Arquivos REDE SINA - Rede Sina https://redesina.com.br/tag/rede-sina/ Comunicação fora do padrão Thu, 02 May 2024 21:49:50 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.4.4 https://redesina.com.br/wp-content/uploads/2016/02/cropped-LOGO-SINA-V4-01-32x32.jpg Arquivos REDE SINA - Rede Sina https://redesina.com.br/tag/rede-sina/ 32 32 MAR ABERTO | A Enchente de 1941 vista (e mostrada) pela Revista do Globo https://redesina.com.br/mar-aberto-a-enchente-de-1941-vista-e-mostrada-pela-revista-do-globo/ https://redesina.com.br/mar-aberto-a-enchente-de-1941-vista-e-mostrada-pela-revista-do-globo/#respond Thu, 02 May 2024 21:46:03 +0000 https://redesina.com.br/?p=121107 por Boca Migotto Fazia tempo que não conseguia escrever para a Rede Sina. O ano começou e foi me levando junto, quase como numa enxurrada, quando na incapacidade de tomar as rédeas da situação, apenas nos resta tentar manter o nariz fora d’água, respirar, e torcer para que a correnteza nos entregue a salvo em …

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por Boca Migotto

Fazia tempo que não conseguia escrever para a Rede Sina. O ano começou e foi me levando junto, quase como numa enxurrada, quando na incapacidade de tomar as rédeas da situação, apenas nos resta tentar manter o nariz fora d’água, respirar, e torcer para que a correnteza nos entregue a salvo em alguma margem seca. A analogia com a enxurrada não é para menos. Enquanto escrevo esse texto introdutório, na TV, ligada desde cedo, imagens dramáticas ilustram um Rio Grande do Sul se desfragmentando frente nossos olhos. Mais um vez, a sensação é de impotência.

A barragem da Usina Hidrelétrica 14 de Julho acabou de romper parcialmente e ninguém tem a menor ideia do que esteja acontecendo lá para os lados do Rio das Antas. Isso porque estamos todos ilhados. Quem está onde estou – Bento Gonçalves – não consegue chegar lá. Quem está lá não consegue sair. Toda a Serra Gaúcha está retalhada por pontes destruídas, estradas bloqueadas, asfaltos rachados. Nada diferente de como está praticamente todo o Estado. O cenário é de guerra e lembra, muito, o que ocorreu em Mariana ou Brumadinho. É nesse contexto que lembrei de um artigo que escrevi para a disciplina de História em Fontes Visuais, do Curso de História da PUCRS. Nesse artigo faço uma análise sobre a cobertura da lendária enchente de 1941, realizada através das páginas de uma edição extra da não menos lendária, Revista do Globo.

Era outra época, as cidades eram menores e, portanto, os prejuízos também. Mesmo assim, essa se manteve como a pior enchente do Rio Grande do Sul ao longo de décadas, muito em função de ter avançado Porto Alegre adentro, inundando as ruas do Centro da capital. Ainda não sabemos se a enchente de maio de 2024, que está acontecendo nesse exato momento, renderá imagens tão fortes e marcantes, da capital do Estado tomada por águas e barcos, como ocorreu na primeira metade do século passado. Mas, infelizmente, nesse momento já sabemos que o recorde de 1941 foi batido, com folga, pelas águas contemporâneas.

Também ainda não sabemos o que virá pela frente. O quanto as águas da barragem rompida acrescentarão à tragédia que já é a maior jamais vivida pelo Estado, se outras barragens colapsarão e o quanto tudo isso, junto, afetará a capital num futuro bem próximo. E o que tudo isso poderá significar depois que tudo isso passar e as águas baixarem. Por enquanto, então, resolvi compartilhar o artigo sobre a enchente de 1941 para quem quiser compreender melhor aquele momento. Uma coisa é certa, se lá atrás tínhamos apenas revistas, jornais e rádios para cobrir o evento, hoje, além das câmeras profissionais, os celulares fazem chegar até nossos olhos imagens surreais.

Que ao menos possamos sair dessa tragédia mais conscientes sobre nosso papel, e responsabilidades, nesse planeta. Boa leitura.

A Enchente de 1941 vista (e mostrada) pela Revista do Globo

As enchentes que atingiram o Rio Grande do Sul, em agosto e setembro de 2023, chamaram a atenção por seu poder de destruição. Cidades inteiras do Vale do rio Taquari foram devastadas pela cheia do rio, caracterizando este, segundo a imprensa, como o maior desastre ambiental da história do Rio Grande do Sul. Que o diga a pequena Roca Salles, praticamente devastada pelas águas revoltosas do Taquari. Em Porto Alegre, onde o Guaíba recebe as águas de cinco grandes afluentes, inclusive do próprio rio Taquari, no final do mês de setembro as compotas do famigerado Muro da Mauá tiveram de ser fechadas. Isso tudo provocou o imaginário da população, ainda traumatizada pela enchente de 1941, e me fez lembrar das entrevistas que realizei, como roteiristas e diretor, para o documentário Rio das Antas – Vale da Fé, em 2008, para a RBS-TV. Naquela ocasião, diversos personagens comentaram sobre a enchente de 1941, quando as águas dos rios Antas-Taquari levaram casas na região enquanto, na capital, as águas do Guaíba deixaram o centro da cidade completamente inundado. Quer dizer, assim como se repete agora, em 2023, também em 1941 a enchente se deu através da mesma dinâmica. O Guaíba é passagem obrigatória das águas de, ao menos, quatro importantes rios gaúchos – Gravataí, Sinos, Caí e Jacuí, sendo que o Jacuí recebe as águas do, já grandioso, Antas-Taquari – antes que elas corram para a Lagoa dos Patos e, de lá, para o oceano. Portanto, as mesmas águas que atingem as cidades margeadas por estes rios que desaguam no Guaíba, a priori, anunciam o que estará por ocorrer na capital, alguns dias depois.

Na época da grande enchente de 1941, o mundo estava em guerra (1939-1945) e, em abril, portanto, um mês antes de Porto Alegre ser engolida pelas águas do Guaíba, Adolf Hitler comemorava 52 anos de idade tendo praticamente toda a Europa sob seus pés. Faltava, contudo, tomar a Inglaterra. Nesse momento, o Brasil ainda se dizia neutro e seguia longe do conflito, mas os Estados Unidos viviam um dilema, uma vez que eram pressionados, pelos aliados europeus, a enviarem tropas para o velho continente a fim de contribuírem com a resistência inglesa. Se o Reino Unidos caísse, toda a Europa estaria nas mãos do nazismo. Já em Porto Alegre – essa província longe demais das capitais – os cinemas localizados na rua da Praia, apelidada de “Pequena Broadway”, atraiam os habitantes para o centro da cidade. Por aqui, ao contrário da Europa, naqueles dias o clima era de Festa. O Brasil era governado pelo gaúcho Getúlio Vargas, que acabara de completar 61 anos em 19 de março. Fato que mereceu uma comemoração oficial no Teatro São Pedro. A população de Porto Alegre, naquele ano, segundo o Censo de 1940 realizado pelo IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, era de apenas 272 mil habitantes e a vida intelectual da pequena capital do Rio Grande do Sul girava em torno da Revisa do Globo, na época, uma das maiores editoras do Brasil.

Foi mais ou menos nesse contexto que teve início a maior tragédia da história de Porto Alegre. Segundo o jornalista e escritor, Rafael Guimaraens (2023), em seu livro A enchente de 41:

[…] as chuvas chegaram com a Páscoa de 1941. A partir da quinta-feira santa, 10 de abril, uma sequencia de dias chuvosos afetou vários municípios do interior do Rio Grande do Sul, alagou lavouras, mas não chegou a perturbar a tranquila e festiva Porto Alegre. (2023, p. 13).

Claro, assim como está ocorrendo este ano, por receber as águas dos seus quatro afluentes, a região metropolitana é quase a última região a sentir os efeitos das chuvas. Importante ressaltar, ainda, que o fenômeno climático conta com o vento Sul, responsável por represar a Lagoa dos Patos e não permitir que todo o volume de água escoe para o oceano. Naquela época, ambos fenômenos se encontraram mas, diferentemente de hoje, havia bem menos casas e pessoas para as águas levarem consigo. Na região do Vale do Taquari, algumas das cidades de hoje, ribeirinhas ao rio e que sofreram com as cheias, ainda nem existiam. Outras, como Lajeado, Estrela e Encantado ainda eram pequenas vilas. E mesmo Porto Alegre, como vimos, a população ainda não chegava a 300 mil habitantes. A Porto Alegre de 2023, entretanto, mais que quadruplicou sua população. Hoje, são 1.332.570 pessoas, segundo o Censo de 2022. Por isso, da mesma forma como ocorreu na região do Vale do Taquari, uma enchente como aquela de 1941 seria ainda mais dramática, caso atingisse a capital. Não por acaso a mídia oficial e as redes sociais repercutiram freneticamente imagens do acumulo de água no Rio Guaíba. A população ficou apreensiva e as compotas do Muro da Mauá foram fechadas pela prefeitura.

Nesse sentido, envolvido pela apreensão popular de uma nova cheia atingir a capital, em um momento quando a cobertura do evento é praticamente ao vivo, surgiu a ideia de tentar compreender como se deu a cobertura fotojornalística na década de 1940. Afinal, diferentemente de hoje, sabemos, naqueles anos quarenta ainda não havia televisão – esta chegou ao Rio Grande do Sul apenas no final da década de 1950 –, internet e, muito menos, redes sociais. No entanto, os veículos impressos – principalmente através do registro fotográfico – e as rádios locais, cumpriram seu papel jornalístico de cobrir a tragédia. A Revista do Globo, por sua vez, após cobrir a enchente na sua edição regular de 17 de maio de 1941, aproveitou para lançar uma edição extra, amplamente ilustrada por fotografias de diversos profissionais e amadores, cobrindo o evento nos seus mínimos detalhes. Não apenas na grande Porto Alegre, mas abordando seus efeitos, também, em Pelotas e Rio Grande sem, no entanto, se referir ao Vale do Taquari ou qualquer outra região do Estado. Algumas dessas fotografias da enchente de 1941 são bastante conhecidas. Já fazem parte do imaginário gaúcho, uma vez que são amplamente divulgadas nas redes sociais. Com a tragédia deste ano (2023), estas fotografias ícones passaram a circular com ainda mais assiduidade pela internet. Também Rafael Guimaraes, talvez por conta do apelo momentâneo, aproveitou o momento e relançou seu livro sobre a enchente o qual, inclusive, conta com uma ampla compilação de fotografias da época. Muitas destas publicadas pela própria Revista do Globo na sua já mencionada edição extra daquele ano. Portanto, para compreender o período, a fotografia, como fonte histórica, é crucial.

Para Rouillé (2009), lido através de Monteiro (2016), a fotografia não mostra simplesmente ou adere às coisas, mas designa (corpos, coisas, estado de coisas) e exprime (eventos, sentidos). “É devido à enorme capacidade de designar e exprimir que a fotografia e as mídias conseguem criar o evento a partir do que acontece de mais banal” (ROILLÉ, 2009 in MONTEIRO, 2016, p. 67). Isso apenas é possível, no entanto, se houver um diálogo entre o fotógrafo e o observador – no caso de uma revista, o leitor –, que ocorre através da fotografia, mas que leva em conta todo um amplo repertório de ambas as partes. Ainda segundo Monteiro:

[…] tanto o fotógrafo quanto o observador das fotografias lançam mão de suas iconotecas – estoque próprio de imagens dentro do conjunto de imagens socialmente partilhadas em uma determinada época – para produzir sentido e interpretar uma imagem respectivamente. (MONTEIRO, 2016, p. 67).

Nesse sentido, obviamente, também é preciso perceber o distanciamento temporal da imagem, bem como do editorial – levando em conta o caso da Revista do Globo – o qual, certamente, trará inúmeras outras percepções sobre a imagem oriunda do passado. Proença e Monteiro (2015) ajudam a explicar, ainda, que o fotojornalismo não se constrói apenas a partir do fotógrafo e seu olhar sobre a realidade mas, sim, envolve inúmeros outros atores até que a reportagem completa chegue as mãos – e olhos – dos leitores. Nesse sentido, segundo os pesquisadores, o fotojornalismo é:

[…] um conceito que abarca diversos atores e práticas fotográfica, realizado não apenas pelo fotógrafo que está na cena do acontecimento mas por um conjunto de profissionais em uam instituição vinculada ao campo da comunicação: diretores de redação, chefes de reportagem, editores de fotografia, redatores, [ou próprios] fotógrafos, diagramadores, secretários, arquivistas. O fotojornalismo pode ser compreendido como um produto do trabalho dessa equipe de profissionais mas, também, da ação de outros sujeitos sociais que tencionam este campo da comunicação, como empresários, anunciantes, políticos, censores, etc. (PROENÇA e MONTEIRO, 2015, p. 191).

Justamente por isso, é importante que o método de análise sobre essas imagens leve em conta uma contextualização histórica que deve ir além da imagem em si. Afinal, para além da fotografia, que, por sua vez, já foi construída a partir do recorte intencional de um operador-artista, através de uma aparelho – Flusser o chama de “caixa preta”– há todo um sistema voltado para o aproveitamento dessa imagem a partir de conceitos que rompem com o “simples” objetivo de “dar a ver”. Ou melhor, o “dar a ver”, na sua essência, se refere muito mais a tudo aquilo que está fora-de-quadro, ou seja, aquilo que o recorte do fotógrafo excluiu da própria imagem e, portanto, o receptor não visualiza, que aquilo que foi selecionado, clicado, revelado, editado e publicado. Por isso, para darmos conta de tal contextualização externa à imagem, será necessário, também, uma contextualização do seu tempo de produção, do artista que a realizou, de quem pagou por ela e para quem ela foi produzida. É dessa forma, inclusive, que a História está percebendo e se utilizando da fotografia como fonte visual. Possamai (2008) nos ajuda a compreender esse movimento da historiografia, primeiro ao expor que estamos ainda atrasados em relação às demais Ciências Sociais:

História como disciplina não tem apresentado o mesmo progresso que as demais ciências sociais no que se refere ao uso das fontes visuais e à problemática da visualidade. Para o historiador, lidar com fontes visuais ainda apresenta inúmeras dificuldades por este não estar equipado teórica e metodologicamente para tal. (POSSAMAI, 2008, p. 253-254)

E, num segundo momento, ao afirmar que a História tem muito a ganhar com tal aproximação dos campos tradicionais da imagem.

A sociedade das imagens, que na atualidade impõe sobremaneira o imagético sobre o escrito, faz pensar, porém, se é possível para a história abdicar desses documentos. Mais que isso, a investigação das imagens, sejam estas obras de arte ou fotografias, pode abrir para o historiador um universo a ser explorado, principalmente no campo da memória e do imaginário. (IDEM, p. 254)

Foi refletindo sobre todos esses aspectos até aqui mencionados, portanto, que surgiu o interesse em compreender a enchente de 1941 a partir do recorte apresentado pela referida edição extra da Revista do Globo. Na época, vale ressaltar, o principal veículo impresso do Rio Grande do Sul e um dos principais do Brasil. No entanto, para realizar tal estudo, levo em conta, ainda, o alerta de Meneses (2003) sobre a forma como os historiadores passaram a trabalhar com a fotografia mais recentemente. Segundo o autor:

[…] muitos historiadores têm-se preocupado com examinar as relações entre sua disciplina e as imagens. Muitos apontam a importância das fontes visuais a partir dos anos 1960, e mesmo antes, fundamentando-se na ampliação da noção já agora consolidada de documento, em História e, portanto, na abertura de novos horizontes documentais. Também se processa a assimilação de novas técnicas quantitativas e qualitativas de análise. Os exemplos que estes autores mencionam são pertinentes e as abordagens, em quase todos os casos, satisfatórias. […] No entanto, vale notar que é preciso evitar ilusões: a História, como disciplina, continua à margem dos esforços realizados no campo das demais ciências humanas e sociais, no que se refere não só a fontes visuais, como à problemática básica da visualidade [pois] o objetivo prioritário que os autores propõem é iluminar as imagens com informação histórica externa a elas, e não produzir conhecimento histórico novo a partir dessas mesmas fontes visuais (MENESES, 2003, p. 20)

Ou seja, se bem compreendi a preocupação do autor, não se trata, apenas, de utilizarmos as imagens para, a partir delas, estabelecermos relações contextuais com o externo mas, complementarmente, também mergulharmos na própria imagem, para buscarmos perceber o que esta tem a nos dizer sobre o seu próprio tempo. Assim, é necessário levar em conta que há, sim, um fora-de-quadro que complementa tudo aquilo que foi selecionado pelo fotografo e que, após todo o processo, chegou até nós. No entanto, a própria imagem em si, fala com voz própria. E vai falar muito mais se percebida em si, afinal, por que o fotografo, dentre tantas possibilidades, realizou aquele específico recorte? Dessa forma, uma vez lida em todas as suas possibilidades, ai sim, esta imagem vai estabelecer o diálogo necessário com o fora-de-quadro.

Assim, seria uma forma de revalorizar o óbvio – aquilo que vemos, ou que nos é “dado a ver” – para enxergarmos o anômalo, o atípico, o extraordinário. Para isso ocorrer satisfatoriamente, no entanto, é necessário que o historiador também se aproxime dos mecanismos técnicos e estéticos que envolvem a construção imagética, seja ela pictórica, fotográfica ou fílmica. Afinal, aquilo que media os aspectos internos e externos da imagem passa, sobretudo, pela técnica por trás dos mecanismos e pela estética construída pelo olhar artístico que, por sua vez, desta técnica, se utilizará. Quer dizer, a tarefa é simples e complexa. Sabemos o caminho para que possamos, a partir do ponto de vista histórico, nos aproveitarmos das fontes visuais, mas transita-lo demandará sofrimento, afinal, a tarefa exige um esforço redobrado. A boa notícia, me parece, uma vez referenciado pelos autores aqui utilizados, são as inúmeras possibilidades que este casamento da História com as artes visuais nos proporciona para melhor compreendermos nosso passado.

