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Por que ainda falamos em cotas? por João Heitor Silva Macedo

O ano é 2019, e passaram-se 131 anos da abolição da escravatura, e ainda hoje o racismo desfila incólume por todos os espaços da cidade, mais do que isso, não desfila, se pronuncia em alto e bom tom. Ao mesmo tempo em que ouço máximas como: “- Eu sou contra as cotas!”, “- somos todos iguais”, ou ainda, “- cotas só geram mais racismo”, a desigualdade e a irracionalidade humana aumentem em ritmo avassalador. Essa realidade, bem atual, me causa uma indignação emblemática, pois as duas situações citadas são efeitos de um mesmo problema, o racismo.

Justifico minha indignação. A suposta igualdade é o primeiro argumento a ser considerado. Em um Brasil que pronuncia desde a Constituição Federal de 1891 a igualdade que diga-se de passagem, nunca foi objetiva, pois para que essa mesma se efetiva-se era necessário ao menos as mesmas condições matérias de existência, ou seja, todos deveriam ter as mesmas condições no ponto de partida, algo que em um país de origem colonial isso nunca foi uma realidade.

Considerando essas condições, lembramos que os mesmos que hoje se pronunciam contra as cotas, são na maioria de origem europeia, e herdeiros de um processo de histórico patrocinado pelo governo imperial e depois republicano que previa COTAS aos interessados em se transladar para o Brasil. Os incentivos consistiam na reserva de lotes de terras e alimentos para a subsistência da família, algo que não oferecido aos povos tradicionais, ou aos africanos e seus descendentes que já estavam aqui.

Outro elemento a ser considerado é o acesso à educação. Lembremos que a instrução pública oferecida pelo Estado brasileiro no período imperial não previa a educação para os escravos negros, essa só ocorreria em turno noturno se houvesse disponibilidade de vagas. Passado o período imperial, já no período republicano, ou seja, após a abolição, esse ato normativo não foi revogado, o que significou na prática a não disponibilidade de vagas para negros e negras nas escolas públicas. Essa situação começa a mudar sutil mente na Era Vargas, quando da presença de Anísio Teixeira na gestão pública da educação nacional, onde este amplia o conceito de instrução pública, para educação pública e prevê que a mesma deveria ser um direito à todos indiscriminadamente. Essa defasagem histórica em relação ao acesso a educação por si só é um elemento determinante para a desigualdade.

Sabemos que os quase quatro séculos de escravidão criaram no Brasil uma herança colonial de desigualdade que foi enraizada em nossa sociedade através de mecanismos sociais que o próprio sistema educacional se encarregou de sedentarizar ao silenciar e inviabilizar uma parte de nossa história que nega a negros e negras o protagonismo na construção social de nosso presente.

A necessidade ainda hoje das cotas em nosso país se justifica não como um paliativo que acirra as desigualdades, mas como uma política efetiva de estado de assumir para si o combate ao racismo e a desigualdade social herdadas de nosso passado colonial. Cotas não são esmolas!

João Heitor Silva Macedo

Doutor em História, Arqueólogo, Museólogo e Militante do Movimento Negro.

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