente não consegui trabalhar, ler, escrever, me concentrar, respirar direito. Passo o dia angustiado, ligado nas notícias, querendo ver o que há de novo. E sempre há algo de novo. Até o Twitter passei a utilizar, depois de treze anos – olhem ai, fui fazer o cálculo e deu 13, um sinal? – sem ter levado essa rede social a sério.
Domingo, estávamos todos desligados da política e das redes sociais, fazendo um churrasco, tomando algumas cervejas, contando velhas histórias. Então, alguém – provavelmente eu, confesso – peguei o celular e vi a notificação: “BOMBA: Roberto Jefferson recebe a PF a tiros e granadas”. Pronto, o mundo caiu, as pessoas pegaram seus celulares, eu liguei a TV na Globo News, e a pauta da conversa virou do avesso. Das velhas histórias, todos nós passamos a especular e roteirizar os próximos passos do bolsonarismo. Não sabemos mais o que é curtir um dia pacato e tranquilo. Mesmo que Bolsonaro perca as eleições, no próximo domino, precisaremos nos desintoxicar para tentarmos voltar ao novo normal. “Se” ele perder, afinal, as pesquisas estão dando empate técnico já há semanas.
Depois de tanto criticar os negacionistas durante a pandemia, agora sou eu que me vejo no papel de negar o vírus. Mesmo depois de tudo que Bolsonaro fez, ou ainda pior, tudo que ele NÃO fez, o cara tem chances de se reeleger. Quantas pandemias significará um novo governo Bolsonaro? Confesso que, no dia-a-dia, toda vez que esse pensamento cruza pela minha frente, viro para a esquerda e faço de conta que não o vi. Mais ou menos como a gente faz quando passa por alguém que não gosta, mas a educação, por princípio, nos obriga a cumprimentar. O melhor seria atravessar a rua, quanto muito dar um ”tchauzinho”. Mas nem sempre isso é possível. No entanto, se há algo bom com o avanço da idade é que passamos a já não nos importarmos mais em sermos tão educados com quem não merece. Quando jovem me sentia mal em não cumprimentar um conhecido, por mais que, lá no fundo, o detestasse. Culpa cristã, talvez. Mas o tempo passou, e hoje me faz bem virar a cara, olhar para frente e mirar, convicto, os meus princípios.
Já faz um tempo, passei a praticar isso com os fascistas emergentes os quais, ao longo da vida, tolerei piadinhas racistas ou homofóbicas em nome de uma irreal “amizade de infância”. Algo, assim, libertador.
Aos poucos, no entanto, fui ampliando o grau de atuação. Hoje, todo defensor, eleitor ou simpatizante de Bolsonaro foi cortado das minhas relações, sejam pessoais ou virtuais. Bolsonarista, no meu quintal, não se cria. Quando passo por um, pelo corredor do prédio, por exemplo, simplesmente o ignoro, como se essa pessoa, homem ou mulher, não existisse. Fascistas nunca mais.
Noite passada, para descontrair (!?), assisti ao filme Argentina, 1985 (Santiago Mitre, 2022). Chorei como uma criança com a saga dos promotores públicos Julio Strassera e Luis Moreno Ocampo, que ousaram investigar e processar os generais argentinos responsáveis por mais de trinta mil mortos e desaparecidos durante a ditatura militar. Chorei por aquelas mães, pais e vítimas da repressão militar. Chorei porque eles tiveram a coragem de fazer aquilo que nós, brasileiros, nem de leve conseguimos levar adiante. E quando tentamos, no governo Dilma Rousseff – tinha que ser uma mulher para ter essa coragem – através da Comissão da Verdade, os militares de hoje, filhotes daqueles de ontem, claro, não gostaram. Chorei também porque temos, como Presidente, um desses filhotes renegados que, lá está, porque esses militares descornados o apoiaram. Haja viagra e prótese peniana para justificar tanta voz grossa. Mas chorei, mesmo, de verdade, porque esse cara tem quase 50% dos eleitores desse país pensando em votar nele. E aí não posso deixar de perguntar, que porra de país é esse?
Por tudo isso, nessa semana derradeira, me sinto como se estivesse no Titanic, quando a arrogância e a prepotência de um capitão significou a morte de 1.517 pessoas. Assim como no Titanic, a luta de classe também está bastante evidenciada nessas eleições.
Pobres para um lado, ricos – ou aqueles que assim se enxergam – para outro. No Titanic, os pobres, claro, morreram em maior número que os ricos os quais, como sempre, contaram com seus privilégios para salvarem seus rabos. E qualquer associação possível com a pandemia – e quem estava no seu comando – não é mera coincidência. No entanto, pobres ou ricos, todos perderam alguma coisa. Não por acaso, foi durante o naufrágio do Titanic que foi criado o código S.O.S. Save our Souls – salvem nossas almas – pois todo o resto já perdemos.
No próximo domingo temos a oportunidade de vencermos o fascismo. De vencermos o ódio de classe. De resgatarmos nossa bandeira e de salvarmos nosso país. E é bom que assim o façamos, pois, como disse lá no início desse texto, esta é a eleição mais importante do planeta. Salvar o Brasil significa, também, e sobretudo, salvarmos a humanidade de um genocida que já provou do que é capaz. Portanto, que possamos salvar nosso país, nosso planeta e as almas de todos que aqui vivem, viveram e ainda virão a viver. Nosso futuro depende, antes de qualquer coisa, dessa primeira vitória. E que seja de lavada.
I. BOCA MIGOTTO