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OS CAPINCHOS DA SANGA GRANDE*. por ROGER BAIGORRA MACHADO

O Grande Capincho estava imóvel, parecia um tronco jogado no meio do junco. De tão grande que era, dava para ver a sua cabeça inteira repontando por cima das folhas amareladas do capim. Logo abaixo da queixada, no espesso pescoço, toda a sua tensão pulsava através de uma veia trêmula. Tinha os olhos atentos, brilhantes e levemente repuxados. E de tão arregalados que estavam, seus olhos davam a impressão de que quase não piscavam. Sem dúvida alguma, ele era o mais lindo dos animais do rebanho. 

Havia quase três invernos desde que o Grande Capincho tinha assumido a liderança do grupo.

Em cada passo que dava,  o Grande Capincho carregava todo o peso da sua liderança em um corpo grande e forte. Seu tamanho avantajado se devia à boa alimentação, uma fartura oriunda da pastagem do banhado e, por outro lado, uma grandiosidade construída também pela mais bruta necessidade. Sim, era preciso. Era preciso ser forte e ser grande. Eis as duas regras que asseguram a liderança de um bando. O medo e a força. É que para um capincho, na sobrevivência pelos charcos e sangas, só restava a força como argumento de barganha. 

Num bando de capinchos, os machos sempre estão medindo força, lutas ferozes, onde os dentes deixam rasgos no couro. Destes embates resta sempre um animal do qual os outros machos nutrem medo. Esse animal é o alfa, o dominante que consegue se impor. O macho alfa é constantemente desafiado por outros jovens machos, desconhecedores do medo e da derrota. Jovens ansiosos por ocupar o lugar da liderança e de acesso às melhores fêmeas, tentam constantemente tomar a liderança do líder do bando. Assim, tamanho e força são virtudes importantes na natureza, especialmente, no mundo dos capinchos. Aos jovens machos derrotados, resta o exílio ou a subserviência em medo, ao vencedor, a responsabilidade de ser o líder.

E o Grande Capincho estava lá, imponente entre os juncos, com seus pêlos compridos e densos se movendo contra o ar seco e gelado do vento minuano, indo de um lado para outro, como se, numa dança de marrons reluzentes, o vento redesenhasse o seu corpo à cada soprada. 

A rotina de um capincho pelas terras da Pampa era um eterno se repetir, andar pelas noites, cruzar os rios, esconder-se nos brejos, sumir entre as águas, dormir nos matos. Essa repetição da mais crua sobrevivência eram atividades que o Grande Capincho fazia desde quando era filhote. E naquele dia de final do inverno, isto não tinha sido diferente.

Enquanto a luz da Estrela D’Alva lentamente se enfraquecia no céu, o Grande Capincho e seu bando já estavam há muito com suas almas encravadas na terra, enfiados no charco do banhado. 

Como líder que era, o Grande Capincho foi o primeiro a chegar no local de pastagem. Apareceu no banhado da Sanga Grande lentamente, caminhando sozinho, saindo por uma trilha que vinha do mato costeiro. Ele caminhou pela beirada dos juncos, bebeu um pouco da água gelada e límpida que escorria de uma nascente que brotava por entre dois juncos. Em seguida, ele foi até a parte mais alta da coxilha que dividia o banhado do campo aberto. Uma coruja, pousada sobre o topo de um cupinzeiro, de olhar atento, ao ver o Grande Capincho se aproximando, abriu suas asas e voou para as bandas do rio, quem sabe a sorte lhe trouxesse uma preá desatenta na escuridão que já se desvanecia. 

O líder do bando ficou lá na coxilha por um bom tempo, ouvindo o cantar dos grilos e observando um casal de emas que estava ao longe. As emas pareciam ainda congeladas pelo frio da noite, estavam quase imóveis, e não fosse o som de seus assobios, as duas aves bem que poderiam ser confundidas com estátuas. A ema fêmea estava em pé, virada para as planícies da Pampa, ela olhava na direção do nascer do sol, como se estivesse procurando por algo, enquanto que o macho permanecia deitado, chocando os ovos no ninho, quase dormindo. 

