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OS MOINHOS DE VENTO E OS QUIXOTES DA FRONTEIRA OESTE por ROGER BAIGORRA MACHADO.

Um homem velho e lento arremete seu corpo, sem medo, contra o gigante que se move sem parar. Mesmo cansado, ele não teme, ele não pensa na morte, nem na vida, pois só lhe cabe pensar no heroísmo da batalha. É disso que ele gosta, da luta: “Mais vale uma grande esperança do que míseras conquistas”: Eis Dom Quixote de La Mancha.

O velho que se lança sem medo, enquanto é observado por seu escudeiro e incrédulo Sancho Pança, é o símbolo de um tipo de homem que habita os nossos dias, um indivíduo que busca na tradição e na imobilidade das coisas a razão e o sentido para seguir respirando. Para este tipo de brasileiro, o devir é coisa que não deveria existir, pois o conservadorismo com que vive, refuta o presente na esperança de um passado que insiste em se desmancha no ar.

Para Quixote, não importa se o gigante era uma alucinação, um cata-vento ou um moinho, o que importa é a esperança. Importa o rosto de Rosália, importa a batalha e o Sancho que observa, no fundo, ele vive de pequenas conquistas. Importa o seu mundo não se transformar diante dos próprios olhos, pois a mudança dele desconstrói a tradição dos cavaleiros. E cavaleiro é tudo o que Dom Quixote sabe ser.

Na história de Cervantes, Quixote era um homem em crise, preso ao passado, um passado feito de histórias épicas, batalhas, valores, vestimentas e, sobretudo, tradição. Dom Quixote era um homem velho e cavaleiresco, acostumado com histórias de valentia, a maioria delas vindas dos romances de cavalaria da sua biblioteca. Quixote era um homem conservador num mundo onde a tradição, que lhe era tão cara, estava em decomposição, soprada como pó pelas hélices dos cata-ventos.

No interior da Espanha de Quixote, os moinhos de vento eram coisa assombrosa, uma tecnologia nunca antes imaginada naquelas terras esquecidas no tempo. Os moinhos representavam a mentalidade nova de um mundo em constante modernização. O moinho de vento deslocava a vida do eixo da tradição dos costumes, incluindo novos atores numa sociedade até então estática, gerando empregos, distribuindo renda e fundando novas classes sociais. O moinho de vento era o novo padrão das relações sociais e econômicas, horizontalizando acesso aos alimentos e sua produção, chegando em lugares onde o pensamento europeu ainda padecia das lógicas imperiosas de uma nobreza tradicionalmente decadente. Os moinhos de vento geravam a energia que empurrava o tempo e moía o trigo e o milho, grãos que desmanchavam a sina dos famintos diante dos olhos dos abastados.

O problema é que a fome e a pobreza, embora sejam estratégicas na conservação da sociedade cavaleiresca, não é coisa importante para quem cresceu sentado no alto de uma pirâmide. Lá de cima, a fome parece ser algo tão distante.

Do alto da montanha social, a fome é coisa teórica, jamais experiência prática. Fome não é coisa da nobreza e dos cavaleiros, a fome é coisa da plebe. A fome é a hereditariedade dos pobres.

Com a nobreza, aquilo que parece ser fome é diferente, como um tipo de vontade, ela é altiva no esbanjamento e na complexidade dos ingredientes, um nobre com apetite dificilmente será saciado em todos seus desejos. Já para uma pessoa empobrecida, a fome é construção mais simplória, e para ela qualquer coisa, um pão ou um arroz já lhe desfaz o motivo. E por isso, a fome sequer faz sentido quando posta diante dos nobres e dos cavaleiros. A fome não tem sentido diante de um Quixote. Para Quixote só há sentindo no seu mundo, nas suas grandes esperanças, nas suas batalhas imaginárias, ele não liga se os moinhos de vento acabarão com a fome, isso não importa, importa mais a nobreza de um mundo decadente que pode deixar de existir. Mas acontece que o que é nobre também decai, pois é contradição e construção humana, estrutura penitente ao tempo, assim como, é a própria fome.

O senhorio cavaleiresco da Espanha de Cervantes, arredio ao novo e agressivo ao desconhecido, está contido na figura de Dom Quixote, enlouquecido de paixão pelo passado e ensandecido de ódio diante do presente.

A mera possibilidade da quebra de um padrão de poder – as relações sociais e econômicas que sustentam o estilo de vida de um grupo de pessoas -, é o que move os conservadores em sua luta pelo passado.

E nesse sentido, o da conservação de estruturas de poder, Quixote é a metáfora perfeita para o que se vê no comportamento de algumas pessoas aqui onde eu moro, bem no cantinho do mapa do país, na Fronteira Oeste do Rio Grande do Sul.

