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QUATRO DIAS PARA O FIM DO MUNDO (PARTE 1) – Melina Guterres/Mel Inquieta

Um conto de Melina Guterres/Mel Inquieta

DIA 1: AS PRIMEIRAS 24h

Faltavam quatro dias para o fim do mundo. Por acaso, um traficante morto caia ao meu lado e as ruas já mostravam o caos de uma guerra civil. Ninguém mais ouvia ninguém, todos eram “haters” uns dos outros.

A metralhadora estava ao alcance das minhas mãos. Eu poderia a qualquer instante sair atirando. Mais um passo e estava o homem que se vestia de ignorância, o pai do caos, bem na minha mira. Se eu atirasse eliminaria o caos? Já era tarde, ele já estava instalado, e o homem vestido de ignorância já era vítima da própria ignorância. Eu adoraria atirar nele, mas de frio só o picolé que derreteu outro dia em minhas mãos, em meio aquele calor infernal da capital. As armas nunca me atraíram, exceto nos filmes em que as mocinhas matavam centenas de homens, a la Kill Bill, mas isso antes de estourar os bastidores da indústria, os escândalos de assédio tão rotineiros até para as grandes estrelas. Agora eles mereciam a vida, a visão e a prisão.

Quanto mais as memórias vinham, mais aquela metralhadora, ainda ali na minha frente, parecia fazer sentido. Sentei no meio da calçada do traficante morto, roubei cigarro e um fósforo que fazia tempo que não via. Meu coração palpitava tanto… não sabia mais se pelos meus cruéis desejos de vingança ou por aquele cigarro diante de mim. Fumei depois de 20 anos e parecia ontem. Fumaria até o fim do mundo, 4 dias, 4 carteiras provavelmente, e eu só tinha meia. Repentinamente conseguir cigarros se tornou mais importante que matar o pai do caos. Me senti uma viciada em fuga. Matar ou fumar, o que era mais importante? E eu seria mesmo capaz de matar?
Um homem bonito passa rapidamente como uma miragem naquelas animações de deserto. Meu coração palpita novamente, até perceber que, nas costas, eles carregava a bandeira do nosso país. Congelei, mas foi de medo, como se fosse uma judia avistando um alemão na segunda guerra mundial. Apesar de gostar do hino e até da bandeira, infelizmente eles foram usados para causar a guerra civil que se arrastava pelo menos há alguns anos.

Levantei, deixei os cigarros, peguei a metralhadora. Eu poderia virar uma vilã ou uma heroína facilmente agora, depende para qual hater é claro. Que vontade de atirar, mas preferi correr, e correndo fui parar num bolicho semi-abandonado, depredado pelos caos, vidros quebrados, uma senhora sozinha e um corpo, aparentemente do marido, sobre uma mesa de sinuca. Ela, talvez em estado de choque, bebia whisky, colocava um disco numa velha vitrola, acendia uma luminária de luz amarelada e cantarolava. Não sabia se entrava ou ia embora. Ela me viu, me assustei.
– Não precisa ter medo, aqui já morreram pessoas suficientes hoje.
Só havia ela e aquele corpo.
Me disse pra sentar, perguntou o que eu bebia, mas antes que eu respondesse ela apareceu com duas taças e uma champanhe.
– Só lamento que tenham o matado quando faltam apenas 4 dias para o fim do mundo.
Ela deveria ter uns 70 anos. Serviu minha taça, puxou um brinde e disse: – Antes tarde do que nunca.

Eu estava surpresa e ela liberta.
Brindamos.

Eu poderia ficar naquele bar e beber todas com ela até o fim do mundo, ouvir todas suas tristes histórias e quem sabe até ouvir a confissão de que fora ela mesma quem o matou. ( o marido). No entanto, um impulso me chamava para vida, o mundo estava acabando, eu queria ao menos arrumar alguém para transar até o mundo acabar, alguém sem bandeiras. Agradeci a hospitalidade e segui meu curso.
Ao cruzar uma ponte, um homem atraente parecia perdido. Fui rápida, agarrei-o em suas partes. Ele afastou meu corpo e disse:
– Eu entendo você, juro, mas estou com pressa procurando a minha mulher e filho.
Pelo menos um homem fiel no fim do mundo. Ele seguiu seu rumo e eu, envergonhada, me dei conta do que pratiquei. O que eu estava pensando afinal? Que ele me desejaria só porque é um homem? Nunca me senti tão machista. Se fosse o contrário, certamente eu me sentiria invadida, agredida e por que ele não poderia ter o sentido mesmo? Pelo menos, ele teve sorte, eu sou a metade do tamanho dele, minha perna deve ter o tamanho da braço dele. Dificilmente eu ganharia uma luta, exceto que… a metralhadora, é claro. Sempre a dona das soluções impróprias e “express”. Sentei numa pracinha, tirei meus calçados. Estava cansada de caminhar e daqueles calos que pareciam nunca curar.

Um homem seguia trabalhando entregando cartas, parecia poético até, mas na verdade o pai do caos não acreditava no fim do mundo, das poucas estatais que restaram, os funcionários tinham que seguir trabalhando, era isso ou salário reduzido. Fato é que todo mundo estava acabando com o mundo, mas ninguém acreditava que ele iria acabar.

