Arquivos CRONICA - Rede Sina https://redesina.com.br/tag/cronica/ Comunicação fora do padrão Fri, 22 Dec 2023 03:54:33 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.4.4 https://redesina.com.br/wp-content/uploads/2016/02/cropped-LOGO-SINA-V4-01-32x32.jpg Arquivos CRONICA - Rede Sina https://redesina.com.br/tag/cronica/ 32 32 Lendas do Cerro do Jarau por VITOR BIASOLI https://redesina.com.br/lendas-do-cerro-do-jarau-por-vitor-biasoli/ https://redesina.com.br/lendas-do-cerro-do-jarau-por-vitor-biasoli/#respond Fri, 22 Dec 2023 03:54:33 +0000 https://redesina.com.br/?p=120477 Não conheço o Cerro do Jarau, no município de Quaraí (cidade da fronteira do Rio Grande do Sul), apenas a lenda em torno do local, criada no tempo das Missões Jesuíticas. Ali viveu uma princesa moura (fugida das guerras entre mouros e cristãos, na Espanha) transformada em uma lagartixa com uma “pedra luzente” na cabeça, …

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Não conheço o Cerro do Jarau, no município de Quaraí (cidade da fronteira do Rio Grande do Sul), apenas a lenda em torno do local, criada no tempo das Missões Jesuíticas. Ali viveu uma princesa moura (fugida das guerras entre mouros e cristãos, na Espanha) transformada em uma lagartixa com uma “pedra luzente” na cabeça, chamada Teiniaguá, capaz de atrair, enfeitiçar e também proporcionar riqueza.

Um dia a Teiniaguá apareceu para um sacristão (de uma missão jesuítica do lado oriental do Rio Uruguai), ele a capturou e levou-a para o seu quarto. O sacristão sabia que a Teiniaguá podia enriquecer um homem e era isso que ele pretendia. Mas, quando foi alimentar a lagartixa, ela se transformou numa linda mulher.

– “Eu sou a princesa moura encantada” – ela disse. – “Sou jovem… sou formosa…, o meu corpo é rijo e não tocado.” (Assim a mulher se apresenta no conto de João Simões Lopes Neto, inspirado na lenda.)

A princesa capturou a alma do sacristão e terminou levando-o para o outro lado do rio, para o Cerro do Jarau. Duzentos anos depois, o gaúcho Blau Nunes quebrou o feitiço e concedeu o “livramento” do sacristão. (A expressão “livramento” é de Lopes Neto.)

A lenda tem mais voltas, mas vou ficar apenas com essa parte: a da princesa moura que vem parar no Rio Grande do Sul (trazida na bagagem de uns mouros vencidos pelos cristãos em Salamanca), passa a viver no corpo de uma lagartixa… e de repente desabrocha. História de uma mulher capaz de enfeitiçar um homem.

Pois certa vez soube da história de um médico que foi passear com uma professora em Quaraí e os dois enlouqueceram nas imediações do Cerro do Jarau. Um episódio do final dos anos 1990, a respeito do qual eu nunca soube muita coisa, mas sempre me fascinou.

O essencial, porém, é o seguinte: a professora era uma jovem senhora de 36 anos, muito formosa, vestida numa roupa de couro preta, muito ajustada ao corpo, moldando em especial nádegas e coxas. Um corpo rijo (semelhante à princesa moura) como poucas vezes o médico, 40 anos, sentira nas suas mãos.

Ele a quis intensamente naquela tarde e foi isso que tentou dentro do carro, estacionado nas imediações do cerro. Eles se abraçaram e se beijaram, enroscaram-se “feito duas lagartixas” (a expressão é do médico, contando o caso), as mãos do homem palmilharam cada centímetro do corpo da mulher, mas a moça foi arredia. Gostou, mas não cedeu, surpresa com a sua capacidade de provocar tanto desejo. Ao entardecer, os dois voltaram a Santa Maria, ficaram de se reencontrar, mas o destino os separou.

O médico nunca esqueceu aquele momento de feitiço e excitação vivido na região do cerro, tentou contato com a professora de todo o jeito (escreveu e-mails líricos e até eróticos), mas ela o dispensou. Como o sacristão da lenda, ele se sentiu torturado por uma princesa moura de roupa de couro, mas não sem sentir algum prazer nesse sofrimento. Anos depois, porém, contava a história sorrindo, dizendo que fora um desses momentos de loucura e excitação que às vezes a vida nos proporciona.

Coisas da Teiniaguá, eu concluo (que não desencantou, como reza a lenda). Mais um episódio a enriquecer o repertório do Cerro do Jarau – um local que preciso conhecer.

 

Obs.: o conto de João Simões Lopes Neto referido é “A salamanca do Jarau”, publicado em Lendas do Sul (1913). A foto é da capa da edição organizada por Luís Augusto Fischer, Contos Gauchescos e Lendas do Sul (L&PM, 2013, 328 p.).

 

Vitor Biasoli
nasceu em Pelotas (1955) e vive em Santa Maria desde 1991. Formou-se em História (UFRGS, 1977), fez mestrado em Letras (PUCRS, 1993) e doutorado em História Social (USP, 2005). Lecionou em escolas do Ensino Fundamental e Médio (1978-1991) até ingressar na Universidade Federal de Santa Maria. Atualmente está aposentado. Publicou livros acadêmicos e literários, entre eles: Jorge encontra Lilian (novela juvenil, 1998), Calibre 22 (poemas, 1999), Uísque sem gelo (contos, 2007), Santa Maria: ontem & hoje (crônicas, 2010), O fundo escuro da hora (contos, 2018), Paisagem marinha (poemas, 2021) e Itália, trilhos e café: histórias da família Biasoli (crônicas, 2022). Pertence ao grupo de escritores da “Turma do Café” e é colunista da Rede Sina.

