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Travessia, de Leticia Wierzchowski, por Cátia Castilho Simon

Travessia: a história de amor de Anita e Giuseppe Garibaldi, de Leticia  Wierzchowski-um romance por mares nunca dantes navegados

 

“Eu parei as Moiras e aplaquei a Fatalidade 

para que aqueles dois pudessem

 viver e amar e fazer filhos

 e sonhar um pouco,

 afinal de contas”.

Deusa Nix, em Travessia

 

Travessia é mais do que a história de amor de Anita e Garibaldi, é uma reparação ao quase absoluto silenciamento da companheira de Giuseppe. O que sabemos dela vem pela boca de terceiros e isso, diante do que viveu, é muito pouco. Leticia Wierzchowski, com a maestria de quem criou o inesquecível Casa das Sete Mulheres e publicou mais de trinta livros, traz nesta ficção a voz de Ana Maria de Jesus, mais conhecida como Anita Garibaldi, para também nos contar suas alegrias e agruras.

As vozes de Anita, da Deusa Nix entrecruzam com a de Garibaldi, compondo uma singular canção. Leticia Wierzchowski recupera essa grande aventura que antecede as grandes guerras, dando vida a experiências que mereciam ser contadas, segundo nos apontou Walter Benjamin no ensaio sobre o narrador. Ainda que Garibaldi faça jus à figura do marinheiro comerciante, apontada pelo ensaísta, é também pela voz de Anita e da Deusa Nix que o emblemático casal ergue-se à nossa frente e sucumbe.

Quem encontra ainda pessoas que saibam contar histórias que devem ser contadas?” – eis a indagação que propõe Walter Benjamin no referido ensaio. A expertise de Leticia nos proporciona a recuperação dessas histórias. Em Travessia, organiza sua narrativa em três partes: o mar nos olhos, a noite no olhar e olhos de ruína. Não por acaso escolhe os olhos como ponto de partida e chegada para essa aventura que se desdobra em corajosos embates com o irremediável. As lutas que Garibaldi, Anita e outros combatentes enfrentaram, os recuos que tiveram de fazer, a procura incessante pelo que entendiam ser justo.

Giuseppe levanta a bandeira, mas é com Anita que a costura. O marinheiro e a artesã completam a parceria que cruzaria mares e mundos até que a Deusa Nix permita que o fio da vida da aguerrida companheira seja cortado. Aos 28 anos, grávida e doente, Anita morre em viagem, lutando junto ao seu amado, conforme escolheu viver até seus últimos dias.

Garibaldi tinha 44 anos quando perdeu sua companheira, Anita. Deixou os filhos, na Itália, sob os cuidados da mãe e seguiu para o exílio. Era isso ou a forca. Em Tanger, escreve suas memórias, a fim de reorganizar um novo rumo para a vida. Neste contexto, Letícia inicia o romance das muitas e corajosas travessias empreendidas ao longo da curta vida de Anita com Garibaldi. Era necessário seguir em frente. E cada um deles, à sua maneira, seguiu.

 

Cátia Castilho Simon é Doutora em Estudos da Literatura brasileira, portuguesa e luso-africanas/UFRGS e escritora. Integra o Mulherio das Letras/RS, é vice-presidente cultural da AGES/ 2023 e 2024.

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