Arquivos ROSANA ZUCOLO - Rede Sina https://redesina.com.br/category/portal/convidados/rosana-zucolo/ Comunicação fora do padrão Mon, 22 Jan 2024 02:37:41 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.4.4 https://redesina.com.br/wp-content/uploads/2016/02/cropped-LOGO-SINA-V4-01-32x32.jpg Arquivos ROSANA ZUCOLO - Rede Sina https://redesina.com.br/category/portal/convidados/rosana-zucolo/ 32 32 Dizer do luto https://redesina.com.br/dizer-do-luto/ https://redesina.com.br/dizer-do-luto/#respond Sun, 21 Jan 2024 02:39:02 +0000 https://redesina.com.br/?p=120644 Somente de uns tempos para cá percebi que o novembro havia se transformado num mês de chegadas e partidas muito singulares em nossa vida familiar. Maria chegou a este mundo numa manhã de novembro, dia 09, no ano de 2014. Eu viera para casa pela manhã e adormecera depois de uma noite insone acompanhando meu …

O post Dizer do luto apareceu primeiro em Rede Sina.

]]>

Somente de uns tempos para cá percebi que o novembro havia se transformado num mês de chegadas e partidas muito singulares em nossa vida familiar. Maria chegou a este mundo numa manhã de novembro, dia 09, no ano de 2014. Eu viera para casa pela manhã e adormecera depois de uma noite insone acompanhando meu pai, já terminal, no hospital. Despertei por volta das 11h30 com o som do telefone.  Era Edmário ligando de Salvador para avisar que Tássia dera a luz a uma menina linda. Meu pai partiu no dia seguinte.

Nos anos que vieram, as partidas seguiram mais presentes dos que as chegadas. Meu tio, meu primo, um amigo querido, uma amiga partindo de modo inesperado e, hoje, completam dois meses que o pai dos meus filhos também se foi.

Vindas esperadas, partidas previstas. Para estas últimas, mal olhamos. Saber delas dói. A imprevisibilidade diante da finitude do viver traz desassossego e a gente finge não ver.

O fato é que quando alguém parte, a vida de quem fica se fragiliza e transforma. De repente, tudo muda, passa a se movimentar num tempo outro. Não há controle, apenas fluxo. Nunca há controle, apesar de pensarmos que sim.

É como flutuar num limbo entre o vácuo e uma corrente de ar que não se sabe até aonde irá te levar. Passa-se a conviver com a perturbadora sensação de não ter mais o tempo lógico que até então regia os dias anteriores.  Perde-se a data da semana, do mês. Um dia pode ser o hoje, ou foi o ontem, ou será o amanhã ou o anteontem. Pode ser o ano que passou, pode ser o que o virá ou o que nunca chegará. E ela permanece presente por tempo indeterminado, até que passe.

Luto é uma mescla de nostalgia, tristeza, memórias fragmentadas, ausência que não finda, saudades de certo viver. É um vazio que ocupa todos os cantos e a gente não sabe onde está. Não sabe quando vai acabar, quando  a gente vai acordar, quando vai seguir, quando  vai querer sair e estar com outras pessoas, ou ainda, quando deixa de ser dor.

Um dia tudo parece bem, noutro tudo está vazio e triste; um dia é memória, outro, a ausência que não finda. Um dia é vontade de movimento, noutro, impedimento; um dia você é ação, no outro, ausência absoluta de forças e de vontades. Ou tudo vira dia de não vontades. Fazer nada também é bom!

Não é só a morte de uma pessoa a lembrar o limite radical da vida. Não é a perda. É o que a gente enterra junto com ela. Muitos lutos simultâneos emergem. É o que colapsa e o que segue conosco; é aquilo que, de repente, deixa de fazer sentido, num movimento quase paradoxal.  Sentidos transmutam.

Complexo, porque revolve o que temos de mais profundamente afetivo e conflitivo. Revolucionário, porque profundamente transformador a impor ressignificações.

Hoje este luto veio mediado pelas demandas legais e burocráticas a  me lembrarem que, há dois meses, a vida como a conhecíamos foi interrompida. Dois emails institucionais caíram na minha caixa de mensagens, obrigando a rever a história de uma vida.  Cotidiano que se reorganiza de modo impositivo e traz o tempo vivido na forma de uma documentação detalhada e longa. Ganhos, perdas, percursos, registros… e aquele ser identitário, inteligente, afetuoso, idiossincrático, humano é, repentinamente, transformado em números, em dados. E fim!   É a burocracia a ditar que aquela vida, tal qual era vivida, terminou e depende de que outros consintam que prossiga de novas maneiras. Ciclos que se encerram, outros ciclos que se abrem.

Não sei ainda dizer da partida do Clovis. Não consigo. Não sei  se irei fazê-lo.

Procuro não pensar nos tempos da dor, embora eles apareçam como lapsos, acionados por algum gatilho, sempre à espreita. Prefiro pensar que aquelas dores finalizaram para ele e também para nós. Foram muitos anos de doença. Não sei se algum dia entenderemos este período, ou se apenas aceitaremos como passado, bem como as estratégias de enfrentamento desenvolvidas nesse tempo.

Nesse espaço curto da sua ida, amigos  próximos trazem histórias, memórias afetivas que narram aquilo que a gente esqueceu na imediatez dos dias, dos anos. É quando se torna possível dimensionar o significado daquela vida no universo do outro.  Muitas delas são lembranças tocantes, cheias de intensidade e emoção a dizerem de atitudes diversas que tocaram a alma do outro. O suficiente para a gente entender que a vida acontece, de fato, nas pequenas coisas, nos gestos  e cuidado que temos uns com os outros. E assim tecemos um memorial onde preservamos o que nos foi caro daquele ser que se foi,  e aquilo a nos ligar uns aos outros.

Certo dia, uma amiga querida que sofreu perdas importantes, me disse  sobre o  tempo curto que temos para estar nesta vida uns dos outros. A vejo reelaborar seus infortúnios  com ferramentas diversas, mas não consigo falar sobre nossas perdas e danos. Acho que não precisamos.  Ela sabe que eu sei, e que contamos uma com a outra, incondicionalmente.

Também não consigo dizer mais sobre a perda do Clovis.  Resolvi escrever impulsionada pelos acontecimentos imediatos e de ordem prática. Talvez para tentar apreender o tempo; ou para entender o meu enlutamento em meio ao luto dos meus; ou apenas para explicar a outros queridos, preocupados, que estou bem; que é assim mesmo e a vida vai continuar a insistir. Que a tristeza vai virar uma saudade a ser carregada junto com o riso e com novas vivências, como algo precioso, parte do nosso ser. E que vou seguir  sim, por um tempo indefinido neste mundo.

ROSANA ZUCOLO

Jornalista, professora universitária aposentada, mestre em Educação(UFSM) e doutora em Comunicação(Unisinos). Nascida gaúcha, mora em Santa Maria, tem alma cigana, a Bahia como segunda terra e o mundo como casa. Se dizia  ” parideira de jornalistas” a renascer com eles todos os anos. Descobriu ter uma certa predileção por pares: dois filhos, dois irmãos, dois prêmios Tim Lopes de Jornalismo Investigativo, dois empregos por muito tempo, dois projetos de cursos de comunicação, dois blogs,  duas casas,  dois cachorros, duas cachorras, dois gatos… alguns deles também já partiram.

 

Print Friendly, PDF & Email

O post Dizer do luto apareceu primeiro em Rede Sina.

]]>
https://redesina.com.br/dizer-do-luto/feed/ 0
Pelo fim do silêncio que banaliza o estupro. Por Rosana Zucolo https://redesina.com.br/pelo-fim-do-silencio-que-banaliza-o-estupro-por-rosana-zucolo/ https://redesina.com.br/pelo-fim-do-silencio-que-banaliza-o-estupro-por-rosana-zucolo/#respond Thu, 04 May 2023 23:09:49 +0000 https://redesina.com.br/?p=20761  Anos atrás fiz uma promessa a mim mesma: não mais trabalhar com a temática da violência sexual e do seu enfrentamento, com a qual me deparei, profissionalmente, inúmeras vezes.  Não são temas fáceis de lidar ou mesmo abordar, a ponto de se colocar em xeque a própria capacidade de ver os fatos com a maior …

O post Pelo fim do silêncio que banaliza o estupro. Por Rosana Zucolo apareceu primeiro em Rede Sina.

]]>

 Anos atrás fiz uma promessa a mim mesma: não mais trabalhar com a temática da violência sexual e do seu enfrentamento, com a qual me deparei, profissionalmente, inúmeras vezes.  Não são temas fáceis de lidar ou mesmo abordar, a ponto de se colocar em xeque a própria capacidade de ver os fatos com a maior isenção possível, como defende o campo jornalístico. 

