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Quando o dia de repente vira noite… por TÁSSIA NOVAES

Quando o dia de repente vira noite, algo muito poderoso está operando no Universo. É assim desde registros de eras remotas. O eclipse solar total* nesta segunda-feira, 14 de dezembro, promete ser mais um episódio de 2020 capaz de nos revirar profundamente. Anunciado com entusiasmo pela comunidade internacional de astronomia, parece ser mais do que um relevante evento celeste. Ampliando a ocasião para a luz do esoterismo, considerando o conceito da Trindade Universal, em que eu (nós), Deus e o Universo somos Um, estamos diante de uma preciosa oportunidade para observar a potência da regência divina em nossas vidas. Sem suavidade, com generosa dose de dor e lágrimas.

Nos últimos dias, fiquei com a notícia do eclipse martelando na minha cabeça. Logo lembrei de minha mãe. “A lua está puxando tudo que existe dentro da gente. É muito forte”, lembro de sua voz, em algumas ocasiões, sentada em numa cadeira de praia observando o céu a noite. Ok, o fenômeno agora é solar e total, mas o protagonismo continua sendo a Lua. É ela quem tapa o sol, como no desenho da carta A Lua, no tarô de Marselha. Talvez seja razoável considerar que é um momento no qual o ego (Sol) é sublimado por uma corrente de emoções profundas (Lua). É a Lei do Universo desnudando o que há de mais convincente na face externa do nosso ser, aquilo que cultivamos com entusiasmo e compõe a nossa aparência. Em uma interpretação poética, é como se o Universo autorizasse um comando especial para a Deusa Mãe: apague por um instante a fonte de luz da vida e ofereça a cada um de seus filhos, como alimento, um mergulho na sua própria escuridão.

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Conectar carta do tarô com um evento da astrofísica é bem pouco filosófico, apenas uma brincadeira intuitiva de uma filha que está com muita saudade da mãe e que ainda conta com a presença material de um pai mestre da física. Minha mãe tinha as mãos super bonitas, delicadas, femininas, nada envelhecidas e com expressivo magnetismo, que ela empregava, com muita disciplina, em passes e transfusões energéticas. Conectar qualidades da lua com questões particulares é como buscar significado espiritual para situações aparentemente aleatórias, mas que podem causar algum tipo de rebuliço dentro da gente. Não dar ouvidos ou desviar das conexões cósmica, bem verdade, é possível, dado o benefício do livre arbítrio, mas talvez seja um tipo de negação cuja conta tem um preço alto e a cobrança é tanto ou mais impiedosa do que a própria circunstância espontânea. Emoções, mãe e lua, ora! Tudo a ver… Foi inevitável colocar tudo no mesmo balaio.

Fiquei pensando, em um exercício curioso, em qual parte (zona, área?) da pintura que compõe a carta A Lua me encontro no momento desse eclipse solar, considerando o desenho do tarô de Marselha. Há diferentes territórios presentes nesta carta, seja qual for a origem do baralho, é sempre pouco humano e muito animal. No desenho em questão, temos: águas profundas, águas rasas, um lagostim, dois cães ferozes, ladrando, fazendo a guarda de um portal com duas torres, uma terra árida e as emoções são sugadas, em formato de gotas/lágrimas que sobem feito imã ao encontro da lua eclipsando o sol. Se consideramos esses planos como territórios existenciais por onde transitamos quando estamos perdidos, confusos, tateando na escuridão, rende muito o que meditar.

A carta da Lua é macabra, nenhum estudioso do tarô pode negar. A beleza está na nossa capacidade (individual) de continuar a travessia rumo à autocompreensão. Quando aparece num jogo, sinaliza um momento pertubador para o consulente, expressiva instabilidade emocional, dualidades, fases, mutações, oscilação de humor, fertilidade, obsessões, neuroses, enfim, depende das cartas no entorno. Ninguém escapa da sombra das emoções durante a jornada do Louco, tem nuances na Roda da Fortuna, no Enforcado, na Papisa, no Eremita, sendo a Lua a ausência de autoiluminação. Nem a carta da Morte é tão sombria como a da Lua. É ela quem regula as águas – dos fluidos corporais às marés.

“Um enfrentamento dessa natureza ou significa morte espiritual ou pressagia renascimento. Apenas na região de maior terror se encontra o áureo tesouro”. Sallie Nichols, no livro Jung e o tarot, capítulo A Lua.

Me atrevo a dizer que, de alguma forma, estamos todos diante desse conjunto de vetores lunares no momento do eclipse solar. Cada um constelando com os aspectos do seu  pacote de escuridão. Talvez seja uma ação de ordem superior, um solavanco do Cosmos nos colocando face-a-face com a nossa própria loucura em um momento em que estamos, no coletivo e no íntimo, francamente abatidos. Seria este mais um capítulo do desconfortável ano de 2020, que revirou nossas vidas de ponta-cabeça e parece ter guardado grandes surpresas para os instantes finais. Parece um golpe de pouca misericórdia e talvez realmente seja, mas, uma vez presente na nossa órbita, sabe-se lá porque esse episódio se faz necessário a sete dias do repeteco da rara tríplice conjunção Júpiter-Saturno-Plutão.

A diferença do Sol, que é brilhante, merecedor de confiança e quente, a Lua é pálida, inconstante e fria. No entanto, pela sua iluminação podemos ver sombras até então desconhecidas. Ao passo que à luz do Sol os objetos se destacam, nítidos, como entidades separadas de formas aguçadamente definidas, sob o brilho pálido da Lua essas categorias feitas pelo homem se dissolvem, oferecendo-nos uma nova experiência de nós mesmos e do nosso mundo. Transformada pela magia da Lua, uma moita vira urso, tigre, rocha, casa ou ser humano. É assustador, a princípio, encontrar o nosso mundo tão bem compartimentalizado dissolvido no fluxo bruxuleante do luar; à medida, porém, que os nossos olhos se afazem às revelações da Lua, nossos temores também começam a dissolver-se em assombro e reverência. Sallie Nichols, no livro Jung e o tarot, capítulo A Lua.
(*) Embora o eclipse seja total, no Brasil, só será visto parcialmente. O pico é 60% de visibilidade no RS. Menos ainda nas demais regiões. Inicia às 11h33.

 

 

Tássia Novaes é uma baiana que cultiva afetos ancestrais no Rio Grande do Sul. Coleciona fases como a lua. Gosta de arte, fotografia analógica e estudos sobre ocultismo. Atua como gestora de comunicação e marketing em uma instituição filantrópica de saúde. Seu plano secreto é cuidar de sua filha Maria e entregá-la ao mundo.

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