O Capincho respirou profundamente o ar do amanhecer pampeano, sentiu o cheiro dos campos longínquos, ares de outros pagos, aromas vindos numa mistura de arvoredo e mel. Depois, virando na direção onde o campo, o banhado e o mato se encontravam, o líder do dos capinchos ficou novamente imóvel, observando tudo com atenção. Ele queria ter certeza. É que antes do próximo ato, ele precisava ter a certeza de que não havia nenhum sinal de perigo para o bando, farejou com atenção e não percebeu nenhum cheiro de leão-baio, lobo guará ou de ser humano rondando o banhado e seu pasto verde. Vendo que não havia nada que temer, voltou para até a beira da sanga e com um grito chamou os demais capinchos. 

A manada chegou ao banhado em fila. Sempre organizados, andavam como se um animal pisasse na pegada do outro, os capinchos pareciam não ter nenhuma pressa. Como de costume, todo o bando tinha pernoitado na proteção do mato costeiro e, lentamente, despertava em um movimento ainda entorpecido em direção à sanga. Aos poucos, os capinchos foram saindo pela trilha do mato, distanciando-se uns dos outros e também partindo para longe das sombras das árvores, entrando gradualmente na área alagada. Não fosse pela alegria infantil de uns oito pequenos filhotes que corriam na frente de todos, pareceriam quase não se mover. O bando era composto por trinta e cinco animais adultos e uma dúzia de filhotes.

E conforme o sol ia se mostrando no horizonte, dava para ver, pairando por entre os capinchos, a cerração que evaporava da sanga, como se fosse uma fumaça que se misturava com a tênue geada que ainda repousava ilesa sobre o pasto. No amarelar da luz do sol os capinchos foram se esparramando pelo banhado. Uns animais estavam perto do mato, outros pastavam do outro lado da sanga, uns quase na beira da água. Mesmo separados, estavam comungando da mesma paz, num fundo de campo no extremo oeste da Província de São Pedro, escondidos entre os juncos e as árvores de um mato costeiro do rio Uruguai. 

No correr das horas, não tardou para que o sol logo aquecesse tudo, pois é assim que ele sempre faz, depois de uma noite fria, carrega para a vida o calor, vai derretendo os gelos e iluminando os assombros.

O banhado agora estava vivo, tudo era envolto num clarão.

No meio da sanga, despreocupada com os acontecimentos externos, reluzia a dança de uma enorme traíra que, aos botes vorazes, jogava água e lambaris para cima. Nas árvores do mato costeiro da sanga, o canto dos pássaros se misturava com o barulho do vento que trastejava nas folhas dos juncos, dando a sensação de uma cantiga maternal, assobiada, quase num sussurro. 

No bando de capinchos, os filhotes, as fêmeas e os machos menores, todos se alimentavam tranquilamente, acompanhados de longe pelo olhar cuidadoso do seu líder. De vez em quando, o minuano trazia um cheiro forte e adocicado, um odor intenso e familiar para qualquer ser vivo que na Pampa tenha se criado. Era o cheiro do mijo de algum zorrilho que, provavelmente, diante de um sinal de perigo, utilizou da própria urina como uma eficaz ferramenta de sobrevivência. 

Era o fim do inverno, tempo de evitar as águas da sanga e permanecer mais tempo no sol, especialmente, nas partes secas do banhado. Nas planícies pampeanas, a vida era irmã obediente das estações do ano. Durante os períodos de estiagem, tempo em que os campos se ressecavam até a linha do horizonte e as sangas quase desapareciam, a escassez de alimentos era uma regra para diversas espécies de animais. O bando de capinchos vivia isso todos os anos, e por causa disso, estava sempre em constante movimento. 

O bando andava pela Pampa numa eterna busca por novas pastagens e áreas alagadas. Se ficassem escassos os pastos de um lado do rio, cruzavam para o outro, andavam e nadavam até encontrar um novo local de alimentação. Era nesses períodos em que eles ficavam mais indefesos, pois precisavam, muitas vezes, expor-se em grandes distâncias de deslocamento. A busca incessante por comida, a coletividade dos movimentos e as mudanças territoriais constantes, faziam daquela manada de capinchos um corpo único. Moviam-se sempre em sincronia e sobreviviam, exatamente, por causa disso. 