A força de acontecimentos dessa natureza desenquadra nossos esquemas narrativos habituais. Mobiliza, impacta, indigna e, não raro, fragiliza. Tais experiências são deslocadoras e deixam marcas tantos nas vítimas quanto em nós, jornalistas que realizamos as investigações e reportagens. E sempre, inevitavelmente, nos faz desejar nunca mais ter que repetir tais pautas e testemunhar tais acontecimentos. No entanto, elas retornam. Seja porque os fatores que desencadeiam tais acontecimentos se repetem e a urgência nos empurra de volta a elas, seja porque houve a perda de certa inocência em relação à natureza humana.

Foi por isto que, por muito, muito tempo, o colorido poético do Porto da Barra, em Salvador, na Bahia, e que tanto encanta pela sua beleza estética digna de cartão postal, acabou substituído por um cinza chumbo. Nunca mais a leveza daquelas ondas de piscina natural onde nadar era o maior prazer; não mais o riso e o burburinho alegre dos banhistas e dos vendedores; não mais o sabor leve da água de coco na banca após o banho de mar; não mais a paz que a paisagem transmitia, não mais…não mais.

Por meses o trabalho investigativo nos fez observar, ainda que horrorizados, o movimento de turistas homens a prostituírem crianças de idade não superior a 13 anos com a conivência dos comerciantes locais e parte das pousadas que àqueles hospedavam.  E constatar ser um fluxo intenso e contínuo em toda a região da Barra; que essas mesmas crianças frequentavam e conheciam os motéis onde era possível entrar sem fiscalização e, pasmem, haviam desenvolvido uma rara capacidade adulta e fria de negociar preços e programas, ainda que muitas carregassem bonecas ou chupetas. 

 Em outra ponta da cidade, meninas quase esquálidas, em grupos de não mais de três, passavam grande parte da noite a subir e a descer a ladeira da Praça Castro Alves (enunciada por Caetano na música “um frevo novo” como a praça do povo) a vender seus corpos por R$ 5,00 para comprar e fumar pedras de crack. Os “clientes” eram homens adultos, muitos deles em carros de luxo.

Aquela investigação nos levou à idílica baía de Camamu, onde o sexo oral com crianças custava R$ 0,50 ou era trocado por rapaduras. Ao chegar ali, o aviso dos homens locais era o de que se quisesse programa, as meninas eram contatadas nas portas das escolas. 

Nossa experiência na área demonstrou também que as escolas, principalmente as públicas, acabam tendo que lidar com situações para as quais não possuem competência. Não raro a sala de aula é frequentada por crianças que são abusadas no ambiente doméstico e isto só se torna evidência quando já é tarde demais para a vítima. É comum encontrar professores, diretores, assistentes se sentindo impotentes diante de tais fatos e tendo que acionar uma rede de proteção que não funciona como deveria, apesar do ECA.

Também nos fez ver que parte das escolinhas de futebol nas divisões de base guardavam a sete chaves os abusos sexuais sofridos pelos meninos que as integravam. Muitos eram do interior e outros de classes abastadas de Salvador que preferiram ocultar os fatos e proteger, ao seu modo, os seus filhos de possíveis escândalos e exposição. 

Tais fragmentos de memórias são parte de um  trabalho com a ANDI, Agência de Notícias dos Direitos da Infância, e o concurso Tim Lopes de Jornalismo Investigativo. Duas outras experiências com esta temática se somaram ainda dentro dos projetos da ANDI. Uma delas ainda em Salvador, a outra aqui em Santa Maria, onde a hipocrisia mascara a exploração de crianças e adolescente por conhecidos “cidadãos de bem” como ocorre na maioria das cidades.

Não foram menos dolorosas ou impactantes. E elas aconteceram, talvez, porque o olhar fica treinado a identificar esta faceta do social  e passa a ser uma constante com o tempo, ainda que o excesso de realidade nos exija ações de resiliência para suportar o objeto observado. 

A perversidade não tem fim, mas o trabalho acaba e é quando você só quer pensar em escrever sobre flores, como diz meu colega jornalista e irmão, Ricardo Mendes. Ninguém suporta tanta realidade.

Mas se pode perguntar o porquê deste prólogo de tempos já idos? 

É porque não existe acontecimento isolado do contexto em que ele surge. Estamos no Brasil onde a fragilidade da infância desprotegida se estende na horizontalidade da sociedade, atingindo diferentes lugares e condições sociais.

Acontece em todos os tempos, mas sempre remete a um adulto, geralmente masculino, que abusa, viola, violenta outro ser.  E porque a violência sexual tem diferentes faces: é dizer do assédio, do abuso, da pedofilia, da exploração e do estupro ou violação sexual e de um silenciamento tácito que só é rompido episodicamente.

Tais ações criminosas são recorrentes apesar dos avanços legais que aconteceram nas últimas décadas na defesa dos mais vulneráveis. E nestes estão incluídas as mulheres que atingem a estatística de 80% dos 822 mil casos de estupro ocorridos no Brasil no ano que passou, segundo estimativa do IPEA. Destes, apenas 8,5% dos casos chegam à polícia e 4,2% são identificados pelo sistema de saúde.

Uma pesquisa realizada também pelo IPEA demonstrou que a probabilidade de uma vítima de estupro ser do sexo feminino aumenta de 88,5% na infância para 97,5% na idade adulta; sendo que as taxas de estupro contra menores de 13 anos ocupam um total de 50,7%, caindo para 19,4% na adolescência e crescendo novamente para 29,9% na fase adulta (Cerqueira & Coelho, 2014, p.8).

 O país enfrenta uma enorme dificuldade tanto em relação aos registros, quanto ao sistema de atendimento às vítimas relacionado à segurança e saúde. Isto indo das desigualdades regionais em relação à oferta de estrutura de delegacias e policiais preparados, passando pelos serviços médicos e psicológicos à capacitação descontínua e insuficiente desses profissionais. Há de se considerar também as barreiras morais e religiosas que sempre acabam influenciando todo o processo.

Não gosto da expressão cultura do estupro para justificar a perversidade e a violência que levam à prática de tal ato. No entanto, é fato a tendência social de banalizar tais acontecimentos e a legitimação dos argumentos que o justificam. E eles vão da miserabilidade promíscua em que grande parte da população é obrigada a viver, ao ato de atribuir a culpabilidade pela ação violenta às mulheres a partir de juízos de valor. 

Dias atrás recebi o texto do Nando Gross sobre a cobertura da imprensa gaúcha do caso do estupro em Berna por quatro jogadores brasileiros no ano de 1987,  Alexi, o Cuca, Eduardo, Henrique e Fernando, todos do Grêmio. Gross recontextualiza o episódio do estupro pelos jogadores de uma menina suíça de 13 anos que fora pedir a eles uma camiseta do time, e pelos quais três deles foram condenados naquele país por atentado ao pudor e coação. A revisitação desse acontecimento choca, mesmo porque reúne a posição dos comentaristas gaúchos,  entre eles Paulo Santana, Lauro Quadros, ambos da ZH, e Wianey Carlet do Correio do Povo, assumem a defesa dos jogadores com argumentos jocosos e machistas em relação à menina vítima de tal violência.

O assunto voltou a ser pauta na imprensa nacional quando o Corinthians contratou Cuca como técnico, o que foi alvo de inúmeras críticas nas redes sociais de onde emergiu o protesto contra o jogador com o “Fora Cuca ” e “Respeita as minas”. Dia 27 de abril, a direção do Corinthians,sob pressão, dispensou o técnico.

No mesmo dia, o assunto foi tema do programa Sala de Debates, na CDN, e transmitido ao vivo pelo canal no youtube.  E o debate tomou rumos constrangedores. Seja porque o direito ao esquecimento é algo que precisa ser revisto – as vítimas nunca esquecem o que sofreram-, seja porque banalizar ou cientificizar argumentos em torno do estupro como fez o médico Eduardo Rolim é algo inaceitável.

O modo como a questão foi colocada remete a pensar que da vítima de estupro espera-se que resista heroicamente às investidas do agressor e fique com as marcas da violência sofrida como onus da prova de sua tentativa de resistência. Ou ainda, que desgraçadamente morra ao tentar proteger a honra e cumpra o papel de vítima perfeita (e virtuosa) esperado pela sociedade.

É  injustificável tornar o ato de sedução um ato de violência física contra o outro. Ainda que celebridades, como foi mencionado no debate, tendam a arrebatar os e as simples mortais, processo esse alimentado pela exposição na mídia, a complexidade que envolve as relações entre homens e mulheres adultas passa pelo consentimento mútuo no qual a palavra final é a garantia da civilidade. Se um diz que não quer,  cessa ali o jogo.  Ou deveria.