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Entardecer de agitação e fúria por Vitor Biasoli https://redesina.com.br/entardecer-de-agitacao-e-furia-por-vitor-biasoli/ https://redesina.com.br/entardecer-de-agitacao-e-furia-por-vitor-biasoli/#respond Fri, 08 Sep 2023 05:52:03 +0000 https://redesina.com.br/?p=113122 Há “tardes que morrem voluptuosamente”, escreveu Florbela Espanca, mas também há tardes que morrem embaralhadas em agitação e fúria. Entardeceres confusos, nos quais a vida ganha um ritmo alucinado e nos escapa do controle. Foi assim, certa vez, que vivi um final de dia em Paris, uma cidade que ocupa o nosso imaginário desde sempre. …

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Há “tardes que morrem voluptuosamente”, escreveu Florbela Espanca, mas também há tardes que morrem embaralhadas em agitação e fúria. Entardeceres confusos, nos quais a vida ganha um ritmo alucinado e nos escapa do controle. Foi assim, certa vez, que vivi um final de dia em Paris, uma cidade que ocupa o nosso imaginário desde sempre.

Eu vinha de uma temporada em Roma e me enturmei com um grupo de turistas brasileiros, no qual se encontrava minha antiga companheira. Com essa turma vivi uma semana de belos programas, daqueles que só confirmam o encantamento da cidade: passeio de barco pelo Sena, almoço com direito a champagne, caminhada pela Champs Elysées, visita ao Palácio de Versalhes e dia inteiro no Louvre. Cada lugar saborosamente aproveitado e rememorado até hoje. Mas houve um dia, apenas um dia, em que a situação escapou do controle.

Nem sempre minha companheira e eu andávamos com o grupo e muitas vezes nos afastámos para passeios apenas nós dois (como tantas vezes fizemos, em São Paulo e Rio de Janeiro, Buenos Aires e Havana, Lisboa e Madri). E assim mergulhamos no Louvre, tanto conferindo as famosas “Vênus de Milo” e “Mona Lisa”, quanto nos surpreendendo com “Retrato de Madeleine”, de Marie-Guillemine Benoist, que, naquela época, deixava de ser “Retrato de uma negra” e ganhava o nome da modelo, Madeleine, uma empregada da família da pintora.

Uma tarde, porém, a situação se embaralhou. Naquele dia, saímos com o grupo no início da manhã para um tour no coração da cidade e pegamos o metrô até a Estação da Ópera Garnier. A ideia era visitar a Ópera por dentro, mas o teatro estava fechado. Seguimos para as luxuosas Galerias Lafayette, andamos pelas arcadas da Rue de Rivoli, almoçamos num restaurante com garçom escolado em atender clientes sem domínio do francês, conferimos os buquinistas das margens do Sena e fomos visitar a igreja de Saint Chapelle, a Conciergerie, terminando na cela onde ficou aprisionada Maria Antonieta antes de ser guilhotinada (hoje, local com altar para culto à rainha).

A partir daí, um cansaço tremendo e um café na Praça Stravinsk, para encerrar a jornada. Ou, pelo menos, foi o que imaginei: usufruir a mansidão do entardecer e retornar ao hotel. Mas o grupo optou por continuar e, quando dei por mim, estava nas imediações da Praça Concorde, alterado, tentando convencer minha companheira a terminar aquele passeio. Forcei-a a sentar num bar no início da Champs Elysées, enquanto o grupo continuava na direção do Arco do Triunfo.

Paris esconde e escancara maravilhas, mas aquele era o momento de parar. A tarde morrera, viera a noite e as luzes da cidade explodiam ao meu redor. Champs Elysées estava freneticamente iluminada e movimentada, pedi uma taça de vinho (delicioso, comprovei, anotando seu nome no folder da exposição sobre Maria Antonieta, na Conciergerie, que até hoje não reencontrei). Bebi observando o movimento, enquanto minha companheira, indignada, me fuzilava com os olhos.

Nem todas as tardes morrem voluptuosamente prenunciando atmosferas de sonho, como poetiza Florbela Espanca, e eu bem sei (já sabia naquele tempo) que há entardeceres feitos de agitação e fúria, sobre os quais não temos nenhum controle e é melhor esquece-los. Mas entardeceres assim, vividos em Paris, até é bom recordar.

Vitor Biasoli
nasceu em Pelotas (1955) e vive em Santa Maria desde 1991. Formou-se em História (UFRGS, 1977), fez mestrado em Letras (PUCRS, 1993) e doutorado em História Social (USP, 2005). Lecionou em escolas do Ensino Fundamental e Médio (1978-1991) até ingressar na Universidade Federal de Santa Maria. Atualmente está aposentado. Publicou livros acadêmicos e literários, entre eles: Jorge encontra Lilian (novela juvenil, 1998), Calibre 22 (poemas, 1999), Uísque sem gelo (contos, 2007), Santa Maria: ontem & hoje (crônicas, 2010), O fundo escuro da hora (contos, 2018), Paisagem marinha (poemas, 2021) e Itália, trilhos e café: histórias da família Biasoli (crônicas, 2022). Pertence ao grupo de escritores da “Turma do Café” e é colunista da Rede Sina.

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Quarta Dimensão por Anselmo Vasconcellos https://redesina.com.br/quarta-dimensao-por-anselmo-vasconcellos/ https://redesina.com.br/quarta-dimensao-por-anselmo-vasconcellos/#respond Mon, 04 Sep 2023 17:27:13 +0000 https://redesina.com.br/?p=108213 São rosas. Estão eles ali sob a vitrine de vidro do balcão do botequim, reluzentes no tom da cor rosa, ao lado daqueles petiscos, tira-gostos incomiveis pelos normais. Sardinhas fritas, torresmos, goelas empanadas. Tudo é desafio à estética da fome. Olho um homem ao meu lado, nordestino pelo tipo, operário pelo vestir essa manha fria …

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São rosas. Estão eles ali sob a vitrine de vidro do balcão do botequim, reluzentes no tom da cor rosa, ao lado daqueles petiscos, tira-gostos incomiveis pelos normais. Sardinhas fritas, torresmos, goelas empanadas. Tudo é desafio à estética da fome.

