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O RACISMO REVERSO E O DESAPARECIMENTO DE DOIS HOMENS BRANCOS NO CALÇADÃO DE URUGUAIANA por ROGER BAIGORRA MACHADO

Esse texto é sobre o desaparecimento de dois homens brancos, evento que ocorreu hoje, no calçadão de Uruguaiana. Mas para falar sobre isso, preciso antes, mudar de país e de época. Tudo começa em Doddsville, cidade estadunidense erguida sobre o delta do Mississipi, na região do Condado de Sunflower. Era um dia de domingo como qualquer outro, com o sol iluminando as plantações de algodão e cana, as lavouras repletas de trabalhadores. Cães e galinhas perambulando na praça central. Charretes indo e vindo. Nas ruas, centenas de pessoas esperavam ansiosas por algum tipo de espetáculo. O ano era 1904.

Mas essa história não começa no domingo, ela inicia quatro dias antes. Vamos voltar um pouco.

Luther Holbert era um homem afro americano que trabalhava numa das tantas plantações de algodão que se multiplicavam ao redor de Doddsville. Num belo dia, o jovem Luther se apaixonou por uma mulher chamada Mary, e que também trabalhava na mesma lavoura que ele. Depois de um tempo, apaixonados, ambos resolveram se casar e foram viver juntos no pequeno casebre de madeira em que Luther vivia. Queriam filhos e, quem sabe, partir da lavoura para outro lugar. O problema é que Mary era ex-esposa de um outro trabalhador da lavoura, seu nome era Albert Carr.

Albert, irritado com a situação, resolveu pedir para que o dono da plantação, James Eastland, intercedesse e acabasse com o casamento de Luther e Mary. Eastland aceitou o chamado, ele era um homem branco, filho de uma família rica e proeminente de Doddsville. Além disso, e essa sim, talvez, a grande motivação de Eastland, parece que Luther Holbert também andava incitando outros trabalhadores à fugirem da lavoura de  James Eastland. Acontece que naquela época a maioria das pessoas trabalhavam por baixos salários, além disso, tinham de comprar comida e pagar hospedagem para o dono da fazenda.  Na maioria dos casos, os trabalhadores da lavoura tinham jornadas extenuantes, sem folga, e sequer recebiam salário, pois tudo ficava como ressarcimento daquilo que consumiam durante o mês. Eles estavam sempre devendo. E se resolvessem ir embora sem pagar o que deviam, seriam impedidos e punidos.

E assim, numa terça-feira de noite, James Eastland e Albert Carr, ambos armados, foram até a casa de Luther e Mari.

Eles queriam dar uma lição em Luther, coisa que ele nunca mais esquecesse. Depois de uma discussão entre os três, uma briga dentro do pequeno casebre se iniciou e eis que começou uma troca de tiros, no fim, apenas o silêncio. No chão da casa, restou apenas os corpos de James Eastland e Albert Carr.

Doddsville ficou em polvorosa, no breu das ruas, pelas esquinas e becos, as pessoas comentavam que, cerca de 3km da cidade, um homem branco havia sido morto por um homem negro. O motivo? Isso não importava. Bastava saber que um homem negro tinha matado um homem branco.  E o pior, era um homem branco, conhecido e rico. Rapidamente um grupo de aproximadamente 200 homens brancos se reuniram e foram até a casa de Luther, chegando lá, não encontraram nem ele e nem Mary. Alguns trabalhadores da fazenda foram torturados, mas ninguém sabia para onde o casal tinham ido.

É que o tanto Mary quanto Luther sabiam o que acontecia com as pessoas negras que eram acusadas de crimes em Doddsville. E assim, os dois saíram num jornada sem trégua pelo Mississipi. Tão logo Eastland e Carr caíram mortos, os dois partiram à pé pela escuridão da noite, andando descalços por pântanos e canaviais. Cruzaram lavouras de algodão, esconderam-se por debaixo de pontes.

A fuga era a única chance que eles tinham.

A notícia da morte de Eastland se espalhou como pólvora pelo condado de Sunflower. Nas cidades vizinhas, Greenville, Ittaben e Cleveland, diversos grupos se formaram para encontrar Mary e Luther. Uma caçada sem precedentes tinha iniciado por quadro condados do Mississipi.

As plantações, os campos e os pântanos, as beiras de rios, tudo tinha sido ocupado por grupos de homens brancos e suas tochas. Os grupos andavam armados, usando cavalos e cães de caça farejadores. E já haviam se passado três dias desde a morte de Eastland e nenhum sinal parecia indicar que Luther e Mary seriam encontrados.

Então, no sábado de manhã, há cerca de 160 quilômetros de distância de Doddsville, aconteceu o que muitos já desacreditavam. Mary e seu marido foram encontrados por um grupo de perseguidores. Os dois estavam exaustos e famintos, dormiam abraçados num pesado sono, deitados sobre uma pilha de madeira recém cortada.

Chegaram em Doddsville no sábado mesmo. A cidade toda estava ansiosa pela chegada de Luther e sua esposa. Será que teriam um julgamento? Ficariam presos? E então amanheceu o domingo. A igreja abriu suas portas, veio a missa, o sermão. As pessoas conversando nas ruas. Era um belo domingo em Doddsville.

No centro da cidade, uma multidão de cerca de 600 pessoas se espremia para ver Mary e Luther. Eles estavam presos por cordas em duas árvores e apresentavam sinais de agressões diversas. Diante dos dois, um grupo de homens empilhava lenhas e gravetos, era a preparação da barbárie. Ao redor do casal, crianças caminhavam comendo ovos cozidos. Mulheres serviam limonada e uísque. Tudo parecia um grande piquenique. As pessoas conversavam e riam.

