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20 de novembro: Reflexões sobre o Dia da Consciência Negra

Atualizado em 21/11/20 às 2h22

Às vésperas do Dia da Consciência Negra, o Brasil se deparou com mais um espancamento seguido de morte de um homem negro, morto por seguranças de um mercado em Porto Alegre. Hoje o dia é de protesto na frente de estabelecimentos da rede Carrefour espalhados pelo país.

Para refletir sobre a história e representatividade do dia da consciência negra, convidamos algumas pessoas para comentarem sobre. Também estaremos recebendo novos conteúdos, atualizando este post até o final do mês de novembro. Quem quiser participar pode enviar uma breve texto ou vídeo de até 3 min para sinarede@gmail.com. Importante também enviar nome completo, foto de rosto. profissão e cidade.

 

História do Dia

Em 1971, o pioneiro Grupo Palmares de Porto Alegre fez um ato evocativo à resistência negra na noite do dia 20/11 no Clube Social Negro “Marcílio Dias” na capital gaúcha. O evento valorizava o herói negro Zumbi, líder do estado negro Quilombo dos Palmares. Era um contraponto ao 13 de maio de 1888, dia no qual a Princesa Isabel assinou a Lei Áurea, que abolia a escravidão mas não garantia direitos humanos a população negra brasileira.

Conheça toda história aqui.

 

DEPOIMENTOS:

(Em ordem de recebimento)

 

“Hoje, para mim seria um dia de celebração. É aniversário da minha filha Tatiana e Dia da Consciência Negra. Nesta semana, participei de Lives, mesas redondas, palestras e entrevistas. Conversei com professoras/es, estudantes, crianças e jovens.
Após ouvir alunos de uma escola particular, ontem à tarde, saí repleta de esperança e fé, em dias melhores. A conversa foi sobre “Consciência Negra” e as narrativas dos alunos estava recheada de valores que sonhamos: respeito, amizade, justiça social, não ao racismo ou discriminação. Ao acordar, tomei conhecimento do assassinato do irmão João Alberto Silveira Freitas. Mergulhei em lágrimas, em tristeza e dor e volto a perguntar “por que vidas negras não importam? Por favor, parem de nos matar”!”   – Maria Rita Py Dutra (professora aposentada) – 

“O 20 de novembro surgiu aqui pelo grupo Palmares que nos anos 70 se reuniu pra pensar numa data para o movimento negro, uma vez que o 13 de maio não nos representava. Depois de alguns dias foi sugerida o dia e morte do Zumbi dos Palmares pela importância que o quilombo dos Palmares teve no Brasil com mais de 100 anos de resistência. O quilombo era uma nação já dizia Oliveira Silveira.  Esse dia é um dia de reflexão, dia de pensarmos qual a situação do negro do Brasil, que é euro centrada, racista pós abolição.  Nós negros precisamos nos olhar e lutar por respeito e dignidade.” – Lilian Rocha (Analista Clínica, Escritora , Musicista e Facilitadora Didata de Biodanza) –  

“Hoje no dia da consciência negra deveríamos estar refletindo sobre os avanços e os desafios da população negra mas estamos em luto pela brutalidade do assassinato de João Alberto. Que nosso luto e nosso choro ecoe nesta sociedade moldada nos princípios escravocratas, sendo o racismo estrutural ainda nossa luta constante que impede que consigamos avançar para uma sociedade equânime e com justiça social. Resistência, resiliência para aguentar tantos crimes e violações de direitos. Nunca me conformarei que a cor da minha, da nossa pele preta incomode e com isso tenhamos um extermínio da nossa população principalmente a juventude negra. Está causa tem que ser de toda sociedade não basta não ser racista tem que ser antiracista.” –  Angela Maria Souza de Lima (Assistente Social) – 

 

ISADORA BISPO

Isadora Bispo Produtora Cultural, Membro do Movimento Negro Unificado.

 

GUSTAVO ROCHA 

Ativista social e um dos apresentadores do programa Masculinidades

 

JOÃO HEITOR MACEDO

Professor universitário

 