Olho um homem ao meu lado, nordestino pelo tipo, operário pelo vestir essa manha fria de julho na rua Vinte de Abril, que fica no “centro das nossas desatenções”, como escreveu o bamba Antônio Torres, um livro. O cabra toma de um só gole um cálice cheio do traçado Rabo de Galo. Aguardente , a cachaça que energiza o sangue da pobreza. O brasileiro é um alcoólatra crônico.
Volto a admirar a vitrine e na falta da coragem o desejo pelo petisco é carne tremula. Não devo ter os anticorpos necessários para digerir esta parada toda. Falta me o respiro da massa de concreto, a rigidez dos vergalhões que sustentam as paredes aparentes do edifício. Falta um carrinho-de-mão no meu DNA. Sou um filhinho- da- mamãe que vacila na porta deste Pé-Sujo, que é assim que chamam este pequeno bar de tranca- ruas. Despacho o medo pedindo um Underberg. Bebo devagar, esta formula secreta de ervas, em homenagem aos bebuns, os muçuns manos, amizades que fiz neste bairro onde trabalhei 30 anos. Lembro do Bob Estrela , negrão que foi do Bando da Lua e, segundo disse, cantou pros branquelos americanos com a Carmem Miranda. Bob, sem dentes, me contava historias dos teatros de revista que eram a paisagem de um Rio de Janeiro submerso de suas vedetes e astros . Foi Bob, morador desta rua, que me ensinou tanta coisa por apenas um copo do tal Underberg, que sempre paguei sem nenhum pecado. Sem culpas, eu ouvia ele cantar e requebrar. Um esquecido artista da dimensão popular assim renascia Miranda mente em Carmem e osso.
Vim aqui visitar Salvatore Papa, o velho italiano dono da loja de ferragens e outros inutensilios. Ele me vendia fiado e prometia me apresentar à Máfia. Dizia isso com a verdade siciliana dos que sabem mentir pros amigos. Fico sabendo que ele morreu no hospital. Seu filho, no caixa da loja, me conta que ele mandou comprar caixas de bombons e deu de presente pras enfermeiras. Que Corleone faria isso? Digo às lagrimas.
Todos se foram. Bob Estrela, o Italiano e sua ilusória máfia, o dono da farmácia, seu Artur, o restaurante A Lisboeta. Fazer o quê? Penso diante do balcão mirando a vitrine do botequim que mais sabe de mim. Então finalmente como o Ovo Rosa cobiçado e tremo de alegria. Sigo caminhando em direção à Central do Brasil.

 

 

Anselmo Vasconcellos. Foto: divulgaçãoAnselmo Vasconcellos 

50 anos de carreira profissional, premiado como ator e diretor realizou 40 filmes, programas de tv em todas as emissoras. Professor da Funarj, lecionou na Escola de teatro Martins Penna e Escola de Música Villa Lobos. Escreveu e publicou 5 livros entre eles uma pesquisa extensa sobre a comédia no transcurso do tempo. Comédia ,a arte da irreverência em parceria com Rachel Villela. Fundou a Casa Azul, centro de artes e Terapias no Rio de Janeiro.

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Coimbra do rio Mondego por Vitor Biasoli https://redesina.com.br/coimbra-do-rio-mondego-por-vitor-biasoli/ https://redesina.com.br/coimbra-do-rio-mondego-por-vitor-biasoli/#respond Fri, 11 Aug 2023 21:59:25 +0000 https://redesina.com.br/?p=80752 Quando estudante do Julinho (Colégio Júlio de Castilhos, em Porto Alegre), entrei em contato com a literatura portuguesa e devo ter lido Miguel Torga pela primeira vez. O poeta morou muitos anos em Coimbra e cantou o rio da cidade, o Mondego “a deslizar, pausado, na planura (…) mensageiro moroso dum recado comprido”. Um rio …

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Quando estudante do Julinho (Colégio Júlio de Castilhos, em Porto Alegre), entrei em contato com a literatura portuguesa e devo ter lido Miguel Torga pela primeira vez. O poeta morou muitos anos em Coimbra e cantou o rio da cidade, o Mondego “a deslizar, pausado, na planura (…) mensageiro moroso dum recado comprido”. Um rio que é uma presença constante na literatura lusitana.

Mas do que tenho certeza desse período de juliano é da minha iniciação com a obra de Eça de Queirós. Li sublinhando diversas passagens do livro Contos e “Singularidades de uma rapariga loira” e “Civilização” foram os textos que mais fascinaram. Só mais tarde me dei conta do valor de “José Matias”, uma obra-prima que o adolescente que eu era não percebeu.

Creio que foi por meio dessa literatura, aprendida no tempo do colegial, que a cidade de Coimbra se desenhou no meu imaginário. Coimbra “de sonho e tradição”, como cantava Roberto Carlos, nos tempos da Jovem Guarda (no LP de mesmo nome, de 1965).

Engraçado que não foi em Coimbra que assisti aos estudantes da universidade local cantarem, envoltos em suas longas capas pretas, e sim em Lisboa, na Rua do Comércio. Em Coimbra, porém, conversei com essa juventude, que me abordou numa mesa de calçada (vestidos com as famosas capas) para vender números de uma rifa, que obviamente comprei.

Depois saí flanando, atravessei o Arco de Almedina e ingressei no território mais tradicional da cidade, local da antiga Sé, da Universidade e também das moradias estudantis. Um labirinto de altos e baixos que, de repente, me colocou diante de uma placa com os seguintes dizeres: “Nesta casa viveu, enquanto estudante, o escritor Eça de Queirós”. Um sobrado estreito, de porta e janela, que fotografei deslumbrado e com resultados terríveis. Voltei outras duas vezes para um registro de qualidade, mas não houve jeito de encontrá-la. Que emaranhado de ruas! Cada vez que ingressava nesse território percorria novas ruas, não avistava a casa do Eça, mas sempre encontrava alguma coisa no ar… que compensava tudo. Vestígios daquela literatura que comecei a apreciar nos tempos de Julinho.

Me perdi nessas ruas da Coimbra antiga, porém sempre encontrando o caminho de volta ao hotel, na margem do Rio Mondego (na Avenida Emídio Navarro). A janela do quarto dava para o rio e eu o observava, atento ao “surdo murmúrio do rio / a deslizar, pausado, na planura (…) mensageiro moroso / dum recado comprido”. Uma mensagem que até hoje não decifrei, na certa impregnada de anseios românticos e idealizações desvairadas que nem convém mais entender. Apenas apreciar de longe.