O estupro é um ato de violência e tortura praticado contra qualquer pessoa, seja qual for o seu gênero. Não há atenuantes para quem o pratica. É crime. Minimizá-lo só evidencia que os tradicionais lugares cristalizados na sociedade precisam de novas matrizes sob pena de sucumbirmos à barbárie. Novas formas de ver, de sentir, de conviver. Mais respeito, leveza e suavidade, por favor.

É chover no molhado dizer que se trata da representação masculina sobre o feminino e de uma visão distorcida das relações entre os gêneros. Poder, dominação, submissão, permissividade e agressividade ainda integram, com raríssimas exceções, o universo do masculino. No caso, o direito sobre o outro e o seu corpo.  E aí estão as expressões e chavões perversos que todas as mulheres já ouviram em alguma circunstância. Mas não cabe aqui discutir os longos tentáculos do patriarcado a – outro conceito ressuscitado pela realidade premente – a impregnar o imaginário da sociedade.

Resta sim, discutir de modo mais aberto e equânime, as razões de tal violência e o como combatê-la – do assédio praticado por homens “intocáveis”,  e da violação sexual como parte da violência doméstica ao seu uso como arma de guerra.

Print Friendly, PDF & Email

O post Pelo fim do silêncio que banaliza o estupro. Por Rosana Zucolo apareceu primeiro em Rede Sina.

]]>
https://redesina.com.br/pelo-fim-do-silencio-que-banaliza-o-estupro-por-rosana-zucolo/feed/ 0
Ao Victor, aonde ele estiver por Rosana Zucolo https://redesina.com.br/ao-victor-aonde-ele-estiver-por-rosana-zucolo/ https://redesina.com.br/ao-victor-aonde-ele-estiver-por-rosana-zucolo/#respond Wed, 01 Mar 2023 19:28:58 +0000 https://redesina.com.br/?p=20173 Tempo, tempo, tempo-rei. De boa parte dele restam apenas indícios de histórias vividas, registros em forma de palavras e imagens geradoras de memórias múltiplas. Tempo de viver, tempo de lembrar. Já por aqui é tempo de limpar e colocar fora tudo aquilo que não faz mais sentido – concreta e simbolicamente. Quem já esteve ou …

O post Ao Victor, aonde ele estiver por Rosana Zucolo apareceu primeiro em Rede Sina.

]]>

Tempo, tempo, tempo-rei. De boa parte dele restam apenas indícios de histórias vividas, registros em forma de palavras e imagens geradoras de memórias múltiplas. Tempo de viver, tempo de lembrar.

Já por aqui é tempo de limpar e colocar fora tudo aquilo que não faz mais sentido – concreta e simbolicamente. Quem já esteve ou está em torno da vida acadêmica sabe que papel parece se reproduzir por conta própria, e com celeridade. São acúmulos de pastas, arquivos, blocos, folhas, agendas, cópias, cadernos, apontamentos, artigos guardados para se ler depois e nunca mais foram tocados, sequer lembrados. Então, tudo aquilo que não tiver utilidade imediata ou puder ser reciclado está destinado à fogueira de  Hestia*.

No entanto, mexer em arquivos guardados sempre remete ao tempo ido. E entre aquilo que se descarta e o que se reencontra, estão muitas notas pessoais porque quem lida com as palavras sempre acaba tecendo outras malhas. Em meio a muitas, uma delas me devolveu a presença imaginária e saudosa de um amigo querido que partiu há cerca de uma década.

Soou estranho ter localizado tais escritos justamente depois de ter voltado do Paraná. Anos atrás fui àquele estado neste mesmo período. Ainda na estrada recebi a notícia da morte de Victor, vitimado em um estúpido e patético acidente de trânsito. Foi um choque e precisei confirmar o que soava como desolador. Victor Folquening partiu num momento feliz e produtivo. Estava fazendo o seu doutorado, era um pesquisador raro, decidira finalmente casar e pretendia ter um filho.

Temos um tempo de vida com as pessoas. Pode ser curto ou mais longo, mas sempre soará insuficiente no momento em que alguém próximo partir.

Trago aqui o registro desta memória vivida, hoje, como saudade. Naquele momento, era a perplexidade e a dor da ausência. Foi escrito em abril, reinício do ano letivo.  Ei-lo!

“Volto à Unisinos depois de novembro. É boa a sensação de estar de volta ao ambiente acadêmico, no entanto, é impossível não sentir o Victor por aqui. Parece que em cada canto, em cada corredor, vou entrar e me deparar com ele.

Estou sentada junto às mesas do café da biblioteca. Quantos cafés tomamos aqui!  Quantas teorias entre livros e quantas conversas sobre a vida, os relacionamentos, os trabalhos, filhos e não filhos brotaram espontaneamente, mas com certa urgência. Talvez hoje eu entenda que tal urgência era necessária. O tempo era curto para ele e com ele.

Hoje o tempo está impregnado pela memória da sua presença.  Todos nós sentimos da mesma forma.  Sirvo um café. A última vez que nos vimos foi neste mesmo lugar e, nesta mesma mesa onde estou, ainda que não intencionalmente. Era o único lugar vago quando cheguei.

Mais um café antes de seguir a minha jornada por aqui. Preciso cumpri-la. A dele foi interrompida e ele faz falta, porque tinha a capacidade de tudo impregnar com intensidade.

Penso que todos que convivíamos com ele estamos repletos de memórias, de ideias, da sua paixão pelo humano e suas facetas. Victor era o mais brilhante entre nós. Curioso e corajoso, não se negava ao mundo nem ao outro e o fazia com uma sensibilidade comovedora. Desafiava e investigava de modo instigante.  Era  rara a sua capacidade de transitar e se posicionar diante de temas e sujeitos controversos. E o fazia sem perder o fio da sua racionalidade ágil e lúcida.  Pesquisava  Comunicação e Religião e o fazia com ousadia e fluência.  Introduziu a noção de ” contrabando na mídia” para explicar como é possível transgredir mesmo dentro dos cânones protocolares dos sistemas.

“O “contrabando” é uma espécie de obiter dicta: ele “entrega o jogo” e nos permite aceitar, talvez no único momento possível, a “intenção” em disputa na circulação. Se não podemos falar com segurança de “intenção” já que os discursos não pertencem ao controle do inconsciente, podemos pelo menos identificar as ações propositais que os discursos deflagradores insinuam.”

Faz falta a sua diferença e vivacidade.

Nem sempre era entendido e aceito por isso, vivia de modo inquieto e urgente Ainda assim, percebo que nos tornamos melhores por conta dele. E precisava registrar isto como se, em algum lugar, ele pudesse ler e precisasse saber o quanto fez diferença ao conviver entre nós. ”

* Hestia – deusa grega do fogo,  protetora das  cidades, das famílias e lares

Print Friendly, PDF & Email

O post Ao Victor, aonde ele estiver por Rosana Zucolo apareceu primeiro em Rede Sina.

]]>
https://redesina.com.br/ao-victor-aonde-ele-estiver-por-rosana-zucolo/feed/ 0
“Senhores juízes, nunca mais” por Rosana Zucolo https://redesina.com.br/senhores-juizes-nunca-mais-por-rosana-zucolo/ https://redesina.com.br/senhores-juizes-nunca-mais-por-rosana-zucolo/#respond Sat, 12 Nov 2022 01:15:14 +0000 https://redesina.com.br/?p=19536 Ninguém pode permitir que sequestro, tortura e assassinato constituam incidentes políticos ou “eventualidades de combate”. Agora que o povo argentino recuperou o governo e o controle das instituições, assumo a responsabilidade de falar em nome dele que o sadismo não é uma ideologia política, nem uma estratégia bélica, mas uma perversão moral. Julio Strassera A …

O post “Senhores juízes, nunca mais” por Rosana Zucolo apareceu primeiro em Rede Sina.

]]>

Ninguém pode permitir que sequestro, tortura e assassinato constituam incidentes políticos ou “eventualidades de combate”. Agora que o povo argentino recuperou o governo e o controle das instituições, assumo a responsabilidade de falar em nome dele que o sadismo não é uma ideologia política, nem uma estratégia bélica, mas uma perversão moral.

Julio Strassera

A referência às palavras Julio Strassera, aqui transcritas, constituem o ápice de um filme  emocionante que captura boa parte dos incautos espectadores brasileiros, de modo a instigar a análise sobre os nossos obscuros processos nacionais e a provocar inveja diante da coragem dos vizinhos latinos, aquela que o Brasil não teve no final da ditadura.