Num dado momento, Mary e Luther foram obrigados a levantar os braços, de maneira que todos pudessem ver o que aconteceria. Suas mãos foram erguidas e espalmadas, depois, um a um, tiveram os dedos arrancados. Cada vez que um dedo era cortado, o mesmo era distribuído para a população, como uma espécie de suvenir. Mary observou cada dedo de Luther ser arrancado, o mesmo aconteceu com ele.

Um jornal da época, o Vicksburg Evening Post, noticiou com detalhes tudo o que foi feito com o casal Mary e Luther. Depois de terem os dedos cortados, para delírio da turba branca que acompanhava tudo, iniciou uma sessão de espancamento, em especial, de Luther. Ele teve os braços quebrados pelas pauladas, Mary viu tudo. Um dos agressores bateu na cabeça de Luther com tanta força que um de seus olhos foi expulso para fora da órbita. Pendurado, o olho de Luther virou objeto de desejo e foi retirado por um homem com um galho de madeira. Ainda consciente, Luther foi obrigado a assistir sua esposa Mary ser espancada. Luther e Mary tiveram as orelhas arrancadas e jogadas para a multidão. Quando tudo parecia ter terminado, a fogueira foi acessa

Antes, porém, o ritual racista seguiu sua barbárie. Um homem trouxe um grande saca rolhas. Sua ponta foi cravada nas pernas e braços de Mary e Luther, o metal entrava na carne girando lentamente, sob aplausos da platéia e os gritos do casal. E quando o saca rolhas era retirado, ostentava grandes nacos de carne trêmula. Somente então, depois das mais terríveis torturas é que ambos foram desamarrados das árvores. Luther ainda foi obrigado a assistir sua amada ser queimada viva. Os jornais dizem que Luther sequer gritou quando foi jogado na fogueira. A cidade toda estava em festa. Era os Estados Unidos da América em 1904. Estima-se que entre 1880 e 1948, mais de 4.700 americanos negros foram linchados e mortos por brancos nos Estados Unidos.

É que hoje de manhã eu presenciei uma discussão no calçadão de Uruguaiana. Dois senhores, na casa dos 65/70 anos de idade, parados ao meu lado, defendiam a tese do racismo reverso. Falavam que os negros eram mais racistas que os brancos e blá, blá, blá… Como eu estava esperando uma loja abrir as portas para comprar um tapete (meu filho precisava de um tapete para a uma atividade de leitura na escola), rapidamente me coloquei na conversa. Falei uma besteira qualquer, um deles deu risada, e aí eu disse que iria contar uma história para eles sobre racismo. É que sempre que vejo alguém ameaçando um “racismo reverso” numa discussão, eu faço questão de participar do papo e contar essa história, e faço exatamente como fiz no texto, conto detalhadamente. No fim, os dois senhores pareciam meio chocados. Falei para eles que havia muitas imagens e fotografias de pessoas negras mortas nos EUA por linchamento, bastava pesquisar na internet.  Dezenas de imagens de pessoas negras enforcadas, pelo simples fato de serem negras – E sabe o que mais me impressiona? Perguntei. Não são as pessoas sem vidas, penduradas em forcas. O que me deixa impressionado são os rostos tranquilos das pessoas brancas ao redor, homens, mulheres e crianças. Muitas destas pessoas parecem satisfeitas, sorridentes. “Mas isso é uma barbaridade!”, disse-me um dos senhores. – E vocês sabem quem eram os torturadores? Perguntei, novamente. Eles não eram seres do mal, demônios sem alma. Eram “pessoas de bem”, o xerife, o fazendeiro, o padeiro, o pai de família, o bom cristão…

Então, num desafio, pedi para que eles me apresentassem um caso semelhante ao de Mary e Luther, algo que tenha acontecido com um casal de pessoas brancas. Afinal, se o racismo é reverso, como eles diziam, certamente os dois deveriam ter muitos exemplos iguais do “outro lado”: Seja, pessoas brancas, caçadas, presas, linchadas e mortas por pessoas negras. Até hoje ninguém conseguiu me apresentar um exemplo e os dois senhores só engrossaram as estatísticas. Vendo que a porta da loja já estava aberta há um bom tempo, arrematei: O racismo é via de mão única. Não existe “racismo reverso”. O que existe é gente racista e gente ignorante. Para o primeiro caso, resolve-se com cadeia. Para o segundo, com conhecimento. E deixo aqui uma pergunta para vocês mastigarem enquanto eu vou ali pegar o tapete: Quem defende o racismo reverso é racista ou é ignorante?

Acho que a loja já tinha aberto as portas há uns cinco minutos e eu fui correndo pegar o tapete. Não demorei mais do que dois minutos entre entrar e sair do estabelecimento. Estava ansioso para saber se os dois tinham a resposta. Mas os dois senhores, bem, eles já não estavam mais lá, nem eles e nem o “racismo reverso” deles. Como sempre, só restou a história de Mary e Luther.

 

Roger Baigorra Machado é formado em História e com Mestrado em Integração Latino-Americana pela UFSM. Foi Coordenador Administrativo da Unipampa por dois mandatos, de 2010 a 2017. Atualmente trabalha com Ações Afirmativas e políticas de inclusão e acessibilidade no Campus da Unipampa em Uruguaiana. É membro do Conselho Municipal de Educação, do Conselho de Acompanhamento e Controle Social do FUNDEB e do Conselho Municipal de Desenvolvimento Econômico do Município de Uruguaiana e é conselheiro da Fundação Maurício Grabois. Em 2020 passou a compor o Centro de Operação de Emergência em Saúde para a Educação, no âmbito do município de Uruguaiana/RS. No resto do tempo é pai do Gabo, da Alice e feliz ao lado de sua esposa Andreia
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