Vitor Biasoli
nasceu em Pelotas (1955) e vive em Santa Maria desde 1991. Formou-se em História (UFRGS, 1977), fez mestrado em Letras (PUCRS, 1993) e doutorado em História Social (USP, 2005). Lecionou em escolas do Ensino Fundamental e Médio (1978-1991) até ingressar na Universidade Federal de Santa Maria. Atualmente está aposentado. Publicou livros acadêmicos e literários, entre eles: Jorge encontra Lilian (novela juvenil, 1998), Calibre 22 (poemas, 1999), Uísque sem gelo (contos, 2007), Santa Maria: ontem & hoje (crônicas, 2010), O fundo escuro da hora (contos, 2018), Paisagem marinha (poemas, 2021) e Itália, trilhos e café: histórias da família Biasoli (crônicas, 2022). Pertence ao grupo de escritores da “Turma do Café” e é colunista da Rede Sina.

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ENTREPAPO por JOÃO VITOR LIMA | Você valoriza ou já valorizou a ancestralidade e luta de uma mulher negra? https://redesina.com.br/entrepapo-por-joao-vitor-lima-voce-valoriza-ou-ja-valorizou-a-ancestralidade-e-luta-de-uma-mulher-negra/ https://redesina.com.br/entrepapo-por-joao-vitor-lima-voce-valoriza-ou-ja-valorizou-a-ancestralidade-e-luta-de-uma-mulher-negra/#respond Tue, 25 Jul 2023 15:29:26 +0000 https://redesina.com.br/?p=61923 Hoje, dia 25 de julho, celebramos o Dia da Mulher Negra Latino Americana e Caribenha, que aqui no Brasil se celebra especificamente como Dia de Tereza de Bengela e da Mulher Negra, evidenciando ainda mais figura e ancestralidade desta mulher que diante da sua luta e travessia, faz com que outras mulheres e a negritude …

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Hoje, dia 25 de julho, celebramos o Dia da Mulher Negra Latino Americana e Caribenha, que aqui no Brasil se celebra especificamente como Dia de Tereza de Bengela e da Mulher Negra, evidenciando ainda mais figura e ancestralidade desta mulher que diante da sua luta e travessia, faz com que outras mulheres e a negritude em geral, se espelhe e continue a combater o preconceito racial nas suas mais diversas formas.

Tereza de Benguela foi uma líder quilombola que deu visibilidade ao papel da mulher negra na história brasileira. Ela liderou por 20 anos, a resistência contra o governo escravista, na época, e coordenou as atividades econômicas e políticas do Quilombo Quariterê, localizado na fronteira do Mato Grosso com a Bolívia. Tereza se tornou a rainha do quilombo após a morte do companheiro, José Piolho, e, sob sua liderança, a comunidade negra e indígena resistiu à escravidão por duas décadas, sobrevivendo até 1770, quando o quilombo foi destruído e a população foi morta ou aprisionada.

Ao longo da história em que vivemos, a mulher negra passou e ainda passa por diversas discriminações e opressões que, sempre de maneira direta ou indireta, tentaram diminuir a sua devida relevância que até hoje, nunca estave instalada de forma digna em nossa sociedade.

Celebrar não só acima de tudo a luta, mas, celebrar a esperança de dias melhores no respeito a ancestralidade, o reconhecimento e valorização da história em geral, na sociedade, instituições e nas escolas.

Honrar a memória dessas figuras que tem suas histórias conhecidas publicamente, mas também as várias não conhecidas que muitas outras mulheres passaram, é valiosíssimo! Manter viva a chama da luta contra a escravização, as opressões colonialistas, das que “modelaram nossas culturas e tradições”, que ainda é infligida. Que neste dia possamos celebrar a resistência dessas mulheres, suas vivências e conquistas, para que tudo isso seja uma luz de expectativas positivas num breu tão doloroso de incoerência e Intolerância que atualmente temos.

Feliz Dia, Mulheres!

 

 JOÃO VITOR LIMA

Comunicador, estudante e produtor de conteúdo. Desde 2018 tem um canal no YouTube direcionado à entrevistas, receitas e dicas. Desde 2020 a 2022 apresentou a live/programa `João Entrevista’, onde promoveu de forma remota entrevistas ao vivo em sua página no Instagram, com personalidades da arte, cultura, política e televisão. A cantora já falecida Deborah Rosa, a diretora do Theatro Treze de Maio – Ruth Pereyron, a judoca Maria Portela, o cantor Agostta, a cantora nativista Oristela Alves e atriz global Nívea Maria e muitos outros já foram entrevistados por ele. Também, em 2021 apresentou o programa `Radar Social’, veiculado mensalmente pela plataforma Rede Sina, onde discute várias pautas políticas-sociais com diferentes convidados e debatedores. No ano de 2022, ganhou o Prêmio Destaques da Cultura, do Diário de Santa Maria e Revista Mix, como “Revelação do Ano” referente à 2021, no júri popular e especializado. Também recebeu o certificado “Amigo da Diversidade” no Troféu Triângulo Rosa, em homenagem feita pela Ong Igualdade.

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The Yellow Brick Road | Por Rodrigo Ricordi https://redesina.com.br/the-yellow-brick-road-por-rodrigo-ricordi/ https://redesina.com.br/the-yellow-brick-road-por-rodrigo-ricordi/#respond Mon, 29 May 2023 18:22:33 +0000 https://redesina.com.br/?p=21060 Dia desses, assisti a um trecho de uma entrevista do Oswaldo Montenegro e fiquei com uma sensação incômoda. O corte do vídeo é um momento em que o cantor e compositor fala sobre a morte. Em certo momento ele cita essa frase, que atribui ao poeta Carlos Drummond de Andrade: “A dor passa, mas não …

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Dia desses, assisti a um trecho de uma entrevista do Oswaldo Montenegro e fiquei com uma sensação incômoda. O corte do vídeo é um momento em que o cantor e compositor fala sobre a morte. Em certo momento ele cita essa frase, que atribui ao poeta Carlos Drummond de Andrade: “A dor passa, mas não passa ter doído”. Essa linha está martelando na minha cabeça e eu não consigo decidir se ela me dói ou se ela me acalenta.

Desde que fomos fecundados, já começamos a morrer e a perder. E não vejam isso, caros leitores, de forma lamuriosa. Convenhamos que pensar a vida de forma prática (seja lá o que isso signifique) não é um caminho colorido. Dorothy nos mostra isso, mesmo que o caminho dela estivesse desenhado e pintado de amarelo. E relações pessoais são nossa principal atividade. Sem outros humanos, não sobreviveríamos dentro de um padrão social, é claro. Perder um ser humano é doloroso. E não se trata só de morte. A gente vai perdendo mais gente pelo caminho.

