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Foto: Fabiano Dallmayer

Poemas de Gérson Werlang

 A SAGRAÇÃO DO OUTONO

Em círculos concêntricos de luz difusa

o outono se instala

como um farol distante na neblina

os primeiros frios os primeiros

medos da infância

 

Os halos e hálitos que chegam

já não lembram que houve verão

e consagram em sombra e luz

os negativos de uma dobra de sonho

na esquina deserta na madrugada

na ausência do jasmim explícito exposto ao céu

no pátio deserto entregue à lua

 

As nuvens se desdobram por entre os ventos

e a massa pesada se retraduz

em frio, em campo

 

O outono é chegado

já não há mais tempo

(ano veloz outono adentro).

 

TRANSCENDÊNCIA

 

Você falava faca

Fogo e desafio

Seu fio me feria.

Agora transgrido

O ferino da língua e do corte

E embora haja faca e fio

Já não me fere o mesmo toque

As palavras que passo são outras

Os sons que sinto são suporte

De um fado mais longínquo

Sem faca, fogo ou morte.

 

                 DESPISTE

Estou amargo como fel

Áspera ânsia me consome

Enquanto a desesperança me trai

Tudo é abandono na insônia

 

Estou destilando dores

Entre girassóis esquecidos

Nada me conforma

Enquanto esqueço o que não consigo

 

O âmago dos deuses me corrói

Enquanto corro pelos corredores

Procurando sol

 

O irremediável me domina

O disforme desejo me tortura

A clareza não voltará

 

Nunca será cedo

Jamais haverá manhãs

As planícies se evolaram

 

Estou amargo como losna

E embora queira o mel

Sei que de doce já basta a vida.

 

      SOCIOPOEMA

Nas gretas da terra incerta

que desbravavam nossos antepassados

carregando nas entranhas de cada gesto

o indigesto gerir de cada dúvida

e nas malhas do arado diverso

de suas tardes de domingo em calmaria

não teriam gerado em cada ato

um pouco de nossa raiz arisca?

 

E em cada mulher daqueles altiplanos

acostumadas com o vento que vergastava suas sóbrias faces

e às sombras de suas casas e suas lides

não haveria em cada uma

um pouco de nosso olhar perdido

no horizonte parco de nossas cidades?

 

Assim,

quando o vento vem de campos longínquos

invadindo com seus cheiros a cidade

nos abandonamos à sua passagem

como nos abandonávamos ao colo de nossos avós

e mergulhamos na saudade do que não sabemos

distantes que estamos do que éramos

distantes que estamos de nós mesmos.

 

Leia mais em: Outros Outonos - Seleta Para a Rede Sina

Clique na imagem para rolar paginação.

 

 

GÉRSON WERLANG: músico e escritor, Gérson Werlang nasceu em Santa Rosa-RS, de onde saiu ainda criança, se fixando em Santa Maria. Possui diversos trabalhos musicais lançados, tanto em carreira solo como com sua banda, a Poços & Nuvens. É graduado em Música pela UFSM, fez mestrado (em Música) nos EUA, onde residiu no período de estudos, e possui doutorado em Letras pela UFSM. Publicou A Música na obra de Erico Verissimo (ensaio, 2011), Wilde em Berneval (romance, 2020), Outros Outonos (poesia, 2022) e Rita Lee & Tutti Frutti – Santa Maria, Maio de 1978 (crônica, 2023). Está lançando dois novos livros, Meu primeiro livro – a gênese de A Ilha do Tesouro, uma tradução do escritor escocês Robert Louis Stevenson; e Café – Breve Relato do Ano da Enchente (romance). É professor do Departamento de Música da UFSM e do Programa de Pós-Graduação em Letras da mesma instituição.

 

 

 

 

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