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Lembro como se fosse ontem. Eu era pequena e minha avó Ondina falou pela primeira vez na morte. “Todo mundo morre um dia, Barbarazinha. Quem é bom vai para o céu. Quem é mau, para o inferno.”
Lembro que mais tarde a vó Dina também falou no purgatório. E eu chorei. Tive medo. E ela me consolou. Disse que demoraria muito. Que eu iria crescer. Casar, ter filhos, netos e morrer BEM velhinha. Para eu não sentir medo. Para rezar e ser boazinha.
Tá. Fiz algumas boas ações durante a vida, mas, confesso, nunca fui o que a minha avó chamaria de “boazinha.”
Rezo, é verdade. Não sou das piores pessoas que conheço também. Não é nada disso. Tenho bons princípios (vergonha na cara), valores, dos quais não abro mão. Coisas e que aprendi com ela, com a minha mãe. Porque isso a gente aprende em casa.
O fato é que cresci com medo da morte. Com medo do escuro. Até que “puf!” Passou. Cheguei à conclusão de que aquela corrente da igreja católica (sim, há uma corrente) que alega que o purgatório é esse planeta, está certa. Por tudo que tenho lido, visto e vivido nos últimos anos.
Isso aqui só pode ser mesmo um hospital e uma cadeia. Alguém já disse essa frase. Não lembro quem. A gente vem pra cá cumprir pena e se curar. Em resumo, quem não é bandido é louco e ainda bem que eu sou só louca mesmo.
Uma doida que está perdendo o medo de ficar sozinha no escuro. De ficar sozinha na claridade também. E de morrer. A morte passou a ser apenas uma certeza. Não dolorosa como quando a minha avó me contou. Apenas uma espera tranquila de quem acredita que nasce para fazer o que deve ser feito. Apenas isso. Cumprida a tarefa, vai embora. Larga essa carcaça, mas, continua a jornada em um lugar bem melhor.
SAÍLE BÁRBARA BARRETO é advogada, contadora de histórias e bruxa malvada nas horas vagas.
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