Dia desses, encontrei uma amiga que, em tom de brincadeira, me deu um tapa na cara ao dizer “sempre sofrendo por amor, né, amigo? Desde que te conheço tu tá assim (mais de uma década)”. Se partirmos do mote do texto, de que a dor passa e não passa ter doído, o que acontece com esse tipo de gente como eu? Seria eu um perdido em uma estrada de tijolos amarelos oval? Admito que sou um teimoso sentimental de nível obsessivo. Oswaldo Montenegro afirmou odiar a morte, eu também. Odeio a morte de cada segundo que ficou para trás. O fim do que ficou no campo da expectativa e só tem forma dentro de uma memória que só existe na minha cabeça. Não passa ter doído porque quando dói é porque um lado cortou a linha, a projeção, a continuidade. Quem fica não esquece, talvez seja isso.

Acho que nesse caso, dor e amor não se separam e são simbiontes. E assim como o que nos causa dor não passa, o amor também não. Eu amo todo mundo que já amei. Amar alguém é um marco na vida do sujeito. Quando a gente dedica esse sentimento a outro ser, ele não se dilui no tempo. Alguns amores ficam engavetados, outros ficam renegados. Mas eles não somem. E mais marcante ainda é quando esses dois sentimentos, aparentemente opostos, se unem em um fato é o gozo total dos analistas. Ah, Dorothy, acho que o homem de lata está melhor do que eu.

De fins e recomeços a vida está repleta. Mesmo que por caminhos longos ou atalhos, o coração nos leva a seguir. Tento aqui não fechar o pensamento no que está prescrito na psicanálise. Tento nesta escrita encontrar o m(eu) mágico no fim da estrada. Mas me ocorre que isso pode não ter fim em vida. Assim como não tem fim a dor e nem o amor. E o barato da vida está nisso? Somos homens de lata, leões e espantalhos completos incompletos. Não são o coração, a coragem e o cérebro. É mais que isso e é tudo isso. Mas não passa ter doído.

“Maybe you’ll get a replacement,
There’s plenty like me to be found.
Mongrels, who ain’t got a penny,
Sniffing for tid-bits like you on the ground”
(Goodbye Yellow Brick Road – Elton John)

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Ruy Barbosa lendário | por Vitor Biasoli https://redesina.com.br/ruy-barbosa-lendario-por-vitor-biasoli/ https://redesina.com.br/ruy-barbosa-lendario-por-vitor-biasoli/#respond Wed, 12 Apr 2023 02:26:03 +0000 https://redesina.com.br/?p=20552 Dias atrás, meu amigo Candinho – que, como eu, cursou o Ginásio (equivalente ao atual Ensino Fundamental) na década de 1960 – me trouxe um recorte de jornal a respeito do centenário de morte de Ruy Barbosa, ocorrido no último 1º de março. Era um texto do “Almanaque Gaúcho”, no jornal Zero Hora (Porto Alegre), …

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Dias atrás, meu amigo Candinho – que, como eu, cursou o Ginásio (equivalente ao atual Ensino Fundamental) na década de 1960 – me trouxe um recorte de jornal a respeito do centenário de morte de Ruy Barbosa, ocorrido no último 1º de março.

Era um texto do “Almanaque Gaúcho”, no jornal Zero Hora (Porto Alegre), recordando a trajetória do ilustre político baiano, destacando a existência de um genro pelotense, Antônio Batista Pereira (1879-1960), o qual se dedicou a divulgar o legado do sogro. Uma história curiosa, ao menos para quem se criou ouvindo falar elogiosamente a respeito do ilustre baiano.

Na década de 60, acredito que não existiu aluno de Ginásio que não escutou um professor citando Ruy Barbosa ou não fez análise sintática em algum trecho da sua obra.

Além de político (ministro de Deodoro e um dos responsáveis pela organização jurídica da República, senador pela Bahia diversas vezes, candidato à Presidente da República por duas oportunidades), Ruy foi exímio orador e por essa qualidade ganhou fama nacional.

Em 1907, representou o Brasil na Conferência de Haia e convenceu os representantes das grandes potências de que “a grandeza dos povos” não pode ser aferida pelos poderes militares e econômicos, mas, sim, “pelas realizações científicas e culturais, capacidade de trabalho, espírito de luta, nobreza de sentimentos e aplicação de leis justas”. Cinquenta anos depois, era um feito ainda lembrado pelos professores. “Uma das maiores inteligências do Brasil”, “a Águia de Haia”, a gente ouvia falar.

Em 1920, Ruy (já com 70 anos) foi convidado para paraninfo pelos formandos da Faculdade de Direito de São Paulo e escreveu um discurso que se tornou famoso, a “Oração aos moços”. Doente, ele não pode comparecer à formatura e um professor da faculdade leu o discurso. A “Oração…” foi impressa e ganhou grande circulação no país.

Mesmo quarenta anos depois, não era raro um professor, num momento de entusiasmo, com pretensões de colocar a gurizada na linha, sapecar um trecho desse discurso na sua fala. O Irmão Heitor, meu professor de Língua Portuguesa no Ginásio, era pródigo em fazer isso. Ele interrompia uma aula para um sermão (que ele denominava “uma lição de caráter”) e inseria uma citação do baiano:

– Vocês, que vivem numa época tão carente de valores, não devem esquecer os ensinamentos de Ruy Barbosa: jamais “desertar a Justiça, nem cortejá-la. Não lhe faltar com a fidelidade, nem lhe recusar o conselho. Não transfugir da legalidade para a violência, nem trocar a ordem pela anarquia”.

Em 2020 (pouco antes da eclosão da pandemia), quando tive a oportunidade de conhecer a Casa Ruy Barbosa (sua antiga residência no RJ, transformada em Fundação), recordei a áurea do personagem. Sua lenda me veio à baila quando entrei no jardim da casa (um “templo cívico”, como li tantas vezes). Estava acompanhado da minha antiga companheira, fizemos uma visita guiada por uma funcionária, indicando as salas, os objetos e a biografia do político com observações tão rasteiras, em um tom tão burocrático, que não houve como se empolgar. O ginasiano que eu fui ficou frustrado. Minha companheira fez críticas severas ao estado de conservação das peças e ao despreparo da funcionária.