Agora, quando os dias de seca findavam e se iniciava o período das chuvas, tudo mudava, acontecia o oposto. A regra agora era a abundância de comidas, de caças, de pastos, de frutos e folhas. As planícies se coloriam em um verde claro que tomava conta de tudo aquilo que os olhos pudessem ver. Nos matos, as taleiras, os ingás, os araticuns, os maracujás e as pitangueiras se enchiam de frutas.

Na sanga grande, onde a grama sempre crescia em abundância, mesmo em invernos pouco chuvosos como aquele, todos os dias apareciam grupos de orelhanos. Os bois cimarrón, os gados vacuns dos missioneiros que ficaram à revelia dos cuidados humanos e que, selvagens, vagavam pelos campos e pradarias da pampa. Eram manadas de centenas de animais. 

Os bois e as vacas chegavam e logo buscavam beber um pouco da sanga, fartavam-se da água doce que rebatia por entre os juncais, depois, num ato protocolar, pastavam alguns minutos e partiam logo em seguida. Havia muito gado solto pelas pradarias, mas para os capinchos, a impressão é de que aqueles animais que chegavam diariamente na sanga, eram sempre os mesmos, os mesmos bois e seus cheiros de couros molhados. 

A manada de cimarrons chegava, geralmente, no início da manhã e se recolhia ao final do dia. O líder do grupo era um grande e forte touro de pelo zaino que, assim como o líder dos capinchos, também levava todo os animais para dormir dentro do mato, aprofundavam-se nas sombras das árvores, numa estratégia para se proteger daqueles que os caçavam.

No dia seguinte, antes do sol despontar, o som dos galhos se quebrando e os espinhos arranhando os couros era o sinal de que os bois partiriam novamente em direção às pradarias verdes. Na saída, como de costume, a manada deixava muito esterco e urina sobre a relva, para a alegria dos pássaros que ficavam revirando as bostas. 

No banhado, quando o sol já pairava no meio do céu, a vida pampeana pulsava em  diferentes tamanhos e velocidades.

No campo ao lado da sanga, juntavam-se tatus e mulitas, muitos deles, fêmeas com suas ninhadas. Do prado, sorrateiramente, vinham os sorros, conhecidos também como graxains do campo. E do campo também surgiam os lobos guará, sempre sestrosos e com seus inconfundíveis gritos. Os guarás tomavam muito cuidado ao se aproximar da sanga, não por medo, mas por estratégia, visto que estavam sempre tentando caçar algo. E apareciam também os zorrilhos e seus perigosos rabos. Vinham beber na sanga também os veados, as garças e as marrecas, as emas e os catetos. E se num alvoroço de patas o banhado se esvaziasse subitamente de qualquer rastro de vida animal, o motivo era simples, eles tinham chegado: os leões-baios. 

No meio da tarde, correndo em alta velocidade por entre os arbustos, apareciam as preás e algumas lebres, escoltadas pelos quero-queros. Assim era o dia no banhado ao lado da sanga, um lugar que, além de ser bom para a alimentação, tinha também o adendo de receber proteção das árvores do mato, dos juncos e das águas da sanga. 

Em frente ao banhado, na outra margem, olhando-se na direção dos campos do lado ocidental do rio, estavam os campos da Argentina. E entre o banhado e o rio, majestosa no tempo, estava ela: a sanga grande. A sanga era de uma água salobra e acinzentada, era quase adocicada e, por ser muito profunda, tinha locais que do alto pareciam manchas escuras, buracos que nem mesmo os capinchos se arriscavam ir ao fundo, eram três poços profundos e distribuídos no seu lado esquerdo. Os poços tinham dúzias de metros de profundidade, eram fendas onde nem a luz do sol penetrava e que escondiam, enterrados na lama inicial, pedaços de animais antigos, cascos de tatus gigantes, pontas de lanças milenares, crânios de preguiças e dentes de tigres imemoriais.  