Nestas duas últimas semanas, assisti ao filme Argentina, 1985 (disponível na Amazon Prime Vídeo) por duas vezes. A primeira foi no tenso dia que antecedeu o segundo turno da eleição para presidente; a segunda, nos  sucessivos e inquietantes dias após os resultados das urnas darem vitória a Lula, e quando o movimento de ultradireita ocupou a frente dos quartéis aqui e em muitas cidades país a fora.

O fiz  – e provavelmente o assista novamente – porque o filme, baseado em fatos reais, mostrou ser um norte poderoso e um fomento à memória histórica neste momento em que o mundo e o Brasil se debatem em meio ao esquecimento das atrocidades das ditaduras e de suas consequências.

A alma precisa ser lavada várias vezes e de diferentes formas.

Lançado no Brasil no dia 21 de outubro, às vésperas do segundo turno, o filme assinado pelo cineasta argentino Santiago Mitre é um drama histórico-político narrado a partir do protagonismo do promotor Julio César Strassera(interpretado pelo ator Ricardo Darín) e de sua jovem equipe no processo judicial que julgou e sentenciou a alta cúpula militar responsável pela ditadura argentina (1976-1983) e pelo desaparecimento de 13 mil pessoas, segundo dados oficiais. Movimento dos direitos humanos daquele país apontam 30 mil desaparecidos.

Integrante da Operação Condor, a Argentina passou pelo estado de exceção nos mesmos moldes do Brasil, cujas consequências ainda se fazem sentir. No entanto, a ditadura argentina foi muito mais sanguinária e apontada como uma das mais cruéis da contemporaneidade.

A principal diferença entre ambas talvez esteja no fato de que, enquanto no Brasil uma anistia conciliatória livrou os militares de serem investigados e julgados, na Argentina, logo após a eleição democrática em 1983, o então presidente Raúl Alfonsín, enviou um projeto de lei ao Congresso para revogar a lei de autoanistia estabelecida pelos militares e instaurou a Comissão Nacional sobre o Desaparecimento de Pessoas (CONADEP).

Numa  Argentina pós-ditadura e ainda marcada pela herança da arbitrariedade, a lentidão do julgamento militar se arrastou pelo ano de 1984, o que levou o governo de Raúl Alfonsin a instaurar um processo civil contra o alto escalão militar que dirigiu o país por quase uma década. O processo se tornou conhecido como Julgamento das Juntas, e foi o primeiro tribunal civil a condenar uma ditadura militar por crimes contra a humanidade, algo considerado inédito desde o julgamento de Nuremberg (1947-1948).

Durante a instauração do processo houve inúmeras tentativas de abafar o julgamento militar e muita interferência da mídia conservadora. Mas à medida que a investigação prosseguia, vieram à público os fatos mais tenebrosos daquele período documentado na publicação do relatório Nunca más”, também conhecido como Relatório Sabato, emitido pela CONADEP.Organizado por uma equipe que teve à frente o escritor Ernesto Sabato, o relatório reúne as denúncias de desaparecimentos, sequestros e torturas acontecidas  no país.

O filme  de Santiago Mitre reconstrói boa parte desse momento numa impecável e imprescindível narrativa acerca do papel da claridade dos processos e do ritual judiciário, sem abrir mão das incertezas e contradições humanas numa “abordagem  adulta e matizada dos traumas políticos nacionais”, como bem situa José Geraldo Couto.

A narrativa fílmica se dá num movimento ascendente entre o tensionamento das vidas pessoais e a transformação social que se impõe  com força própria e à revelia das tentativas de contê-la.

Um dos momentos mais impactantes  e decisivos do filme  é traduzido  pela fala do dramaturgo  e membro da CONADEP, Carlos Somigliana ( representado pelo ator Claudio Dá Passano), parceiro de Strassera no processo. Somiglia afirma: ” É preciso evitar que a classe média exerça o seu papel histórico de sempre ser conivente com ditaduras militares.” 

Se de início nem mesmo Strazzera acreditava ser possível conduzir a ação na qual seus pares não desejavam se envolver, o fôlego foi dado por uma equipe de advogados mais jovens liderados pelo promotor adjunto Luis Moreno Ocampo, à época com 32 anos e representado no filme pelo ator Peter Lanzani. A equipe mapeou e levantou  mais de 4 mil casos de abusos e ilegalidades cometidas durante o governo militar, e arrolou testemunhas dispostas a falar, apesar do medo de represálias.

Libertador, o filme consegue trazer às telas a força daquele momento histórico argentino. O emocionado discurso de acusação de Strassera – no filme e na vida real – arrebatou os juízes e todos os presentes.

Sua frase final se tornou símbolo da retomada democrática na Argentina e um marco na luta pela democracia: ” Senhores juízes…quero utilizar uma frase que não me pertence, porque pertence a todo o povo argentino. Senhores juízes, nunca mais!”  

A Argentina, ainda hoje tão criticada e estigmatizada em suas crises políticas, conseguiu deter o que ainda nos ameaça em solo brasileiro: Ditadura nunca mais!

Embora não se pretenda neste texto analisar o complexo cenário da sociedade brasileira radicalmente polarizada nestes  últimos quatro anos,  cabe refletir a partir do filme de Mitre a necessidade de que a história seja mantida como uma memória viva, sob pena de termos, de tempos em tempos, a institucionalização da arbitrariedade.  Penso ser essa a função deste filme e o papel social do cinema e do audiovisual.

Democracia é uma construção recente na história da América Latina. E a exemplo do país vizinho, é necessário sim revisitar o passado – também o passado recente -, investigar a fundo as ações que tantos danos causaram  a uma grande parcela da população, responsabilizar a quem de direito para que nunca mais torne a acontecer.

ROSANA ZUCOLO

Jornalista, professora universitária aposentada, mestre em Educação(UFSM) e doutora em Comunicação(Unisinos). Nascida gaúcha, mora em Santa Maria, tem alma cigana, a Bahia como segunda terra e o mundo como casa. Se diz  ” parideira de jornalistas” e renasce com eles todos os anos. Descobriu ter uma certa predileção por pares: dois filhos, dois gatos, dois prêmios Tim Lopes de Jornalismo Investigativo, dois empregos por muito tempo, dois projetos de cursos de comunicação, dois blogs,  duas casas, dois irmãos, dois cachorros, duas cachorras…

 

Print Friendly, PDF & Email

O post “Senhores juízes, nunca mais” por Rosana Zucolo apareceu primeiro em Rede Sina.

]]>
https://redesina.com.br/senhores-juizes-nunca-mais-por-rosana-zucolo/feed/ 0
O dia de amanhã por Rosana Zucolo https://redesina.com.br/o-dia-de-amanha-por-rosana-zucolo/ https://redesina.com.br/o-dia-de-amanha-por-rosana-zucolo/#respond Sun, 02 Oct 2022 01:47:29 +0000 https://redesina.com.br/?p=19324 Anos atrás, quando nós, brasileiros, tínhamos crise mas esperança, uma querida ex-colega de doutorado mudou os rumos e foi viver no Maine, EUA.  Depois de algum tempo por lá, relatou-me as suas impressões acerca do forte sentido comunitário (para o bem e para o mal) da vida norte-americana ou de parte dela. E para além …

O post O dia de amanhã por Rosana Zucolo apareceu primeiro em Rede Sina.

]]>

Anos atrás, quando nós, brasileiros, tínhamos crise mas esperança, uma querida ex-colega de doutorado mudou os rumos e foi viver no Maine, EUA.  Depois de algum tempo por lá, relatou-me as suas impressões acerca do forte sentido comunitário (para o bem e para o mal) da vida norte-americana ou de parte dela. E para além do que habitual e utopicamente entendemos por comunitarismo aqui no Brasil, Nívea Bona também dizia das estratégias e dos movimentos das comunidades de ódio que se organizavam, convocando a depredar e matar os considerados diferentes.

Naquele momento, não se supunha que tal violência pudesse vingar de modo institucionalizado em solo brasileiro, apesar da imensa desigualdade que sempre imperou por aqui e dos estudos conceituais sobre a área. E não, não se trata de ignorar a violência que sempre existiu no Brasil – o país tem seus ódios incrustados profundamente em todos os aspectos de sua sociedade – mas de constatar que, desde o final de 2018, ela vem sendo instigada, autorizada, consentida e normalizada como rotina na sociedade civil.

Sim, o mundo girou à extrema direita nos últimos anos.  Os líderes mais conhecidos eleitos pela via do voto democrático são Trump nos EUA, Bolsonaro aqui (ainda), Orban na Hungria, Moraviek na Polônia e, recentemente, na Itália, Meloni cuja campanha tem o slogan “Deus, pátria e família”. Soa familiar aqui no território nacional?