Lendo o recorte de jornal trazido por meu amigo Candinho, senti que naquele pequeno texto estava o Ruy que aprendi na escola. Certamente não o Ruy apresentado pelos melhores historiadores, mas o que conquistou o imaginário dos brasileiros (até do próprio genro), “fez a França e a Inglaterra se curvarem diante do Brasil” e se tornou uma referência para a juventude com sua “Oração aos moços”. O Ruy que meu professor de Língua Portuguesa, no Ginásio, citava no meio de um sermão. Citações que nem sempre eu e meus colegas entendíamos, mas que achávamos super bacana.

 


Foto: Dartanhan Baldez Figueiredo

Vitor Biasoli

Nasceu em Pelotas, em 1955. Graduado em História (UFRGS), fez mestrado em Letras e doutorado em História. Lecionou 38 anos, um tanto no Magistério Estadual ou tanto na UFSM, e hoje está aposentado. Publicou livros individuais e coletivos, entre eles “Calibre 22” (poemas) e “O fundo escuro da hora” (contos). Faz parte da Turma do Café.

 

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Sarita no Copacabana Palace | por VITOR BIASOLI https://redesina.com.br/sarita-no-copacabana-palace-por-vitor-biasoli/ https://redesina.com.br/sarita-no-copacabana-palace-por-vitor-biasoli/#respond Mon, 13 Feb 2023 23:50:28 +0000 https://redesina.com.br/?p=20112 Sarita é uma personagem de Sérgio Porto, em “A grã-fina de Copacabana”, uma das novelas de As Cariocas, livro publicado em 1967. Quando inicia a novela, ela está debruçada na janela da garconnière do amante, em um edifício da Avenida N. Sra. de Copacabana. O amante é um cirurgião plástico que possui uma clínica no …

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Sarita é uma personagem de Sérgio Porto, em “A grã-fina de Copacabana”, uma das novelas de As Cariocas, livro publicado em 1967. Quando inicia a novela, ela está debruçada na janela da garconnière do amante, em um edifício da Avenida N. Sra. de Copacabana.

O amante é um cirurgião plástico que possui uma clínica no quinto andar do prédio e, logo acima, também um apartamento para encontros. A amante assiste ao médico se despedir da esposa na calçada, constata que a mulher dirige um belíssimo carro esporte, “um modelo Fiat especial”, e resolve pedir um igual. O texto não descreve o automóvel, apenas indica que só existem dois desse modelo no Rio de Janeiro, e a novela gira em torno da maquinação de Sarita para conseguir o carro.

Na sequência, a personagem vai ao Copacabana Palace para se encontrar com um jovem paulista de família quatrocentona, proprietário do outro exemplar do “modelo Fiat especial” almejado. Cid (é esse o nome do rapaz) está na pérgula do hotel, “sentado numa das mesinhas que contornam a piscina”, tomando “um biter Campari”, e, quando avista a bela Sarita, levanta-se para chama-la. Uma cena do Rio de Janeiro elegante. Sarita e Cid conversam, discutem o negócio, e depois saem para dar uma volta no carro. Disparam pela Avenida Atlântica.

Numa das vezes em que estive na pérgula desse hotel (para conhecer os pontos turísticos do Rio), tomei um cálice de vinho branco que me custou os olhos da cara. Me instalei numa dessas “mesinhas que contornam a piscina” e não assisti ao encontro de Sarita com Cid. Próximo a minha mesa, havia um grupo de homens conversando (todos eles com mais de 50 anos, volta e meia atendendo os celulares) e, ao lado, o mesmo número de moças de maiô, suas acompanhantes, muito mais animadas, pousando umas para as outras com cálices de espumante nas mãos. Ou, quem sabe, de Champagne, sei lá.

Eu estava ali para conferir um dos ícones cariocas, com o mesmo espírito que me guiara ao caminhar pelo Catete, visitar o antigo palácio presidencial (hoje Museu da República) e depois sair olhando o que resta dos antigos casarões (alguns do tempo do Império). Outro território emblemático do Rio de Janeiro e também objeto de outra novela de Sérgio Porto, “A noiva do Catete”, na qual pontifica Luci, 24 anos, mais modesta do que Sarita, “carioca e bonitinha”.

Reli As Cariocas, dias atrás, e fiquei surpreso com o fato de ter me agradado tanto quanto no início dos anos 70, quando li pela primeira vez. Sérgio Porto (1923-1968) se notabilizou por livros de sátira, inclusive de gozação em relação ao poder militar instalado pelo Golpe de 64, os quais publicava com o pseudônimo de Stanislaw Ponte Preta. Os textos de humor ficaram datados, mas não é o caso desse conjunto de novelas. Ficção que, na maioria das vezes, faz um retrato agradável do mundo carioca. Exceção feita à novela “A currada de Madureira”, o drama de uma honestíssima esposa que casa com um funcionário do Jogo do Bicho e depois o entrega à polícia, com o propósito de regenerá-lo. O bicheiro não gosta e ordena uma punição.

Da próxima vez que for ao Rio, vou procurar o prédio onde Sarita e o amante se encontravam na Avenida N. Sra. de Copacabana. Chama-se Edifício Lido, conforme indica a narrativa. Talvez o prédio não seja ficcional, como não era o Copacabana Palace nem a pérgula no entorno da piscina do hotel, que existiam na década de 1960 e permanecem ainda hoje. O hotel, por sinal, completando cem anos neste ano de 2023.

 


Foto: Dartanhan Baldez Figueiredo

Vitor Biasoli

Nasceu em Pelotas, em 1955. Graduado em História (UFRGS), fez mestrado em Letras e doutorado em História. Lecionou 38 anos, um tanto no Magistério Estadual ou tanto na UFSM, e hoje está aposentado. Publicou livros individuais e coletivos, entre eles “Calibre 22” (poemas) e “O fundo escuro da hora” (contos). Faz parte da Turma do Café.