Realizada tal digressão, voltemos à Revista do Globo. Concebida em 1928 para circular, pela primeira vez, em 5 de janeiro de 1929, a publicação esbanjou vivacidade editorial até fevereiro de 1967. Segundo Ramos, “[…] em 38 anos de existência, foram 941 fascículos” (2016, p. 116) que atendiam homens, mulheres e até crianças, através dos mais variados temas abordados em suas páginas, desde a política, esportes e vida social, passando por romances, cinema, moda e artes no geral. Era uma espécie de leitura da família e, certamente, principal vitrine para os autores locais. Além disso, a Revista do Globo pode ser considerada uma das pioneiras do fotojornalismo brasileiro. Ela não foi a primeira, é bem verdade. Segundo Ramos (2016), a primeira revista brasileira a trabalhar com fotografias no sentido de construir uma narrativa visual sobre os fatos foi a Revista da Semana, que circulou no Rio de Janeiro desde 1900 até 1959. No entanto, esta época era marcada, ainda, por fotografias feitas em estúdio, limitadas às características técnicas daquele início de século XX. Já a revista O Cruzeiro, que circulou entre 1928 até 1975 – um período quando a tecnologia fotográfica já permitia sair dos estúdios e documentar o mundo através de registros instantâneos – é considerada o berço do fotojornalismo no país.

Todavia, a publicação de Assis Chateaubriand (1892-1968) não foi a única a investir em fotorreportagens. Em Porto Alegre, a Revista do Globo também o fazia, e de modo arrojado. Para ambas, os parâmetros estavam nas norte-americana Live (1936) e Look (1937). (RAMOS, 2016, p. 118).

Presença afetiva na memória cultural de Porto Alegre, a Revista do Globo, editada pela Livraria do Globo, agregou a nata dos escritores, artistas e personalidades culturais do Rio Grande do Sul, atingindo, com certa abrangência, as principais cidades brasileiras – e até estrangeiras – na época. Nos anos 1930, a Livraria do Globo era a segunda maior editora do país e, ao menos até o final da década de 1940, influenciou o universo cultural brasileiro. Assim, conforme já introduzido anteriormente, ao realizar uma pesquisa junto ao DELFOS – Espaço de Documentação e Memória Cultural da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, descobri que a enchente não apenas foi objeto de uma longa matéria na edição número 295, de 17-5-1941 – edição está que já documenta o trágico evento –, mas também foi publicada, apenas algumas semanas depois, uma edição especial (295 A) sobre a enchente. É essa edição, portanto, que me servirá de objeto para este estudo.

Figura 1: Reprodução capa. Fonte: DELFOS.

A citada edição especial da Revista do Globo conta com 121 fotografias em diversos tamanhos e formatos. Conforme reproduzida acima, a imagem escolhida para a capa, em tom sépia, ilustra o centro da cidade com a água na altura dos joelhos das pessoas que, de pé, disputam a rua com barcos de pequeno e médio porte. O título da revista, escrito em letras garrafais no topo da página, é “A grande enchente de 1941”. Abaixo, no pé da capa, complementando a chamada principal, está escrito “Narrativa e registro fotográfico do espantoso flagelo que assolou o Rio Grande do Sul”. O editorial da revista, já na página seguinte, após a capa, assinado por “Barcellos, Bertaso & Cia”, diz o seguinte:

Apresentando ao público este álbum “A GRANDE ENCHENTE DE 1941”, tivemos em mente oferecer-lhe uma visão geral do que foi o horrível flagelo que sacrificou o Rio Grande do Sul em todos os campos de sua atividade. Para isso, reunimos e coordenamos algumas reportagens fotográficas e descritivas das mais fiéis que apareceram nesta capital, acrescentando, ainda, novos aspectos desconhecidos. Outrossim, sendo este álbum, por um lado, uma lembrança da enchente de maio de 1941, para preencher plenamente a sua finalidade, oferecendo a real impressão causada pelo flagelo, resolvemos conservar a redação das reportagens, bem como das legendas, mais ou menos na forma original em que foram escritas. O leitor encontrará aqui os lindos aspectos de Porto Alegre inundada, até os campos de arroz sacrificados, desde a indústria paralisada até os quadros patéticos e quase-trágicos dos postos de flagelo.

Figura 2: Reprodução editorial. Fonte: DELFOS.

Como é possível observar na reprodução, na parte de baixo da página está listado o nome dos fotógrafos que registraram as imagens utilizadas na edição da revista. Alguns nomes são anônimos, mas outros, como Sioma Breitman, contemporaneamente já mereceram, inclusive, exposições do seu trabalho. Para além de Breitman, no entanto, podemos ler nomes como C. Conturcci e M. Kroeff, bem como um inusitado “Studio os 2”, créditos ao 3º Regimento de Aviação, um fotógrafo definido como ”anônimo”, sobre o qual recai o crédito de apenas uma única imagem, da página 9, e o nome das cidades de Cachoeira, um tal Gerson de Rio Grande, Pelotas e A. Nacional, São Paulo. Esta última fotografia não diz respeito à enchente mas à doação realizada pelo governador do Estado de São Paulo, Adhemar de Barros, que enviou o seu salário daquele mês para o povo do Rio Grande do Sul.

Passadas as devidas apresentações e creditadas as imagens aos seus devidos fotógrafos, a página 2 da Revista do Globo abre com uma imagem de página inteira na qual se vê a provinciana Porto Alegre captada de cima de um edifício, provavelmente, através da qual se pode perceber o centro da cidade, onde hoje está o Largo Glênio Peres, com o canto do Mercado Público incluído no recorte, tendo, ao fundo o Rio Guaíba. Na verdade, percebe-se que rio e cidade é uma coisa só. A água avança para dentro da mesma fazendo com que não percebamos onde começa um e termina a outra. Inusitadamente, em meio a toda essa água, vemos fumaça de um incêndio no prédio da firma Secco & Cia. Esta imagem, em preto e branco, é seguida de um pequeno texto que serve como legenda e nos informa:

[…] havia cinco dias que o Guaíba invadira Porto Alegre […] durante vinte dias e vinte noites, a chuva ininterrupta foi transformando a maior parte do Rio Grande do Sul num vasto lago, sacrificando as suas lavouras, as suas cidades, os seus campos, o seu povo. (Revista do Globo, 1941, p. 2).

Figura 3: Reprodução página 2. Fonte: DELFOS

Como numa montagem de fotonovela, essa página abre uma sequencia de outras dezenove páginas recheadas de imagens – também todas elas em preto e branco – que recortam os mais variados ângulos da cidade ajoelhada frente à força do rio. A prioridade é para as imagens, mas todas as páginas contam com legendas, ora localizando o leitor sobre a geografia da cidade, ora destacando algum fato inusitado, quase sempre reforçando e, obviamente, direcionando o olhar do leitor sobre a imagem em questão. Zita Rosane Possamai (2006) destaca o recurso estético da fotomontagem como algo bastante divulgado na década de 1920. Segundo a autora, isso:

[…] demonstra a atualização da fotografia e das revistas ilustradas em Porto Alegre com os recursos técnicos presentes em outras partes do mundo […] esse artifício foi amplamente utilizado pelos fotógrafos, como forma de representar as cidades a partir de uma nova concepção visual suscitada pelos novos meios tecnológicos recém inventados. A cidade de feições colossais e múltiplas e o ritmo imposto à vida das pessoas pelas inúmeras máquinas e procedimentos mecânicos (como os automóveis, os trens, o telefone, e mesmo a câmera fotográfica) tornaram a imagem fotográfica um modo de apreender e representar visualmente esta nova e complexa realidade. (POSSAMAI, 2006, p. 284)

Talvez por isso, mas também para destacar a enchente que atingiu a capital dos gaúchos, a maior parte das imagens são em Plano Aberto. Há um claro intuito em mostrar como a enchente foi grandiosa frente à concretude imóvel dos prédios da capital. Apesar disso, ainda há algumas poucas fotografias que denotam uma preocupação artística do fotografo. E, para uma destas imagens em específico, a legenda inclusive chama a atenção do leitor para o “detalhe artístico da enchente [quando] a objetiva apanhou um lindo panorama da Praça da Alfândega, tendo, em primeiro plano, o escuro contraste dos arabescos de ferro de uma das portas dos Correios e Telégrafos” (Revista do Globo, 1941, p. 4). A impressão que fica, inclusive, é que a legenda é utilizada quase como uma desculpa pelo fato de o fotografo ter se preocupado mais com a estética da imagem do que em, simplesmente, registrar o evento. É preciso levar em conta que essa dinâmica construída a partir da reportagem da Revista do Globo está em sintonia com o fotojornalismo, um gênero jornalístico que visa construir a reportagem a partir da força da imagem captada pela tecnologia fotográfica.

Alguns pequenos títulos são utilizados para chamar a atenção do leitor sobre as imagens. Na mesma página 4 onde vemos a fotografia artística realizada de dentro dos Correios e Telégrafos, o título é “Três recantos inundados”. Já a página seguinte, que conta com imagens aéreas do centro da idade, o título é “A enchente vista dos ares”. As imagens feitas pelo Regimento de Aviação seguem nas duas páginas seguintes, tendo os títulos “Zonas populosas atingidas pelas águas” e “Os que perderam tudo” como elemento gráfico para direcionar o olhar do leitor. Então, por mais quatorze páginas os registros seguem, inaugurados pelo título “Outros aspectos da enchente”.

Figura 4: Reprodução página 4. Fonte: DELFOS

 

Figura 5: Reprodução página 5. Fonte: DELFOS

Ao longo dessas páginas vemos, então, recortes inusitados de uma cidade que, ironicamente, reflete sua beleza nas águas paradas. Uma versão singular para a “Estética da Guerra”. Então, um homem conduz seu barco em meio à Rua da Praia como se estivesse em um canal de Veneza. Um remador corta uma praça com seu barco de competição. Dentro das lojas e empresas, trabalhadores com água pela cintura tentam salvar seus produtos e mercadorias. E as luzes da cidade, bem como os letreiros luminosos dos cinemas, bares e restaurantes, refletidos na água, tornam quase impossível discernirmos se a foto não está de ponta-cabeça. “Como se fosse Veneza” é o título da página 12 que vêm com duas grandes imagens. Acima vemos o Mercado Público também refletido nas águas paradas e abaixo vemos uma ambulância abandonada no meio da rua que se transformou em um lago de águas paradas. É “a trágica beleza da cidade inundada”, confirma a redação da página 13, seguido de imagens menores que mostram uma criança brincando de barco dentro de um galão aberto pelo meio, ou de dois homens mostrando os peixes que acabaram de pescar em meio à rua, no centro da cidade. Afinal, trata-se de “Um espetáculo inédito em dois séculos de vida”, quando Porto Alegre substituiu caminhões, carros e ônibus por barcos e teve que construir passarelas para poder se deslocar.

Figura 6: Reprodução página 9. Fonte: DELFOS

 

Figura 7: Reprodução página 12. Fonte: DELFOS

Berger diz que “A invenção da câmera mudou a maneira como o homem via. [A partir de então] o visível passou a significar algo diferente para ele.” (1999, p. 20). Creio que esta afirmação aplica-se perfeitamente bem a forma como a Revista do Globo cobriu a enchente de 1941, que é completamente diferente de como as cheias deste ano de 2023 estão sendo documentadas, tanto pela imprensa como por pessoas aleatórias, anônimas ou não, as quais, hoje, contam com suas câmeras digitais e, sobretudo, seus celulares. Da mesma forma, seria totalmente diferente de como a mesma enchente de 1941 teria sido documentada caso tivesse ocorrida vinte ou trinta anos antes. O que há – ou haveria – de diferente entre uma hipotética enchente de 1911 ou 1921, a grande enchente de 1941 e o que está ocorrendo agora, em 2023?

Dizem que nunca atravessamos o mesmo rio duas vezes, portanto, se nem as águas são as mesmas, o que falar sobre a urbanização das cidades, as tecnologias de captação de imagens, as represas construídas ao longo de alguns destes rios, a poluição que atinge essas águas e a forma como as matas ciliares foram devastadas nas últimas décadas? Mas, sobretudo, o que dizer sobre a forma como o ser humano passou a “ver” o ambiente que o circunda? Nesse sentido, é impossível analisar a cobertura da Revista do Globo, em 1941, sem levar tudo isso, e muito mais, em conta. Por isso, também, algumas passagens da revista, na forma como a mesma documentou o evento na década de 1940, certamente não seriam bem recebidas em tempos de redes sociais. A sociedade de 1941 era mais “ingênua” em relação a como a imprensa construía suas coberturas jornalísticas. Poucos dominavam uma câmera fotográfica em um período quando até a leitura era algo para privilegiados. Assim, se para o olhar de um leitor mediano do século XXI, pode causar estranheza a forma como a Revista do Globo estabeleceu algumas relações e analogias, para o porto-alegrense daquele período histórico, se ver reproduzido nas páginas de uma revista já era, por si só, algo extraordinário.

É verdade que a revista não deixa de destacar que a inusitada beleza veneziana da capital esconde, também, os flagelados. Crianças comem sentadas no chão, em um acampamento improvisado. Uma mulher protege o pouco da mobília e pertences que conseguiu resgatar antes da água invadir sua casa. A febre tifoide se mostrava uma das preocupações das autoridades. E, a reportagem destaca que as crianças deveriam “estar em primeiro lugar”. No entanto, todo esse “realismo” apresentado ao longo de algumas poucas páginas parece variar desde algo “obrigatório” para uma reportagem que pretende documentar uma catástrofe climática, até uma espécie de “justificativa” para, logo mais, chamar a atenção dos leitores para a benevolência populista da elite porto-alegrense mediante o drama dos mais pobres. Não por acaso, percebo, após uma nova sequencia de fotografias recortando o centro da cidade tomado pelas águas, surge a imagem da primeira dama do Estado. Então, antes de chegarmos a uma sequencia de páginas que abordarão os flagelados e aqueles que mais sofreram com a enchente, quatro páginas seguintes nos lembram da dedicação e preocupação, não apenas da primeira dama, mas também das mulheres da sociedade porto-alegrense, que demonstram “o carinho típico da mulher rio-grandense” ao visitarem os alojamentos onde estão aqueles que foram deslocados de suas casas. Isso tudo, claro, na companhia do Exército Brasileiro, que presta toda a solidariedade e ajuda aos mais necessitados. Por último, ainda dá tempo de lembrar que o Palácio do Governo foi transformado no Quartel General dos Serviços de Salvamento e que, em meio à tragédia, a vida continua. “Nasceu um flagelado”, que foi batizado com o nome do Interventor Federal, Osvaldo Cordeiro de Farias, anuncia a página 25.

Figura 8: Reprodução página 13. Fonte: DELFOS

 

Figura 9: Reprodução página 14. Fonte: DELFOS

 

Figura 10: Reprodução página 16. Fonte: DELFOS

 

Figura 11: Reprodução página 17. Fonte: DELFOS

De forma semelhante, a abordagem de um jornalista soa desproposital se realizada hoje. “Eu fui um flagelado” é o título da página 26, que abre uma sequencia de dez páginas dedicadas a retratar o lado mais triste da tragédia. Esta primeira página exibe uma fotografia de pessoas – homens, mulheres e sobretudo, crianças – sentadas no chão de um “posto de socorro” que foi visitado pelo repórter Justino Martins. Abaixo do título, o subtítulo é explicativo: “o que vi, ouvi e comi num posto de socorro a flagelados, durante apenas uma noite, quando a enchente estava no auge”. O texto inicial, de meia página, fala sobre a experiência do jornalista ao lado de pessoas que precisaram deixar suas casas e recorrer a um espaço comum para se protegerem da chuva e da própria enchente. Embora a intensão possa ser boa, e para a época possa ter funcionado, lendo-a hoje, a mesma carrega nuances sensacionalistas. Isso sem levar em conta que um jornalista se colocar na condição de um “flagelado”, situação esta dramática e vivida por inúmeras pessoas que, por ele, serão expostas em sua fragilidade através da matéria, é, no mínimo, falta de bom senso. Portanto, seja um jornalista em busca de uma boa matéria, seja a primeira dama praticando assistencialismo, percebemos que o oportunismo já estava presente da Revista do Globo e, este, compunha a narrativa construída pelos editores.

Figura 12: Reprodução página 22. Fonte: DELFOS

 

Figura 13: Reprodução página 24. Fonte: DELFOS

Ao longo das páginas seguintes, então, uma montagem de pequenas fotografias, seguidas das suas respectivas legendas, levantam o cotidiano dessas pessoas. E aqui há espaço para tudo. As recomendações médicas, a espera angustiante para que as águas baixem, a moça que mesmo nessa situação se preocupa em manter-se bela, a União dos Estudantes que auxilia no cuidado com as crianças, o senhor morador da Ilha da Pintada que perdeu todas suas dezessete vacas, as crianças que se distraem com jogos de mesa, as senhoras que tomam mate enquanto conversam sobre a tragédia, a adolescente eleita “Rainha dos Flagelados”, que é fotografada lendo a Revista do Globo, o casal que perdeu sua casa recém construída e o casal que desfruta sua lua de mel após casarem, aos cem anos de idade. Essa última história, por conta da sua carga dramática, merece uma página inteira. Trata-se de Vitória Domingues, escrava que “fugiu, comprou sua liberdade e durante a enchente, aos cem anos de idade, casou com seu homem”, José Antônio.

Figura 14: Reprodução página 26. Fonte: DELFOS

 

Figura 15: Reprodução página 31. Fonte: DELFOS

Então, nas próximas páginas o repórter Abdias Silva relata os efeitos do Guaíba sobre a Ilha da Pintada. A fotografia que inaugura essa sequencia é de uma casa destruída e sob a água. Apenas o seu telhado, ou o que restou dele, é visível. Mais uma vez, uma sequencia de pequenas fotografias, seguidas por legendas, numa diagramação que novamente lembra uma fotonovela, exibe casas destruídas pela força da enchente, bem como os prejuízos causados pela cheia do rio Jacuí sobre as lavouras de arroz. A última fotografia dessa sequencia mostra um menino comendo um pedaço de pão e mirando o horizonte. A legenda estabelece uma relação direta entre o olhar pensativo do garoto e a tragédia que atingiu sua casa. Chamando a atenção para a sua “fisionomia abatida e ausente que admira, na distância em que tudo é água […] a residência dos seus pais. Mas isso é impossível, pois o seu lar desceu com as águas. FIM” (Revista do Globo, 1941, p. 35).

