E então uma amiga de infância te convida para um café. E tu pensas “que bom, vou dar umas risadas, relembrar meus tempos de criança e comer um pedaço de bolo de chocolate.”
Ledo engano. Ela senta na tua frente e não tem nada de bom para dizer. Só reclama. Não está feliz no trabalho, no amor, na vida. Ela quer ganhar mais, quer um carro melhor, grana para viajar e também o impossível: voltar no tempo. Prestes a completar 40 anos, tua amiga fala que tem 35…
Sim, para ela a felicidade “se foi” com o término dos vinte anos e é inalcançável com a proximidade dos quarenta. Ela decidiu permanecer nos trinta, mas tem que ser “em dupla”, de preferência com um homem “bem sucedido”.
Tua amiga não acredita em felicidade individual.
E tu ficas olhando para ela, balançando a cabeça, esperando o momento em que a conversa mudará de “rumo”, mas, passados 45 minutos, isso não acontece. Nada acontece de diferente, além do chantilly do cappuccino se esparramar pelo pires.
Nenhuma tentativa de relembrar os tempos de escola surte efeito também. O tema sempre é deixado de lado e a conversa volta a girar em torno do dinheiro que ela acha que precisa ter e de sua última decepção amorosa com um homem que desapareceu após o 5º encontro.
Passa uma ideia cruel pela tua cabeça: tu não suportas 50 minutos daquela conversa, como o homem suportou cinco encontros?
Sabe, tu até queres ser solidária. Tu até que tentas consolar a pobrezinha, mas não adianta. Ela decidiu ser infeliz. Não enxerga que é magra, que é bonita, que tem uma bela profissão e uma família amorosa. E o que é pior, não satisfeita com a própria infelicidade, ela critica a tua vida, o teu corpo e até teus pensamentos. Quando ela percebe que só está falando de si mesma, começa a te “dar atenção”, traduzindo, te criticar.
Ela decide que precisas querer mais. Como assim rir de si mesma? Como assim estar satisfeita com o que já foi conquistado? É “do ser humano” ter ambições maiores. Ela diz exatamente isto: que te falta ambição, te falta discrição e também um corpinho de miss.
Não deverias ter desistido das aulas de Yoga. Deverias te cadastrar em algum site de encontros amorosos e sair mais à noite. Quem sabe alguém te apresente um amigo, um primo. Ela sugere isso e também que não escrevas tantas coisas na internet, pois as pessoas que curtem não são tuas amigas como ela é.
Mas quer saber? Não és obrigada. Não precisas ser apresentada, tu te conheces e fazes as tuas escolhas. E a tua escolha naquele exato momento é fugir. Tua escolha é acabar com aquela tortura de uma vez por todas, levantar da mesa com uma desculpa qualquer, pagar a comanda e ir embora sem olhar para trás.
Tua escolha é riscar essa amiga infantil da tua vida adulta. Ela ainda não cresceu. Algumas amigas de infância não crescem, talvez por isso sejam chamadas de amigas de infância, para que nunca saiam de lá.
SAÍLE BÁRBARA BARRETO é advogada, escritora e bruxa malvada nas horas vagas.