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Mulher tira burca ao deixar a síria como refugiada. foto: Jack Shahine

Vestir e despir uma burca por Mel Inquieta

escrito 02/12/2019

Esses dias estive em uma situação onde pude vestir uma burca. O tecido era macio, dourado, poderia ser um lindo vestido. Então, chegou a hora de experimentar. Meu corpo ficou todo coberto, na altura dos olhos, nariz quadradinhos, uma minuscula tela dava passagem para o ar. Eram dois mundos, eu dentro e o que estava ao meu redor que nem parecia nítido. Minha primeira sensação foi de sufoco, eu queria tirar.

Meu segundo pensamento foi: algumas mulheres passam a vida inteira assim, eu posso ficar mais 5 min e tentar imaginar o que elas podem sentir. Por um instante me ocorreu que talvez dentro da cultura que foram criadas elas pudessem sentir algum conforto e até mesmo protegidas. E o que sentiriam elas ao tirarem a burca? Medo? sensação de nudez? liberdade? Mas o mais importante: Quais seriam as consequência que teriam?
Então o google me deu algumas respostas, entre elas, descobri que o véu que cobre apenas a cabeça(permite mostrar o rosto) se chama hijab,  niqab (permite mostrar somente os olhos), burca (todo coberto e com tela na altura dos olhos). Em entrevista a BBC, Dana Albalkhi, uma mulçumana que vive no Brasil e considera-se feminista diz que niqab (que deixa só os olhos à mostra) “Foi inventado culturalmente pela comunidade para controlar as mulheres. Eles oprimiram as mulheres e, infelizmente, não pararam os homens”.
Quanto ao hijab, não usar na visão dela parece uma perda de identidade e respeito a sua fé. Ela conta ainda em processo de adaptação e que demorou para cumprimentar com aperto de mãos aos homens.
Em 2012, Foz do Iguaçu com mais de 22 mil mulçumanas, enfrentou um dilema, elas não queriam tirar o lenço para a fazer o registro foto de documentos pessoais como carteira de identidade.
Já no Irã, onde o véu é obrigatório desde a Revolução Islâmica de 1979, 29 mulheres que tiraram e ergueram ao alto seus véus em um ato de protesto contra obrigatoriedade do uso, foram presas.
O fotógrafo Jack Shahine, que viajava pelas fronteiras diz: “Todas as mulheres que já vi, assim que saem das zonas do Estado Islâmico, arrancam e depois atiram com esta vestimenta (burca), como se materializassem o seu sentimento de liberdade”.
Eu fiquei olhando para imagem da mulher em sua fotografia tirando a vestimenta pensando que é aquilo era o que eu queria fazer nos meus primeiros 5 min dentro daquela burca, mas quantos anos, dias, horas, quantas vezes ela teve que questionar sua própria cultura, quantos conflitos internos vivenciou, quantas pessoas enfrentou, quanto risco de vida ela levou para conseguir alcançar aquele momento que o Shahine brilhantemente registrou?

Quanto tempo se leva para construir uma cultura opressora e quanto tempo se leva para libertar-se dela? Quantas gerações são necessárias?

Confesso que na minha visão ocidental toda vez que vejo esta minha imagem de burca parece que estou num filme de terror. Sufocante, assustador e opressor. Quando senti que minha voz ficava abafada naquele tecido como se ecoasse somente pra mim, percebi, que não era somente o corpo que não deve ser mostrado, são milhares de vozes sufocas, nunca vou conseguir dimensionar  o tamanho do silêncio e a solidão destas mulheres.

Fontes:


https://www.bbc.com/portuguese/brasil-37314057

https://veja.abril.com.br/mundo/29-mulheres-sao-presas-no-ira-por-tirar-o-veu-em-publico/

http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2012/09/muculmanas-querem-manter-veu-para-fotos-de-documentos-no-sul.html

https://brasil.elpais.com/brasil/2015/06/07/internacional/1433670763_722865.html

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