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A Flecha e o Zoom por PAULO UCHOA

Nos céus da Amazônia as pesadas nuvens de dezembro deságuam torrencialmente rios que voam e vão se juntar aos rios do chão que serpenteiam ali naquele quinhão acreano. Foi exatamente uma dessas pesadas chuvas que obrigou o helicóptero que levava o sertanista José Carlos Meireles e o fotógrafo Ricardo Stuckert, a pousar em uma clareira e aguardar o aguaceiro amainar.

O episódio acabou contribuindo para arredar a rota do voo e, passada a chuvarada, na volta para o trajeto planejado, propiciou o encontro inusitado de dois mundos profundamente separados no tempo, no espaço e no significado.

Nas cercanias do Rio Maitá, no Acre, Estado da Amazônia brasileira, reina ainda densa floresta de mata primária em área que beira os 630 mil hectares, onde estão situadas três reservas indígenas: Kampa isolados do Envira, Alto Tarauacá e Riozinho do Alto Envira. Ali por, enquanto, é um labirinto de difícil acesso por terra aos madeireiros, garimpeiros e seringueiros que pululam naquela região sequiosos em extrair e saquear os tesouros daqueles redutos naturais.

Naquelas imediações, após o retorno à rota original que levaria a tripulação da aeronave à uma aldeia Caxinauá, não foram só as águas dos céus que encontraram as da terra, mas as essências de dois mundos acentuadamente paradoxais: o dos ditos “civilizados” em seu dragão voador e o da tribo isolada do Rio Maitá.

O mundo de onde vieram as poderosas lentes teleobjetivas do fotógrafo de longa cabotagem Ricardo Stuckert e o mundo das centenas de olhares dos índios isolados, de quem não se sabe os nomes, na paúra causada pelo estranho e ruidoso apetrecho voador que pairava próximo. De um lado as mãos de Stuckert, manipulando as lentes, calibrando-as em busca do ângulo e da mira mais nítida possível para o disparo dos cliques.  E lá embaixo entre as folhagens densas ou nos terreiros ao redor das ocas cobertas pela palha de palmeiras, as mãos aflitas dos guerreiros da tribo, apontando a mira de seus arcos e flechas contra a aeronave que ameaçadoramente sobrevoava aquele lugar.

Quantos cliques disparados contra tantas outras flechas lançadas?

Era dezembro de 2016. E aqueles eram os céus lavados do Acre da Amazônia Brasileira ou eram os céus das tribos de um tipo de nação composta por outros seres humanos?

As caravelas agora voam e os canhões capturam a luz. Ou, como o povo Kadiweu em 1934 disse ao fotógrafo Boggiane: a fotografia “rouba a alma das pessoas”. Nos tempos de hoje a fotografia não apenas rouba a  alma, mas a espalha pelo mundo todo, pelas redes sociais da internet.

Os guerreiros do povo do rio Maitá talvez estivessem vendo no monstro alado a única e principal ameaça, sem perceber que suas almas estavam sendo capturadas pelas teleobjetivas de Stuckert e disseminadas mundo afora pela BBC – Britsh Broadcasting Corporation e outros portais virtuais.

Ali não estava apenas a ancestralidade humana. Segundo o sertanista Meireles, trata-se hoje, de um grupamento de aproximadamente 300 seres humanos, acuados pelas pressões da civilidade, vivendo em total isolamento, sem contato com a (res) pública e envoltos apenas pela biosfera “inóspita”, como quer enxergar a visão do citadino. Ali, naquele naco de chão tomado pela floresta alta e fechada, é uma outra era, regida pela dança lunar; uma outra geografia, onde esses 300 estão mergulhados de forma “una” e “nua”, com sentidos de vida diferentes que não fazem sentido para a suposta e auto pretensa “sociedade civilizada”.

A FUNAI – Fundação Nacional publicou nota um dia depois da divulgação das fotos afirmando tratar-se de “uma violência simbólica de efeitos imensuráveis.”

O grupamento não é parte de uma ancestralidade que se vê no retrovisor da história numa perspectiva tacanha e linear, mas é feito de sujeitos de uma contemporaneidade de corpo “vivo e presente” no contexto que resta da volúpia de um suposto desenvolvimento que dizima e consume a última gota de seiva, o último grão do minério, o último pé de planta e depois segue em sua insaciável saga de engendrar um modelo econômico devastador por onde passa. Seguem justificando a necessidade de produzir e reproduzir em larga escala bens e serviços para um determinado “modus vivendi”, não importando o grau de impacto do “modus operandi”. Para esse modelo os “meios” não importam, desde que se chegue aos “fins”.

 

Paulo Sérgio Miranda Uchoa
Natural de Belém, nascido em 02 de agosto de 1964, o primeiro filho de Raimundo Marques Uchoa e Ivete Miranda Uchoa. Ainda gitinho rumou de trem para Capanema onde passou os dois primeiros anos da vida. Dali rumou com os pais para Santarém, onde passou a infância nas beiradas do Tapajós e do Amazonas. De volta a Belém aos 12 anos fundou seu primeiro grupo musical onde tocava violão e compunha as músicas e letras. Dali atreveu-se nos festivais de música onde venceu alguns como o do SESI, SESC, Carajás, Marabá, Santarém, Ourém. Participou de programas como o Empório Brasileiro de Rolando Boldrin na TV Bandeirantes; Som Brasil com Lima Duarte na TV Globo e Programas locais na TV Cultura. Possui cerca de 30 composições gravadas com artistas locais e um CD Gravado intitulado Tambores do Caeté retratando Bragança do Pará. Foi editorialista do Jornal O Público por cerca de 2 anos e do Jornal Livre por 8 meses. Possui um livro escrito e editado denominado “Introdução à História do Material de Construção em Belém” (SINDMACO) e vários artigos científicos publicados em periódicos universitários. Formado em Serviço Social, também possui formação na área de Planejamento Estratégico e Comunicação, tendo sido professor do Departamento de Politicas e Trabalhos Sociais da UFPA por 14 anos. Também exerceu funções públicas como: Agente Distrital de Mosqueiro, Diretor de Planejamento da Secretaria de Economia de Belém, Secretário de Comunicação de Parauapebas, Secretário de Comunicação de Bragança, Secretário de Planejamento de São João de Pirabas. Hoje é consultor da UNILAF – Universidade Livre da Agricultura Familiar e Associação Gileade.
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