Figura 16: Reprodução pág. 35. Fonte: DELFOS

Um dramático “FIM”, em caixa alta, que muito pode estar referindo-se ao drama daquele menino que, ainda tão jovem, viu seu lar desaparecer nas águas, ou que pode ser lido, também, “apenas” como o encaminhamento final da reportagem sobre a enchente em Porto Alegre. Isso porque, a partir de agora, encerra-se a cobertura sobre Porto Alegre e as próximas quatro páginas reportam os efeitos da enchente no interior do Estado. Fotografias mostram que o drama porto-alegrense teve paralelo também nas cidades de Rio Grande e Pelotas. Aliás, a exemplo de 2023, quando a quantidade de água da chuva, associada ao vento Sul, provocou inundações também nessas duas importantes cidades do Estado. A reportagem da Revista do Globo reproduz imagens que muito lembram os recortes inusitados feitos na capital. A Lagoa dos Patos invade as ruas destas cidades que, por sua vez, tornam-se leitos de um rio de águas calmas, agora, transitado por pessoas em seus barcos. Para fechar a reportagem, “O senhor Ademar de Barros [então Interventor do Estado de São Paulo] ofereceu os seus vencimentos de um mês às vitimas da enchente.” (Revista do Globo, 1941, p. 36).

Com exceção à capa da revista, não há uma única fotografia colorida ao longo de toda a revista. Embora a primeira experiência com a fotografia colorida tenha ocorrido no longínquo ano de 1861, quando o físico escocês, James Clerk Maxwell, obteve uma imagem a cores ao sobrepor à ela três filtros nas cores vermelho, verde e azul, a técnica demandou décadas para que fosse assimilada pelo mercado fotográfico. Mesmo após a chegada dos filmes coloridos, muitos fotógrafos insistiram em seguir registando suas imagens em preto e branco, pois estavam acostumados à estética, linguagem e técnica da fotografia em preto e branco. Esta, inclusive, muito mais barata e acessível que a foto colorida. No caso da fotografia direcionada às publicações como revistas e jornais, é preciso levar em conta, ainda, o necessário desenvolvimento de uma tecnologia satisfatória para a impressão em papel. Por isso, segundo Tássia Caroline Zanini (2014), mesmo nos Estados Unidos isso veio a ocorrer, com mais assiduidade, apenas a partir da década de 1940.

Com a chegada do filme colorido moderno, as fotografias ganharam mais riqueza de detalhes e a possibilidade de retratar a cores com mais fidedignidade e brilho. Um dos destaques dos primeiros anos desse período é a série produzida por Alfred T. Palmer, que em 1942 retratou os trabalhadores que construíram a usina hidrelétrica de Douglas Dam, no Vale do Tennesse, Estados Unidos. Um importante registro em cores, supersaturadas, característica do filme Kodachrome e representativas da estética da época. (ZANINI, 2014, p. 4)

No Rio Grande do Sul de 1941, portanto, a fotografia colorida ainda não era uma realidade financeiramente e tecnologicamente acessível. O que ajuda a explicar que apenas a capa da Revista do Globo se utilize da cor – e mesmo assim, de forma ainda primária – para destacar-se em meio a tantas outras publicações nas bancas de revistas. Nessa capa, portanto, conforme descrito acima e reproduzido no início deste artigo, temos a imagem do centro da cidade, reproduzida em tons sépia, emoldurada por duas barras, em azul, sobre as quais foram aplicados os textos.

É preciso lembrar que a fotografia foi uma aliada na construção de um imaginário moderno sobre a cidade. Porto Alegre sempre desejou ser percebida como uma cidade contemporânea às demais grandes metrópoles do país e, até, do mundo e, nesse sentido, Possamai (2006), afirma que já desde as primeiras décadas do século XX, a capital dos gaúchos foi recortada, pelos fotógrafos, como uma cidade pujante e em pleno desenvolvimento. Esta é uma demanda histórica – e talvez, de certa forma, inconsciente – da população porto-alegrense. Isso fica claro ao longo das imagens publicadas pela Revista do Globo, conforme podemos observar nas páginas reproduzidas aqui. É preciso lembrar, ainda, que, nessa época a Revista do Globo tentava contemplar as aspirações dos gaúchos quanto à importância da sua capital e o registro das transformações arquitetônicas, destacando a construção de prédios contemporâneos à época. Não é por acaso que este foi um tema recorrente para os fotógrafos do período e a Revista do Globo, por ser uma das principais publicações do Rio Grande do Sul, seguia esses parâmetros e contribuiu, dessa forma, para a construção desse imaginário moderno sobre a cidade. Algo que, podemos observar, também acompanha a maioria dos registros sobre a enchente de 1941. Conforme Possamai, desde a década de 1920:

[…] as vistas da cidade ganharam, nas revistas, um espaço de circulação que potencializou o poder de difusão das representações ligadas à modernidade urbana, através das imagens das reformas levadas a efeito e das novas sociabilidades citadinas. (POSSAMAI, 2006, p. 283)

Portanto, tal preocupação imagética, em sintonia com uma cidade moderna que se abria ao mundo, é facilmente percebida ao longo das fotomontagens presentes na edição extra da Revista do Globo. Mesmo que esta esteja, a priori, documentando a tragédia que se abateu sobre a capital em 1941. É perceptível que há um destaque para a magnitude da enchente, obviamente, mas também está evidente que há, ao mesmo tempo, uma intensão, dos fotógrafos, em compor a tragédia em sintonia com uma cidade emoldurada por prédios imponentes. Burke (2001), lido por Possamai, diz que:

Mesmo estando de forma inexorável ligada à cena registrada, a fotografia não pode ser concebida como mimese do real. Este equívoco muitas vezes toma de assalto o historiador desavisado. Nesse sentido, é importante pensar que as fotografias não são nunca testemunhos da história, pois são, elas mesmas, históricas (BURKE in POSSAMAI, 2008, p. 255)

Quer dizer, a percepção de que há um “algo a mais” por trás do registro da referida enchente, ocorrida na primeira metade do século XX, é em si a História, uma vez que sabemos o quanto a Porto Alegre deste período buscava se consolidar como uma grande cidade no cenário nacional e, por isso, era preciso evidenciar tal estética em todas as oportunidades. Por outro lado, a cobertura fotográfica não seria satisfatória se não registrasse, também, a periferia da capital e, nesse sentido, destaca-se o contraste entre o centro e os bairros mais afastados – e mesmo a Ilha da Pintada – onde o que chama a atenção não é a grandiosidade da cidade mas, sim, a precariedade das habitações. Muitas em madeira, destruídas pela fúria das águas. De certa forma, se reproduz, já, o contraste entre as áreas mais centrais das cidades brasileiras e suas periferias, quase sempre, atingidas com maior ferocidade por eventos climáticos como este. No entanto, não deixa de ser sintomático perceber que, mesmo hoje, em 2023, devido a ameaça de uma nova enchente atingir a capital, as imagens que mais circularam pelas redes sociais foram, justamente, aquelas que ilustram o centro da cidade. Muitas vezes, a exemplo do que ocorreu com a própria matéria da Revista do Globo de 1941, associando a capital dos gaúchos à requintada e turística Veneza.

Chama a atenção, também, a forma como a revista aborda o cotidiano dos flagelados que, expulsos de suas casas, precisaram buscar refúgio nas precárias instalações que a prefeitura disponibilizou para esse fim. Os textos que complementam o registro fotográfico, percebe-se, se preocupam em contemplar as consequências da enchente. No entanto, é o poder imagético que se sobrepõe à palavra. De forma semelhante, também chama a atenção a preocupação da revista em destacar, inclusive em contraste às ações efetivas do poder público, a preocupação e o trabalho das autoridades em prol dos mais atingidos, num tom quase assistencialista e, até, populista, o qual foca mais nas personalidades – o Interventor do Rio Grande do Sul, a primeira dama e, inclusive, o Interventor do Estado de São Paulo – do que nas ações institucionais executadas pelo poder público para mitigar as consequências das enchentes.

Sobre isso, parece, muito pouco mudou. Ainda mais se levarmos em conta que, nesse momento, quando estou encerrando este texto, em 23 de novembro de 2023, mais uma vez o Guaíba avançou sobre a cidade. As compotas, novamente, foram fechadas mas, desta vez, ao contrário do que ocorreu em agosto e setembro, as algumas bombas não deram conta e a água invadiu as ruas do Distrito Industrial a partir da rede de esgotos. Mais uma vez, parece, os administradores municipais não levaram em conta a advertência das agências meteorológicas e foram pegos de surpresa com o avanço das águas. Ainda mais trágico foi o que ocorreu na região do Vale do Taquari onde, mais uma vez, as pessoas tiveram suas casas invadidas pela água. Muitas destas casas, inclusive, que haviam acabado de ser restauradas após o evento ocorrido em setembro. Por último, segundo o jornal Matinal de 21 de novembro de 2023, as doações da comunidade gaúcha à região foram perdidas por conta da nova enchente. O que demonstra que as ditas autoridades locais não se deram ao trabalho de estocar alimentos, roupas e remédios que foram enviadas para a região desde setembro e, agora, foram inutilizados por conta da nova enchente. Dessa forma, se muita coisa mudou desde 1941, também é fato que algumas coisas mudaram para pior. E percebam que nem falamos sobre as transformações climáticas que estão ocorrendo em todo o planeta por conta do aquecimento global. Os desafios para o futuro são enormes. Justamente por isso, o olhar historiográfico sobre o passado é, cada vez mais, fundamental. Afinal, a História sempre se repete, seja como farsa ou tragédia.

Bibliografia

BERGER, John. Modos de ver. Rio de Janeiro: ROCCO, 1999

BURKE, Peter. Testemunha ocular – história e imagem. EDUSC, 2005.

GUIMARAES, Rafael. A enchente de 41. Porto Alegre : Libretos, 2023. 4 Edição.

MAUD, Ana Maria. Na mira do olhar: um exercício de análise da fotografia nas revistas ilustradas cariocas, na primeira metade do século XX. Anais do Museu Paulista – São Paulo, 2005

MENESES, Ulpiano T. Bezerra. Fontes visuais, cultura visual, História visual – balanço provisório, propostas cautelares. Revista Brasileira de História. São Paulo, v 23 nº 45 pp 11-36, 2003.

MONTEIRO, Charles. História e Fotojornalismo: reflexões sobre o conceito e a pesquisa na área. Revista Tempo e Argumento, Florianópolis, v. 8, n. 17, p. 64 89. jan./abr. 2016.

POSSAMAI, Zita Rosane. O circuito social da fotografia em Porto Alegre (1922-1935). Anais do Museu Paulista. São Paulo. N. Sér. v.14. n. 1. p. 263-289. Jan-jun, 2006.

POSSAMAI, Zita Rosane. Fotografia, História e vistas urbanas. HISTÓRIA – São Paulo, 2008.

PROENÇA, Caio de Carvalho e MONTEIRO, Charles. O fotojornalismo em revista: o trabalho do fotógrafo e do editor de fotografias em Veja (1977). Revista Maracanan, vol 12, nº 14, p. 190-209, 2016.

RAMOS, Paula. A modernidade impressa: artistas ilustradores da Livraria do Globo – Porto Alegre / Paula Ramos. Porto Alegre: UFRGS Editora, 2016.

REVISTA DO GLOBO: A enchente de 1941. Edição 285 A, Maio de 1941.

ZANINI, Tássia Caroline. História da fotografia colorida: cores presentes de um passado cinzento. Universidade de São Paulo, SP. INTERCOM – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação. XXXVII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Foz do Iguaçu, PR, 2014

2 FLUSSER, Vilem. Filosofia da Caixa Preta : ensaio para uma futura filosofia da fotografia. Rio de Janeiro : Relume Dumará, 2002.

I. BOCA MIGOTTO

I., de Ivanir, Boca Migotto é cineasta, pesquisador, fotógrafo e escritor. Publicitário formado pela Unisinos, cedo se deu conta que estava na área certa – a Comunicação – mas no curso errado. Formado, então, largou tudo e foi para Londres. Nos dois anos que permaneceu na Inglaterra fez de tudo: lavou prato, fez café, foi garçom e auxiliar de cozinha, estudou inglês e cursou cinema na Saint Martins College of Arts and Design. Ao regressar para o Brasil, fez Especialização em Cinema e Mestrado em Comunicação, ambos pela Unisinos. Nesta mesma instituição, foi professor de Documentário no Curso de Realização Audiovisual, onde permaneceu por dez anos, atuando também em disciplinas dos cursos de Jornalismo, Comunicação Digital e Publicidade. Finalizou seu Doutorado em Comunicação pela FABICO/UFRGS, com extensão na Sorbonne/Paris 3. Foi quando morou em Paris, aliás, que decidiu lançar seu primeiro livro de ficção “Na antessala do fim do mundo”. Como cineasta – diretor e roteirista – realizou mais de vinte curtas-metragens e séries de TV, além dos longas-metragens “Filme sobre um Bom Fim”, “Pra ficar na história”, “O sal e o açúcar” e “Já vimos esse filme”. Em 2021 lançou seu segundo livro “Um certo cinema gaúcho de Porto Alegre”, resultado da sua pesquisa de doutorado. Neste ano de 2023 está lançando seu terceiro livro “A última praia do Brasil” pela editora Bestiário em parceria com a Rede Sina. Atualmente é graduando em História- Bacharelado na PUCRS.

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15ª SINA POÉTICA | FLORIPA https://redesina.com.br/15a-sina-poetica-floripa/ https://redesina.com.br/15a-sina-poetica-floripa/#respond Fri, 15 Mar 2024 04:19:33 +0000 https://redesina.com.br/?p=120965 TRADICIONAL SARAU DE POESIA ACONTECE NA PRÓXIMA TERÇA EM FLORIANÓPOLIS COM LANÇAMENTO DE LIVROS Na próxima terça, 19, a partir das 19h30, no Ponto Bar & Piadina, acontece a 15ª edição do tradicional sarau de poesia, Sina Poética, que desde 2018 reúne diversos escritores e artistas em livres manifestações literárias e artísticas.  O sarau que …

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TRADICIONAL SARAU DE POESIA ACONTECE NA PRÓXIMA TERÇA EM FLORIANÓPOLIS COM LANÇAMENTO DE LIVROS

Na próxima terça, 19, a partir das 19h30, no Ponto Bar & Piadina, acontece a 15ª edição do tradicional sarau de poesia, Sina Poética, que desde 2018 reúne diversos escritores e artistas em livres manifestações literárias e artísticas.  O sarau que nasceu em Santa Maria-RS, já teve edições em Porto Alegre-RS, Rio de Janeiro-RJ e terá sua primeira edição em Florianópolis.

O evento e o microfone são abertos para o público. As inscrições para leituras de poemas e apresentações artísticas são realizadas no local. Cada um tem média de 5 min para sua apresentação. Conforme o número de inscritos, são realizadas duas rodadas com intervalo de 15 min entre estas.

O evento também conta com o lançamento dos livros de poemas “Engasgos” de Mel Inquieta, idealizadora do sarau, e de “A Triste Balada dos Herculóides contra as Leis Terrenas” de Odemir Tex. Jr. Ambos da região de Santa Maria-RS.

Saiba mais sobre as obras e autores:

 

LIVRO: ENGASGOS

Engasgos é dividido em três partes onde os temas sociais se transformam em versos/manifestos. A primeira parte traz temas e referências a determinadas pessoas ou situação política do país. Na segunda parte, a abordagem é a arte, artistas suas esperanças, ruínas e resistência. Na terceira parte, a autora reflete sobre o universo feminino, suas dores e lutas. Engasgos é um livro de poemas, “manifestos longe do oco”.

Mel Inquieta (Melina Guterres). Foto: Dartanhan Baldez Figueiredo

SOBRE A AUTORA: MELINA GUTERRES (MEL INQUIETA)

É formada em jornalismo pela Universidade Franciscana-UFN. Já morou na Bahia, Pará. Rio de Janeiro, Sâo Paulo. Trabalhou para Uol, Folha de São Paulo, Estadão, Revista Istoé.  É fundadora e CEO da Rede Sina.  Engasgos é seu primeiro livro individual. Mais sobre ela em: https://redesina.com.br/melinaguterres/ Mais sobre o livro: https://redesina.com.br/livro-engasgos-de-mel-inquieta/

 

LIVRO: A TRISTE BALADA DOS HERCULÓIDES CONTRA AS LEIS TERRENAS

Anos 80, a proliferação dos televisores coloridos impondo a ascensão da idade da informação. A geração de baixinhos da Xuxa. O fim do Estado comunista da União Soviética. O renascimento da democracia por aqui. Imagem de um país à margem, mas atento às mudanças do mundo. Esse livro busca encontros, onde a reflexão sobre o tempo resgata o leitor de suas dívidas com os idos.  Há acolhimento afetivo e incômodo nessa poemática. O leitor mergulha em seu próprio passado mítico com um tom provocativo e desafiador de quem afia suas facas.

Odemir Tex Jr. no sarau Sina Poética. Foto: Dartanhan Baldez Figueiredo.

SOBRE O AUTOR: ODEMIR TEX JR.

O último da turma a aprender a andar de bicicleta.  Em 2013, lançou a obra poética Para Uma Nova Didática do Olhar (Estrela Cartonera), além de textos esparsos e dispersos em revistas, jornais etc. Formado em Letras pela UFSM, também estudou Geografia na mesma instituição. Ajunta vários prêmios literários, espalhados por vários estados brasileiros. Escreve para não cair. Mais sobre: https://redesina.com.br/livrotex/

 

 

15ª SINA POÉTICA

19/03/2024 – TERÇA-FEIRA – A PARTIR DAS 19H30

SARAU DE POESIA EM FLORIPA COM LANÇAMENTOS DOS LIVROS DE POEMAS “ENGASGOS” DE MEL INQUIETA E “A TRISTE BALADA DOS HERCULÓIDES CONTRA AS LEIS TERRENAS” DE ODEMIR TEX JR.

Ponto Bar & Piadina | R. VICTOR MEIRELLES, 138. FLORIANÓPOLIS.

