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“Escolha um trabalho que você ama e não trabalhe um único dia de sua vida.” POR SAÍLE BÁRBARA BARRETO

Dizem que é de Confúcio esta frase e hoje lembrei dela porque um colega do curso de francês me perguntou qual foi a causa mais legal que eu já ganhei. Na hora eu ri e disse: “as melhores são as que a gente ganha mais dinheiro. As indenizatórias, principalmente quando o réu é um banco.”

E eu ri, mas em seguida confessei que estava brincando e disse a ele (que quer cursar Direito e é um menino muito legal) que a Advocacia nos proporciona muitas emoçõ4es, sim.

Contei a história de um menino que precisava de uma perna mecânica caríssima e conseguimos ganhar da União em um escritório em que trabalhei como associada. Só que agora lembrei da melhor causa. Não foi essa. Essa me alegrou sim, mas teve outra que me deixou ainda mais satisfeita. Do tempo em que atuei como defensora dativa.

Foi o caso de uma senhora que chegou com encaminhamento da assistente social do Fórum do Continente. Ela veio fazer uma dissolução de união estável. Era catadora de papelão e tinha três meninas. Três meninas lindas, que ela levou ao escritório. Uma “escadinha”: 3, 5 e 8 anos. Todas com cabelos bem cortados, roupas simples, mas bem lavadas e passadas.

Lembro que esta senhora se expressava muito bem e também estava impecavelmente vestida. Fui obrigada a perguntar se a ficha estava preenchida corretamente, se realmente tratava-se de uma catadora de papelão. Ela respondeu: “sim, não gosto, não me orgulho nem um pouco disso, mas foi o que apareceu. Meu sonho mesmo é trabalhar em casa de família, mas, nunca tive oportunidade.”

“Trabalhar em casa de família” era o sonho dela. Isso me deu um nó na garganta. Sugeri: “estou vendo na sua ficha que a senhora tem telefone em casa, né?” Ela fez que sim com a cabeça e eu prossegui: “por que a senhora não faz uns bilhetes com seu nome e número de telefone para colocar nas caixas de correio se oferecendo para fazer faxina?” E ela disse: “não sei escrever direito…”

Ai, que aperto no coração! Abri o Word e digitei: “faço faxina”. Coloquei o nome dela e o telefone. Imprimi uns 20 bilhetes, cortei e disse para ela entregar nos prédios. Pedi os documentos, marquei retorno, mas disse para ela vir com o marido para gente conversar melhor. O motivo dela pedir a dissolução era o alcoolismo dele (que não era violento, mas não parava em emprego nenhum).

Uma semana depois ela voltou ao escritório, desta vez sem as meninas, mas com ele. Estava muito contente, porque tinha colocado os bilhetes nas caixinhas e arrumou três escritórios no centro da cidade para trabalhar. Ela não estava mais catando papelão e lembro que isso me deixou tão feliz! Com o marido eu conversei. Ele se comprometeu a entrar no Alcoólicos Anônimos.

Mesmo assim ela quis que eu ingressasse com a ação, porque “daria mais uma chance”, mas se ele voltasse a beber, iria aproveitar a data da audiência para terminar de uma vez por todas. Ela estava decidida. Era realmente a última chance, ela deixou isto bem claro. Sou testemunha.

Pois bem, passados dois meses chegou o dia da audiência. Ela firme e forte em duas “casas de família” e nos três escritórios. Ele levando a sério o “AA” e com um emprego de entregar panfletos no centro da cidade. Não teve dissolução. Eles desistiram do processo. Resumo da “ópera”: não era terminar a união que aquele casal estava precisando e sim de uma orientação.

Uma simples orientação para levar a vida de uma maneira melhor. Lembro que uma das filhas foi junto. A de 5 anos. Com cabelinhos bem curtos e brincos. Minha mãe também fazia isso comigo quando eu era pequena: cortava meus cabelos e colocava brincos (para não acharem que eu era um menino).

A pequenina sentou ao meu lado e passou a mão nos meus cabelos, enquanto dizia: “tão linda a nossa advogada, né mãe?” Nesse dia eu saí do Fórum emocionada. Ganhei pouco mais de R$ 300,00 do Estado como pagamento (e isto sete anos depois do processo acabar) mas não vem ao caso.

O que importa é que até hoje nenhum outro processo me fez sentir melhor, mais útil, nem mais “vitoriosa” do que esse.

Sim, foi essa minha melhor “ação”. E sim, é muito bom, muito gratificante ter uma profissão que pode melhorar a vida das pessoas. “I love my job.”

 

SAÍLE BÁRBARA BARRETO é advogada, contadora de histórias e bruxa malvada nas horas vagas.

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