O que parecia improvável ou soava quase caricato aconteceu lá e cá. Nesse giro, as palavras que sustentam o mundo democrático foram sendo esvaziadas de sentido e de poder, porque às palavras se sucedem as ações. Quando isso deixa de ocorrer, elas são esvaziadas e o silenciamento que se segue permite a outros elementos, a simulacros, ocuparem os espaços de poder.  Esvaziam-se também as instituições que deveriam representar e defender os cidadãos.

Perceber este movimento  horroriza porque nos invade um misto de indignação e impotência. Como conceber que um representante do poder público minta descaradamente, distorça os fatos, pregue a violência, faça acusações sem provas, desrespeite as pessoas e tudo fique por isso mesmo? E mais, que seja vetor desse modo de agir sem que os mecanismos legais capazes de barrar esse tipo de ação sejam acionados por quem tem competência para tanto?

Para lembrar quando começou de modo público e notório tal silenciamento da democracia, basta voltar ao golpe de 2016. Os argumentos utilizados durante a votação do impeachment de Dilma Roussef já sinalizavam a tendência. Retóricos e sem alma, priorizaram o pragmatismo fisiológico que destituiu, sem base legal, uma presidenta eleita democraticamente.

Quem assistiu a transmissão daquele acontecimento pela TV sabe que a “votação”, de fato, foi um fuzilamento público e misógino, com o atual presidente homenageando Brilhante Ustra, responsável por mais de 50 mortes e centenas de torturas durante a ditadura, como “o pavor de Dilma Roussef”. Ali já se perdia a civilidade política. Cassar o mandato da presidenta foi um golpe de estado travestido de oficialidade, sustentado também pelas discussões na sociedade civil que assumiram a retórica da legalidade.

Também assustou naquele processo, ver a racionalidade de pessoas próximas, muitas delas dotadas de inteligência acima da média, ser capturada pelo discurso retórico do pragmatismo fisiológico.

De lá para cá, palavras vazias e extemporâneas tomaram o cenário nacional como verdades absolutas e fundamentais. Foi ressuscitado o comunismo, a terra plana, o homescholling, o fundamentalismo religioso, o combate à corrupção como se nunca antes existisse. E propagam-se como discurso a permear a vida cotidiana das gentes, enquanto a estratégia do grupo no poder é o desmonte de todas as políticas públicas e a privatização desse patrimônio. E se somam a isto,  a misogênia,  a homofobia, a discriminação racial, o genocídio dos povos originários, a destruição ambiental, a perseguição aos negros, o armamento da sociedade civil e o consentimento à violência desenfreada para os policiais,  entre tantos outros horrores que ocorreram nestes quatro anos de destruição da vida brasileira.

Talvez o mais grave disso tudo, seja o risco de se ter a identidade nacional substituída por outra, cujas marcas se forjam na barbárie. Intolerância, xenofobia, acirramento das desigualdades, concentração da renda, miséria, fome, negligência, milhares de mortes são as consequências do mandato do presidente ultradireitista que ocupa o maior posto do país. Eleito democraticamente, ameaça recusar o resultado das urnas no dia de amanhã caso não seja reeleito.

Esse vácuo institucional que caracteriza os regimes ditatoriais e facistas e desumaniza as sociedades pode ou não se instalar de modo incisivo no país a partir de amanhã. Mas também é possível pensar que o tamanho da sombra é proporcional ao tamanho da luz. Assim, neste domingo, 2 de outubro, dia da eleição mais importante dos últimos tempos ao Brasil, o meu voto é o da esperança de que retomemos o processo democrático rumo a uma sociedade mais justa e  igualitária.

Não se trata de retomar um Brasil  corróido pelo atual governo, mas de reconstruir um país diferente, mais equânime, justo e com mais dignidade. Não será tarefa fácil, mas é fundamental retomar e defender a democracia.

 

Print Friendly, PDF & Email

O post O dia de amanhã por Rosana Zucolo apareceu primeiro em Rede Sina.

]]>
https://redesina.com.br/o-dia-de-amanha-por-rosana-zucolo/feed/ 0
A IRMÃ QUE PINTA | POR ROSANA ZUCOLO https://redesina.com.br/a-irma-que-pinta-por-rosana-zucolo/ https://redesina.com.br/a-irma-que-pinta-por-rosana-zucolo/#respond Thu, 01 Sep 2022 00:59:23 +0000 https://redesina.com.br/?p=19040 Não lembro exatamente quando ela começou a pintar. Não morávamos mais juntas há muitos anos e os reencontros se davam em períodos de férias ou feriados prolongados, uma vez que  o mundo da vida e da vida profissional nos levou a espaços distintos e distantes geograficamente. Numa dessas férias, ela chegou com telas, tintas e …

O post A IRMÃ QUE PINTA | POR ROSANA ZUCOLO apareceu primeiro em Rede Sina.

]]>

Não lembro exatamente quando ela começou a pintar. Não morávamos mais juntas há muitos anos e os reencontros se davam em períodos de férias ou feriados prolongados, uma vez que  o mundo da vida e da vida profissional nos levou a espaços distintos e distantes geograficamente.

Numa dessas férias, ela chegou com telas, tintas e pincéis. Senti um estranhamento porque sempre me vi diante de alguém “pé de vento”, quase dispersiva,  muito conectada com distintas pessoas e o mundo externo a um só tempo.  Pintar para mim era sinônimo de concentração absoluta, quase uma introspecção. Mas foi quando descobri haver diferentes modos de introspectar.

Daquele curto período saiu uma série de paisagens e casarios, ainda titubeantes, que hoje emolduram as paredes da nossa casa original.  E assim, ocasionalmente a cada férias “grandes”, ela vinha com novidades.

Numa dessas levas, herdei  o quadro de uma jangada de velas amarelas, duplas, a deslizar num mar azul crepúsculo, cuja moldura em azul e branco tende a ampliar e a realçar o cenário. De imediato gostei  do jogo das cores e do movimento que ele sugeria. Firme e aberto ao mar infinito.

Devo ter percebido ali, de modo inconsciente, algo em gestação em meio aos caos da vida cotidiana a jogar os sujeitos num emaranhado de tensões, neuroses e imediatismos. Fato é que, para ela, a pintura sempre foi um movimento latente como uma lanterna a iluminar a alma selvagem. O lugar onde não é possível sucumbir, nem se dobrar às ordens de um mundo duro e funcional. Um lugar de onde  se pode resistir e sobreviver. Um lugar de existência.

Tal movimento não veio pela via acadêmica ou disciplinar.  Talvez nem pela lucidez  que a racionalidade proporciona. Veio selvagem, aos borbotões, ocupando as brechas, preenchendo as frestas, quase marginal, pincelando um espaço ali, outro lá, a invalidar os medos, a suturar as inseguranças, as comparações.

Despretensiosamente um curso aqui, outro professor ali, um amigo acolá. Daqui levou parte de uma antiga coleção de história da arte editada pela Folha de SP e esquecida numa caixa. Depois ganhou uma edição atualizada, presente de aniversário.

A pandemia parece ter acelerado o processo dela. De 2020 para cá, Rosele vem  explorando o traço no desenho e pintando de modo sistemático. Um crescente movimento de aperfeiçoamento e criação muito marcada pelo intuitivo. Apaixonada por Monet, ano passado fez uma série de delicados ensaios impressionistas inspirados na obra dele.

A série de retratos que veio recentemente para Santa Maria reflete o deslocamento da alma para espaços outros, para  um mundo carregado de personagens e cores que ganharam vida na materialidade das telas. Outras paragens por onde a alma transita para podermos  existir e que ela precisa deixar emergir.

Dias atrás um amigo baiano, meu antigo analista para quem mandei as fotos de alguns quadros dela, me disse sobre a necessidade de se refletir e escrever sobre o lado B da pandemia.  Ainda não me sinto autorizada a fazê-lo em profundidade, mas quando vejo ter sido o que permitiu à alma da minha irmã vir ao mundo de modo tão forte e firme, acredito sim, haver muito a ser revisto e dito. E que ela continue a pintar e a criar!

 

ROSANA ZUCOLO

Jornalista, professora universitária (UFN), mestre em Educação(UFSM) e doutora em Comunicação(Unisinos). Nascida gaúcha, mora em Santa Maria, tem alma cigana, a Bahia como segunda terra e o mundo como casa. Se diz  ” parideira de jornalistas” e renasce com eles todos os anos. Descobriu ter uma certa predileção por pares: dois filhos, dois gatos, dois prêmios Tim Lopes de Jornalismo Investigativo, dois empregos por muito tempo, dois projetos de cursos de comunicação, dois blogs,  duas casas, dois irmãos, dois cachorros, duas cachorras…
Print Friendly, PDF & Email

O post A IRMÃ QUE PINTA | POR ROSANA ZUCOLO apareceu primeiro em Rede Sina.

