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“LITERATURA E ADVOCACIA CONTINUAM VALENDO MENOS QUE TOUCINHO” POR SAÍLE BÁRBARA BARRETO

Quem costuma, ou melhor, quem costumava viajar para o exterior, antes desta pandemia nos deixar isolados, sabe como em outros países, principalmente nos europeus, a memória cultural é preservada.

E com orgulho. Lá fora valorizam a escrita. Já nas bandas de cá, infelizmente, escrever. Ah, escrever… nunca foi fácil. Tampouco advogar.

E que o diga Monteiro Lobato. Em Cartas Escolhidas, uma coletânea maravilhosa da correspondência pessoal dele, uma preciosidade que encontrei em um sebo, li um trecho muito curioso. Ele, que era as duas coisas (advogado e escritor) estava inconformado com o pouco que ganhava. Escreveu ao amigo Heitor: 

“É pena que literatura não seja mercadoria aqui entre nós, porque nós que não sabemos cavar com a enxada, nem temos balcão, vermos a única produção de que somos capazes, dar menos resultado pecuniário do que o arroz, o milho e o toucinho. Ando inteirado desta vida e, qualquer dia – já o disse à Purezinha (apelido carinhoso que ele usava quando se referia à esposa) – dou uma banana ao bacharelato, outra ao Washington Luís (presidente da república da época) e vou abrir uma venda (…)”

A carta é de 1909. Lá se vão 112 anos e o conhecimento jurídico, assim como a cultura em geral, ainda valem bem menos que toucinho.

Como sofreu Monteiro Lobato, o criador do Sítio do Pica-Pau-Amarelo. Até preso esteve, por criticar o governo Vargas. Sou uma de suas fãs (apesar da Cuca, aquele monstro que atormentou minha infância) e lamentei tanto quando soube de tudo que ele passou.

Pois bem. No último recesso forense, sem prazos, sem poder viajar e sem praia, resolvi escrever mais um livro. Meu quinto: Causos da Comarca de São Barnabé. Ele está à venda na forma digital na Amazon e o físico eu mesma vendo em minhas redes sociais (Instagram: @advogadaestressada e Facebook: Diário de uma advogada estressada).

O livro é uma sátira ao Brasil e ao Poder Judiciário. Narro (com humor bem ácido) vários fatos fictícios, inspirados coisas que vivenciei, que li, que senti. Principalmente, durante este “novo normal” que não acaba nunca.

No preâmbulo, que vou citar um trechinho, tive a “audácia” de escrever:

“Tudo acontece na comarca de São Barnabé. Esquecida pela corregedoria do Tribunal de Justiça de Santa Ignorância, Estado da República Federativa da Banalândia. Um país ao sul da linha do Equador em que não se conhece o significado da palavra democracia.”

Por conta disto, fui denunciada. O MP recebeu uma representação de um juiz, devidamente avalizada pela Associação dos Magistrados Catarinenses e estou sendo acusada de calúnia, injúria e difamação, por um juiz que nunca vi e sob o argumento de que este senhor, cujo nome não posso mencionar, sob pena de multa diária, além de outras medidas cautelares que podem ser decretadas, leia-se PRISÃO, acredita piamente ser meu “muso inspirador.”

Além disto, o magistrado pede uma indenização pelo abalo moral que alega estar suportando, já que seu segundo nome rima com o nome do vilão do livro. Pediu segredo de justiça nas ações. Conseguiu.

 No processo penal foi levantada algum tempo depois, mas, o cível, ainda corre em sigilo. E como corre! Jamais em 18 anos de advocacia (como estou velha) protocolizei (odeio esta palavra) uma ação e em menos de dez dias, o réu já havia sido citado e dois desembargadores despachado um agravo. Nem em processos de idosos.

Realmente. Vivemos mesmo não em uma comarca, mas, em um país de barnabés. Não preservamos nossa cultura. Ninguém mais lembra do Barnabé? Aquele famoso comediante dos anos 70, cujos causos abundam no YouTube? Ninguém se deu ao trabalho de verificar o que tal expressão (barnabé) remete a ingenuidade e a caipirice? Que pena.. 

 Ah, se não vivêssemos no Brasil. Se nosso país fosse realmente uma democracia. Aqui no Brasil, ai de quem se aventurar a escrever livros e alcançar público neste país. Em vez de prêmios, sempre foi e, ouso dizer, sempre será contemplado com processos e muita, mas muuuuuita dor de cabeça.

Monteiro Lobato tinha razão: qualquer hora dou uma banana ao bacharelado e vou abrir uma venda.

 

Saíle Bárbara Barreto é Advogada e contadora de histórias e bruxa malvada nas horas vagas.

Instagram: @saile_barbara_barreto | @advogadaestressada

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