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8 poemas de Dheyne de Souza

estou no limiar, meu bem
não sei que sendas cerzir
dá-me uma roseira, sei fazer dela fendas
aprendi quando criança
pisar inocências
esfacelar as pétalas
como se fossem sonhos
galgando espinhos
dá-me sulcos
surras
pecados
sei passar a fome neles

ainda assim
quando a fumaça cai
desabotoo
como a chuva matando o pó
com mãos macias

memória

memória, essa lâmina que não vem só com corte mas o cheiro dos móveis o vapor do olhar a temperatura do dolo
as horas em torno

memória, esse som
que escava
regurgita
apodrece
o urro mais largo
o vazio da prece

memória, essa língua dentada
esse punho tombado
essa voz sem assento

memória
esse eco sozinho
esse tempo sombrio

a saudade de cada

memória,
esse espólio de guerra

boletim

na aridez dos dias
dorme
sob lençóis úmidos
um olho trêmulo
outro lúcido

o poema

sem roupa
espera
uma vida
menos

nãos tempos

não temos tempo de perder o trem
olhar no olho
parar ouvir
não temos, tempo, veja bem as horas
veja bem a
veja

não temos saldo paz joelho asilo
temos fome miséria temos filhos
não temos tempo de pedir à mãe ao pai à amada
pátria, não temos tempo de dizer
não

não temos tempo de tratar a morte o açoite a voz
não temos tempo de temer
sequer

ontologia

o que é isso que a vida
tem feito conosco

passam-se os anos
fincam-se as farpas

o que é isso que o tempo
crava na pele
enrugando a coragem
constipando a voz

o que é isso que a gente
tem permitido
jazigos de sonho
esses nossos co
pos

o que é isso amigo
você está longe
aonde foi que embarcamos
ou

o que é isso que há
feito fumos lúcidos
tragamos
o que mais podemos

o que é
escute
não olhe no espelho

em que ponto da rua
nos

naquela época, a dos tempos sombrios

não era nada fácil viver

naquele tempo, o dos tempos sombrios, as pessoas mal se viam e principalmente se viam mal
naqueles tempos sombrios, o ar é poroso o fogo é a água e a terra o chão a mão não existe
nos tempos sombrios,
muitas pessoas
morrem
muitas pessoas
correm
muitas pessoas
esperam
nos tempos sombrios
quase não se veem sorrisos não porque não existam mas porque passam
fome passam tempos passam por si por cima por nada
nos tempos sombrios
as pessoas não somos
nesses tempos
algo vai enfraquecendo
a direção do olhar
nestes tempos
de enchentes
de dentes
de

quase não sobra

naquela época, a dos tempos sombrios

 

milhares de minutos de silêncio

como se o instante em que marielle se foi pairasse neste minuto de silêncio
e com vários vazios preenchessem milhares de vozes
o que mais a história ?
tantas palavras e nenhuma
arranhando a garganta
ameaçando os dentes
neblinas à vista
as várias faces do silêncio
a face em branco,
a face dos

o tempo
as balas

mas esse engasgo
esse minuto de silêncio árduo
aguarda
que um grito preso gera milhões

domingo, 17 de abril de 2016

do ódio que derrama dos dentes, independentemente da cor das gengivas, das camisas, das vias
da dor dos direitos lesados
do medo que descama nas mentes, dependentemente de vozes
que não vociferam virtudes
que não zelam
da história adquirida a suores a sangue a pancadas a vidas
ratos em vaginas
leis em latrinas
do absurdo de hastear a morte o golpe o cuspe o lustre
de deus da família dos nomes
instituições todas falidas
enquanto pisam repetidamente nos olhos nos ovos nos seios
do humano
ameaçado de mote
ameaçado de mote

Ameaçado de mote.

 

Dheyne de Souza

Dheyne de Souza é goiana. Está atualmente em São Paulo. É doutoranda em literatura brasileira (USP). Recém-publicou o livro de poemas lâminas (martelo casa editorial, 2020). Tem um blog (www.dheyne.wordpress.com) e um canal de leitura de
poemas, pequenos mundos (www.youtube.com/pequenosmundospoeticos). Seu e-mail: d.pequenosmundos@gmail.com.

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