ENTRADA GRATUITA

MICROFONE ABERTO | INSCRIÇÕES NO LOCAL

RESERVAS DE MESA: 48 9-9615-6859

REALIZAÇÃO: REDE SINA | www.redesina.com.br

 

 

MAIS SOBRE SARAU SINA POÉTICA:

https://redesina.com.br/sinapoetica

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DOCUMENTÁRIO RESGATA HISTÓRIA DE WALTER ILHA E A PALEONTOLOGIA NA REGIÃO DE SÃO PEDRO DO SUL https://redesina.com.br/documentario-resgata-historia-de-walter-ilha-e-a-paleontologia-na-regiao-de-sao-pedro-do-sul/ https://redesina.com.br/documentario-resgata-historia-de-walter-ilha-e-a-paleontologia-na-regiao-de-sao-pedro-do-sul/#respond Fri, 15 Mar 2024 01:34:47 +0000 https://redesina.com.br/?p=120955 Documentário aprovado em Lei Paulo Gustavo conta história de vida de pesquisador As gravações do documentário “Walter Ilha – Vestígios de uma vida” de Silnei Scharten Soares iniciaram nesta segunda, 11, em São Pedro do Sul. O documentário que narra a vida de Walter Ilha (professor, tipógrafo, paleontólogo e paleobotânico autodidata), nome do Museu Paleontológico …

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Documentário aprovado em Lei Paulo Gustavo conta história de vida de pesquisador

As gravações do documentário “Walter Ilha – Vestígios de uma vida” de Silnei Scharten Soares iniciaram nesta segunda, 11, em São Pedro do Sul. O documentário que narra a vida de Walter Ilha (professor, tipógrafo, paleontólogo e paleobotânico autodidata), nome do Museu Paleontológico e Arqueológico de São Pedro do Sul, destaca o período em que ele se empenhou pela preservação do patrimônio paleontológico da cidade.
Walter Ilha foi membro honorário da Sociedade Brasileira de Paleontologia e da Sociedade Brasileira de Paleontologia Botânica, com trabalhos prestados para o escritório regional da Unesco para a América Latina e Caribe, autor de artigos publicados em periódicos científicos, jornais e revistas do país e do exterior, palestrante em congressos nacionais e internacionais e incansável defensor da preservação dos fósseis paleontológicos do município. Também colaborou com a UFSM por meio de pesquisas e convênios. Suas ações incentivaram a criação de uma lei que tornou obrigatório o ensino introdutório de paleontologia nas escolas municipais.
O documentário deve contar com depoimentos de 14 pessoas. De acordo com o diretor, a lembrança dos fósseis é uma memória de infância. “É uma grande satisfação poder contar essa história hoje. Valorizar e não deixar ser esquecida”, afirma.
As gravações também devem ocorrer em Porto Alegre, Santa Maria e Pelotas. O projeto é financiado pela Lei Paulo Gustavo. A previsão de lançamento é julho.

Confira mais informações sobre o filme:

SINOPSE:
Walter Ilha, tipógrafo, paleontólogo e paleobotânico autodidata, era uma pessoa obstinada. A certa altura da vida, tomou para si a missão de preservar o patrimônio paleontológico e arqueológico de São Pedro do Sul, no interior do Rio Grande do Sul. Dedicou tempo e energia vital para um combate incansável à extração e transporte ilegal de fósseis paleobotânicos (madeira petrificada) do município. Nessa empreitada, fez amigos, criou uma rede de proteção aos fósseis, tornou-se internacionalmente reconhecido como pesquisador e, também, gerou resistências. Após anos de esquecimento, “Walter Ilha – Vestígios de uma vida” esfossiliza sua memória e resgata sua jornada.

ARGUMENTO:
Documentário sobre a vida de Walter Ilha, destacando o período em que se empenhou pela preservação do patrimônio paleontológico de São Pedro do Sul. Fundador do Museu Paleontológico Municipal de São Pedro do Sul – que se chama hoje, em sua homenagem, Museu Paleontológico e Arqueológico Professor Walter Ilha –, paleontólogo autodidata e membro honorário da Sociedade Brasileira de Paleontologia e da Sociedade Brasileira de Paleontologia Botânica, com trabalhos prestados para o escritório regional da Unesco para a América Latina e Caribe, autor de artigos publicados em periódicos científicos, jornais e revistas do país e do exterior, palestrante em congressos nacionais e internacionais e incansável defensor da preservação dos fósseis paleontológicos do município, Walter Ilha é um ilustre cidadão são-pedrense. A defesa veemente da preservação das jazidas e fósseis de São Pedro do Sul e da região lhe rendeu a admiração de conterrâneos, que se tornaram seus colaboradores na batalha contra o transporte e comércio ilegais da “madeira petrificada”, denunciando os crimes. As peças eram levadas clandestinamente para fora do município em caminhões lotados, com a intenção de abastecer o mercado local e internacional de objetos de decoração, que usavam os fósseis como matéria-prima. Suas constantes denúncias da depredação do patrimônio arqueológico levaram o então Departamento Nacional de Produção Mineral – atualmente, Ministério das Minas e Energia – a desistir de liberar a exportação desse material.
Walter Ilha também colaborou com a UFSM por meio de pesquisas e convênios. Suas ações incentivaram a criação de uma lei que tornou obrigatório o ensino introdutório de paleontologia nas escolas municipais. Não bastasse tudo isso, Walter Ilha ainda se dedicava a ações de filantropia, tendo colaborado com o Lar de Joaquina, em Santa Maria, e com o Lions Clube de São Pedro do Sul. Mas a luta pela preservação do patrimônio paleontológico também gerou reações contrárias e ressentimentos. A esfossilização de sua história vai resgatar a complexidade e as contradições desse importante personagem, revitalizando sua memória e seu legado.

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GRAVAÇÕES: MARÇO/2024

SÃO PEDRO DO SUL: 11,12,13, 14, 21, 22

PORTO ALEGRE: 18, 19

SANTA MARIA: 20, 21

PELOTAS: 25 

 

PERSONAGENS/ENTREVISTADOS:

Ary Otavio Canabarro dos Santos – servidor público aposentado
Luiz Francisco Flores – Chicão – proprietário do Paradouro Pôr do sol
Rubi Claro – pecuarista
Luiza Gutheil – jornalista, ex-diretora do Museu Fernando Ferrari e do Museu Paleontológico e Arqueológico Professor Walter Ilha
Editi Piussi – aposentada
Otaviano Francisco de Santana – aposentado, ex-gerente da Construtora Continental, empresa que construiu a rodovia BR 287
Almerindo Pereira Machado – Seu Almerindo – aposentado
Gilberto Porto Filho – cuidador de idosos e acompanhante de enfermos
Otávio José Binatto – médico
Adi Henrique Gaussman – contador e proprietário da Padaria Gaussman
Margot Guerra Sommer – paleontóloga e paleobotânica, professora aposentada da UFRGS
Átila Augusto Stock da Rosa – geólogo, professor da UFSM
Luiz Fernando Bresolin – aposentado, ex-sócio da empresa Madepedras
Luiz Fernando Minello – biólogo, professor da UFPEL

 

SOBRE O DIRETOR:


Silnei Scharten Soares, graduado em Comunicação Social, especialista em Produção Cinematográfica, mestre e doutor em Comunicação. Corroteirista e codiretor do curta metragem “A vida do outro” (1998), premiado nos festivais de cinema de Gramado e Brasília. Foi professor universitário de 1998 a 2017 em cursos de Comunicação e Design no Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e no Distrito Federal, ministrando disciplinas de Roteiro, Linguagem cinematográfica e História do cinema, e orientando trabalhos de produção audiovisual. Coordenou a área de vídeo do NEAD/UAB (Núcleo de Educação a Distância/Universidade Aberta do Brasil) da UNICENTRO (Universidade Estadual do Centro Oeste) no Paraná. Atualmente, atua como redator e roteirista, e desenvolve trabalho voluntário em São Pedro do Sul coordenando o Clube de leitura e o ciclo de vídeos Cine no cofre.

 

FICHA TÉCNICA:

Diretor: Silnei Scharten Soares
Assistente de direção: Laédio José Martins
Diretor de fotografia: Fabiano Foggiato
Diretor de produção: Larissa Essi
Técnico de som direto: Ronaldo Palma
Edição: Fabiano Foggiato
Making Off: Lucas Barbara
Desing: Diego de Grandi

Assessoria de Imprensa: Rede Sina |Melina Guterres

FINANCIAMENTO:

LEI PAULO GUSTAVO 2024 | MUNICÍPIO DE SÃO PEDRO DO SUL-RS

SOBRE O MUSEU WALTER ILHA
Desde sua criação, o Museu Walter Ilha é um dos pontos turísticos mais visitados de São Pedro do Sul, guardando em seus acervos alguns dos mais valiosos bens que o município possui, entre eles uma rica coleção de fósseis, réplicas e esculturas de fósseis animais são-pedrenses, além de um abundante número de fósseis vegetais (madeiras petrificadas), que datam entre 245 e 205 milhões de anos. Além de acervos Mineralógicos, onde se encontram amostras de minerais de São Pedro do Sul, do Rio Grande do Sul e de outras partes do país e Arqueológicos, com artefatos de indígenas antigos que contam muito dos costumes e da vida em sociedade ao longo da história de São Pedro do Sul.

Atualmente, o Museu Walter Ilha está localizado às margens da rodovia BR 287, na localidade da Carpintaria, a 11 km da sede de São Pedro do Sul. Mesmo com diversas mudanças o museu sempre manteve a busca por seu ideal inicial, a preservação, estudo e divulgação do patrimônio paleontológico e arqueológico são-pedrense. Para isso, além das exposições, várias atividades de cunho educativo e sociocultural são realizadas e apoiadas pelo museu.

Facebook: Museus Fernando Ferrari e Walter Ilha
Instagram: @museussps
Telefone e Whatsapp: (55) 32766145
E-mail: museusaopedrodosul@gmail.com
Site: www.dpculturasps.wixsite.com/saopedrodosul

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14ª Sina Poética anuncia Prêmio de Poesia em Santa Maria-RS https://redesina.com.br/14a-sina-poetica-anuncia-premio-de-poesia-em-santa-maria-rs/ https://redesina.com.br/14a-sina-poetica-anuncia-premio-de-poesia-em-santa-maria-rs/#respond Wed, 07 Feb 2024 14:47:48 +0000 https://redesina.com.br/?p=120828 No cenário cultural de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, a Sina Poética desponta mais uma vez como uma expressão vibrante da arte literária. Além de celebrar Iemanjá, a 14ª edição do sarau, que ocorreu na sexta-feira, 2 de fevereiro, também foi marcada pelo anúncio do 1º Prêmio de Poesia, no qual autores e …

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No cenário cultural de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, a Sina Poética desponta mais uma vez como uma expressão vibrante da arte literária. Além de celebrar Iemanjá, a 14ª edição do sarau, que ocorreu na sexta-feira, 2 de fevereiro, também foi marcada pelo anúncio do 1º Prêmio de Poesia, no qual autores e autoras nascidos ou residentes do município poderão se inscrever. A iniciativa faz parte dos projetos contemplados na Lei Paulo Gustavo.

A expectativa é que a premiação contribua para o enriquecimento cultural da cidade, incentivando a produção literária e promovendo a valorização da expressão artística. Os detalhes sobre as inscrições, critérios e premiações serão divulgados no mês de março.

Odoyá Senhora das Águas. Com este tema, a Sina Poética promoveu mais um evento para celebrar a poesia e Iemanjá, no Boteco da Maré. A primeira parte da noite contou com microfone aberto para manifestações literárias e artísticas. Na sequência, teve show com Eveliny, em ritmo de pré-Carnaval.

O sarau Sina Poética, idealizado pela Rede Sina, tornou-se uma tradição cultural na região, oferecendo um espaço acolhedor para a celebração da poesia em suas diversas formas.

A fundadora da Rede Sina, Melina Guterres que também atua como jornalista, editora e escritora, também é autora de uma das poesias que foi apresentada durante o sarau e está publicada no livro Engasgos. 

Confira como foi a 14ª Sina Poética:

 
 
 
 
 
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Show com Eveliny: 

 
 
 
 
 
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Mais informações:

Sarau Sina Poética
www.redesina.com.br/sinapoetica

História: Drive Sina Poética

Playlist no YouTube


Mostra de arte e poema a Iemanjá
www.redesina.com.br/mostraandodar

Mais sobre Melina
www.redesina.com.br/melinaguterres

Engasgos
https://redesina.com.br/?s=engasgos

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MAR ABERTO | Praias gaúchas e outras mais https://redesina.com.br/mar-aberto-praias-gauchas-e-outras-mais/ https://redesina.com.br/mar-aberto-praias-gauchas-e-outras-mais/#respond Thu, 18 Jan 2024 20:24:20 +0000 https://redesina.com.br/?p=120613 por Boca Migotto Quando criança eu detestava o verão. Naquela época as aulas começavam apenas em março e, por isso, após o Natal a cidade já se esvaziava e assim permanecia por três meses. Meus amigos todos, claro, passavam ao menos um mês “nas praias” e durante todo esse tempo eu permanecia sozinho. Ainda mais …

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por Boca Migotto

Quando criança eu detestava o verão. Naquela época as aulas começavam apenas em março e, por isso, após o Natal a cidade já se esvaziava e assim permanecia por três meses. Meus amigos todos, claro, passavam ao menos um mês “nas praias” e durante todo esse tempo eu permanecia sozinho. Ainda mais sozinho, uma vez que a solidão até nem era uma novidade para mim, filho único. Mas no verão isso se tornava ainda mais radical, quase insustentável.

Meu pai nunca viajava. Por isso fui conhecer o mar apenas com dez anos de idade, graças a uma excursão que saiu da minha cidade e fez um bate e volta à praia. Já fazia tanto tempo que eu reclamava que queria conhecer o mar que, um dia, minha mãe ficou sabendo dessa excursão e o pai não teve como negar. Saímos de Carlos Barbosa ainda de madrugada para passar uma manhã em Tramandaí e uma tarde no Parque Osório. Foi também a primeira vez que andei a cavalo. Uma égua velha, mansa, que mal conseguia caminhar, mas que me rendeu boas memórias que eu preservo até hoje. Lembro bem a intensidade daquela viagem. Voltamos no final do dia e chegamos já noite em casa. Eu estava exausto, mas dormi o sono dos justos, com um sorriso estampado no rosto.

Foto: Boca Migotto

 

O problema é que eu gostei muito da praia e ai ficou cada vez mais difícil negar, ao filho, alguns poucos dias de férias no litoral. O pai sempre foi enérgico e teimoso. Para ele, não era não. Já a mãe, salve as mulheres, conseguiu convencê-lo a bancar quinze dias de férias em Arroio do Sal, junto a um casal de primos mais velhos. Dessa vez, sim. Me esbaldei. O pai não foi. Preferiu ficar duas semanas sozinhos em Carlos Barbosa enquanto eu e a mãe compartilhamos esse período com esses primos bem mais velhos que eu e bem mais novos que ela. Só muito tempo depois fiquei sabendo que o pai pagou caro por essa brincadeira. Em troca do “favor” desses primos nos levarem junto para suas férias, o pai praticamente pagou o aluguel da temporada e a mãe, por sua vez, passou quinze dias cozinhando e lavando. Mas foram dias especiais, próximo da minha mãe em uma situação que destoava muito do nosso cotidiano e, por isso, contribuía com novas percepções sobre a nossa própria relação mãe e filho. Depois dessa experiência, no entanto, voltei para o litoral apenas quando já tinha condições de fazer isso por própria conta.

Escrevo essa coluna de Rainha do Mar. O dia está choroso. Não tem praia hoje, e o final de semana promete muita chuva. Semana passada teve sol, mas também teve Nordestão, mar frio, água marrom – o famoso chocolatão – e mãe d’água quando o mesmo mar ousou se acalentar um pouco. Nada pode ser perfeito no litoral gaúcho. Nada mais típico para a maior praia do mundo em extensão longitudinal.

Fazia tempo que não frequentava nossas praias. Depois que descobri Santa Catarina, em especial a Pinheira, a Guarda do Embaú, Farol de Santa Marta e a Gamboa, para lá me mandei de todas as formas possíveis. Já acampei no Vale da Utopia – quem conhece, sabe –, já fui de carona, ônibus da madrugada, carro e até avião. Já fui para passar um final de semana prolongado, me escalando na casa de desconhecidos, ou me espraiar ao longo de todo o verão pipocando em pousadas, barracas e casas de amigos. Foi a partir de Santa Catarina que esse gringo que mal sabia nadar, quando adolescente, descobriu o quanto é bom pegar uma praia. Foi a partir de Santa Catarina que me empolguei por conhecer outras praias. A Ilha do Mel, o litoral do Nordeste, o Rio de Janeiro e até praias do Caribe e da Europa.

Foto: Boca Migotto

 

Mas, desde que começamos a namorar, a Pati e eu – aliás, no último dia 17 de janeiro fez quatro anos de companheirismo –, por conta da comodidade de ter uma casa em Rainha do Mar, para onde viemos também no inverno, os últimos anos voltei a frequentar nosso litoral. E aí, abraçado ao Nordestão, decidi ir além. Decidi, com a Pati, viajar por ele todo. Então, nos últimos quatro anos (re)descobri Cidreira e Quintão, segui pela beira-mar na direção do Farol da Solidão, conheci, visitei e (re)visitei a Lagoa do Peixe, aprofundei meu conhecimento sobre a Lagoa dos Patos e, por inúmeras vezes, fui para a praia do Hermenegildo e a Barra do Chuí. Meu Instagram é testemunha de todas essas viagens. Por fim, escrevi um livro que se passa na última praia do Brasil, justamente no Chuí, fronteira com o Uruguai. E falando dos hermanos, fui além. Passei a frequentar as praias uruguaias e, bem lá ao sul da Argentina, também, conheci o litoral gelado da Terra do Fogo e da Patagônia chilena.

