Um conto de Ronaldo Lippold
O vento e a chuva de um inverno rigoroso castigam as vidraças do imponente castelo erguido numa área remota da Romênia. Dentro — uma luz sombria ilumina móveis suntuosos e cortinas vermelhas que se estendem pelas imensas paredes. Notas de um piano tocado de uma forma displicente emprestam um ar soturno ao ambiente.
No canto oposto ao piano, um senhor bem-vestido admira uma sequência de treze retratos em pesadas molduras. Ele tem uma imensa e esbranquiçada testa, emoldurada por cabelos negros e reluzentes. Vlad pensa em todos os seus ancestrais — homens que viveram durante séculos num inferno de tribulações, lutas, promessas, vinganças e sangue, muito sangue!
Qualquer tipo valia à pena, embora haja uma secular preferência por sangue feminino. Dentre todos seus parentes vampiros, Vlad fora o que mais bebera o doce e perfumado líquido vital das deusas. Ao seu dispor, inúmeras virgens, ninfetas e belíssimas ciganas, visões efêmeras ao alcance de seus caninos brancos. Mas o tempo, cruel inimigo das tentações terrenas, sempre cobra seu tributo.
Ouvia-se um zunzunzum ressoando do seu harém particular, um provável desagrado quanto a sua libido em baixa, falava-se da necessidade de um sucessor imediato. Ele precisava do retorno urgente de seu filho, um possível apaziguador da casa e de seu legado.
— Preciso de um varão sedento, ele pensa.
O que mais atribula os pensamentos daquele antigo empalador são as notícias vindas de Dublin. Horas antes, uma carta inesperada chocara o experiente e sedutor vampiro; uma nova missiva vinda da cidade Irlandesa traz notícias recentes de seu filho, Vlad Jr. O jovem, havia viajado com o objetivo de melhorar seu inglês e adiava há dois anos o retorno à Transilvânia. Enfim, nesta carta entregue há poucas horas, admite os reais motivos de sua recusa em retornar até a residência dos Drakul:
— Meu querido pai. Sinto profunda tristeza em redigir estas linhas. Recuso-me terminantemente a voltar. Não tenho condições de seguir nossa tradição de puro sangue. Descobri outro vício. Mais forte, mais amargo e mais apaixonante. Embriagante, eu diria. Falo da legítima red ale que sorvo com disciplina romena todas as tardes no The Blood Neck, um pub nos arredores de Dublin. Entorno seis pints e saio com uma turma de incautos baderneiros que se autointitula Hooligans. São um pouco violentos, porém divertidos. Estou afeiçoado a um deles em especial, um jovem de cabelos ruivos, Ryan Kelly, meu colega de quarto na pousada em que estou hospedado no subúrbio da cidade. Não volto tão cedo. Ah, por favor: envie mais dinheiro!
Ronaldo Lippold
é natural de Santa Maria/RS. Formado em Administração (UFSM). Publicou os livros “A culpa é do Padre” e “A culpa é do Padre II, em busca da cerveja perfeita”(ambos pela Rio das Letras). Criou a primeira cervejaria artesanal de Santa Maria/RS, a Old Lipp, em 2013. Em conjunto com a Turma do Café, escreveu o livro de contos “Descontos” (Rio das Letras) e “Baixada Melancólica” (Monstro dos Mares). O livro de Ronaldo Lippold está em pré-venda, com valor promocional + frete grátis. Compre AQUI
LIVRO NOVO
O escritor santa-mariense Ronaldo Lippold acaba de lançar “Meu Reino por uma Cerveja”, seu terceiro livro. A publicação é um lançamento da Memorabilia Store, novo selo que auxilia autores no processo de editoração, publicação e divulgação de conteúdo literário Visite o site e confira
Capa: Paulo Teixeira e Henrique Pivetta. Foto: Pablito Diego. Divulgação Memorabilia StoreO livro de Lippold faz uma apanhado da cronologia e da linha do tempo da cerveja ao redor do mundo e dos séculos, revisitando episódios históricos, personagens reais e da literatura. É o caso de “Vampire Ale”, conto que está na página 59 de “Meu Reino por uma Cerveja”, e que dá um dos tons do livro: o bom humor. Na narrativa do autor encontramos o Conde Drácula, famoso personagem criado pelo escritor britânico Bram Stoker (1847-1912). O Conde está apreensivo com o retorno do filho de Dublin, cidade onde Vlad Jr, rebento do temido vampiro, parece ter encontrado um sentido para sua vida, seduzido pelo sabor de uma red ale e otras cositas más.