DIFERENÇA LUNAR
Vai.
Leva os ternos, as taças, os quadros,
os papéis, as aplicações e as explicações;
tudo que me desconstrua. Não me
completa quem não olha pra lua.
QUESTÃO DE GÊNERO
Batom violeta
Lápis à prova d’água
Cílios postiços
Sombra metalizada
Na bolsa
figa santinho fita do Bonfim
e uma faca bem afiada
CRIME PASSIONAL
Antes de apertar o gatilho
e chorar sobre meu corpo ainda quente,
tome um café com leite na padaria ao lado
e leia na plaqueta atrás do servente:
SORRIA. VOCÊ ESTÁ SENDO FILMADO
SUPERPOSSUINDO-TE
Radiografo-te o corpo de aço
Com os olhos, my man.
Lambo restos de meteoritos
Caídos do espaço
Em tua boca refém,
Enquanto, superafiadas,
Minhas unhas sangram
Tu’alma siderada
Liquefazendo
Uma a uma
Uma woman
Tuas certezas,
Com superpoderes de siamesa,
Efeitos especiais de sétima arte
Em cima do estrado
E minha nudez a coroar-te
Super-herói do cárcere privado.
DE MALAS PRONTAS
Desligar as luzes
Fechar as janelas
Trancar a porta
Abrir a bagagem do desconhecido
e desorganizar sentimentos…
Viajar é perscrutar a casa
que levamos dentro
MOVIE
A vida repousa em uma sala escura
para projetar-se intensa, púrpura
como filme de Woody Allen.
Na poltrona, penso esperançosa
no dia em que brotará do Cairo a rosa.
Assim saladespero uma eternidade…
Assim permaneço na escuridade,
sem perceber o lanterninha
que iluminará nas entrelinhas
algo de que não me lembrava mais:
O filme da minha vida estava há muito tempo em cartaz!
ELAS
As mulheres loucas
andarilham roucas
entoando hinos
de prece e paixão
Se a farinha é pouca
as mulheres loucas
reivindicam seu pirão
Ao beijar a boca
de seus paladinos
elas choram à míngua
de outra língua
que umedeça toda parte
Essas doidas varridas
doam seu quinhão
de vida
para sair de Vênus
e voar para Marte
PLATONICES
O menu
oferece um homem
de olhar quente
com dendê
derramado
sobre boa porção
de virilidade
e pimenta
de suar.
O menu
que esse homem
oferece
docemente
me faz sentar à mesa
em regozijo,
mesmo que esteja
apenas Platão
avec moi.
PIRIPAQUES
XVII
nossa história mequetrefe
não merece ser contada
nem em word nem em pdf
XVIII
o que a vida me tirou
sublimei na poesia,
cedo ou tarde
a morte me tiraria
Noélia Ribeiro é pernambucana, radicada em Brasília. Cursou Letras na Universidade de
Brasília e aposentou-se como Taquígrafa Revisora da Câmara dos Deputados. Publicou
Expectativa (1982), Atarantada (Verbis, 2009), Escalafobética (Vidráguas, 2015) e Espevitada
(Penalux, 2017). Tem poemas traduzidos para o inglês e o espanhol. Integra a antologia As
Mulheres Poetas na Literatura Brasileira (Arribaçã, 2020). Em 2017, participou da mostra
Poesia Agora, na Caixa Cultural (RJ), e recebeu, da Secretaria de Cultura do DF, o Prêmio FAC –
Igualdade de Gêneros na Cultura. Produz, há quase dois anos, a live A Fim de Poesia, no
Instagram @noeliaribeiropoeta. Está prestes a publicar novo livro de poesia.