Minha empolgação por esse litoral latino-americano e, digamos, inóspito, me levou a escrever, pesquisar, fotografar e filmar tais cenários. Em especial, claro, o litoral gaúcho com o qual o cinema produzido nessas paragens tem uma relação muito próxima. Se, para os veranistas, o nosso clima litorâneo e as características particulares das nossas praias abertas tornam-se, muitas vezes, um martírio, para as lentes das câmeras cinematográficas é um deleite visual. Não por acaso, na grande maioria das vezes os filmes gaúchos que se passam nas nossas praias optam por filmá-las em tons de inverno. Dessa forma, o cinema gaúcho associa o nosso litoral ao frio, aproximando-nos de uma estética mais europeia e distanciando-nos da inatingível tropicalidade brasileira. Um enorme contrassenso, afinal, as mesmas praias das quais fugimos para curtir o verão nos servem como elo de ligação ao nosso ideal civilizatório. Ao nosso eterno referencial cultural.

Foto: Boca Migotto

 

Quero refletir melhor sobre essa relação entre o cinema e o litoral gaúcho, mas também quero compreender como esse mesmo litoral interminável era percebido pelos navegadores que transitavam entre o Brasil, Uruguai e Argentina. Afinal, era uma aventura deixar Florianópolis – na época conhecida como Desterro – para trás e, a frente, por dias a fio, ver apenas mar aberto quase até Montevideo. Tenho a impressão de que podemos encontrar algumas percepções historicamente relevantes ao aproximarmos os relatos escritos pelos navegadores, no século XVII e XVIII, do cinema gaúcho produzido nos séculos XX e XXI. Para isso ando tateando o tema com algumas leituras interessantes. Alain Corbin, por exemplo, abordou o tema da vilegiatura, ou seja, da procura do mar gelado para fins terapêuticos, iniciado ainda no século XVII no Mar Báltico, principalmente na Alemanha, e nos dois lados do Canal da Mancha, na França e Inglaterra, em seu livro “O território do vazio”. Através deste livro voltamos ainda mais no tempo, para compreender um pouco a nossa relação histórica com a praia e o mar. Desde os tempos bíblicos, marcado por dilúvios, passando por gregos, troianos e romanos, percebemos a importância do Mediterrâneo para o desenvolvimento da humanidade embora este, o mar, pela mesma humanidade, tenha sido percebido como um amigo distante. Apesar de estar sempre ai, roçando as pedras e areias de três continentes.

Mas deixando a Antiguidade e o Mediterrâneo para trás – bem para trás – ingleses, franceses e alemães, sobretudo, passaram a olhar para as águas geladas, que banhavam seus países, como um remédio para diversos males. Os primeiros foram os alemães, mas os ingleses não ficaram atrás. Num primeiro momento, esta foi uma prática das elites, mas não demorou para também se popularizar. Eu conheço bem o litoral Sul da Inglaterra. Cidades como Brighton e Hastings se consolidaram como balneários populares e muito procurados pelos ingleses por conta do transporte ferroviário, que facilitava o deslocamento de Londres e de outras cidades do Norte para lá. Hotéis impressionantes, e toda uma rede turística, com serviços voltados ao lazer daquele iminente turista que buscava acesso às benesses do clima litorâneo, foi erguida na região. Mais recentemente, quando surgiram as passagens aéreas do tipo low cost, as classes mais populares também descobriram o Caribe e outras praias tropicais da Ásia. E então o litoral frio do Sul da Inglaterra esvaziou de vez. No entanto, ainda antes disso esses balneários já estavam sendo trocados por outras práticas de lazer e nem de perto lembravam o cotidiano sofisticado de outrora, quando o turismo iniciou com as viagens à praia.

Foto: Boca Migotto

 

Aqui no Rio Grande do Sul a pesquisadora Joana Carolina Schossler faz algo semelhante ao que Corbin pesquisou em relação ao imaginário moderno e ocidental que envolve o desfrute das praias. O seu livro “História do veraneio no Rio Grande do Sul” traz diversos relatos sobre os pioneiros que desbravaram nossas praias, geralmente a partir da capital ou da Serra, em busca da vilegiatura marítima. Schossler destaca a participação dos imigrantes, sobretudo italianos e alemães, que se interessaram pela prática da cura a partir do banho de mar e, também, contribuíram com o desenvolvimento da região. Desenvolvimento, este, obviamente, que precisa levar em conta o viés lucrativo dos investimentos realizados na região, principalmente a partir da década de 1940, e a consequente especulação imobiliária de todo o Litoral Norte e a região de Rio Grande. Por conta desse “progresso”, menos de um século depois de ter iniciado a urbanização litorânea, passar férias em praias como Tramandaí, Capão da Canoa e Torres, por exemplo, tornou-se a antítese do que foi o embrião dessa história.

Também os objetivos desse movimento rumo ao mar se transformaram. Se no início a busca era pela saúde através dos banhos terapêuticos, aos poucos um hedonismo vazio de conteúdo foi tomando conta das nossas areias brancas. Já há algum tempo o bronze de um corpo sarado e quase nu subjugou a vergonha e o moralismo católico de outrora. Os maiôs de lã que cobriam todo o corpo foram substituídos pelos biquínis e pelas sungas e até o descanso, embora ainda importante para alguns, em especial os mais velhos, tornou-se incompatível com a voracidade juvenil que toma de assalto as praias mais badaladas. Nesse movimento os livros, que por muito tempo eram companheiros fiéis das horas ao sol, foram trocados por aparelhos celulares e caixas JBL. A sociedade se transformou completamente. No entanto, mesmo que, como sociedade, tenhamos interferido na paisagem, as praias e, sobretudo o mar, são os mesmos. Talvez um pouco mais poluídos, mas ainda os mesmos cenários de séculos atrás. De inúmeras outras histórias, com gerações de outros seres humanos como personagens.

Foto: Boca Migotto

 

Portanto, há muito o que pesquisar e estudar sobre o tema. Inclusive, olhar para como o nosso cinema retratou o litoral gaúcho através das inúmeras obras audiovisuais que buscaram nossas praias como cenário e, muitas vezes, também, como personagens, pode ser um exercício interessante para melhor nos compreendermos como povo. Por último, mas não por fim, voltar no tempo para descobrir como os europeus que por aqui passaram percebiam o nosso mar bravio, nervoso e que nunca dorme, me parece, é quase como um complemento sobre a forma como enxergamos esse mesmo litoral. De certa forma, quem sabe, uma excelente metáfora sobre o que é o Rio Grande do Sul.

I. BOCA MIGOTTO

I., de Ivanir, Boca Migotto é cineasta, pesquisador, fotógrafo e escritor. Publicitário formado pela Unisinos, cedo se deu conta que estava na área certa – a Comunicação – mas no curso errado. Formado, então, largou tudo e foi para Londres. Nos dois anos que permaneceu na Inglaterra fez de tudo: lavou prato, fez café, foi garçom e auxiliar de cozinha, estudou inglês e cursou cinema na Saint Martins College of Arts and Design. Ao regressar para o Brasil, fez Especialização em Cinema e Mestrado em Comunicação, ambos pela Unisinos. Nesta mesma instituição, foi professor de Documentário no Curso de Realização Audiovisual, onde permaneceu por dez anos, atuando também em disciplinas dos cursos de Jornalismo, Comunicação Digital e Publicidade. Finalizou seu Doutorado em Comunicação pela FABICO/UFRGS, com extensão na Sorbonne/Paris 3. Foi quando morou em Paris, aliás, que decidiu lançar seu primeiro livro de ficção “Na antessala do fim do mundo”. Como cineasta – diretor e roteirista – realizou mais de vinte curtas-metragens e séries de TV, além dos longas-metragens “Filme sobre um Bom Fim”, “Pra ficar na história”, “O sal e o açúcar” e “Já vimos esse filme”. Em 2021 lançou seu segundo livro “Um certo cinema gaúcho de Porto Alegre”, resultado da sua pesquisa de doutorado. Neste ano de 2023 está lançando seu terceiro livro “A última praia do Brasil” pela editora Bestiário em parceria com a Rede Sina. Atualmente é graduando em História- Bacharelado na PUCRS.

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Lendas do Cerro do Jarau por VITOR BIASOLI https://redesina.com.br/lendas-do-cerro-do-jarau-por-vitor-biasoli/ https://redesina.com.br/lendas-do-cerro-do-jarau-por-vitor-biasoli/#respond Fri, 22 Dec 2023 03:54:33 +0000 https://redesina.com.br/?p=120477 Não conheço o Cerro do Jarau, no município de Quaraí (cidade da fronteira do Rio Grande do Sul), apenas a lenda em torno do local, criada no tempo das Missões Jesuíticas. Ali viveu uma princesa moura (fugida das guerras entre mouros e cristãos, na Espanha) transformada em uma lagartixa com uma “pedra luzente” na cabeça, …

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Não conheço o Cerro do Jarau, no município de Quaraí (cidade da fronteira do Rio Grande do Sul), apenas a lenda em torno do local, criada no tempo das Missões Jesuíticas. Ali viveu uma princesa moura (fugida das guerras entre mouros e cristãos, na Espanha) transformada em uma lagartixa com uma “pedra luzente” na cabeça, chamada Teiniaguá, capaz de atrair, enfeitiçar e também proporcionar riqueza.

Um dia a Teiniaguá apareceu para um sacristão (de uma missão jesuítica do lado oriental do Rio Uruguai), ele a capturou e levou-a para o seu quarto. O sacristão sabia que a Teiniaguá podia enriquecer um homem e era isso que ele pretendia. Mas, quando foi alimentar a lagartixa, ela se transformou numa linda mulher.

– “Eu sou a princesa moura encantada” – ela disse. – “Sou jovem… sou formosa…, o meu corpo é rijo e não tocado.” (Assim a mulher se apresenta no conto de João Simões Lopes Neto, inspirado na lenda.)

A princesa capturou a alma do sacristão e terminou levando-o para o outro lado do rio, para o Cerro do Jarau. Duzentos anos depois, o gaúcho Blau Nunes quebrou o feitiço e concedeu o “livramento” do sacristão. (A expressão “livramento” é de Lopes Neto.)

A lenda tem mais voltas, mas vou ficar apenas com essa parte: a da princesa moura que vem parar no Rio Grande do Sul (trazida na bagagem de uns mouros vencidos pelos cristãos em Salamanca), passa a viver no corpo de uma lagartixa… e de repente desabrocha. História de uma mulher capaz de enfeitiçar um homem.

Pois certa vez soube da história de um médico que foi passear com uma professora em Quaraí e os dois enlouqueceram nas imediações do Cerro do Jarau. Um episódio do final dos anos 1990, a respeito do qual eu nunca soube muita coisa, mas sempre me fascinou.

O essencial, porém, é o seguinte: a professora era uma jovem senhora de 36 anos, muito formosa, vestida numa roupa de couro preta, muito ajustada ao corpo, moldando em especial nádegas e coxas. Um corpo rijo (semelhante à princesa moura) como poucas vezes o médico, 40 anos, sentira nas suas mãos.

Ele a quis intensamente naquela tarde e foi isso que tentou dentro do carro, estacionado nas imediações do cerro. Eles se abraçaram e se beijaram, enroscaram-se “feito duas lagartixas” (a expressão é do médico, contando o caso), as mãos do homem palmilharam cada centímetro do corpo da mulher, mas a moça foi arredia. Gostou, mas não cedeu, surpresa com a sua capacidade de provocar tanto desejo. Ao entardecer, os dois voltaram a Santa Maria, ficaram de se reencontrar, mas o destino os separou.

O médico nunca esqueceu aquele momento de feitiço e excitação vivido na região do cerro, tentou contato com a professora de todo o jeito (escreveu e-mails líricos e até eróticos), mas ela o dispensou. Como o sacristão da lenda, ele se sentiu torturado por uma princesa moura de roupa de couro, mas não sem sentir algum prazer nesse sofrimento. Anos depois, porém, contava a história sorrindo, dizendo que fora um desses momentos de loucura e excitação que às vezes a vida nos proporciona.

Coisas da Teiniaguá, eu concluo (que não desencantou, como reza a lenda). Mais um episódio a enriquecer o repertório do Cerro do Jarau – um local que preciso conhecer.

 

Obs.: o conto de João Simões Lopes Neto referido é “A salamanca do Jarau”, publicado em Lendas do Sul (1913). A foto é da capa da edição organizada por Luís Augusto Fischer, Contos Gauchescos e Lendas do Sul (L&PM, 2013, 328 p.).

 

Vitor Biasoli
nasceu em Pelotas (1955) e vive em Santa Maria desde 1991. Formou-se em História (UFRGS, 1977), fez mestrado em Letras (PUCRS, 1993) e doutorado em História Social (USP, 2005). Lecionou em escolas do Ensino Fundamental e Médio (1978-1991) até ingressar na Universidade Federal de Santa Maria. Atualmente está aposentado. Publicou livros acadêmicos e literários, entre eles: Jorge encontra Lilian (novela juvenil, 1998), Calibre 22 (poemas, 1999), Uísque sem gelo (contos, 2007), Santa Maria: ontem & hoje (crônicas, 2010), O fundo escuro da hora (contos, 2018), Paisagem marinha (poemas, 2021) e Itália, trilhos e café: histórias da família Biasoli (crônicas, 2022). Pertence ao grupo de escritores da “Turma do Café” e é colunista da Rede Sina.

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06/12 – QUA – 19H | LANÇAMENTO DO LIVRO “AQUELES ANOS – SEM DOURADOS” DE ORLANDO FONSECA https://redesina.com.br/06-12-qua-19h-lancamento-do-livro-aqueles-anos-sem-dourados-de-orlando-fonseca/ https://redesina.com.br/06-12-qua-19h-lancamento-do-livro-aqueles-anos-sem-dourados-de-orlando-fonseca/#respond Fri, 01 Dec 2023 06:36:30 +0000 https://redesina.com.br/?p=120398 O escritor santa-mariense, Orlando Fonseca, lança o seu décimo quarto livro em produção individual. Trata-se do romance Aqueles anos – sem dourados. Tendo transitado por vários gêneros, da poesia e da crônica, teatro e musical, suas últimas obras de ficção trouxeram narrativas infanto-juvenis. Seu último trabalho foi O estojo vazio, editado em 2013. Após 10 …

O post 06/12 – QUA – 19H | LANÇAMENTO DO LIVRO “AQUELES ANOS – SEM DOURADOS” DE ORLANDO FONSECA apareceu primeiro em Rede Sina.

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O escritor santa-mariense, Orlando Fonseca, lança o seu décimo quarto livro em produção individual. Trata-se do romance Aqueles anos – sem dourados. Tendo transitado por vários gêneros, da poesia e da crônica, teatro e musical, suas últimas obras de ficção trouxeram narrativas infanto-juvenis. Seu último trabalho foi O estojo vazio, editado em 2013.

Após 10 anos sem autografar uma nova publicação, essa nova obra em narrativa longa traz a saga de um adolescente, em plenos anos dourados, procurando viver o seu tempo ajustado à história do país. No entanto, por tragédias pessoais e descompassos com a realidade política e cultural, acaba sem conseguir levar adiante um projeto de vida afetiva e mesmo engajada. O cenário é o de um Brasil transitando dos anos JK, da bossa nova e do rock’n roll, dos Centros Populares de Cultura (CPC) e Grupo dos 11, para os obscuros anos pós Golpe de 64.

O autor estará autografando seu livro Aqueles anos – sem dourados, dia 6 de dezembro (quarta-feira) às 19 horas no Mojju Gastro Pub. Após às 20h30, o evento conta com show da Paola Matos. Este é o sétimo livro publicado através da parceria da Rede Sina com a editora Bestiario.

 

 

LANÇAMENTO “AQUELES ANOS (SEM DOURADOS)”
06/12 – QUARTA-FEIRA, 19H
SHOW DA PAOLA MATOS (20h30 – 22h30 )
COUVERT:R$ 8,00 (a partir das 20h30)
NO MOJUU GASTRO PUB (R. Duque de Caxias, 927)

Convide via facebook aqui 

SINOPSE:

AQUELES ANOS (sem dourados)

Rogério, morando no interior do RS, filho de uma família abastada, esforça-se por ter um
envolvimento consciente no ambiente político brasileiro. Decide, então, participar dos eventos
políticos do país, na primeira metade da década de 60. Entretanto, em razão de tragédias
familiares e traços de sua personalidade, não consegue se envolver plenamente, não
conseguindo também ser feliz em suas experiências pessoais. Acaba sendo obrigado a
abandonar o país e por fim é pego pela repressão.
O adendo do título “sem dourados” refere-se aos eventos pessoais e históricos desse jovem,
cuja infância e adolescência transcorrem entre meados de 1950 a meados de 1960. São
marcantes para a história da personagem: a campanha da legalidade, a renúncia do Jânio
Quadros, a formação dos CPC, dos Grupos dos 11 e o golpe militar de 1964. Em sua vida
afetiva também se vê meio à separação dos pais, e a namorada se envolver com outro rapaz,
com o qual começa a participar de um grupo artístico de CTG (novidade que se espalhava pelo
RS no período) e que serve de contraponto ao ideário dos Centros Populares de Cultura. Em
suas idas e vindas, nos descaminhos de sua jornada pessoal à margem das tragédias políticas,
busca recompor a vida dos escombros.

 

SOBRE O AUTOR:

– Orlando Fonseca

Orlando Fonseca nasceu em Santa Maria, em 7 de outubro de 1955. Professor Titular aposentado da UFSM, onde atuou por 31 anos, na área de produção textual nos Cursos de Comunicação Social e Letras. Doutor em Teoria da Literatura, pela PUCRS, 1997, e Mestre em Literatura Brasileira pela UFSM, 1991. Exerceu o cargo de Secretário da Cultura de Santa Maria, no período de 2001-2004; Pró-Reitor de Graduação na UFSM, 2010-2013. Patrono da Feira do Livro de Santa Maria em 2005. Cronista do Jornal Diário de Santa Maria e Site claudemirpereira.com.br. Presidente do Conselho Municipal de Política Cultural (CMPC – 2018-2019); Presidente do Coletivo Memória Ativa (2018-). Autor colaborador no site da Rede Sina.