A sanga se formou no passar dos séculos, levando em sua gênese as mutações geológicas de milhares de anos, transformações que até os homens mais imaginativos são incapazes de abstrair. A vida da sanga era coisa diferente da fugaz vida animal e humana, sua existência era coisa de longa duração. Um traço bem marcado na linha temporal da Pampa. Ela se fez sem pressa, como uma ferida cicatrizada e ao mesmo tempo sempre aberta, uma marca viva no meio do campo. No início, a sanga nasceu como uma ínfima vertente de um feixe fino e pequeno de água, escorrendo por debaixo de um arenito e se desenvolvendo em redemoinho nos grãos de areia. Depois, ela cresceu escavando a terra e as rochas e se acumulando num pedaço aberto no solo, abrindo caminho com toda a força do aquífero, foi ganhando forma e tamanho. E assim a sanga seguiu sua sina, ora recebendo a água doce do rio Uruguai durante as cheias, ora sobreviveu bebendo da água gelada que brotava das outras nascentes que cercavam o banhado. 

Na direção do nascer do sol, no lado oposto ao rio, do outro lado da sanga, estavam as pradarias.

Planícies e mais planícies cobertas pelas ricas pastagens pampeanas. Entre o campo e a sanga, cruzando o banhado, havia uma coxilha que se erguia rasa, escondendo o grande espelho d’água daqueles que vinham sem rumo pela pampa. Numa das laterais da sanga, como torres de um castelo, via-se as copas das grandes árvores do mato nativo, árvores antigas que ficavam bem na costa do rio Uruguai. Em direção ao banhado, afastando-se do rio, o mato então passava a contar com árvores menores, espinheiras, pequenas corticeiras do banhado, taleiras e outras tantas de pequeno porte. Era uma vegetação que tomava conta de uma parte das margens do rio e que também abraçava quase toda a velha sanga, um abraço feito em trilhas apertadas, lugares por onde até os animais tinham receio de passar. O mato era como um aramado esticado e colocado perfeitamente entre o rio e a sanga.

Naquele dia o Grande Capincho estava sentado bem no meio de uma touceira de juncos, quase dormindo, farto de tanto pastar. Para olhos desavisados ele realmente pareceria uma rocha ou um toco de árvore. Às vezes, num leve sobressalto, ele despertava do cochilo com o vento gelado à ponta do focinho. O sol já tinha tomado o rumo das últimas horas da tarde e como de costume, o seu bando ficaria no banhado até a última centelha de luz e, terminado o dia, voltariam para a proteção do mato. No entanto, e muito de repente, a tranquilidade que aparentemente tomava conta do banhado foi quebrada pelos gritos de um bando de pelinchos. As aves estavam pousadas no topo de uma figueira e, subitamente, desatinaram a cantar, alarmando todos ao redor. 

O grupo, de cerca de uns dez pelinchos, cruzou voando por sobre a manada de capinchos, com seus gritos e grandes asas abertas. Algo os havia assustado. Imediatamente, após o alarme das aves, todos os capinchos pararam de pastar ao mesmo tempo. Era a sincronia da sobrevivência. 

Duas perdizes que estavam pousadas perto da margem da sanga, voaram rapidamente na direção do campo, as cabeças dos capinchos se ergueram quase que juntas e todos os animais olharam na direção dos juncos que margeavam a água. Logo em seguida, os quero-queros tocaram o segundo alarme, fizeram-no aos gritos e com rasantes ameaçadores por sobre os juncos. Era certo que algo estava lá. O Grande Capincho permaneceu sentado, bem no centro do banhado, mas agora, ele estava extremamente atento, de tal forma que cada fio de seus pêlos parecia pressentir o perigo que ele e seu bando corriam.

Ao perceber uma estranha movimentação nas folhagens dos juncos, a mais velha das fêmeas do bando, numa atitude de defesa, deu um urro e saiu em disparada, levando seus filhotes e todo o rebanho de capinchos que estava no banhado junto dela. Correram na direção contrária da sanga. Em seguida, os capinchos subiram o banhado rumo ao campo e depois, num movimento coordenado, correndo em curva, deslocaram-se pela base da coxilha e voltaram para dentro do alagado. Correram na direção da sanga, cruzando o banhado através de uma parte seca, caminho que funcionava como uma ponte entre o campo e a água. Entraram aos saltos e em alta velocidade, fazendo um grande barulho e criando pequenas ondas dentro da sanga.