“Nossos antepassados, sequestrados de regiões do continente africano, nunca foram tratados como pessoas. Pelo contrário, foram objetificados. Tornaram-se propriedade do outro, foram vendidos, alugados, hipotecados, confiscados e doados. Legalmente não tinham direitos e não podiam possuir bens, mas podiam ser castigados e punidos. Com a Lei Áurea, colocando um fim à escravidão (uma abolição até os tempos atuais NÃO CONCLUSA) foram jogados nas ruas milhares de negras e negros sem nenhuma política social reparadora. E continuaram a serem punidos com decretos que surgiram após 1888, tais como, a Lei dos Vadios e Capoeiras em 1890, em que aqueles que estivessem pelas ruas sem trabalho ou residência comprovada iriam para cadeia. Mas onde mais estariam? Os ex-escravos, em sua ampla maioria, não tinham casa própria ou emprego fixo. E o jogo de capoeira só deixaria de ser crime no Código de Penal de 1940. Com este breve recorte histórico a situação de injustiça a que a população negra foi submetida ao longo da constituição do nosso país, foram aflorando aos poucos e dando o “tom” para a sociedade brasileira, evidenciando a falácia do mito de “democracia racial” existente no Brasil. Não se pode negar avanços importantes que surgiram após 1995 como uma forma de reparação das desigualdades vivenciadas pela população negra desde sua escravização até o abandono no período pós-abolicionista. Entretanto, apesar dos decretos e políticas de ações afirmativas existentes, essa parcela da população ainda se encontra vulnerabilizada pelo racismo estrutural e estruturante em nossa sociedade. A falta de direitos e as práticas de castigo e de punição exercidos no período escravagista, são perpetuados ainda hoje, e se expressam de várias formas, a saber: no genocídio e no encarceramento em massa de jovens negros; nas violências obstétricas impostas às mulheres negras; nos agravos à saúde e no alto índice de mortalidade por causas previsíveis e evitáveis; na falta de acesso a uma educação de qualidade; nos baixos salários, moradias precárias e uma série de outras iniquidades evidenciadas cotidianamente. O 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, é marcado pela reflexão de como a população negra está inserida na sociedade. Essa reflexão precisa ser diária, empática e deve partir de todos e todas, lembrando a fala de Angela Davis: – “Não basta não ser racista, é preciso ser antirracista.” Sandra Aires, fisioterapeuta, ativista Social. – 

 

                                           “MORTE AO VIVO

Eu morro todos os dias
a cada 23 minutos
eu sou estrangulada
junto com os meus…
Eu ressuscito a cada 23 minutos
nas 1.380 vezes em que minha morte
é televisionada
e os abutres se deliciam
com minha morte ao vivo
MORTE AO VIVO

Morte aos negros que ainda estão vivos…
Os abutres se deliciam
as câmeras bebem as lágrimas de quem ficou
vivo…
Frutas estranhas
nascem das árvores da morte
Brancos sentem prazer
com nossos corpos
pendurados
linchados
baleados
arrastados
estrangulados
Eu morro todos os dias
porque ainda não me deram
o direito de viver”

Ana Dos Santos, poeta

 

“Não queria escrever sobre isto, mas não dá mais. Meu filho adolescente queria usar uma corrente no braço cravejada de pedras e eu me recusei a colocar no pulso dele porque tenho medo que alguém o pare e o mate na rua. Ele é negro como eu, o que pensariam dele?
Isto é justo? Um adolescente não poder usar algo assim que é vendido na Riachuelo por R$ 35? Um pai se preocupar com esta ordem de coisas?
Ensinamos nossos filhos, negros, a não correr na rua, a não aceitar provocações e a não reagir porque podem ser mortos. Ensinamos errado! Eles estão sendo mortos. Morremos um pouco a cada dia. Eu morri um pouco, ontem, quando assassinaram um cidadão. E morri pelo cidadão brasileiro, não somente pelo homem negro.
Não há, na história da humanidade, uma tragédia maior que a diáspora africana porque ela foi e é seletiva. Milhões de mortos, durante o tráfico, jogados ao mar com requintes de crueldade. Mulheres grávidas. Homens se suicidando para não serem escravizados. É incompreensível e inaceitável por todos os ângulos que se olhe e com reflexos intensos na sociedade e na vida da população – não só negra – até hoje.
Não conhecemos nossos ancestrais. A linha de nossa ancestralidade é interrompida pela violência a qual fomos e somos submetidos. Isto é de cortar o coração porque são memórias de famílias, de pessoas, de lugares, de um povo.
Tive conversas com meus filhos que me doeram muito. Eles não podem fazer o que muitos adolescentes fazem. Certamente, hoje, podem mais do que eu quando tinha a idade deles, mas isto é pouco. Simplesmente não podem fazer o que querem sem conviver com o medo.
Não dá mais. Não é possível isto continuar. É insuportável ver as imagens de George Floyd, repetidas vezes na televisão, com um homem se apoiando sobre sua garganta até sufocá-lo. Não consigo ver e rever as imagens de João Alberto Silveira Freitas sendo abatido no Carrefour, em Porto Alegre. Sim, vidas pretas importam. Todas as vidas importam. Por favor, compartilhem. Isto tem que parar.”  – Ricardo Mendes – Jornalista

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