Prêmios:

Destaque para o Prêmio Adolfo Aizen, da União Brasileira de Escritores, pela novela Da noite para o dia, WS Editor, em setembro de 2002; Prêmio Revelação Literária – Prêmio Apesul/IEL, em 1978, com o poema Acalanto. Menção Honrosa no Prêmio “Murilo Mendes”, da Universidade de Uberlândia-MG, em 1985, com o poema Anti-Ode Triunfal. Primeiro Lugar no Concurso Felippe d’Oliveira, promovido pela Prefeitura Municipal de Santa Maria, em 1980, com o poema Angélida. Finalista no Prêmio Açorianos, da Prefeitura de Porto Alegre, pela novela Da noite para o dia, em 2002; também finalista do Prêmio Açorianos pelo livro de contos-coletivos A frase do doutor Raimundo, Ed. Movimento, em 2009.

Obras:

Dossiê do abstrato, poemas. Santa Maria: LGR Editora,1985.

Coração Ralado, crônicas, com Humberto G. Zanatta. Santa Maria: Edição dos autores,1981.

Poço de Luz, novela. Porto Alegre: IEL/Igel, 1989.

O quadrado da hipotenusa, romance. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1997.

Na vertigem da alegoria, Santa Maria, Mestrado em Letras/UFSM, 2000.

Da noite para o dia, novela juvenil. Porto Alegre: WS Editor, 2001.

O fenômeno da produção poética, ensaio. Santa Maria: Editora UFSM, 2001

Sangue no último ato, novela juvenil. Porto Alegre: WS Editor, 2005.

Estrelinha de Natal, musical infantil, com Marcelo Schmidt. Porto Alegre: Movimento, 2008.

Berinjelo, infantil. Porto Alegre: Movimento, 2009.

O segredo dos sapatos novos, infantil, Porto Alegre: WS Editor, 2010.

Na marca do pênalti, novela juvenil, Porto Alegre: WS Editor, 2011.

Estojo vazio, novela juvenil, Porto Alegre: WS Editor, 2013.

Trocando em miúdos – 40 anos de crônicas – Rio das Letras, 2017.

 

Participação em antologias: poesia: Quarteto in verso, e Quarteto in prosa e verso, junto com os poetas Prado Veppo, Humberto Zanatta e Vítor Biasoli, em 1996 e 1998, respectivamente; O maquinista daltônico, em 2007; livros com crônicas, Coração Ralado, com H.G. Zanatta, 1981, Recortes do cotidiano, 1989, Da boca do monte, 2000, O apito do trem, 2002, Trem dos onze, 2004, Tudo haver, 2005, Nada a ver, 2006; Riso Grande do Sul – temas do sul, com o Grupo de Risco, 2006; livros com narrativa de ficção: Os dez mandamentos, romance coletivo (com mais 9 autores). Porto Alegre: Movimento, 2007. A frase do doutor Raimundo, contos coletivos (com mais 3 autores). Porto Alegre: Movimento, 2009. Com a Turma do Café já são 21 obras publicadas, desde 2005, sendo a última: Todo amor vale um conto, Rio das Letras, 2022 (contos); 1973 – um ano que conta (no prelo – 2023).

Peças de teatro e musicais: Marinheiro em Pessoa, uma montagem de textos de Fernando Pessoa; Santa, comédia musical com letras musicadas por Otávio Segala, e Swing and Blues, drama, todas as montagens produzidas, entre 91 e 93, pelo Grupo Ditirambos, dirigido por João Pedro Gil. Dois musicais: Musical Ymembuy, com músicas de Otávio Segala, em 2008, e Estrelinha de Natal – musical infantil, com músicas de Marcelo Schmidt, em 2009.

Também integrou o Grupo de Risco que editou a Revista Garganta do Diabo, com textos de humor e cartuns, entre 1992 e 2004.


 

TRECHO DA APRESENTAÇÃO:

Rogério, o estudante engajado nas demandas democráticas do seu tempo, tanto encarna o projeto das forças progressistas do seu tempo quanto sofre a dura investida da reação conservadora e de seus agentes repressores. Sem indicar o desfecho da trama, adianto que o romance apresentado por Orlando Fonseca é uma narrativa sobre esse tempo de esperanças, anseios generosos e o duro embate com as forças conservadoras, reacionárias mesmo (o Brasil profundo), que sempre espantam alguns de nós. Uma narrativa ficcional sobre um período da vida brasileira de grande dinamismo político-cultural, mas sem o glamour que muitos emprestam a este tempo. Um romance sobre aquilo que mais vale à pena sonhar: a construção de uma sociedade democrática e justa do ponto de vista social. E também, e principalmente, a respeito da fragilidade desses projetos e sonhos.

Vitor Biasoli

(prof. de História, escritor e colunista da Rede Sina)

 

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MAR ABERTO | SÃO TANTAS AS ROMAS SOBRE UMA MESMA ÁFRICA https://redesina.com.br/mar-aberto-sao-tantas-as-romas-sobre-uma-mesma-africa/ https://redesina.com.br/mar-aberto-sao-tantas-as-romas-sobre-uma-mesma-africa/#respond Tue, 28 Nov 2023 17:09:30 +0000 https://redesina.com.br/?p=120387 por Boca Migotto Desde as Guerras Púnicas, ainda durante a República, Roma se fez presente no Norte da África como uma força política, econômica, cultural e, sobretudo, militar, que, desde então, ampliou sua presença não apenas naquela região mas, também, no Oriente e Europa Ocidental. A partir dessa afirmação é preciso perceber que mesmo dominando …

O post MAR ABERTO | SÃO TANTAS AS ROMAS SOBRE UMA MESMA ÁFRICA apareceu primeiro em Rede Sina.

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por Boca Migotto

Desde as Guerras Púnicas, ainda durante a República, Roma se fez presente no Norte da África como uma força política, econômica, cultural e, sobretudo, militar, que, desde então, ampliou sua presença não apenas naquela região mas, também, no Oriente e Europa Ocidental. A partir dessa afirmação é preciso perceber que mesmo dominando praticamente todo o mundo antigo conhecido, o controle sobre a África se mostrou fundamental para que Roma expandisse sua influência sobre todo o Mediterrâneo, bem como, ampliasse a força do seu exército – fundamental para a manutenção do império que estava ascendendo –, intensificasse o comércio de cereais para alimentar sua crescente população urbana e, não menos importante, recolhesse os impostos e os inúmeros produtos que geravam a riqueza fundamental para a administração da máquina estatal.

A África mediterrânea, sem sombra de duvida, era uma região bastante rica e, portanto, essencial para o fortalecimento de Roma. Ao mesmo tempo se mostrava indispensável para que um comércio marítimo romano ocorresse sem maiores sobressaltos. A diversidade cultural e econômica da região se refletia em Cartago, não por acaso, uma cidade que fazia frente à Roma antes de sucumbir, após três longas guerras que duraram quase um século. Dessa forma, para o Império, que viria substituir a República em pouco tempo, as províncias do Norte da África se mostraram cruciais para a manutenção do poderio romano sobre toda a região. Da mesma forma, conforme Thébert afirma, “[…] a África romana [também] representa um campo de estudos privilegiado, pois trata-se de uma das mais importantes províncias do Império.” (THÉBERT in VEYNE, 2009, p. 290).

Antes de avançarmos na reflexão, entretanto, é importante compreendermos o conceito de Império aplicado tanto para Roma, que nesse momento ainda estava na sua fase republicana, como para todo o significado gerado a partir de então. Conforme Mendes, Bustamante e Davidson (2009), a historiografia construiu a noção de império a partir da definição para uma política expansionista, patrocinada por um determinado Estado que, por sua vez, por conta da opressão ou persuasão, vai exercer influencia política, econômica e/ou cultural sobre determinados povos ou populações por, este Estado, dominados e administrados. Os autores, no entanto, chamam a atenção para a importância de percebermos que, por trás do conceito de império há, certamente, a necessidade de se perceber a “[…] diversidade, a pluralidade e a singularidade dos processos ou das práticas imperiais para se investigar como e por que os impérios se constroem, se expandem, se legitimam, se consolidam e se desagregam” (MENDES, BUSTAMANTE e DAVIDSON, 2009, p. 19). Por isso, estudar e pensar os impérios sempre é uma prática complexa que precisa levar em conta a construção de uma diversificada e problemática contextualização cultural que não é unilateral e, muito menos, simplesmente imposta de cima para baixo. Por mais opressor que venha a ser o poder central de determinado império, sempre haverá espaço para o oprimido contribuir com a sua própria dinâmica cultural. Um bom exemplo pode ser a influencia da cultura africana sobre o Império do Brasil, Portugal e Algarves. Por mais subjugados que os africanos capturados e escravizados tenham sido, foram determinantes para a cultura brasileira e imprimiram sua marca na nossa língua, gastronomia, arte, nas nossas cidades e, inclusive, no nosso sincretismo religioso.

Portanto, realizada tal digressão conceitual, voltemos à conquista da África e ao fato de que, ao contrário do que a historiografia europeia do final do século XIX e início do século XX pensava, de que territórios dominados por Roma sofriam uma influencia de mão única, através da qual esta levaria a “civilização” aos povos nativos, significou, isso sim, um intercâmbio comercial, político, cultural, cientifico e artístico entre ambos os lados do Mediterrâneo. Não que Roma não tentasse impor sua visão de mundo, seja pela opressão ou pela sedução. Nesta região, existiam culturas tradicionais anteriores ao domínio romano, como a púnica e a berbere. O processo de expansão romana, iniciado ainda na República, fez com que Roma subjugasse diferentes sociedades e estabelecesse o seu império. O Império Romano empenhou-se em construir uma identidade entre as múltiplas culturas, que estavam sob seu domínio, visando a formação de uma comunidade de abrangência mediterrânea. (BUSTAMANTE, 2012, p. 3)

Embora seja impossível subjugar completamente uma sociedade secular como Cartago – e veremos que isso não foi possível nem com a destruição total da cidade –, é compreensível perceber que a historiografia colonial europeia, a exemplo de Roma, tenha se esforçado por construir essa ideia de um Império de mão única, que através da conquista, levava suas benesses civilizatórias aos demais povos sob sua influencia. Algo que, a priori, vemos ocorrer ainda hoje em diversos conflitos mundiais, sobretudo, na mesma região em torno do Mediterrâneo. Afinal, do que se tratou as invasões dos Estados Unidos ao Iraque ou ao Afeganistão ou, ainda, do que se trata a atual guerra entre Israel e os palestinos se não, também, uma tentativa midiática de justificar a dominação destes espaços por conta de interesses econômicos através do velho discurso de um Estado democrático e civilizatório que levará a liberdade e a visão de mundo ocidental onde há, sobretudo, repressão e barbárie? Percebam que não estou defendendo o terrorismo – é bom deixar isso bem claro – mas, apenas, colocando os conflitos mencionados em sua perspectiva histórica. Um povo que passa 50 anos, 100 anos, mais se século, às vezes, sob o domínio de um império, é um povo constituído por gerações – pais, filhos, netos – de pessoas oprimidas e subjugadas que, certo ou tarde, se levantarão contra tal injustiça pratica contra tais populações. E os meios utilizado para isso podem ser os mais variados, desde a política da não-violência de Gandhi, na Índia, até o terrorismo praticado pelo Hamas.

É claro que houveram outros povos que subjugaram populações mais frágeis antes de Roma, mas os “italianos” deram outro significado para tudo isso. Roma foi a primeira superpotência internacional e não apenas subjugou diversos povos como influenciou inúmeras outras tentativas que vieram depois dela. A França de Napoleão, A Alemanha de Hitler, o próprio Estados Unidos, são todos impérios que se inspiraram no Império Romano. Não por acaso, nesse mesmo viés colonialista, a Europa ocidental do final do século XIX também ganhava muito a partir da concepção de que era herdeira do processo civilizatório romano sobre outras regiões do globo. Conforme nos conta Lepelley (2016) sobre a redescoberta da região pelos europeus, a partir de 1830, a percepção de franceses e, principalmente, italianos, era de que estavam retomando para si um território o qual, por direito, lhes era herdado dos romanos. Lepelley conta que na medida que militares e arqueólogos europeus foram encontrando traços da presença romana na África – no caso italiano, especialmente na Líbia – mais crescia o conceito da Épica do retorno, título que Massimiliano Munzi, inclusive, deu ao seu livro sobre o tema.

É verdade que nesse processo os conquistadores descobriram “[…] dezenas de milhares de inscrições latinas, ruínas de cidades qualificadas muitas vezes de Pompeias africanas, obras de arte, dentre as quais muitos mosaicos” (LEPELLEY, 2016, p. 421), no entanto, defender, a partir disso, que seria natural à Europa subjugar a África, por conta de uma primeira dominação romana sobre o mesmo território, é quase como sucumbir ao argumento pós-medieval de Portugal, e da Igreja católica, sobre o seu direito natural de escravizar negros e indígenas pois, estes, não eram batizados pelo cristianismo europeu. Assim, de forma semelhante a como ocorreu nos séculos XV e XVI na América, a mesma justificativa para tamanho genocídio, mais uma vez, funcionou. Com isso, os europeus conseguiram, em pleno século XIX, impor seu olhar dominador sobre a África e recolonizar boa parte da região. Segundo o mesmo Lepelley, é possível reproduzir, abaixo, três passagens diferentes que exemplificam isso. Primeiro, Gas Boissier [latinista] em um discurso pronunciado em 1891, no Congresso das Sociétés Savantes, dizia: “aceitemos a herança, senhores […] nós viemos continuar uma grande obra de civilização interrompida durante séculos. […] Nós retomamos a posse de um antigo domínio, e esses velhos monumentos diante dos quais o árabe não passa sem um sentimento de respeito e de espanto [!], são precisamente nossos títulos de propriedade”. (LEPELLEY, 2016, p. 421)

Discurso semelhantes a outros franceses contemporâneos, como podemos observar abaixo, ainda segundo Lepelley, na introdução de seu grande livro sobre O exército romano da África, publicado originalmente em 1892, René Cagnat escrevia: “Nós podemos, portanto, sem medo comparar nossa ocupação da Argélia e da Tunísia àquela das mesmas províncias africanas pelos Romanos. Como eles, nós conquistamos gloriosamente a região, como eles, nós asseguramos a ocupação, como eles, nós tentamos transformá-la à nossa imagem e ganhá-la para a civilização”. (LEPELLEY, 2016, p. 421)

Se não essencialmente absurdo, ao menos para um olhar contemporâneo – assim esperamos, embora a extrema-direita esteja ai para nos mostrar que absurdos passaram a ser reproduzidos como normalidade –, tudo pode ficar ainda mais assombroso se olharmos para a Itália que, por sua vez, ainda mais que a França, se via herdeira direta das conquistas romanas e, portanto, se via também ainda mais no direito de reivindicar o território da Líbia, em 1911. Seguimos com Lepelley para chegarmos a Massimiliano Munzi, que lançou um livro, em 2001, intitulado L’epica del retorno: archeologia e politica nella Tripolitania italiana (Tradução: A épica do retorno: arqueologia e política na Tripolitânia italiana), no qual ele nos descreve a reprodução de um desenho publicado no mesmo ano da conquista da Líbia. A descrição deste desenho esclarecedor sobre o sentimento europeu – nesse caso, sobretudo, italiano – de posse sobre a África é a seguinte: “Um marinheiro italiano, tendo acabado de desembarcar, encontra na areia o esqueleto de um soldado romano, ainda conservando todo o seu equipamento: seu capacete, seu escudo, sua couraça, seus calçados. O marinheiro recupera o gládio do soldado e a legenda proclama: L’Italia brandisce la spade dell’antica Roma (Tradução: A Itália brande a espada da antiga Roma).” (LEPELLEY, 2016, p. 422)

Assim, percebemos o quanto, mais uma vez na história, se reproduziu e ainda se reproduz uma Roma expansionista na forma de uma Europa moderna, que para suas colônias leva suas línguas latinas, culturas civilizadas, engenharias sofisticadas, produtos tecnológicos e demais conceitos liberais em troca das matérias primas – ah, o ouro negro! –, commodities e produtos manufaturados que países africanos, asiáticos e sul-americanos poderiam – e deveriam – fornecer. Para esta historiografia, portanto, a romanização – percebamos que a grafia da palavra, ironicamente, quase nos leva a ler “romantização” – africana estava marcada por uma bipolaridade constituída por “nativos e bárbaros” versus “romanos e civilizados”. Mais uma vez, nada muito diferente de como se deu a colonização das Américas por portugueses, espanhóis, ingleses, holandeses, belgas e franceses, a partir do século XV ou, ainda mais recentemente, a exploração do território africano subsaariano a partir do século XIX. No entanto, finalmente, esse olhar historiográfico eurocêntrico, parece, começou a ser contestado. “[…] a partir de meados do século XX, com o surgimento de movimentos de independência afro-asiática, a produção historiográfica desenvolveu um novo viés, uma perspectiva pós-colonial, que resgatou a pluralidade e o dinamismo dos elementos nativos, demonstrando uma sensibilidade para a singular hibridez das experiências histórico-culturais”. (BUSTAMANTE, 2012, p. 3)

Este movimento pós-colonial é complexo e não se fecha em si. Muitas são as causas para que isso passasse a ser possível e incontáveis são as consequências que decorrem desse novo olhar sobre uma história que, por séculos, nos foi simplesmente dada e, por nós, americanos do Sul, africanos e asiáticos apenas reproduzida. Embora possamos apontar algumas possibilidades, não cabe em um artigo como este aprofundar questões tão complexas como o decolonialismo ou, até, a nova configuração econômica e geopolítica que tenta deslocar o foco do Atlântico Norte para o Pacífico e o Sul Global. Por isso, voltemos à Antiguidade e à expansão romana sobre a África nos séculos III e II a.C., quando Cartago foi tomada por Roma e, assim, esta obteve a hegemonia sobre o Mediterrâneo. Foi desse modo que Roma pôde, amparada também pelas relações de comércio que ocorreram através do Mediterrâneo, espalhar a cultura helenística para outros território até então ainda virgens da influência romana. Nesse sentido, embora essencialmente estruturalista, Thomas J. Barfield diz que a construção da estrutura de um governo imperial se dá através de um complexo processo que está baseado em cinco características principais: “1) a existência de um sistema administrativo para explorar a diversidade, seja econômica, política, religiosa ou étnica; […] 2) estabelecimento de um sistema de transporte destinado a servir ao centro imperial militar e economicamente; […] 3) criação de um sofisticado sistema de comunicação, que permita administrar diretamente do centro todas as áreas submetidas; […] 4) manutenção do monopólio de força dentro do território imperial e sua projeção frente às regiões externas; […] 5) construção de um “projeto imperial” que impõe certa unidade através do império”. (MENDES, BUSTAMANTE, DAVIDSON, 2009, p. 20-21)

Dessa forma, segundo os autores, é importante focar a interação das redes de poder entre as elites locais e imperiais, levando em conta a importância de um sistema de deslocamento de pessoas e mercadorias que permita ao centro imperial manter o trânsito político, militar e administrativo com suas colônias, bem como o fluxo da informação. Assim, é preciso também definir e gerenciar as linhas limítrofes do império, algumas vezes mediante imposição militar, noutras através da diplomacia político-cultural, algo essencial, inclusive, para a sobrevivência de um império que está essencialmente amparado no compartilhamento de valores centrais sobre os periféricos os quais, por sua vez, nunca serão subjugados na sua totalidade e, portanto, demandam um certa flexibilidade para que possam, invariavelmente, serem assimilados pelas culturas periféricas.