]]>
https://redesina.com.br/a-irma-que-pinta-por-rosana-zucolo/feed/ 0
QUANDO A EXCELÊNCIA EM PESQUISA DEIXA DE SER IMPORTANTE, ALGO DE MUITO ERRADO ACONTECE NO PAÍS por Rosana Zucolo https://redesina.com.br/quando-a-excelencia-em-pesquisa-deixa-de-ser-importante-algo-de-muito-errado-acontece-no-pais-por-rosana-zucolo/ https://redesina.com.br/quando-a-excelencia-em-pesquisa-deixa-de-ser-importante-algo-de-muito-errado-acontece-no-pais-por-rosana-zucolo/#respond Tue, 09 Aug 2022 18:50:08 +0000 https://redesina.com.br/?p=18951 Resolvi trazer para a Rede Sina o texto publicado hoje, 09 de agosto, no  Jornal Diário de Santa Maria, na coluna Opinião do Leitor. Embora não seja o tipo de assunto e abordagem usual por aqui, penso que alguns temas precisam circular de modo mais veemente porque têm afetado nossa estrutura de país com consequências …

O post QUANDO A EXCELÊNCIA EM PESQUISA DEIXA DE SER IMPORTANTE, ALGO DE MUITO ERRADO ACONTECE NO PAÍS por Rosana Zucolo apareceu primeiro em Rede Sina.

]]>

Resolvi trazer para a Rede Sina o texto publicado hoje, 09 de agosto, no  Jornal Diário de Santa Maria, na coluna Opinião do Leitor. Embora não seja o tipo de assunto e abordagem usual por aqui, penso que alguns temas precisam circular de modo mais veemente porque têm afetado nossa estrutura de país com consequências graves  para todos nós.

O mês de julho terminou marcado pela terrível notícia do fechamento de 12 programas de pós-graduação na Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), nível de mestrado e doutorado, e a demissão confirmada de 40 docentes.

A decisão, comunicada laconicamente por meio de nota oficial, pegou de surpresa a comunidade acadêmica e a sociedade gaúcha porque se trata de uma instituição comunitária, sólida, comprometida com a educação e com uma trajetória de investimentos em pesquisa e na pós-graduação.  Ou seja, uma universidade que, até então, se distinguia das instituições privadas com fins lucrativos caracterizadas pelas práticas e estratégias de mercado.

Dos programas fechados, três – Comunicação, Psicologia e Linguística Aplicada -, têm reconhecida excelência nacional e internacional, com nota 6 em uma escala de até 7 na avaliação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

O encerramento da Pós-Graduação em Comunicação torna a notícia ainda mais desoladora. Em 2013, quando eu ainda estava no doutoramento, o PPGCOM/Unisinos, ao lado da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), conquistou a nota 6 na avaliação da CAPES.  Naquela época, apenas a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) era um programa nível 6.

Era um ambiente fértil e estimulante, tanto no convívio quanto nas trocas com um corpo docente extremamente qualificado e um processo afinado de produção do conhecimento científico, e para onde convergiam pessoas de todo o país e exterior.

Ainda não se sabe qual será o destino dos grupos de pesquisa que compõem o programa e desenvolvem inúmeros projetos nacionais e internacionais, muitos com financiamento. Como ficarão os bolsistas de produtividade e pesquisa no PQ/CNPQ, só concedidas a pesquisadores de impacto na respectiva área? E os professores cujas trajetórias se mesclam à própria história institucional? O que será feito das produções editoriais, cujas revistas mantidas pelo PPG são referências de impacto e fundamental à área da Comunicação?

Uma história e um programa de tal porte não são construídos de uma hora para outra. São décadas de trabalho, de investimento em pessoas e de pessoas, em pesquisa, de avaliações baseadas num processo de escalonamento relacional e no esforço contínuo de melhorias a partir da experiência anterior.

Tal medida fragiliza o prestígio institucional, uma vez que a Unisinos integra a poderosa rede internacional de ensino dos jesuítas. A Cia de Jesus possui cerca de 890 mil estudantes, 1.300 instituições e projetos de educação popular, além de universidades e faculdades no mundo todo. Ou seja, pode-se pensar que se tratando de uma instituição de tal porte, há “gordura” suficiente para o enfrentamento da crise atual e a definição de rumos mais comprometidos com o sentido e o papel da universidade enquanto responsável pela educação e produção do conhecimento.

Lamentavelmente, a decisão da Unisinos parece integrar o processo de desmonte de uma rede nacional de pós-graduação e pesquisa extremamente produtiva e avaliada ao longo de décadas.

É extremamente angustiante perceber que se trata do mesmo processo responsável, desde 2018, pelo sucateamento das universidades públicas e descontinuidade das políticas públicas de educação e de investimento em ciência e tecnologia.

Print Friendly, PDF & Email

O post QUANDO A EXCELÊNCIA EM PESQUISA DEIXA DE SER IMPORTANTE, ALGO DE MUITO ERRADO ACONTECE NO PAÍS por Rosana Zucolo apareceu primeiro em Rede Sina.

]]>
https://redesina.com.br/quando-a-excelencia-em-pesquisa-deixa-de-ser-importante-algo-de-muito-errado-acontece-no-pais-por-rosana-zucolo/feed/ 0
Solastalgia e o cantão de Camobi por Rosana Zucolo https://redesina.com.br/solastalgia-e-o-cantao-de-camobi-por-rosana-zucolo/ https://redesina.com.br/solastalgia-e-o-cantao-de-camobi-por-rosana-zucolo/#respond Mon, 20 Jun 2022 17:05:30 +0000 https://redesina.com.br/?p=18698 Vivo num cantão de Camobi, um dos mais antigos bairros da cidade de Santa Maria, região central do RS. A rua onde moro não tem saída. Desce em forma de S até acabar na divisa com a estrada de ferro no sopé dos morros, vizinha de uma antiga olaria cujas torres das chaminés emolduravam belas …

O post Solastalgia e o cantão de Camobi por Rosana Zucolo apareceu primeiro em Rede Sina.

]]>

Vivo num cantão de Camobi, um dos mais antigos bairros da cidade de Santa Maria, região central do RS. A rua onde moro não tem saída. Desce em forma de S até acabar na divisa com a estrada de ferro no sopé dos morros, vizinha de uma antiga olaria cujas torres das chaminés emolduravam belas noites de lua cheia. Uma das chaminés foi derrubada porque, segundo os proprietários, era mais barato desmanchar do que restaurar (lógica muito brasileira), e o que foi de uma  estética ímpar durante muitos anos, sobrevive somente na memória e em alguma foto impressa em papel.

 Não há vizinhos humanos ao lado direito da minha casa. Sou circundada por uma área verde, coletiva, a qual fazemos questão de cuidar para que siga sendo de todos. Ali há muitas árvores plantadas por nós, moradores, e para além dela, a visão privilegiada dos morros, ainda preservados, da Serra Geral que termina (ou começa) por aqui. Nesse lugar é possível presenciar lindos amanheceres e singulares pores do sol acompanhados pela sinfonia dos pássaros. Também  é possível ver quando se anunciam as violentas tempestades do noroeste e sentir de frente o vento norte capaz de tirar qualquer um do prumo.

Há 34 anos eram apenas quatro famílias no loteamento aberto num canto do bairro de  características bastante rurais. Hoje, são cerca de 20 casas e um ou dois terrenos ainda sem ocupação. Ainda assim, somos uma ilhota em meio ao velho Camobi que cresce desenfreadamente, tomado por prédios não mais de quatro andares como previa o antigo plano diretor, mas sim por edifícios altos, autorizados por alguma negociação entre prefeitura e sistema imobiliário, e da qual a população pouco ou nada sabe. O bairro  se urbaniza sem nenhum cuidado ambiental e sem preservar nada.

Dobrar a esquina  da rua principal e entrar aqui é como sair do caos e chegar a uma espécie de refúgio, quase  natural, onde diferentes pássaros cantam, constroem ninhos e as abelhas jataí invadem as casas em busca de lugar para instalar suas colmeias.

O cantão não tem regras distintas dos outros bairros; os vizinhos não necessariamente vizinham, com algumas exceções; nem todos se conhecem e muitos não fazem questão de; já houve quem quisesse transformar tudo num condomínio particular, fechando a entrada da rua. A ideia não vingou, assim como não foram aceitas tentativas de apropriação privada da área coletiva. Nada mais do que gente sendo gente marcada pela boa dose de individualismo que caracteriza a sociedade. Também faço a mea culpa por não vizinhar como poderia. Mas, à revelia das nossas idiossincrasias, todos sabemos que ao entrar aqui, chegamos a um lugar reconfortante, apesar do estado cada vez mais precário da pavimentação.