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Minha jumentice por EMIR ROSSONI https://redesina.com.br/minha-jumentice-por-emir-rossoni/ https://redesina.com.br/minha-jumentice-por-emir-rossoni/#respond Fri, 18 Feb 2022 07:37:35 +0000 https://redesina.com.br/?p=17627 Minha jumentice venceu. Está provado. Não ter estudado deu certo. Não foi preciso ler Kant, Lacan ou Candido. Paulo Freire é passado. Dedico meus neurônios à titica. Ninguém é obrigado. Nem a entender de economia, nem de equações matemáticas, nem de crer que cadeirinhas salvam a vida das crianças. Ninguém é obrigado a preservar a …

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Minha jumentice venceu. Está provado. Não ter estudado deu certo. Não foi preciso ler Kant, Lacan ou Candido. Paulo Freire é passado. Dedico meus neurônios à titica.

Ninguém é obrigado. Nem a entender de economia, nem de equações matemáticas, nem de crer que cadeirinhas salvam a vida das crianças. Ninguém é obrigado a preservar a vida dos próprios filhos. Por conseguinte, dane-se o meio ambiente. Ninguém gosta de meio ambiente. Ninguém gosta de pastar. Quero é carne bovina no meu freezer. Quero gerar titica. Mais e mais.
Eu sou o prático, sou o técnico. Não preciso conhecer o mecanismo. Preciso apertar o botão. E vestir minha camiseta amarela. E falar o que está no evangelho.
Minha preguiça está no poder. Somos a força. Somos o velho jeito Homer Simpson de ver o mundo. Não sou intelectual. Mal sei a diferença entre aquecimento global e estações do ano. Por isso, quero alguém como eu no poder. Que me represente. Que entenda como enxergo o mundo. Não quero um intelectual me dando ordens. Não quero alguém que escreva corretamente o português ou que assim se expresse, ou então alguém que saiba ler ou racionar. Quero o simplório. Quero minha limitação governando.
Assim eu entendo o que se passa. Quando mais reto melhor. Quanto mais plano, mais eficaz. O ser humano não é complexo. É apenas um monte de carne. E titica. Somos carbono, uns em estado mais lapidado, eu menos. É assim que deus nos fez. Somos todos conges, kaftas.
Somos os coiso.
Na melhor das conjugações não concordantes. Digo não à Metamorfose, não a Crime e castigo, não a O processo. Preciso de alguém que simplifique. Que sirva o bife mal passado da literatura. Ninguém tem mais tempo ou paciência para Umberto Eco, para Morin, para Bauman. Quero o papo reto da coxinha frita antes que torrem meus miolos.
Minha jumentice venceu. Que fale agora quem passou trinta anos estudando. Quem dedicou a vida à ciência. Que fale agora quem perdeu tempo. Quem vê minha titica no mesmo patamar que sua ciência. Digo e repito, ciência de nada vale. Tem mais é que cortar verba, árvore e pulsos. Tem que derrubar casarão tombado. Quero pasto pro gado. Quero arranha céu. O mais alto do mundo. Quero chegar mais perto de deus. Quero meu pasto. Meu pasto verdinho. Alguém que fale sem pensar. Que governe sem pensar. Porque eu sou assim. E ser assim é ser autêntico.
Somos muitos jumentos. Somos milhões de amarelo. Vejo o twitter todos os dias. Leem pra mim lá no trabalho. O melhor meio de comunicação que existe. Em breve terei o meu. O meu próprio twitter pra dizer tudo que penso. Falta pouco. Logo terei o meu. Assim que eu aprender o que significam esses sinais no teclado.

 

Emir Rossoni

É autor de “Caixa de Guardar Vontades” (vencedor do Prêmio Açorianos de Literatura e do Prêmio Guarulhos de Literatura de Livro do Ano em 2019), “Domanda Nísio” (vencedor do Prêmio Governo de Minas Gerais de Literatura em 2018 e do Prêmio Bunkyo em 2020), e “Erros, Errantes e Afins” (Prêmio CEPE de Literatura 2020). Ministra desde 2016 a oficina literária “As duas histórias do conto” e o curso “Escrevendo sem Inspiração”.

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QUAL É O MELHOR MOMENTO PARA SE USAR UMA PORCELANA? por ROGER BAIGORRA MACHADO. https://redesina.com.br/qual-e-o-melhor-momento-para-usar-suas-porcelanas-por-roger-baigorra-machado/ https://redesina.com.br/qual-e-o-melhor-momento-para-usar-suas-porcelanas-por-roger-baigorra-machado/#respond Thu, 27 Jan 2022 18:22:23 +0000 https://redesina.com.br/?p=17379 Ela dizia que àqueles eram os melhores talheres que eu jamais veria na vida. “São da Europa!”, vangloriava-se que eram da marca francesa Christofle, feitos com a mais pura prata retirada aqui da América. Foi um presente de casamento dado por um primo que morava em Buenos Aires e que havia visitado Paris. Sempre brilhantes, …

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Ela dizia que àqueles eram os melhores talheres que eu jamais veria na vida. “São da Europa!”, vangloriava-se que eram da marca francesa Christofle, feitos com a mais pura prata retirada aqui da América. Foi um presente de casamento dado por um primo que morava em Buenos Aires e que havia visitado Paris. Sempre brilhantes, os talheres eram metodicamente limpos, duas vezes por ano: a água fervendo, o sal, a submersão. Depois, secavam sobre a toalha da mesa da cozinha para só depois receberem o polimento. Por fim, ficavam numa caixa de madeira antiga, com fechadura e chave, intocados bem no fundo do armário da sala, como que num sarcófago.

O conjunto de chá era qualquer coisa de incrível. Feito de porcelana portuguesa, adornado com linhas que lembravam ouro. Ela afirmava que eram de ouro, afinal, todo o conjunto foi comprado em Coimbra em 1965, haviam sido fabricados em 1896. As xícaras ficavam na cristaleira da sala de jantar, expostas lado a lado, enfileiradas, pareciam relíquias antigas, mártires de um tempo de riqueza esquecida. Receberam chá uma única vez, num inverno em 1979. Deve ter sido um momento muito especial para Ela ter usado aqueles seus pequenos tesouros.