Esses elementos, podem parar para pensar, estão presentes no Império Romano, Inca, Asteca, Português, Espanhol, Norte Americano e foi exatamente o que ocorreu com Roma a partir da sua primeira conquista africana. Segundo Sant’Anna (2015), “O território cartaginês, fundado como parte do movimento colonizador fenício, ocorrido entre os séculos IX e VI a.C., compreendia, na época da Primeira Guerra Púnica, o norte da África, a porção oeste da Sicília, a Sardenha e parte da Hispânia.” (2015, p. 48). A importância dessas conquistas, portanto, sobrepõe as questões militares, uma vez que é a partir de então que Roma vai virar a chave em relação a sua própria história. Basta lembrar que até a segunda metade do século III a.C., segundo Mitchell (1971), citado por Sant’Anna, “[…] Roma praticamente não possuía experiência em diplomacia, sendo ainda um poder agrário sem grandes interesses fora de seus limites territoriais.” (2015, p. 49). Tudo vai mudar a partir de Cartago mas, não sejamos ingênuos, afinal, Roma já era consciente sobre a força do território cartaginês que, para muito além da Líbia, dominava parte da Hispânia e da Sardenha e avançava, perigosamente, sobre a Sicília, constituindo-se, assim, em um vizinho perigoso que, cada vez mais, cercava a República por todos os cantos da península. Além de dominar muito melhor que os romanos a arte da navegação. Dessa forma, o ataque se mostrou a melhor defesa e Roma precisou avançar sobre os enclaves cartagineses na Sicília, uma decisão que garantiu a presença romana sobre a África por aproximadamente oito séculos. Por isso, podemos afirmar que “[…] a África romana começa em 146 a.C., quando a República anexou o norte da atual Tunísia, após ter destruído Cartago e ela termina quando da tomada da mesma cidade de Cartago pelos conquistadores árabes muçulmanos, em 698 […] Trata-se, portanto, de uma longuíssima história”. (LEPELLEY, 2016, p. 434).

Apesar da brutalidade e irracionalidade que envolve todas as guerras, é fato que estas também significam períodos de inovações tecnológicas. Não foi diferente com Roma que, desde a Primeira Guerra Púnica, se viu obrigada a repensar suas estratégias de combate, bem como sua tecnologia bélica. Nesse movimento, os gregos foram importantes na transmissão de conhecimento náutico, uma vez que, ao menos na primeira Guerra, batalhas significantes foram travada no mar, ambiente que os cartagineses demonstravam excelência e superioridade em relação aos romanos. Desde então, até o encerramento dos conflitos, com a conquista romana sobre Cartago e a destruição total da cidade, se passaram longos anos de guerra e paz que tiveram, como cenário, inúmeros terrenos na Europa, no Oriente Médio, no Norte da África e no próprio Mediterrâneo, e envolveram diversas frentes de batalha que, nem sempre, estavam associadas diretamente aos cartagineses. Uma espécie de guerra mundial, se levarmos em conta o mundo conhecido por estes povos naquela época.

Então, em 146 a.C., um exército liderado por Cipião finalizou um cerco de três anos sobre a cidade africana e, finalmente, conforme relato de Sant’Anna, citando Políbio, Diodoro e Apiano, a “civilização” da qual a historiografia europeia dos séculos XIX e início do XX enaltecia, vence a barbárie da seguinte forma: “[…] tudo se resumia, nas palavras de Apino (8. 128-135), “a gritos de dor, lamento e sofrimento de todos os tipos”. Logo o fogo se espalhou e consumiu a cidade, auxiliado pelo trabalho dos legionários romanos, que destruíram os edifícios de uma vez, e não aos poucos, fazendo com que muitas construções cedessem com suas estruturas de pedra sobre os habitantes. Muitos foram vistos, ainda, com vida, feridos ou queimados em maior ou menos escala, emitindo gemidos terríveis. Apiano acrescenta, ainda, que outros caíram de lugares altos em meio ao fogo, pedras e madeira, terminando esfacelados nas mais horríveis formas, esmagados ou mutilados. Cadáveres foram usados para tapar fossos, permitindo, assim, a passagem das tropas. Diz-se que alguns foram arremessados nos fossos de ponta-cabeça e outros de cabeça para cima, tendo seus crânios destroçados por cavalos durante a travessia, pois funcionavam como ponte humana. Tamanho horror persistiu por seis dias e seis noites, até que, no sétimo dia, um grupo de suplicantes apareceu diante de Cipião e o convenceu a poupar as vidas daqueles que, protegidos na cidadela, concordassem em deixar Cartago para sempre. Mais de cinquenta mil homens e mulheres deixaram a cidade sob a guarda do exército romano. Cartago estava completamente arrasada. […] Encerrado o cerco, o território cartaginês transformou-se na província da África”. (SANT’ANNA, 2015, p. 70-71).

Paul Valéry escreveu que a História não pode ser separada do historiador pois este busca, sempre, compreender o presente, e a si mesmo, através do conhecimento sobre o passado. Portanto, historiador e História estão ligados umbilicalmente. Tal afirmação, inclusive, me faz pensar sobre o quanto estou eu, nesse momento, realizando essa reflexão e escrevendo esse texto, dissociado – ou não – do evento militar que envolve Israel e Faixa de Gaza às vésperas do Natal do ano de 2023. Uma vez assinalada tal desconfiança pessoal em relação a minha pretensa neutralidade no tema, retorno ao fluxo do pensamento aqui apresentado para afirmar que é nesse sentido assinalado por Valéry, de certa forma, que podemos perceber o quanto o Norte da África é uma região extremamente importante para compreendermos a Europa atual e, em consequência, a própria influência deste continente sobre todos os territórios por ela colonizados. Uma vez que a relação entre Europa e África, a exemplo da própria fluidez das águas do Mediterrâneo, não se deu unilateralmente, é preciso levarmos em conta que parte do continente europeu sofreu forte domínio africano, principalmente árabe. Isso se dá hoje, mediante a imigração muçulmana – embora nem todo árabe siga o Islamismo – das ex-colônias para países como a França e Itália, por exemplo, mas também já havia ocorrido no passado quando, após a queda – alguns historiadores preferem o termo “transformação” – do Império Romano, ao longo dos anos 700 e 1500, boa parte da península Ibérica esteve sob domínio dos mouros e, estes, por sua vez, tiveram participação direta ou indireta na história das mesmas navegações que vieram a descobrir e colonizar as américas a partir de portugueses e espanhóis.

Quer dizer, de certa forma poderíamos estabelecer uma linha histórica entre o Brasil, encontrado por portugueses apenas em 1500, com o mesmo Império Romano que, por séculos, dominou e impôs sua visão de mundo sobre os povos do Norte da África os quais, por sua vez, séculos depois, marcaram presença, sobretudo, na região da Andaluzia. Por isso, seguindo no raciocínio de Paul Valéry, olhar para a Antiguidade desde hoje é perceber, também, o quanto o presente está contaminado por esse passado. Ao mesmo tempo, e por outro lado, esse mesmo processo de islamização que marcou a ciência, a arte e a cultura da península Ibérica – e repercutiu na América pós-Colombo – na África do Norte, por sua vez, significou uma ruptura com a cultura europeia-romana. Ao menos no sentido que Lepelley traz para o debate ao afirmar que “os países do Magreb [ou Magrebe, no português] são geograficamente muito próximos da Europa mediterrânica. No entanto, a conquista árabe e a islamização, a partir do século VII, fizeram dessas terras um mundo muito diferente: um profundo fosso cultural, religioso, político foi cruzado, fosso que não existia na Antiguidade”. (LEPELLEY, 2016, p. 420)

Mesmo assim, em essência, percebe-se que há uma histórica interrelação cultural entre o Norte da África e a Europa Ocidental e, embora essa relação ora penda mais para um lado do Mediterrâneo, ora penda para o outro, é fato que o eurocentrismo domina – ou dominou, por séculos – a narrativa historiográfica sobre suas colônias. Por exemplo, muito se tentou associar o berbere a uma espécie de maldição anticivilizatória que denotaria uma dupla incapacidade deste povo, tanto no sentido de fazer nascer uma verdadeira civilização a partir das suas práticas tribais – e, portanto, sair da pré-história –, em nome da constituição de um verdadeiro Estado estruturado em políticas elaboradas, refletindo as experiências europeias, bem como, por conta disso, padecer permanentemente frente o domínio estrangeiro que, por sua vez, lhes imporia suas civilizações.

Tal visão de mundo, como sabemos e foi possível perceber ao longo deste texto, não é uma exceção. A historiografia mundial – e em especial, a ocidental – está impregnada de um olhar eurocentrista que precisa ser descontruído até por uma questão de justiça histórica. Sobre a África, por exemplo, estamos falando do continente onde surgiu o ser humano e onde se desenvolveu algumas das civilizações mais prósperas e importantes da antiguidade. Desde os fenícios, passando pelos egípcios e até levando em conta o caldeirão cultural do Oriente Médio, onde surgiram três das principais religiões que influenciam milhões de pessoas no mundo contemporâneo, a África é um caldeirão cultural que precisa ser melhor estudado. E estudado afetuosamente. Não é por acaso que Roma avançou, o máximo que pôde, sobre o referido continente.

A África, inclusive para além dos próprios romanos, sempre foi importante para os europeus por inúmeros motivos. Alexandria, no Egito, por exemplo, era tão admirada pelos latinos que foi da dinastia Ptolomeu que os romanos copiaram o modelo de administração. “[…] concebido como uma espécie de vasta propriedade privada em que a receita era globalmente administrada pela coroa. Em pouco tempo esta exploração converteu-se no ponto de partida preconizada por Augusto para o Egito […] lembrando que a ovelha deveria ser tosquiada, mas não esfolada”. (DONADONI in MOKHTAR, 1983, p. 192-193). Mas não só romanos, uma vez que a cidade fundada por Alexandre Magno, em 332 a.C., era uma espécie de Nova Iorque da Antiguidade. Naquele espaço cosmopolita conviviam romanos, gregos, fenícios, egípcios, judeus, cristãos, a partir do Cristianismo, enfim, uma verdadeira profusão cultural que ajuda a explicar, inclusive, a magnitude da famosa biblioteca de Alexandria.

Em relação a aproximação entre egípcios e romanos, é preciso lembrar que a relação do Egito com o Império era, sim, diferenciada. Havia algumas liberdades concedidas aos egípcios que não eram permitidas aos demais territórios. Um bom exemplo pode ser o calendário que, no Egito, era contado a partir do reinado dos imperadores egípcios e não dos cônsules romanos em exercício. Roma via o Egito como o “celeiro do Império” mas, por outro lado, isso não garantiu uma contrapartida substancial ao comércio entre ambos territórios. Havia a complacência romana sobre o Egito, é verdade, mas ainda assim se tratava de uma relação de exploração e, portanto, unilateral e definida por Roma. No geral, no entanto, essa relação era relativamente tranquila. Houve o cerco à Jerusalém, a Guerra dos Judeus em Alexandria mas, à exceção desses eventos, todos os primeiros séculos do Império foram relativamente tranquilos na região, ao ponto de Trajano reduzir as legiões estacionadas sobre o território africano e de Adriano, seu sucessor, se dar ao luxo – e curiosidade – de mergulhar nas paisagens, cultura e história egípcia.

A partir do século II, no entanto, a condição de “celeiro do Império” foi transferida para os território da região do Magrebe. As terras do Egito estavam exauridas e os agricultores, na impossibilidade de pagarem os altos impostos aos romanos, fugiram para o deserto. Essa crise agrária, contudo, já estava em sintonia com o enfraquecimento e a transformação do Império Romano ocidental, a ascendente influencia o Império Romano do Oriente, a partir de Constantino, sobre o Egito, bem como o fortalecimento do cristianismo que, em especial em Alexandria, vai se encontrar com a filosofia grega. “Em Alexandria o cristianismo assumiu, desde muito cedo e por um processo normal de desenvolvimento, um caráter acentuadamente diferente do cristianismo do resto do país. A cultura grega, de que a cidade estava impregnada, manifestava-se até mesmo na maneira com que a nova religião foi recebida. A mudança para o cristianismo tomou forma não de um ato revolucionário, mas de uma tentativa de justificar determinados conceitos novos e integra-los no amplo quadro da filosofia e da filologia da Antiguidade”. (DONADONI in MOKHTAR, 1983, p. 208)

A complexidade das relações culturais que influenciarão o Egito, o Império Bizantino e a transição do cristianismo para o islamismo, no entanto, demanda outro artigo. Nos cabe pensar, aqui, no deslocamento agrícola que ocorre para a região do Magrebe que, por séculos, teve Cartago como principal ponto de referencia desde quando os primeiros colonos oriundos da Fenícia lá desembarcaram. Assim, ao retomar a relação de Cartago com Roma, é importante explicar que a denominação da cidade se origina no nome fenício Kart Hadasht, que significa “cidade nova”. Embora não haja resquícios suficientes para tal afirmação, muitos historiadores deduzem que Cartago teria sido, desde o princípio, destinada a ser a principal colônia dos fenícios no Ocidente. “No século VI antes da era cristã, Cartago tornou-se autônoma e passou a exercer supremacia sobre as outras povoações fenícias do Ocidente, assumindo a liderança de um império na África do Norte, cuja criação teria profundas repercussões na história de todos os povos do Mediterrâneo ocidental. Tal evolução foi favorecida principalmente pelo enfraquecimento do poder de Tiro e da Fenícia – a metrópole – que caíram sob o jugo do Império Babilônico”. (WARMINGTON in MOKHTAR, 1983, p. 452)

Desde então, Cartago cresceu em importância e influencia e rivalizou, disputando os territórios da Sicília e Sardenha, com os gregos, num primeiro momento, assim como, mais tarde, também com os romanos. Para ambos, gregos e romanos, ninguém comercializava melhor que os cartagineses que, por sua vez, haviam se transformado em exímios negociantes e contribuído para tornar a sua cidade, consequentemente, na mais rica do Mediterrâneo. Cartago e Roma tinham acordos de paz deste 508 a.C., quando a cidade etrusco-latina era ainda uma comunidade de tamanho médio. No entanto, nem um novo acordo, firmado em 348 a.C., foi suficiente para segurar uma Roma já bem mais poderosa que, nas décadas seguintes, acabou por entrar em um conflito com Cartago, que conforme já vimos anterior, repercutiu em outras duas guerras e teve, por encerramento, a total destruição da cidade africana. Mesmo assim, a resistência do povo subjugado se manteve ao longo de séculos, conforme podemos ler em Warmington: “[…] foi necessário esperar mais de um século até que Roma suplantasse realmente Cartago enquanto potencia política e cultural dominante no Magreb. Por diversas razões os romanos apropriaram-se de uma pequena parte do nordeste da Tunísia, após a destruição de Cartago, e mesmo assim não se ocuparam mais desse território. No restante da África do Norte, Roma reconheceu uma série de reinos vassalos, que de maneira geral conservaram sua própria autonomia”. (WARMINGTON in MOKHTAR, 1983, p. 469)

Por conta da prosperidade que territórios como a Numídia e Mauritânia viveram nesse período, bem como a relação com a língua fenícia, em uma versão mais contemporânea tida como neopúnica e, principalmente, por receber sobreviventes cartagineses, a influência cultural de Cartago, mesmo após completamente destruída, perdurou por muito tempo. Somente em 44 d.C. a Mauritânia foi dividida em duas províncias e toda a região do Magrebe foi plenamente dominada por Roma. A partir desse período, então, mais ou menos em 40 d.C., o líbio e neopúnico, embora ainda utilizados oralmente, foram finalmente substituídos pelo latim como língua escrita. Estava se dando a transformação que retiraria parte da influencia fenícia da região que, desde muito antes dos etruscos, havia marcado a entrada do Magrebe na história do Mediterrâneo e estreitado laços comerciais e culturais com a costa norte e leste, para um novo capítulo que colocava toda a região sob influencia do Império Romano. Influencia, esta, que duraria até a invasão vândala sobre Roma e, também, no Norte da África.

Entretanto, todo esse período marcado por conquistas romanas em território africano, desde a queda de Cartago, não foi obtido de forma tranquila ou pacífica. Embora existam poucos registros dessa fase da história africana, é possível afirmar, segundo Mahjoubi (1983), que Roma sofreu muita resistência. Ao mesmo tempo, conforme já observado anteriormente, também é preciso levar em conta que tudo que sabemos sobre essa eventual resistência é relatado por fontes literárias ou epigráficas, segundo o ponto de vista romano, e analisadas de forma ainda mais imprecisa por uma historiografia europeia do início do século passado. Mesmo assim, é possível afirmar que as guerras de resistência que ocorreram mais ao sul da região dominada por Roma num primeiro momento, envolveram desde a Tripolitânia até a Mauritânia. Mais uma vez, então, pesa o fato de essas guerras serem apresentadas pelos historiadores como luta entre a civilização e o mundo bárbaro. Tribos nômades do deserto lutando para evitar o avanço da civilização e, portanto, dessa forma, ignobilmente, também negando os benefícios de uma forma “superior de cultura”.