Morei em outras cidades do país e retornei a este cantão que foi uma benção durante a fase de isolamento na pandemia da Covid-19. Não sou apegada a lugares, no entanto, há muitos anos tenho uma espécie de melancolia quando percebo a desconstrução do espaço geográfico no entorno e o descuido com a preservação histórica e a falta de uma consciência ambiental. Me pego em busca de cantões ainda preservados.

 Pergunto-me por quanto tempo as matas nativas dos morros resistirão aos nossos avanços? Quantas espécies de pássaros se somarão aos que já habitam essa ilhota verde? Aparecem muitos e lindos, mas certamente vêm porque seus espaços naturais foram invadidos. Por quanto tempo veremos as aves migratórias fazerem suas travessias  no final do verão para retornarem na próxima primavera? Ou mergulharem num balé aéreo quando das revoadas de insetos, se deleitando num verdadeiro banquete? Até quando conseguiremos desviar dos excessos de agrotóxicos utilizados indiscriminadamente nos arredores e que afetam os próprios produtores? Das secas cada vez mais intensas nos verões escaldantes, sempre sujeitos a incêndios provocados?  Ou ainda enfrentar a lógica que duplicou uma rodovia com base em um antigo projeto sem levar em conta que o bairro se tornou populoso e onde os habitantes transitam de bicicleta porque ele é plano? Duplicação feita sem prever uma ciclovia, sem levar em consideração a vida cotidiana das pessoas? E o que dizer dos motoristas que não obedecem ao limite de velocidade, aumentando significativamente o número de acidentes e mortes por atropelamentos?

Descobri que essa inquietude que me acompanha tem um nome: solastalgia. Vi o conceito pela primeira vez ao ler o recente e  perturbador livro da Eliane Brum, Banzeiro Òkòtó, uma viagem à Amazônia centro do mundo.

Solastalgía é um neologismo alcunhado pelo pesquisador ambiental e  filósofo australiano Glenn Albretcht em 2005,  e descreve a sensação de angústia associada a mudanças no entorno natural de um indivíduo.  Refere à dor provocada pela perda de um local seguro. Trata-se da sensação de desolação que as pessoas sentem, conscientemente ou não, quando se vêem destituídas de sua casa ou de sua terra, seja por fenômenos climáticos extremos ou por consequência da ação humana.  Ou como a própria Eliane Brum traduz: “ é essa saudade de casa que a gente sente não porque está longe de casa, mas porque está dentro de casa e sabe que essa casa em breve não existirá mais” (BRUM,2021, p.107). 

As populações mais afetadas por esse tipo de dor são as dos povos originários por terem seus biomas constantemente atacados por atividades predatórias, como desmatamento e queimadas, além do aumento dos fenômenos climáticos extremos que comprometem a sua subsistência e estilo de vida. E são as populações mais vulneráveis porque extremamente vinculadas aos ciclos da natureza.

Uma curtíssima (mas intensa) experiência junto aos índios Terena na região de Aquidauana e Miranda, no Mato Grosso do Sul, anos atrás, me ensinou algumas coisas fundamentais: vivenciar o tempo no ritmo da natureza é algo que o homem branco perdeu; é fundamental re-aprender sobre o tempo da natureza; o convívio com a população branca não é imprescindível à sobrevivência indígena, muito pelo contrário; a racionalidade desenvolvida e praticada pela cultura branca não tem utilidade alguma para quem se encontra imerso num ambiente indígena; é preciso se despir da branquitude para poder entender e se comunicar com o outro; não há “índios urbanos” e sim a tentativa de enfrentamento de situações adversas ligadas ao antigo contato de modo a assegurar a continuidade de sua cultura.  

O que deveria já ter sido apreendido é o fato de não termos mais tempo enquanto humanidade. Ultrapassamos o limite da sustentabilidade planetária sem que os Estados assumam efetivamente o compromisso de barrar a devastação e preservar o planeta que se torna cada vez mais hostil à vida humana.

Estudos em saúde pública em diferentes países indicam que as pessoas atingidas por bruscas mudanças climáticas e/ou desastres ambientais com perdas significativas de bens e mesmo de vidas estão sofrendo de uma depressão nunca antes vista. E o Brasil soma uma sucessão de tragédias ambientais que poderiam/deveriam ter sido evitadas.

Fato é que a solastagia é uma síndrome a nos rondar a todos, se não conseguirmos barrar esse tipo de desenvolvimento predatório.  Não haverá cantão protegido da destruição.

 

 

 

Print Friendly, PDF & Email

O post Solastalgia e o cantão de Camobi por Rosana Zucolo apareceu primeiro em Rede Sina.

]]>
https://redesina.com.br/solastalgia-e-o-cantao-de-camobi-por-rosana-zucolo/feed/ 0
Os fios da ancestralidade por Rosana Zucolo https://redesina.com.br/os-fios-da-ancestralidade-por-rosana-zucolo/ https://redesina.com.br/os-fios-da-ancestralidade-por-rosana-zucolo/#respond Wed, 25 May 2022 18:30:55 +0000 https://redesina.com.br/?p=18522 Sempre gostei de lãs, fios e linhas. Vem de tempos memoriais quando a mãe fazia tricô, a avó era exímia em crochê (nunca aprendi), outra avó fazia vestidos com a pala em favos para as inúmeras netas e uma vizinha muito próxima costurava lindas peças de roupas. A mistura de cores transformada em elementos distintos …

O post Os fios da ancestralidade por Rosana Zucolo apareceu primeiro em Rede Sina.

]]>

Sempre gostei de lãs, fios e linhas. Vem de tempos memoriais quando a mãe fazia tricô, a avó era exímia em crochê (nunca aprendi), outra avó fazia vestidos com a pala em favos para as inúmeras netas e uma vizinha muito próxima costurava lindas peças de roupas. A mistura de cores transformada em elementos distintos por mãos habilidosas encantava a imaginação da criança que por ali circulava entre novelos de lã e linhas em meio a peças de tecidos.

Esta experiência não é única. Uma explicação similar veio do pintor Carlos Scliar acerca de um quadro certa vez em exposição na UFSM. Enquanto alguns especialistas em arte interpretavam a obra a partir de leituras psicanalíticas, ele respondeu de modo simples e direto, dizendo que se tratava, sim, da lembrança do emaranhado de linhas das costuras com as quais ele, criança, brincava embaixo da mesa de trabalho de sua mãe.

Não me tornei expert em nenhuma destas artes, mas elas fazem parte de um fazer que, de algum modo, me levam às raízes e à sensação de pertencimento a alguma ancestralidade. Talvez por isso fui além do tricô e, anos atrás, comecei a usar o tear de pente liço. O despertar aconteceu no Bric da Redenção, em POA, no início dos anos 2000, quando encontrei um arquiteto aposentado que tecia coletes e mantas. Aquela “tecnologia” me deslumbrou enquanto possibilidade, mas só se materializou anos depois.

Desde então, eu teço. Se a questão é a necessidade de me reconectar, teço. Se for preciso acalmar interiormente, teço. Se preciso parar para entender algo, teço. É quase um modo de meditar. Misturar cores e fios é uma forma de lidar com o mundo e tentar ordenar, ao menos, aquilo que vai ao entorno de cada um. É dar cor ou sobriedade a alguns momentos da vida, de modo a apreender o que parece inacessível.

Nos últimos três anos, teci três mantas grandes de modo a abraçar os afetos próximos. A primeira delas foi para o pai dos meus filhos que, debilitado pela doença, sentia muito frio e se queixava do peso das cobertas tradicionais. Feitas em tricô, as mantas ficam quentes e leves.

Uma segunda manta foi para uma amiga-irmã que perdeu o filho no auge da pandemia. Tamanha dor é inconcebível e todos nós, desolados, isolados, impossibilitados de consolar uns aos outros de modo presencial. Naquele momento ninguém ousava viajar e chegar à casa de alguém comportava o risco de levar Covid.  Teci como quem abraça, acalenta, cobre, protege e consola. Teci na tentativa de me confortar também.

A terceira e última foi acabada na madrugada de hoje. Multicolorida, é destinada a vestir e aconchegar nos dias frios e cinza  todos os que quiserem se jogar no sofá da sala. Traz a cor da esperança de dias melhores.

E ao contrário de pensar que tecer é coisa doméstica e exclusividade feminina – tarefa das moças “prendadas” e de “fino trato” como foi ditado pelos cânones patriarcais -, na minha família há um primo especialista em tricotar mantas. Aprendeu nos Andes peruanos onde os homens tecem nas ruas. Descobriu que usar as lãs tem o poder de acalmar a mente e centrar o sujeito. E tece lindos cachecóis à revelia de comentários jocosos.