As toalhas de banho eram lavadas anualmente e manualmente, nunca foram usadas, sempre que Ela falava nelas, afirmava que eram importadas da França, um presente dado por um professor da universidade, colega de seu finado marido, enquanto este fazia o mestrado na Sorbonne. As toalhas tinham bordados Richelieu em forma de flores e eram brancas como a mais branca neve. Ela tinha medo que alguém deixasse manchas nos tecidos, assim, as toalhas tinham suas vidas perpetuamente mortas dentro do guarda-roupas. Jamais se comportaram como aquilo que eram: toalhas.

E tinha um vestido longo que Ela amava e ocupava lugar especial no guarda-roupas, no entanto, Ela me disse que o usou uma única vez, foi numa festa de aniversário da sua melhor amiga no Clube Comercial, na época, o “melhor clube de Uruguaiana”. Contava que foi a “roupa mais deslumbrante que já vestiu”. Foram tantos os elogios que recebeu, que ficava rosada só de lembrar dos galanteios. Naquele dia, entre um gole e outro de espumante, conheceu seu futuro marido e único e grande amor. Dizia que só usaria aquele vestido novamente em um “momento realmente especial”.

Durante toda a sua vida Ela foi assim, cuidadosa. Era assim com os filhos, com os netos, com os talheres, com as porcelanas, com as toalhas, com o vestido, com outras roupas, com a vida. “Um momento especial” era o que ela sempre esperava acontecer para usar o que tinha de melhor. E os talheres foram ficando, as toalhas, o vestido, as porcelanas, todos ficaram aguardando pelo momento especial que um dia chegaria.

E num dia que não teve nada de especial, que não amanheceu nem frio e nem ficou quente durante a tarde, onde os pássaros cantavam as mesmas coisas, os galhos da árvore na janela do quarto restavam iguais aos do dia anterior. Nesse dia comum, ao fim da tarde, Ela estava assistindo a novela na TV, reprisada pela terceira vez, e eis que a dor apareceu e tomou conta do peito, não houve tempo para despedidas, nem uma última olhada na cristaleira, não deu tempo para nada, e assim Ela morreu.

Ela sempre acreditou que o dia da sua morte seria um momento especial. E embora ela não saiba, ele foi, pois foi o último.

Ela é que não percebeu a importância daquele dia, assim como, não viu todos os outros dias especiais que vieram antes. Ao menos, morta, não soube que os talheres foram vendidos junto com o conjunto de chá por pouco mais da metade do valor que possuíam. Vendidos, pois nenhum dos filhos tinha lugar em casa para guardá-los, tampouco, vontade.

Morta, também não soube que as toalhas acabaram manchadas por catchup, terminaram seus dias sendo utilizadas na piscina por pessoas que ela nem conhecia. Findaram como o que eram: toalhas. Por morta, não soube também que o vestido deslumbrante que a vestiu numa noite inesquecível, serviu no fim apenas como sua mortalha. Ao menos, usou o vestido num dia especial.

Ela morreu e não aproveitou um mínimo sequer daquilo que guardou por tanto tempo, as coisas que acreditava ser o que ela tinha de melhor.

Guardou nas porcelanas o chá que nunca tomou com as netas numa tarde de inverno. Guardou no vestido os novos elogios que não recebeu na formatura do filho. Guardou nos talheres a satisfação que não serviu ninguém naquele Natal inesquecível de 1998. Às vezes nós perdemos coisas e sentimentos, curiosamente, não por descuido,mas por guardá-los demais.

Guardamos tanto, na expectativa do momento especial, e de tanto idealizar este momento, acaba que nos tornamos incapazes de reconhecer quando ele acontece na realidade dos nossos poucos dias.  E deixamos de falar. Deixamos de usar. Deixamos de estar. Idealizamos a festa perfeita. O churrasco perfeito. A visita perfeita. A ligação de telefone perfeita. E de tanto idealizar e guardar, perdemos o momento.

Nesses tempos tão difíceis, de justiça tardia, dias de pandemia, de distanciamentos, de falta de empatia e supressão do diálogo, onde a vida termina tão de repente e onde ficamos sabendo disso pelas redes sociais, devemos guardar menos e usar mais. Nos últimos dias vi amigos perdendo irmãos, amigos perdendo pais, pais perdendo filhos, cada vida, única e tão especial. Precisamos estar mais, falar mais, dizer aquilo que se sentimos e sentirmos as coisas que se dizemos.

Hoje é 27 de janeiro, 09 anos da tragédia da Kiss e ainda parece que foi semana passada, toda a tristeza que se fez e que não se desfará por nenhum decreto ou trâmite em julgado. Cada vida que se desfez era como se fosse uma linda e única porcelana que caiu da cristaleira. E a saudade que fica é só o que nos que resta. E para muitos pais e amigos, a saudade se tornou um verso de Chico Buarque, “saudade é arrumar o quarto do filho que já morreu”. Dobrar as roupas, cheirá-las na esperança de sentir de novo, um pouco que seja, do cheiro do amor.

Hoje, depois que a matéria sobre a Kiss passou no Jornal do Almoço, sem perceber, peguei-me pensando na vida, nos que se foram, nos que ficaram e naquilo que nós estamos fazendo aqui. É que a saudade não é sentimento que sentimos em relação a coisas ruins, saudade é coisa que sentimos em relação aos momentos bons, pessoas e coisas boas. Saudade a gente sente daquilo que viveu.

Sabe qual o melhor momento para usar suas porcelanas? Agora.

Use muito. Cada garfo e cada amigo. Cada vestido e cada filho. Use tudo o que há de melhor ao seu redor, use suas melhores roupas, beba suas melhores bebidas, esteja com as pessoas que você ama. Não espere pelo momento perfeito.

 

 

Roger Baigorra Machado é formado em História e com Mestrado em Integração Latino-Americana pela UFSM. Foi Coordenador Administrativo da Unipampa por dois mandatos, de 2010 a 2017. Atualmente trabalha com Ações Afirmativas e políticas de inclusão e acessibilidade no Campus da Unipampa em Uruguaiana. É membro do Conselho Municipal de Educação, do Conselho de Acompanhamento e Controle Social do FUNDEB e do Conselho Municipal de Desenvolvimento Econômico do Município de Uruguaiana e é conselheiro da Fundação Maurício Grabois. Em 2020 passou a compor o Centro de Operação de Emergência em Saúde para a Educação, no âmbito do município de Uruguaiana/RS. No resto do tempo é pai do Gabo, da Alice e feliz ao lado de sua esposa Andreia.

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