Distraído com um outro som que vinha de dentro do mato, o Grande Capincho perdeu o momento coletivo da fuga, quando viu, estava só. Ele havia ficado para trás, e essa não era a primeira vez que isso acontecia, talvez por isso, ele se manteve calmo. O Capincho sabia que, em muitas das vezes, as debandadas eram alarmes falsos, coisas poucas em matéria de perigo. Quando isso acontecia, depois da fuga, os capinchos mergulhavam poucos metros e logo retiravam as cabeças para fora da água da sanga para observar suas margens e, vendo-se em segurança, aos poucos retornavam para o banhado. Acontece que, desta vez, nenhuma cabeça surgiu sobre a água da sanga para olhar, todos mergulharam profundamente e atravessaram para o outro lado quase sem emergir, do outro lado, preferiram ficar escondidos entre as plantas boiadeiras. 

E nos dois minutos que se seguiram da debandada, o banhado todo virou silêncio.

Parado e sozinho entre os juncos, o Grande Capincho percebeu que já não tinha mais escolha. Ele sabia que o melhor a fazer era correr, mas seu instinto dizia que não, que ele deveria ficar escondido, ao menos, por um pouco mais de tempo. E assim ele ficou imóvel, esperando pelo momento certo para também sair em disparada. 

Cerca de uns 30 metros de onde o Capincho se escondia, indo contra o vento gelado do fim do inverno, estavam as touceiras dos juncos de onde os quero-queros deram o alarme. Agora, o olhar do líder do bando exigia o máximo da sua atenção. Seus olhos repuxados estavam travados nos juncos que cresciam na margem, o que quer que tivesse assustado o resto do bando, certamente estava ali. 

Os quero-queros, enfurecidos, começaram a dar voos ainda mais rasantes contra uma das touceiras, era como se os pássaros indicassem ao Grande Capincho que era ali que estava o perigo. O líder do bando precisava tomar uma decisão, não era mais possível ficar ali parado esperando. Ele tinha três caminhos, o primeiro e mais óbvio, seria correr em direção a água. Mas para isso, ele teria que se arriscar correndo por entre os juncais e se defrontar com o que ali estava escondido. Outra possibilidade, imitar o bando e tentar a fuga em direção ao campo e, por fim, uma última alternativa seria a de correr para o mato que ficava do outro lado do banhado e poucos metros de onde ele estava.

O vento, agora em rajada, jogava a pelagem do Capincho para trás e soprava até o animal os diferentes cheiros que preenchiam cada sentido do seu olfato. As narinas do Grande Capincho se alargavam para a entrada do ar, movendo-se lentamente em abertura, enchendo seus pulmões com os odores daquilo que se escondia na beirada da sanga. 

Misturado com o cheiro de água e dos peixes, lambuzados pelas notas do odor do mato e da terra molhada, havia também os odores do couro de boi. Mas como? Se não havia nenhum cimarrón pastando ali? O Grande Capincho tinha certeza que se tratava de couro de boi, mas era um cheiro novo, tinha uma emanação intensa, quase adocicada, era cheiro de couro do gado das pradarias, mas tinha uma diferença, o couro que ele cheirava já estava morto há muito tempo. Enquanto os voos rasantes dos quero-queros seguiam sem trégua, o vento trazia, agora com fraqueza e precisão, um dos cheiros mais temidos pelos animais pampeanos. Agora sim, o Capincho tinha certeza de qual era o odor do perigo que corria.  Ele sentia o cheiro Charrúa. (CONTINUA)

 

* Este texto é parte de um projeto maior. Um livro que estou escrevendo, trata-se de um romance que narra a história dos descendentes de uma tribo Charrúa, a saga de uma família pela história da Fronteira Oeste do Rio Grande do Sul.

 

 

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