Em Santa Maria, uma cidade de porte médio do interior do Rio Grande do Sul, Márcio Bernardes, poeta, advogado e professor de Direito, realizou o bom combate, isto é, armado pelas normas criadas pelo Direito Internacional e pela Constituição Brasileira, saiu em defesa do Estado Democrático.
Convidado pelos diretores do Diário de Santa Maria, o poeta e advogado aceitou participar de uma página do jornal denominada Plural e, toda a semana, publicou uma crônica de política, dialogando com o bolsonarismo local. Aguentou a empreitada durante um ano (de 2020 a 2021) e agora reúne seus textos em livro, proporcionando ao leitor um registro desse período pestilento que vivemos (e do qual ainda não estamos curados), o do coronavírus e do Governo Bolsonaro.
A primeira crônica, abordando os “300 do Brasil”, que então se organizavam na Capital Federal, é indicativa da tônica do livro. Nesse movimento, no qual os organizadores se propunham treinar os bolsonaristas em técnicas de “revolução não violenta”, o autor identifica um discurso falacioso (que ocultava a disposição a atos violentos) e a construção de um projeto golpista. Diante desse cenário, o cronista ergue a bandeira da defesa das instituições democráticas e em torno desse argumento constrói a maioria dos seus textos.
Foi uma conjuntura difícil a que o autor enfrentou. Foi taxado de “comunista” por leitores do jornal, incapazes de entender que o cronista apenas defendia o Estado democrático burguês, consagrado pela Constituição de 1988. Seu foco era a defesa de um Estado que o presidente Bolsonaro questionava de forma truculenta (muitas vezes com piadas – uma estratégia utilizada desde os tempos de deputado), assim como a defesa das normas jurídicas internacionais e nacionais que o presidente também afrontava.
Nas suas crônicas, Márcio Bernardes identifica na classe dirigente bolsonarista a soberba das elites, o machismo, o racismo, o desrespeito à natureza (ministro Ricardo Salles), o golpismo (general Heleno e o próprio Bolsonaro) e entende que esse quadro foi possível devido ao fato de “não termos enterrado nossos mortos”, isto é, não termos revisto a Anistia de 1979, punido os torturadores e rompido com o padrão de Estado e sociedade construído a partir do Golpe de 64. No seu entendimento, a ausência desse acerto de contas (que se anunciou com a Comissão da Verdade e foi combatida veementemente por grupos militares) possibilitou que a extrema-direita se reorganizasse e nos espreitasse com a possibilidade de um autogolpe em direção a um novo Estado autoritário. Um quadro sombrio, uma verdadeira peste, agravado por outra peste, a do coronavírus (que o presidente Bolsonaro também afrontou, ironizou, menosprezou).
Ler as crônicas de Márcio, seus argumentos de jurista a favor do Estado democrático e sua esperança de poeta diante do obscurantismo bolsonarista, é organizar a memória dos “tempos de peste”, agora que entramos numa outra conjuntura criada por um governo alinhado com a defesa da democracia e do respeito às normas internacionais de defesa da saúde. Um belo material para futuros historiadores do vendaval bolsonarista (ainda não encerrado). Um cronista encarou com elegância o bom combate em defesa de um padrão civilizatório consagrado por organizações internacionais como a ONU e a OMS, assim como a Constituição de 1988, enfrentou o bolsonarismo de uma cidade do interior do Rio Grande do Sul e não se saiu mal. Pelo contrário.
VITOR BIASOLI
Foto: Dartanhan Baldez Figueiredo
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