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Solastalgia e o cantão de Camobi por Rosana Zucolo

Vivo num cantão de Camobi, um dos mais antigos bairros da cidade de Santa Maria, região central do RS. A rua onde moro não tem saída. Desce em forma de S até acabar na divisa com a estrada de ferro no sopé dos morros, vizinha de uma antiga olaria cujas torres das chaminés emolduravam belas noites de lua cheia. Uma das chaminés foi derrubada porque, segundo os proprietários, era mais barato desmanchar do que restaurar (lógica muito brasileira), e o que foi de uma  estética ímpar durante muitos anos, sobrevive somente na memória e em alguma foto impressa em papel.

 Não há vizinhos humanos ao lado direito da minha casa. Sou circundada por uma área verde, coletiva, a qual fazemos questão de cuidar para que siga sendo de todos. Ali há muitas árvores plantadas por nós, moradores, e para além dela, a visão privilegiada dos morros, ainda preservados, da Serra Geral que termina (ou começa) por aqui. Nesse lugar é possível presenciar lindos amanheceres e singulares pores do sol acompanhados pela sinfonia dos pássaros. Também  é possível ver quando se anunciam as violentas tempestades do noroeste e sentir de frente o vento norte capaz de tirar qualquer um do prumo.

Há 34 anos eram apenas quatro famílias no loteamento aberto num canto do bairro de  características bastante rurais. Hoje, são cerca de 20 casas e um ou dois terrenos ainda sem ocupação. Ainda assim, somos uma ilhota em meio ao velho Camobi que cresce desenfreadamente, tomado por prédios não mais de quatro andares como previa o antigo plano diretor, mas sim por edifícios altos, autorizados por alguma negociação entre prefeitura e sistema imobiliário, e da qual a população pouco ou nada sabe. O bairro  se urbaniza sem nenhum cuidado ambiental e sem preservar nada.

Dobrar a esquina  da rua principal e entrar aqui é como sair do caos e chegar a uma espécie de refúgio, quase  natural, onde diferentes pássaros cantam, constroem ninhos e as abelhas jataí invadem as casas em busca de lugar para instalar suas colmeias.

O cantão não tem regras distintas dos outros bairros; os vizinhos não necessariamente vizinham, com algumas exceções; nem todos se conhecem e muitos não fazem questão de; já houve quem quisesse transformar tudo num condomínio particular, fechando a entrada da rua. A ideia não vingou, assim como não foram aceitas tentativas de apropriação privada da área coletiva. Nada mais do que gente sendo gente marcada pela boa dose de individualismo que caracteriza a sociedade. Também faço a mea culpa por não vizinhar como poderia. Mas, à revelia das nossas idiossincrasias, todos sabemos que ao entrar aqui, chegamos a um lugar reconfortante, apesar do estado cada vez mais precário da pavimentação.

Morei em outras cidades do país e retornei a este cantão que foi uma benção durante a fase de isolamento na pandemia da Covid-19. Não sou apegada a lugares, no entanto, há muitos anos tenho uma espécie de melancolia quando percebo a desconstrução do espaço geográfico no entorno e o descuido com a preservação histórica e a falta de uma consciência ambiental. Me pego em busca de cantões ainda preservados.

 Pergunto-me por quanto tempo as matas nativas dos morros resistirão aos nossos avanços? Quantas espécies de pássaros se somarão aos que já habitam essa ilhota verde? Aparecem muitos e lindos, mas certamente vêm porque seus espaços naturais foram invadidos. Por quanto tempo veremos as aves migratórias fazerem suas travessias  no final do verão para retornarem na próxima primavera? Ou mergulharem num balé aéreo quando das revoadas de insetos, se deleitando num verdadeiro banquete? Até quando conseguiremos desviar dos excessos de agrotóxicos utilizados indiscriminadamente nos arredores e que afetam os próprios produtores? Das secas cada vez mais intensas nos verões escaldantes, sempre sujeitos a incêndios provocados?  Ou ainda enfrentar a lógica que duplicou uma rodovia com base em um antigo projeto sem levar em conta que o bairro se tornou populoso e onde os habitantes transitam de bicicleta porque ele é plano? Duplicação feita sem prever uma ciclovia, sem levar em consideração a vida cotidiana das pessoas? E o que dizer dos motoristas que não obedecem ao limite de velocidade, aumentando significativamente o número de acidentes e mortes por atropelamentos?

Descobri que essa inquietude que me acompanha tem um nome: solastalgia. Vi o conceito pela primeira vez ao ler o recente e  perturbador livro da Eliane Brum, Banzeiro Òkòtó, uma viagem à Amazônia centro do mundo.

Solastalgía é um neologismo alcunhado pelo pesquisador ambiental e  filósofo australiano Glenn Albretcht em 2005,  e descreve a sensação de angústia associada a mudanças no entorno natural de um indivíduo.  Refere à dor provocada pela perda de um local seguro. Trata-se da sensação de desolação que as pessoas sentem, conscientemente ou não, quando se vêem destituídas de sua casa ou de sua terra, seja por fenômenos climáticos extremos ou por consequência da ação humana.  Ou como a própria Eliane Brum traduz: “ é essa saudade de casa que a gente sente não porque está longe de casa, mas porque está dentro de casa e sabe que essa casa em breve não existirá mais” (BRUM,2021, p.107). 

As populações mais afetadas por esse tipo de dor são as dos povos originários por terem seus biomas constantemente atacados por atividades predatórias, como desmatamento e queimadas, além do aumento dos fenômenos climáticos extremos que comprometem a sua subsistência e estilo de vida. E são as populações mais vulneráveis porque extremamente vinculadas aos ciclos da natureza.

Uma curtíssima (mas intensa) experiência junto aos índios Terena na região de Aquidauana e Miranda, no Mato Grosso do Sul, anos atrás, me ensinou algumas coisas fundamentais: vivenciar o tempo no ritmo da natureza é algo que o homem branco perdeu; é fundamental re-aprender sobre o tempo da natureza; o convívio com a população branca não é imprescindível à sobrevivência indígena, muito pelo contrário; a racionalidade desenvolvida e praticada pela cultura branca não tem utilidade alguma para quem se encontra imerso num ambiente indígena; é preciso se despir da branquitude para poder entender e se comunicar com o outro; não há “índios urbanos” e sim a tentativa de enfrentamento de situações adversas ligadas ao antigo contato de modo a assegurar a continuidade de sua cultura.  

O que deveria já ter sido apreendido é o fato de não termos mais tempo enquanto humanidade. Ultrapassamos o limite da sustentabilidade planetária sem que os Estados assumam efetivamente o compromisso de barrar a devastação e preservar o planeta que se torna cada vez mais hostil à vida humana.

Estudos em saúde pública em diferentes países indicam que as pessoas atingidas por bruscas mudanças climáticas e/ou desastres ambientais com perdas significativas de bens e mesmo de vidas estão sofrendo de uma depressão nunca antes vista. E o Brasil soma uma sucessão de tragédias ambientais que poderiam/deveriam ter sido evitadas.

Fato é que a solastagia é uma síndrome a nos rondar a todos, se não conseguirmos barrar esse tipo de desenvolvimento predatório.  Não haverá cantão protegido da destruição.

 

 

 

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