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Imagem: Vinson Tan/Pixabay

Sobre jornalistas, professoras e pizzas por Rosana Zucolo

As Jornalistas

Doroteia escreve comigo desde 2008. Tem sido minha parceira de textos. Ela tem um humor muito melhor do que o meu, e também escreve melhor do que eu.  Desde uma temporada na Bahia quando nos conhecemos, circulamos pelas redações. Na época e por muitos anos seguintes, fomos sete jornalistas em diáspora espalhadas pelo nordeste, sudeste e sul, a redigir para muitos lugares. O fazíamos por demandas de sobrevivência e íamos aonde nos  mandassem. E temos histórias em Luanda, Lobito, Boa Vista, La Paz, Sucre, Teresina, Recife, Belo Horizonte, São Paulo, Maine, Boston, Porto Alegre, Santa Maria, Montevidéu, Colônia do Sacramento, Nosso Senhor do Bonfim,  Santa Maria,  Ilhéus,  São Gregório de Polanco, Tacuarembó, São José do Rio Preto, São Paulo, Ribeirão Preto,  Rivera, Livramento, Caçapava, Curitiba, Santiago do Chile e outros confins não tão conhecidos mas que a memória não esquece. Rodar o mundo é a parte boa do jornalismo.

Foi então, naqueles primórdios das interações mediadas pelo digital,  que resolvemos criar um blogger  tempos áureos do blogspot-, e onde passamos a postar aqueles textos que nenhum jornal quer publicar. Seja porque são produzidos sem censura, seja porque opinião só é bem-vinda se obedecer às regras editoriais, seja porque nenhuma de nós é parente, amiga ou crush do editor ou do dono do veículo ou ainda, porque acontecimentos pessoais regados de emoções e de afetos não vendem jornais nas bancas. E assim, escrevíamos livremente sem contas a prestar e com zero de monetização.  Era o modo de continuarmos vinculadas e em contato quase diário neste continente chamado Brasil. Por diletantismo, nos divertíamos e, ocasionalmente, agregávamos convidad@s.

Nós  continuamos geograficamente espalhadas, escrevendo em outros lugares. Mantemos comunicação frequente com umas e outras, apesar da distância física.  Eventualmente falamos sobre reunirmos o material do blog para transformar em livro. Impresso porque somos analógicas. No entanto, ainda não bateu a sincronia, mas não desistimos de todo. Uma pontinha dele está aqui, porque a  Dó – o apelido que a meninada baiana deu para a Dorotéia -, especializou-se em narrar os bastidores do cotidiano de todas nós.  Ela continua divina e, muitas vezes, cruel.

 As professoras

Final do semestre II na universidade. Cheguei em casa e a Pró estava assim: desabada! Na real, acho que elas e as colegas andam assim. Teclam, teclam, mas a cabeça parece vazia. Minutos depois esqueceram o que escreveram ou o que estavam lendo. E na correria os acontecimentos vão se somando. Alguns inusitados.

Foi assim que em algum dia de outubro, o dentista de uma delas ligou. Em tratamento há meses, ela enviara o exame solicitado pelo motoboy. Um tanto constrangido,  ele avisava que recebera sim o material, mas era a mamografia da moça em vez da radiografia do dente siso.

A outra saiu da faculdade e não encontrou o carro. Em tempos sombrios, tinha a certeza de que fora roubada!!! Voltou para o prédio, atônita, já prevendo os transtornos e preparando a ligação para a delegacia.  Ansiosa, contava o fato para a colega que a olhava, surpresa. Foi então que lembrou ter vindo de carona com ela. O carro ficara na garagem de casa.

Uma terceira foi dar aula num curso de especialização em Alegrete, interior do rio Grande do Sul. Teria aula na sexta à noite e no sábado o dia todo. Pegou o ônibus, dormiu e acordou em Livramento, fronteira com o Uruguai, a 200km de onde deveria estar. Era novembro.

Outra delas estacionou em frente ao banco. Apertava o alarme do carro, insistentemente, em direção à porta da CEF. Só foi perceber o que fazia quando um cliente gritou do lado de dentro da agência: “- Alarme de carro não abre cofre de banco!”

E sem contar da que pegou uma carona para ir até o HSBC após o almoço, antes de entrar no turno da tarde na faculdade. No trajeto aproveitou para fazer uma massagem no pé dolorido. Já em frente à agência, calçou novamente o sapato e desembarcou, correndo. Pegou a senha e sentou para esperar a vez. Distraída, desceu os olhos para os pés num sapatinho Mary Jane e lá estava – um pé com meia e  outro sem. Ela escondeu-se por detrás dos óculos escuros, tentou manter a pose sem olhar para os lados. Sala cheia, rezou para não encontrar nenhum conhecido.

A Pró perdeu os óculos de leitura aqui em casa enquanto comia pizza. Colocou todas em polvorosa porque sem eles, nada lia. Depois de muita agitação – procurei até dentro da geladeira para ver se uma desavisada não tinha deixado por lá -ela gritou do banheiro que havia encontrado. Em frente ao espelho, viu os óculos no alto da cabeça como se fosse uma tiara.

E sim, tem mais, muito mais!

As pizzas

Eu tenho uma hipótese: professoras(es) enlouquecem no segundo semestre…por isso comem!

Eu continuo fazendo pizzas para que, ao menos, fiquem mais calmas.  Sim, pizza! Não panquecas, PIZZA! Basca, portuguesa, calabresa, mexicana, califórnia… e ainda dizem que ela é italiana…  e todas engordantes! Não interessa a etnia. Pizza integra o bordão do “é impossível comer uma fatia só”!

A cada pedaço os lipídios se jogam para as cinturas, batendo palmas! Só faltam gritar: – ” É prá lá que eu vou! É lá que eu fico!”

Aqui em casa não tem quem resista à minha pizza. Elas dizem que é o sabor, a aparência convidativa…e lá se vai mais um pedaço. Eu avisei que a cintura vai engrossar. A Pró retruca com um muxoxo e diz que é a ansiedade, que é a tese, que é a tensão, a preocupação…e come!

Semana passada fiz para ela e as colegas. Elas também comem sim, muito, e olha que ali tinha gente sem tese.  Comam professoras, comam!

Vai aí uma de tomate seco com rúcula?

Jornalista, professora universitária aposentada, mestre em Educação(UFSM) e doutora em Comunicação(Unisinos). Nascida gaúcha, mora em Santa Maria, tem alma cigana, a Bahia como segunda terra e o mundo como casa.  Descobriu ter uma certa predileção por pares: dois filhos, dois prêmios Tim Lopes de Jornalismo Investigativo, dois empregos por muito tempo, dois projetos de cursos de comunicação, dois blogs,  duas casas, dois irmãos, dois cachorros, duas cachorras, dois gatos…

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