Na Fronteira existem pessoas que defendem uma sociedade onde o dólar alto, a inflação e a pobreza são essenciais para seus estilos de vida. A concentração de renda é uma característica histórica que não pode ser desfeita. O curioso disto é que os defensores do dólar alto e da inflação recebem apoio daqueles que são as principais vítimas da mesma inflação e pobreza. Aqui, pelas ruas de Uruguaiana, volta e meia um grupo de Quixotes invade a avenida Presidente Vargas, esperançosos pelo passado das ditaduras e destemidos em não aceitar a justiça social.

A rodoviária de Uruguaiana possui uma estátua de um Quixote, ela fica cravada em frente as ruas Flores da Cunha e Presidente Vargas, e é diante dela que tudo acontece. No último 07 de setembro, exércitos de Quixotes desfilaram diante da estátua, em direção a batalha contra os gigantes imaginários e os dragões, os inimigos do passado. Umas dúzias de carros, munidos com bandeiras do Brasil Império e adesivos de grupos conservadores faziam o cortejo. Os Quixotes fronteiriços gritavam diante da estátua, pedindo o fechamento do Supremo Tribunal Federal – STF, a intervenção militar e o retorno da monarquia. Vestidos com armaduras de grife, verdes e amarelas, desfilaram felizes pelas ruas da cidade, buzinando diante dos mais de 400 mortos por Covid-19, tremulando bandeiras diante da fome e do desemprego. Pouco importava a crise política construída pelo governo federal, não importava a crise energética e o preço da energia elétrica, nem a inflação que se abate sobre os alimentos, não importava o preço do gás, dos combustíveis, só importava a batalha contra os cata-ventos, pois desde que o dólar esteja elevado e as exportações primárias estejam aquecidas, o mundo estará bem. A economia brasileira que interessa aos Quixotes fronteiriços é a mesma economia brasileira que o senhor Paulo Guedes, Ministro da Economia, afirma que está “decolando”.

É que a pobreza é parte estruturante de um padrão de poder que sustenta a pirâmide social fronteiriça. Afinal, alguém empobrecido perde o juízo e, em nome da fome, abre mão de qualquer coisa, qualquer sonho, qualquer direito trabalhista, qualquer direito previdenciário, abre mão de tudo por um pedaço de pão. A existência dos pobres é condição prévia para a manutenção dos ricos.

Não importa se a gestão do Governo Bolsonaro é uma tragédia multinível, importa apenas a conservação da riqueza, mesmo que isso custe muita pobreza.

Os moinhos de vento dos Quixotes uruguaianenses, feito alegorias de carnaval, desfilam pela Avenida Presidente Vargas como “gigantes terríveis”, inimigos que precisam ser combatidos. Os moinhos de vento são os esquerdistas, os petistas, os comunistas, os pacifistas, os ateus e os de religião de matriz africana. Os gigantes que precisam ser derrotados são o movimento negro, os sindicatos, os LGBTQIA+, as ações afirmativas e qualquer outra forma de pensamento ou política pública que retire dos Quixotes o chão da tradição, a tradição dos privilégios.

O curioso é que a maioria dos Quixotes da minha cidade não são nobres, feito o velho Dom Quixote de Cervantes, nem são todos ricos ou loucos, estão mais para Sanchos Pança, acompanhando os interesses de uma nobreza rica e decadente, na esperança de que pedaços de pão caiam para os lados. E eles são homens e mulheres, em sua maioria pobres e por isso assalariados, manobrados pela hegemonia discursiva e pela ideologia do poder econômico de classes dominantes locais.

Os manifestantes do verde e amarelo não são patriotas, são brasileiros ultraconservadores ansiosos pelo passado, postos diante de monstros imaginados, assombrados pelo medo de mentalidades que não querem que a sociedade mude. Eles estão convencidos que o comunismo vai dominar o mundo, e por isso, debatem-se contra as hélices dos moinhos, clamando por ditaduras e Orléans e Bragança. Os Quixotes ricos são sintéticos, só precisam manter a mesa posta e farta e a fome hereditária dos pobres. Os Quixotes pobres, eles não possuem grandes esperanças, suas fomes não precisam de complexidades ou fartura, para seguirem se debatendo basta um pão e um medo. Eles não são movidos por uma grande esperança, eles são movidos por míseras derrotas cotidianas, cada absurdo que defendem, cada idiotice que postulam são derrotas. Derrotas que acreditam ser suas grandes conquistas da vida.

Roger Baigorra Machado é formado em História e com Mestrado em Integração Latino-Americana pela UFSM. Foi Coordenador Administrativo da Unipampa por dois mandatos, de 2010 a 2017. Atualmente trabalha com Ações Afirmativas e políticas de inclusão e acessibilidade no Campus da Unipampa em Uruguaiana.É membro do Conselho Municipal de Educação, do Conselho de Acompanhamento e Controle Social do FUNDEB e do Conselho Municipal de Desenvolvimento Econômico do Município de Uruguaiana e é conselheiro da Fundação Maurício Grabois. Em 2020 passou a compor o Centro de Operação de Emergência em Saúde para a Educação, no âmbito do município de Uruguaiana/RS. No resto do tempo é pai do Gabo, da Alice e feliz ao lado de sua esposa Andreia.
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