O bom é saber que a cada dia cresce o número de homens a buscarem nas agulhas outros elementos identitários. Gustavo Seraphim, no blog Papo de Homem, narra como se tornou um tricoteiro após o nascimento do primeiro filho e passou “a realizar encontros com homens para ensinar/praticar tricô e conversar sobre masculinidades, paternidades e relações de gênero.” Desde 2019 ele pesquisa e organiza grupos masculinos (Fio da Conversa) com o foco na prática da arte manual têxtil. Não vou dar spoiler porque vale conferir o texto dele no Papo de Homem, onde apresenta o resultado da pesquisa de profundidade com homens, de diferentes lugares do mundo, que tecem.

Fato é que as tramas e tecituras fazem parte da história humana. As peças de tricô mais antigas datam de 1200 dC, descobertas no Egito, e eram produzidas por homens, enquanto as mulheres se encarregava da roca de fiar e da produção dos fios. No entanto, já era relatada no épico Odisséia de Homero – século VIII aC -, com Penélope a tecer a mortalha de dia e a desfazê-la à noite, dando tempo ao retorno de Odisseu que estava na guerra de Tróia.

As Ilhas Britânicas (Jersey, Fair, Aran e Shetland) são responsáveis pelas produções mais famosas de tricô, tendo cada população desenvolvido um estilo próprio e peculiar de tricotar. A técnica foi introduzida nas ilhas pelos belgas e coube às mulheres produzir meias e cachecóis para proteção sua e dos seus maridos ao frio.

Na Espanha, homens teciam para agradar à corte e levavam até seis anos a formação de um bom tecelão. Somente no século XIX surgiram as máquinas de tricô e a coisa toda se industrializou. O retornou ao tricô artesanal data da década de 70 e permanece até hoje.

O que levou à tradicional visão binária da prática do tricô e à cristalização de estereótipos de gênero é papo para outra hora. Há muitos mitos a serem desconstruídos.  Por aqui vale entender que lidamos com os aspectos ancestrais a permear nosso inconsciente individual e coletivo.

Talvez a arte de tecer seja uma forma de resistir com o que temos de mais profundamente humano frente a uma sociedade que se digitaliza e transforma de modo acelerado.

 

Print Friendly, PDF & Email

O post Os fios da ancestralidade por Rosana Zucolo apareceu primeiro em Rede Sina.

]]>
https://redesina.com.br/os-fios-da-ancestralidade-por-rosana-zucolo/feed/ 0
AMANHECEU EM MIM POR ROSANA ZUCOLO https://redesina.com.br/amanheceu-em-mim-por-rosana-zucolo/ https://redesina.com.br/amanheceu-em-mim-por-rosana-zucolo/#respond Tue, 26 Apr 2022 18:57:38 +0000 https://redesina.com.br/?p=18264 Dias atrás reli um texto do Luis Fernando Veríssimo, “Auroras”, escrito e publicado no jornal Zero Hora, no ano de 2007. Ele dizia, entre muitas coisas, de uma bonita expressão em inglês, cuja tradução para o português significa: “amanheceu em mim”.  No inglês, a expressão é empregada quando a pessoa tem uma revelação, apreende algo, …

O post AMANHECEU EM MIM POR ROSANA ZUCOLO apareceu primeiro em Rede Sina.

]]>

Dias atrás reli um texto do Luis Fernando Veríssimo, “Auroras”, escrito e publicado no jornal Zero Hora, no ano de 2007. Ele dizia, entre muitas coisas, de uma bonita expressão em inglês, cuja tradução para o português significa: “amanheceu em mim”.  No inglês, a expressão é empregada quando a pessoa tem uma revelação, apreende algo, se dá conta de: “It dawned on me”. Uma metáfora pronta e reincidente, segundo ele: o amanhecer, a aurora, o alvorecer que sai pelos olhos.

Um texto literário é uma obra aberta, tal como propõe Umberto Eco. Assim, fiz um recorte no desenvolvimento proposto por Veríssimo e me deixei levar pelas infinitas possibilidades de associações. Pus-me a pensar sobre onde estariam os alvoreceres, o brilho nos nossos olhos e as auroras tão necessárias neste momento em que andamos  carentes de vitalidade e de recomeços. Hoje, os olhares estão opacos. Têm refletido nossas dores, cansaço, tristezas, preocupações, pesares e desalentos, resultado deste período sombrio marcado pelo sofrimento e por muitas perdas, das concretas às simbólicas. O quê nos leva a perguntar: – Aonde foi parar a esperança? E a imaginação criativa?

O neurologista e escritor Oliver Sacks(1933-2015) dizia que o ato de ver e olhar, não é só olhar para fora, para o visível, mas também para o invisível e que isto constitui a imaginação.  Olhos de ver e de refletir o quê e como vê. Um exercício de sensibilidade e amplitude em relação ao que acontece à nossa volta. Talvez, quando se sai do ambiente habitual, a percepção do todo se torna mais aguçada. Ao menos, acredito que aconteça desse modo com a maior parte das pessoas ou com aquelas que não se recusam a ver e sentir.

Tal reflexão trouxe lembranças de algumas experiências de percepção muito significativas sobre o olhar que alvorece. Elas nunca saíram da minha memória.

Anos atrás estava no MASP, em São Paulo, quando acontecia uma exposição dos murais de Cândido Portinari. Os painéis do pintor são impressionantes! Tanto, ao ponto de fazerem qualquer um chorar diante das telas. Entre  as telas estavam “Os retirantes” e “Criança morta”, ambas um retrato realístico do drama dos nordestinos em busca de uma vida melhor e a “falar” diretamente com quem as contempla.

Fiquei profundamente impactada diante delas e nesse ínterim, do estar tomada pela emoção e da consciência concreta de um espaço físico, me deparei com o ator Stênio Garcia. Ele entrava na galeria com alguém e ambos vieram em minha direção. No momento em que nos cruzamos, fiquei atônita porque vi o “alvorecer” nos seus olhos. Era tal o brilho naquele olhar que me deixou perplexa! Talvez eu tenha entendido ali o significado do ato da tietagem que envolve as celebridades midiáticas. De repente, alguma singularidade te arrebata e, não raro, se exacerba.  No entanto, naquele instante, ele parecia ser apenas uma pessoa iluminada, uma espécie de bodhisattva. Poderia  simplesmente estar apaixonado e feliz, pois vinha de mãos dadas com a namorada, companheira, esposa, amante ou qualquer outra relação que ali se fazia pública. E estava impregnado de uma luz radiante, contagiante que, literalmente, “saía pelos olhos”. Desde então, passei a ficar mais atenta ao trabalho dele ( e sem tietagem).

Penso ter encontrado outras pessoas tomadas por essa espécie de plenitude. Pode ser um instante de vida, um modo mais permanente de ser, mas todas capazes de envolver o outro com sua aura.

E para algumas desta pessoas, a aura transcende o tempo de vida e permanece em suas obras. Durante uma ida à Fundação Joan Miró, em Barcelona, Espanha, estive na ala dedicada à história de vida do pintor. Quem a visita encontra uma exposição de retratos de Miró ao longo dos seus 90 anos vividos. O que a torna particularmente impressionante é a constatação de que, na medida em que o envelhecimento do artista catalão era registrado em fotografias, a expressão e o brilho dos seus olhos adquiria um aspecto vívido, quase surreal.

A inquietude criativa do pintor que não se deteve apenas às telas e tintas, é marcadamente presente em seu olhar, num movimento ascendente e contrário ao do tempo cronológico. Recordo que em uma das fotos, em particular,  seu olhar refletia um misto de vida, raiva e resistência e vinha acompanhada de um depoimento do próprio: “Quando ocorreu a invasão nazista na França e com a vitória dos franquistas, fiquei convencido de que eles não me deixariam pintar mais, que eu só podia ir à praia para desenhar na areia e desenhar figuras com fumaça de cigarro. Ao pintar as Constelações eu tinha a sensação de trabalhar escondido, mas era uma libertação para mim, porque dessa forma eu não pensava na tragédia que me cercava.”

De algum modo, é preciso enfrentar as tragédias com as dores  advindas, para que os alvoreceres aconteçam. Que volte a amanhecer em mim e em todos nós.

 

Print Friendly, PDF & Email

O post AMANHECEU EM MIM POR ROSANA ZUCOLO apareceu primeiro em Rede Sina.

]]>
https://redesina.com.br/amanheceu-em-mim-por-rosana-zucolo/feed/ 0