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Jaider Esbell - " A dimensão humana" (2013)

A pressa em viver, ou existir?!? por Graziela Miolo

Viver uma pandemia é algo absolutamente novo. As referências sobre como enfrentar esse desafio são, em sua maioria, encontradas nos livros de História. E por isso tornam-se distantes dos detalhes e suas nuances.  Acabam resumindo-se a relatos quase que coletivos.
A escuta clínica, a partir da psicanálise, permite adentrar no individual e subjetivo. Afinal, esse pode ser um dos propósitos dessa experiência. Nesse sentido, escutar a pandemia nesse lugar subjetivo traz nuances que demarcam tempo. Justamente em um momento em que as demarcações temporais ficaram tão diferentes como essas que vivemos nos últimos dois anos – a vivência singular apura-se no propósito do tempo.
Parece irônico falar em apurar-se. Mas é esta a intenção. Existe uma ironia em propor que o tempo passe logo, como uma garantia de que as dores, os desafios, os medos, as inconstâncias pudessem desaparecer. Como uma imagem desfocada quando se olha a partir da janela de um carro em alta velocidade. Observam-se as paisagens, mas nem sempre consegue- se observar os contornos e as particularidades. Menos ainda o que elas suscitam. Ou seja, a experiência de ver passa, e nem sempre se assimila o que ela pode nos mobilizar.
Essa tentativa de pensar que se o tempo cronológico passar as dores e inseguranças irão desaparecer promovem quase que uma desapropriação de si. Ficamos à mercê do tempo!
Então… se 2021 passasse logo, a pandemia acabaria. Que expectativa frustrada!!! Quase como aquela retirada de esparadrapo do machucado da criança. Promete-se que se for puxado com rapidez, aquela dor ardida não será sentida. Ledo engano!
Ela sente, porque sentir é parte da experiência de poder curar. De poder avançar. De poder encontrar lugares novos, resignificando os antigos.
Dizer que vivemos numa sociedade do espetáculo, da performance, da liquidez, me parece explicar um pouco dessa fuga. Mas também parece tão óbvio! Escolho sempre tentar olhar para vida de forma menos óbvia. E quando se observa a singularidade e complexidade humana, se observa que essa obviedade serve apenas para promovermos amparos que não nos permitam olhar para as fragilidades. Até porque olhar para fragilidades exige disposição e muita maturidade para saber qual destino dar-lhes.
O ditado popular já sustenta essa premissa: o que os olhos não veem, o coração coração sente. Opa… ou seria, não sente?  Mas não é porque não vejo que não existe.
A pandemia demarca isso para cada um de nós. Ela está aí. Olhamos para ela como conseguimos. Alguns desejam que o tempo passe logo, para que tudo passe. Alguns pensam nela romantizando, ou como uma experiência espiritual. Outros usam a bengala do negacionismo, e acaba por ser uma experiência cretina com senso de coletividade. Cada escolha pode levar a um caminho, mas em verdade todos precisamos passar por ela.
Em verdade, tudo passa! A experiência feliz e a triste. No entanto, enquanto estivermos vivos, nesta experiência humana, só quem não passa somos nós…
E as experiências passam por nós do modo como decidimos vivê-las. E para que essa escolha aconteça talvez tenhamos que refletir sobre a possibilidade de que um dia também passamos. Passamos e o que fica são as marcas do que fomos. Ou seria do que somos hoje?
Sentir a fragilidade e a finitude dos laços e das existências,   pode ser a possibilidade de nos conectarmos com a vida, sem apurar-se, mas também sem negligenciar o tempo. Permitindo-se, de fato, sentir o tempo e seus efeitos. Ou nos resignarmos na experiência melancólica e não vivermos, apenas existirmos.

Graziela Miolo é Psicóloga e Psicanalista. Especialista em Clínica Psicanalítica, Mestre em Psicologia Clínica. Experiência na docência superior por 14 anos, entre cursos de graduação e pós graduação. Amante de leitura e de música. Sou inquieta com tudo que mobiliza e toca o ser humano e suas complexas formas de expressão. Me considero alguém atenta à vida. Mulher e mãe.

 

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