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Como não criar um maníaco assassino | por RODRIGO RICORDI

Um homem adulto ataca uma escola infantil com uma machadinha e mata quatro crianças. Um adolescente mata uma professora idosa a facadas. O que nos comove hoje em dia, não?

Quando fatos como esse passam a se tornar frequentes, a gente começa a pensar sobre “como viemos parar aqui”. Onde erramos como sociedade? Estou certo que cada um tem alguma explicação. Desde uma determinação patológica a cada indivíduo que comete esse tipo de ato abominável até uma avaliação coletiva, social ou política. Fomos acostumados a ver esse tipo de acontecimento longe das nossas vistas, em outros países, pela televisão. Agora, o sangue escorre da tela nas nossas calçadas. Sangue branco, geralmente. Sabemos que há muito sangue negro e indígena escorrendo por aí longe dos holofotes.

Mas como isso se tornou “corriqueiro”? Se tornou? É reflexo do governo Bolsonaro? É porque estamos, como sociedade, nos desimportando com a vida? A vida como um bem também se desvaloriza numa sociedade de supérfluos, de imagens, de textos curtos? Como a ordem social se estabelece num contexto de relações à distância, por conversas “virtuais”? Quem dita essa nova ordem? Complexo. 

Ao debater esse assunto, podemos abrir muitas e muitas gavetas e arquivos, seguir muitas linhas. Porém, é importante ter em mente que a nossa opinião, de forma generalizada, é mediada pela mídia, com o perdão da redundância.

Ontem, a corrida do scoop era descobrir quem fez, desbravar a vida da pessoa, buscar a imagem do ato, expor ao julgamento público, mostrar a cara. Hoje, se estabeleceu que é melhor não fazer. Ok, a gente muda, aprende e evolui. Mas vocês percebem como isso nos induz a agir de formas diferentes? Isso sob a justificativa de que estudiosos do assunto aconselham. Mas aconselham desde quando? Desde ontem? E os conselhos e estratégias de outrora já não valem mais? Somos fantoches. Não somos nós que decidimos, são eles. 

Li uma socióloga que estuda o assunto falando sobre. Ela levanta alguns aspectos além dos midiáticos sobre as possíveis sugestões de solução que irão surgir para esse levante de atentados violentos no país. Entre eles, a imposição pelo Estado da condução dos sujeitos pela “família”, a onda de mães influencers nas redes sociais, o questionamento da escola como formadora de cidadãos e a militarização da educação. Esses temas são pertinentes, vão além e trazem uma complexidade imensa ao debate. Porque avaliar, debater e solucionar um problema social perpassa a mesa de bar ou a banca da academia. E nos coloca numa encruzilhada entre censura e liberdade de mídia, controle e descontrole de informação.

Saber que o homem que matou as crianças em Blumenau era apoiador de Bolsonaro, tinha a cabeça raspada é muito importante. A cara e o nome dele já haviam sido divulgados antes da impressa colocar a mão na consciência e resolver “desdivulgar” e fazer o discurso de “não vamos dar palco pro palhaço” (isso é recomendado há muitos anos por diversas áreas do conhecimento além da comunicação). Mas o fato de sabermos pelo menos de onde o animal vem e de que se alimenta, nos ajuda a refletir sobre ele.

Como pai ou mãe, saber onde vivem os monstros nos dá uma vantagem. Dentro do convívio, ao lado dos nossos filhos, dentro do espectro de nossos olhos, ouvidos e braços, é onde podemos orientar e criar cidadãos que não serão potenciais assassinos de crianças. Pessoas com privilégios como eu, branco, cis, hetero, com trabalho, casa, banho quente e comida, precisam ter entendimento do geral e explicar para as crianças como o mundo funciona. Toda história tem dois lados. Mas me preocupa o fato de que estamos cada vez mais fechados em nossas casas, nossas relações sociais se fecham cada vez mais em telas de celular. Quando uma criança cresce com acesso a qualquer conteúdo, sem mediação, ela pode escolher caminhos que não são os mais interessantes. Nós, privilegiados, temos acesso à informação sobre como criar os filhos de uma forma amorosa, respeitosa e não agressiva. Temos tempo para ler um livro sobre, buscar conhecimento, selecionar conteúdo. Mas e uma imensa maioria que não tem essa opção ou escolhe (por ignorância ou mau-caratismo) não ter?

Eu não sei dar uma fórmula aqui sobre como não criar um maníaco assassino. Talvez ninguém tenha. Mas, particularmente, vou seguir atuando como um pai que tenta entender esse mundo capitalista e todos os seus tentáculos (que estão em TODOS os lugares). Ter essa consciência, penso eu, pode “nos” ajudar a vencer esse cabo de guerra.

 

 

Rodrigo Ricordi,

39 anos, é jornalista e fotógrafo. Apaixonado por cinema, música, quadrinhos e séries, busca na arte o sentido da vida.

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