Teorias das conspirações se misturavam com um tanto de ciência, e os números do fim do mundo variavam. Meu país vivia cenas de guerras urbanas. A população revoltada havia posto fogo praticamente em todos prédios que representavam o governo. Aqueles que parecem que vieram da idade média diretamente para 2040, pareciam um vírus pior que a pandemia há pouco era vencida. Eles trouxeram o caos, o horror, a inquisição estava nas esquinas, nos postos. Matar nunca foi tão banal.

Mas eu não queria saber de nada disso, meu instinto era mais forte, eu me sentia animalesca, só pensava em sexo. Eu precisava gozar e ainda ter tempo para aquele cigarrinho pós-orgasmo. Era só isso que eu queria antes do mundo acabar.

O que eu tinha? Só uma metralhadora e alguns cigarros roubados de um traficante morto.

Não, não abandonei a metralhadora, poderia me proteger com ela, matar não estava nos planos por enquanto. Me sentia num vídeo game circulando pela cidade, carregando aquele negócio. Ninguém dava bola, já era normal circular armado. Há 20 anos a gente já alertava sobre esse presente, mas quem ouviu?

Fato é que o estranho hoje, é uma pessoa desarmada. Evidente que me passou pela cabeça ameaçar alguém para realizar meus desejos, mas como eu iria me concentrar?  Como que um homem iria conseguir ficar excitado com uma arma apontada para sua cabeça? Certamente ia ficar com no máximo com aquele pau meio-mole-meio-duro e meus objetivos reais não dariam certo. Estuprar um homem parecia uma hipótese sem futuro.

E eu, o que faria? Estava só numa pracinha, sem internet porque haters de não sei que lado destruíram as empresas responsáveis pela comunicação. E pensar que tudo isso começou com memes, e do riso nós viramos bichos, absorvidos pelo ódio.

Era tanta certeza de um lado, tanta certeza do outro, que o caminho do meio e do diálogo simplesmente foram extintos. E eu aqui nessa seca com meus quase 50 anos. Não sei quem foi que disse que tesão diminui com a idade. O meu parece ter triplicado.

Meus filhos, aqueles conservadores, nunca entenderam isso. Ah, que saco, lembrar que ainda tenho uma família me esperando em casa. Eu aqui, nessa cidade em demolição, me sentindo uma loba à caça está tão divertido quanto jantar com um bando de ingratos interessados em herança. Até queria amar de novo, mas no momento conseguir não pensar no passado, ter cigarros, e sexo bastava. Não! voltar para casa era perda de tempo! Ainda mais agora que faltam apenas 3 dias para o mundo acabar.

E lá se foi mais um dia. Eu estava indo me abrigar no que parecia ter sido um hotel, quando dois grupos de jovens se encontravam, não pareciam amigáveis. Um deles que não devia ter nem 20 anos, olhou bem pra minha cara e me chamou de bruxa. Disse que eu era uma mulher que ele viu na internet maltratando uma criança. Não demorou  para todo o grupo me cercar, me vi caída no chão. Acordei num hospital com muitas dores, ao meu lado, a mulher que há pouco velava o marido. Dizia ela para uma enfermeira que chegou feito uma “ramba”, com uma artilharia de armas espalhadas e uma mala.

– Quando me viram, riram. Divertido foi vê-los vindo em minha direção achando que eu não ia atirar. Comecei pelos pés, não estava afim de matar pessoas tão jovens. Mas alguns insistiam em avançar. Abri a minha mala, peguei a bazuca. Quando mirei no líder e atirei, não me importunaram mais.

Que imagem para guardar de uma senhorinha… Mulher de fibra, eu nem tive tempo de aprender a usar a metralhadora do traficante morto, quanto menos me defender. Ela e a enfermeira riam com deboche, certamente com o mesmo que sentem quando duvidam da capacidade de uma mulher agir com violência. Eu queria rir também, mas não conseguia. Eu sentia ódio e também pena de chegarmos a tal ponto onde para sobreviver é necessário matar. Sentia prazer e culpa. Prazer por ser vingada, culpa por comemorar a morte de alguém. Que sentimento dúbio. Poderia ser eu a estar morta, não fosse aquela “ramba” da “pior” idade, aquela que se o mundo não acabasse em breve, eu enfrentaria.

Já é mais um dia, minha nova amiga trouxe flores secas, e volta meia bebericava um cantil. Meu rosto dói. Não acredito que vou passar o fim do mundo numa cama de hospital. Do meu lado, outra mulher que parecia bem ferida, mas já melhor que eu, ria de suas histórias. Por alguns instantes aquele ambiente de pessoas estranhas parecia tão familiar, algo que há tempos não sentia. Meu corpo doía muito, não sei se tanto quanto as feridas que nunca pude ver cicatrizarem. Não sei por que elas estavam vindo agora, todas juntas, eu presa num corpo com as minhas memórias, queria respirar, me libertar das tantas frustrações. Aquelas risadas a minha volta pareciam ser por um instante o melhor dos remédios, elas riam e debochavam das desgraças da vida. Quando o calor que a gente precisa vem dos estranhos, é estranho, mas reconfortante. Meu sorriso não saía, minha boca doía, eu não tinha dimensão do quanto estava machucada, elas nem percebiam o meu estado de consciência. Eu queria interagir, mas não conseguia. Na minha frente uma televisão noticiava os acontecimentos, eu tentava interagir. Mas nada no meu corpo se mexia. Eu via a vida pela televisão.