No entanto, levando em conta a descrição de como se deu a chegada dos romanos à região, é possível não apenas compreender a resistência como, inclusive, relativizar quem eram os civilizados e quem eram os bárbaros nessa disputa bélica. “Os campos dos Númidas sedentários tinham sido devastados. As áreas tradicionalmente percorridas pelos nômades eram constantemente reduzidas e limitadas. Os veteranos e outros colonos romanos e italianos instalavam-se por toda parte, a começar pelas regiões mais ricas do país. Companhias coletoras de impostos e membros da aristocracia romana, senadores e cavaleiros, aproximavam-se de vastos domínios. Enquanto seu país era assim explorado, todos os autóctones nômades e todos os habitantes sedentários que não viviam nas raras cidades poupadas pelas sucessivas guerras e pelas expropriações foram reduzidos a uma condição miserável ou expulsos para as estepes e para o deserto. Portanto, sua única esperança era a resistência armada e seu principal objetivo a recuperação das suas terras.” (MAHJOUBI in MOKHTAR, 1983, p. 475)

Finalmente, mais ou menos no ano 100 d.C., os romanos fundaram a colônia de Timgad e criou-se uma zona fronteiriça formada por uma rede de 50 a 100 quilômetros, progressivamente deslocada para o sudoeste, composta por trincheiras e defendida por postos militares permanentes. Mesmo assim, Roma nunca conseguiu subjugar os berberes que, se utilizando de camelos, se deslocavam como facilidade e rapidez pelo sul e oeste do Saara. Numa nova tentativa de dominar completamente a região, o romanos criaram os assentamentos – limitanei –, formados por soldados-camponeses, para os quais eram distribuídas terras ao longo da fronteira. Esses soldados-camponeses não pagavam impostos mas, em contrapartida, deles se esperava a proteção dos limes. De forma semelhante a como ocorreu, também, ao longo das fronteiras Norte do Império, esses limites impostos pelo Estado, e efetuados por famílias que se viam abandonadas no meio do nada, mais do que separar as terras que pertenciam à Roma da região livre dos berberes, acabou por tornar-se uma área de intensos contatos comerciais e culturais. Ainda antes do Império, as primeiras experiências de colonizações propostas por Caio Graco, por meio da lex rubia, em 123 a.C., são um bom exemplo de como o projeto nasceu fracassado. Conforme sabemos, devido a questões políticas e motivos econômicos, Graco não foi feliz na sua tentativa de “reforma agrária” e os colonos para lá deslocados acabaram escravizados por senadores e cavaleiros que tomaram, para si, as terras dos assentados. Apenas a partir de Otávio Augusto, retomando os planos do pai adotivos, Júlio César, é que houve algum progresso nas relações entre Roma e suas províncias africanas. “De acordo com uma lista fornecida por Plínio, cujas fontes ainda suscitam controvérsias, em pouco tempo havia seis colônias romanas, quinze oppida, civium romanorum, um oppidium latinum, um oppidium immune e trinta oppida libera.” (MAHJOUBI in MOKHTAR, 1983, p. 485)

Em 212, por conta da Constituio Antonina, os diversos grupos que constituíam o Império Romano na África, com exceção aos escravizados, foram incorporados como cidadãos. Nesse momento a sociedade era dividida, conforme a língua e costumes, em três grandes grupos formados por 1) romanos ou italianos imigrantes, 2) cartagineses e líbios sedentário e, por fim, 3) líbios nômades. Essa integração, aos poucos, também permitiu a ascensão desses novos cidadãos à política romana. O primeiro senador africano veio de Circa e viveu no tempo de Vespasiano mas, um século mais tarde, a África já contava com 170 senadores, constituindo o segundo maior grupo político depois dos italianos. O mesmo ocorreu com os militares que integravam as legiões romanas, evidenciando o quanto a conquista do Norte da África fora importante para toda a manutenção do Império. O próprio Tácito (1952), em seus Anais, relata o recrutamento massivo de africanos após a Campânia e, posteriormente, Roma, serem devastadas por uma epidemia tão colérica que todas as casas relatavam a incidência da morte enquanto, nas ruas, só se via enterros. “Não escapava deste perigo nem sexo nem idade; escravos e cidadãos desapareciam em um instante entre os lamentos de suas mulheres e seus filhos que, ao mesmo passo que choravam a seus maridos e seu pais, já tocados pelo mal, eram muitas vezes conduzidos à mesma fogueira […] Nesse mesmo ano se fizeram recrutamentos na Gália Narbonense, na África e na Ásia para completar as legiões da Ilíria, das quais muitos soldados, ou por doentes ou por velhos, iam recebendo suas baixas.” (TÁCITO, 1952, p. 433)

Fica claro, portanto, que a África era uma fonte inesgotável de recursos de todo o tipo. Pudera, alguns historiadores falam em uma população urbana próxima de 4 milhões de pessoas. Portanto, subjugando a África, Roma contava com milhares de soldados, agricultores, artesãos e comerciantes com quem podia compartilhar experiências mas, sobretudo, recrutar soldados para suas legiões, obter produtos agrícolas e artesanais, além de recolher impostos. Na região, os principais produtos econômicos eram oriundos do cultivo de cereais, da manufatura da azeitona para retirar o azeite, bem como a produção de cerâmicas, também para sua utilização no estoque e transporte deste azeite. Mas, por outro lado, com o domínio romano muitos produtos foram proibidos e pararam de ser produzidos em terras africanas e passaram a ser importados da Europa, o que refletia uma balança comercial cômoda para Roma e deixava as províncias sempre em situação comercial desfavorável. Por fim, alguns produtos que não se encontrava na Europa tiveram seu comércio facilitado através das novas fronteiras do Império na África. Nesse sentido, os países forneciam ouro, através de várias rotas que ligavam a minas da Guiné às praias do Mediterrâneo, esmeraldas e pedras preciosas, animais exóticos e até escravizados negros da África subsaariana. Em contrapartida, Roma pagava a conta através do fornecimento de vinhos, objetos de metal e vidro, além de cerâmicas e têxteis, todos produtos com valor agregado.

É bem verdade que, numa relação entre dominantes e dominados, a balança comercial sempre vai pesar mais para um lado mas, mesmo que isso seja um fato, também é preciso levar em conta que não se trata, apenas, de uma relação unilateral entre civilizados versus bárbaros, conforme apontado, nesse texto, inúmeras vezes. “Após ter sido negligenciada durante longo tempo pelos historiadores de Roma, as artes provinciais e as culturas “periféricas” estão, atualmente, no centro das preocupações. Isso se deve a uma compreensão mais clara dos limites da romanização e das diferentes formas que ela assumiu em seus contatos com as sociedades indígenas. Além disso é preciso considerar que a arte de uma determinada província não pode ser dissociada de sua vida econômica, social e religiosa. A propósito, para estudar e apreciar a arte desenvolvida nas províncias africanas durante a dominação romana, tornou-se necessário considerar o persistente substrato líbio-púnico que continuou a existir e a evoluir durante séculos.” (MAHJOUBI in MOKHTAR, 1983, p. 507)

Por esse motivo, é muito importante reconstruir o olhar historiográfico hegemônico, não somente sobre a África, mas em relação aos diversos povos que, por séculos, foram subjugados por europeus e seus herdeiros norte-americanos. O roteiro é sempre o mesmo, a narrativa se renova apenas na troca dos nomes e datas, mas o fato é que o legado imperialista romano não está presente no nosso tempo apenas através das suas maravilhas arquitetônicas, sua contribuição para o Direito ou suas estradas ainda hoje utilizadas para o deslocamento de pessoas e mercadorias. Roma está presente, em nós, sobretudo, por conta do seu legado bélico, voltado à conquista de outros territórios. Não por acaso, a estética do Terceiro Reich, como já mencionado anteriormente, foi fortemente referenciada na Roma Antiga. Por outro lado, Cartago é um bom exemplo de como a resistência de povos e culturas se dá, muitas vezes, inclusive, de forma inconsciente, mesmo quando toda uma cidade ou um país é completamente destruído. E também não há historiografia hegemônica capaz de apagar os resquícios dessa contribuição cultural. Segundo Mahjoubi, “[…] a História costuma distinguir duas culturas na África, uma “oficial”, de caráter romano e outra popular e provincial” (1983, p. 509), no entanto, é fato que muitas vezes, em inúmeros monumentos, de forma semelhante a como ocorre com a arquitetura remanescente, as duas correntes se encontram, se misturam e até se confundem.

Se Thébert afirma que “[…] a integração da África ao mundo romano só intensifica relações já existentes, não as cria.” (2009, p. 298), também é verdade que, segundo G. Charles-Picard, citado por Mahjoubi, a “África deu muito mais a Roma do que recebeu e mostrou-se capaz de fazer frutificar suas influências com um espírito que não é nem da Grécia nem o do levante helenizado.” (1983, p. 509). Portanto, se desde o fim do Império Romano já vimos a história se repetir inúmeras vezes e o enredo parece ser sempre o mesmo, também é verdade que há resistência em todos os sentidos. Tanto militar quanto cultural.

Em vários momentos, ao longo da História, inclusive, os cenários se repetem. Os séculos avançam e lá no Oriente Médio, naquele enclave entre a África, Ásia e Europa, em pleno século XXI, novamente uma potencia militar, dita esclarecida e democrática, tenta riscar um povo, tido como bárbaro, do mapa. A Faixa de Gaza é, hoje, a Cartago de um passado distante. Mas também já foi o Afeganistão e o Iraque de um passado recente. A mesma África explorada por europeus nos séculos XIX, XX e XXI, em busca de diamantes, é a África que forneceu a mão de obra escrava para que a Europa explorasse a América Latina desde o século XVI, e é a mesma África que, como vimos, romanos exploraram num passado tão longínquo que, parece, não nos pertence. Ao mesmo tempo, assim como a história de exploração deste vasto continente, que atravessa séculos mas sempre está nas mãos de algum império de ocasião, também a Roma Antiga repercute diretamente nós, hoje, em pleno século XXI. Mas, também é fato que se a resistência não ocorre através das armas, ela se dá através das ideias. E até para isso é importante revermos esse olhar hegemônico sobre a História. Afinal, se há algo que o estudo da História nos revela é que esta, a História, é uma permanente disputa entre David e Golias. Se nem sempre David vence a briga, quase sempre ele incomoda e, certamente, embora não seja uma Fénix, sempre renasce das cinzas.

Bibliografia CONSULTADA

BUSTAMANTE, Regina Maria da Cunha. África do Norte no Império Romano – representações musivas de identidade e alteridade. Anais do XV ERH-ANPUH-RIO, 2012.

LEPELLEY, Claude. Os romano na África ou a África romanizada – arqueologia, colonização e nacionalismo na África do Norte. Revista Heródoto. Unifesp, 2016.

MENDES, Norma Musco; BUSTAMANTE, Regina Maria da Cunha e DAVIDSON, Jorge. História da vida privada – do Império Romano ao ano mil / organização Paul Veyne. São Paulo : Companhia das Letras, 2009.

MOKHTAR, G. (coord). A África antiga. São Paulo – Ática : Unesco, 1983

OLIVEIRA, Júlio César Magalhães de. Sociedade e cultura na África romana – oito ensaios e duas traduções. Intermeios, 2020.

SANT’ANNA, Henrique Modanez de. História da República Romana – Petrópolis, RJ : Vozes, 2015.

TÁCITO. Anais – Vol. XXV. São Paulo, SP : Editora Brasileira Ltda, 1952.

VEYNE, Paul (org). História da vida privada I : do Império ao ano mil. São Paulo, SP : Companhia das Letras, 2009.

I. BOCA MIGOTTO

I., de Ivanir, Boca Migotto é cineasta, pesquisador, fotógrafo e escritor. Publicitário formado pela Unisinos, cedo se deu conta que estava na área certa – a Comunicação – mas no curso errado. Formado, então, largou tudo e foi para Londres. Nos dois anos que permaneceu na Inglaterra fez de tudo: lavou prato, fez café, foi garçom e auxiliar de cozinha, estudou inglês e cursou cinema na Saint Martins College of Arts and Design. Ao regressar para o Brasil, fez Especialização em Cinema e Mestrado em Comunicação, ambos pela Unisinos. Nesta mesma instituição, foi professor de Documentário no Curso de Realização Audiovisual, onde permaneceu por dez anos, atuando também em disciplinas dos cursos de Jornalismo, Comunicação Digital e Publicidade. Finalizou seu Doutorado em Comunicação pela FABICO/UFRGS, com extensão na Sorbonne/Paris 3. Foi quando morou em Paris, aliás, que decidiu lançar seu primeiro livro de ficção “Na antessala do fim do mundo”. Como cineasta – diretor e roteirista – realizou mais de vinte curtas-metragens e séries de TV, além dos longas-metragens “Filme sobre um Bom Fim”, “Pra ficar na história”, “O sal e o açúcar” e “Já vimos esse filme”. Em 2021 lançou seu segundo livro “Um certo cinema gaúcho de Porto Alegre”, resultado da sua pesquisa de doutorado. Neste ano de 2023 está lançando seu terceiro livro “A última praia do Brasil” pela editora Bestiário em parceria com a Rede Sina. Atualmente é graduando em História- Bacharelado na PUCRS.

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4 POEMAS DE ORLANDO FONSECA https://redesina.com.br/4-poemas-de-orlando-fonseca/ https://redesina.com.br/4-poemas-de-orlando-fonseca/#respond Mon, 20 Nov 2023 19:54:37 +0000 https://redesina.com.br/?p=120344   ESTADO DA ARTE (BÉLICA)   Diáspora Noite áspera: De onde viemos? Para onde vamos?   O clarão do míssil não esclarece, apenas estilhaça páginas da História. Incendeia manchetes dos jornais, (ob)escurecendo o hoje.   No fragor da batalha (das batalhas), a Humanidade caminha trôpega. Para onde? Para onde?     SOU DA PAZ   …

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ESTADO DA ARTE (BÉLICA)

 

Diáspora

Noite áspera:

De onde viemos?

Para onde vamos?

 

O clarão do míssil

não esclarece,

apenas estilhaça

páginas da História.

Incendeia manchetes

dos jornais, (ob)escurecendo

o hoje.

 

No fragor da batalha

(das batalhas),

a Humanidade

caminha trôpega.

Para onde? Para onde?

 

 

SOU DA PAZ

 

Não sou de levar

desaforos para casa.

Tampouco sou de lhes deixar

motivos por aí.

 

NADA PESSOAL

 

Se é para ter um

personal, que seja o

Fernando em Pessoa.

 

ESTRANHO

 

Por vezes penso em fazer coisas

das quais me arrependo em seguida.

Por vezes penso ter feito coisas

das quais me esqueci de

qualquer arrependimento.

Guardo na lembrança

um porém,

testemunho do que

teria sido após o que fiz,

como se não me importasse muito

se fiz ou deixei de fazer.

 

Vezes sem conta não entendo

porque fiz o que fiz,

ou disse o que disse,

ou não disse nada quando

devia ter dito –

uma ironia que fosse.

 

Me olho no espelho como

se fosse um outro que me examina

sem reservas, logo pela manhã.

Que me diz saber o que

não lembro ter sonhado,

dormi o que deveria ter vivido.

Mas eu pergunto: e daí?

 

Tenho sido demais o que antes

não pensava ter sido.

Tenho sido tantos que já

não sei dizer se sou o que era,

ou quem era o que sou.

Por mais estranho que pareça,

não me assusto com a surpresa

de ser apresentado ao que fui,

ao que sou, ao que teria sido.

 

Uma coisa posso lhes dizer

com certo prazer cultivado:

Sou o único estranho

que me levaria para casa

sem qualquer receio.

 

           

ORLANDO FONSECA

Orlando Fonseca nasceu em Santa Maria, em 7 de outubro de 1955. Professor Titular aposentado da UFSM, onde atuou por 31 anos, na área de produção textual nos Cursos de Comunicação Social e Letras. Doutor em Teoria da Literatura, pela PUCRS, 1997, e Mestre em Literatura Brasileira pela UFSM, 1991. Exerceu o cargo de Secretário da Cultura de Santa Maria, no período de 2001-2004; Pró-Reitor de Graduação na UFSM, 2010-2013. Patrono da Feira do Livro de Santa Maria em 2005. Cronista do Jornal Diário de Santa Maria e Site claudemirpereira.com.br. Presidente do Conselho Municipal de Política Cultural (CMPC – 2018-2019); Presidente do Coletivo Memória Ativa (2018-). Terá romance publicado pela parceria Rede Sina| Bestiário dia 6 novembro de 2023 no Mojju Gastro Pub.

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10/11 | SEX | 14h | DEMODAY STARTUPS RS NO INSTITUTO CALDEIRA https://redesina.com.br/10-11-14h-demoday-startups-rs/ https://redesina.com.br/10-11-14h-demoday-startups-rs/#respond Thu, 09 Nov 2023 03:55:15 +0000 https://redesina.com.br/?p=120293 Nesta sexta, 10, a partir das 14h, a Rede Sina, vai estar participando do 17ª Demoday, apresentação de startups do RS, resultado dos programas StartupRS Digital e Scale promovido pelo Sebrae RS. Serão apresentadas 16 empresas. Cada uma terá 3 minutos para seu pitiching. Uma banca avaliadora fará algumas perguntas. O público pode participar presencialmente …

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Nesta sexta, 10, a partir das 14h, a Rede Sina, vai estar participando do 17ª Demoday, apresentação de startups do RS, resultado dos programas StartupRS Digital e Scale promovido pelo Sebrae RS. Serão apresentadas 16 empresas. Cada uma terá 3 minutos para seu pitiching. Uma banca avaliadora fará algumas perguntas. O público pode participar presencialmente ou virtualmente mediante inscrições. A entrada é gratuita.  O evento ainda conta com a participação de Maicon Ferreira, co-founder e CTO da SafeReport e fundador da SuiteShare, que fará o case de abertura.

Confira as empresas e ordem de apresentação:

 

Inscrições:

https://forms.office.com/r/94r4pn4NN0

Acompanhe presencialmente:

Estúdio do Instituto Caldeira | Tv. São José, 455 – Navegantes

Acompanhe online: 

 

 

 

 

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