Não tardou para os falsos choros chegarem a minha volta, tantos rostos conhecidos e só os dos estranhos me confortavam.

Meus filhos, ex-marido, sobrinhos já discutiam sobre testamento e herança como se eu nem estivesse mais presente. Eu tinha vontade de vomitar. Queria que a minha nova amiga apontasse a sua bazuca para todos eles e me livrasse de ouvir aquela conversa, mas dessa vez foi outra mulher que me salvou.

– Vocês não tem vergonha, não?! Ela nem morreu e vocês discutindo herança.

Um silêncio tomou conta do ambiente. Quem era aquela mulher, minha salvadora, heroína do momento?

– Saiam todos daqui, agora!

Eles saíram, ela olhou no meu rosto, fez um carinho nos meus cabelos.

– Sinto muito se você estiver ouvido isso. Sei que você não me conhece, talvez essa não seja a melhor forma e momento de nos apresentarmos, mas eu sou a sua advogada a partir de agora.

Ela se foi, não entendi nada. Logo minha amiga chegou com mais flores secas e seu cantil. Se um dia eu sair dessa cama, vou querer entender o porquê dessas flores sempre secas.  Na TV, o pai do caos, aquele que esteve na mira da metralhadora, anunciava mais um tragédia antes do mundo acabar: Todo sistema de educação e saúde seria privatizado. A desculpa é que com dinheiro das privatizações eles poderiam investir mais em segurança. Senti-me tão mal por não ter usado aquela arma, por que eu não atirei? Se o mundo não acabar como tenho previsto, nunca vou me arrepender de ter perdido tal oportunidade. Agora eles vão investir em artilharia pesada, tudo previamente pensado, nada melhor que uma guerra civil para justificar um estado de exceção, e, é claro, as privatizações. Se raiva matasse, eu enfartava agora.

Mexi um dedo! Eu senti, meu dedo mexeu. A enfermeira gritou, é real, ela viu, eu mexi. Logo um médico chegou para me examinar. Meu Deus! Como é lindo. Não o tinha visto ainda, lembrava até o George Clooney com o charme de seus grisalhos, só ver ele, já era uma boa motivação para mexer mais. Meu Deus, outro dedo, consegui mexer outro dedo. Eles estão vendo, que alívio.  Nunca imaginei que raiva e desejo pudessem ser tão fortes assim. Acho que vou precisar mais de sentimentos fortes para seguir me exercitando. Eu ‘tô” me sentindo viva. Viva e livre, apesar de estar amarrada nesta estrutura do corpo. Minha mente voa como um passarinho, ou melhor, uma passarinha que aprende e sente pela primeira vez que raiva e tesão não são pecados.

Pra inspirar até o próximo capítulo…

LEIA A PARTE 2:

QUATRO DIAS PARA O FIM DO MUNDO – PARTE II

MELINA GUTERRES / MEL INQUIETA
Jornalista, roteirista, poeta. Criadora e editora da plataforma Rede Sina desde 2015. Trabalhou para Uol, Estadão, Folha de São Paulo, Revista Istoé. Atua com consultoria em comunicação, gestão e produção de conteúdo. Faz parte da ABRA-Associação Brasileira de Autores Roteiristas. Teve argumento de longa-metragem contemplado internacionalmente no Programa Ibermedia.
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Cultura, opinião e luta! Rede Sina - Comunicação Fora do Padrão

6 comments

  1. Já estou querendo saber o que acontece quando ela sair do hospital!

  2. Que rico conto!! Intenso e delicado como o desejo de uma mulher 🥰

  3. Melina, continue escrevendo sempre. O texto prende a atenção do início ao fim e provoca muitas reflexões. Até deu vontade de escrever sobre o que penso! Consegui visualizar o caos e todas as cenas como se passassem numa tela mental.
    Parabéns querida! Continue firme, escreva, crie, acho q esse é um dos nossos papeis nesse mundo. E você está fazendo a diferença instigando pensamentos e percepções àquelas pessoas q pensam equivocadamente sobre o momento em q vivemos.
    Estou super orgulhosa por tê-la como uma amiga e parceira de projetos.
    Você é luz na vida, continue brilhando cada vez mais.

    https://redesina.com.br/quatro-dias-para-o-fim-do-mundo-parte-1-por-melina-guterres-mel-inquieta/

  4. Mel! Fiquei com gosto de quero mais!

  5. Mel.Estou atrapalhada !Não consigo abrir o gmail no computador.
    O pior que não me animo a chamar alguém p me ajudar.
    Foi uma surpresa boa te ler no celular mas é dificil de escrever!
    Fica bem e continua escrevendo!
    Bjos bjos

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