Nosso colaborador Paulo Ludmer lança o livro Filactérios. Ludmer é poeta, contista, jornalista, engenheiro, professor (www.pauloludmer.com.br), Autor de Fagulhas (Realejo livros), Fonte (AGE), Falésia (Espaço Editorial) e Foz (Espaço Editorial) entre 25 títulos.
Alguns de seus poemas estão publicados em nosso site em: https://redesina.com.br/category/portal/convidados/paulo-ludmer/
RESPIRAÇÃO DAS PALAVRAS
por Fernando Paixão
Prepare-se para ler um livro de poemas que respiram. Ou melhor: poemas que denunciam a pausa do pensamento e das figuras evocadas. Entre uma palavra e outra, mil nexos podem ser urdidos afinal, mas a arte poética exige nisso uma ação precisa e surpreendente ao mesmo tempo, para escapar do senso comum. Tarefa nada simples.
Não será difícil perceber a respiração compassada que aparece já nos primeiros poemas de Filactérios, em cujos versos se oferece um andamento regido pelo paralelismo e pelo jogo de imagens, que se alternam entre o contraste e desdobramento. Ao cabo, fica a impressão de um ritmo reflexivo, que pede a cumplicidade do leitor.
Por exemplo, quando começa dizendo: “Errei gramáticas, dialetos, sabendo cerros e vales/ escarpas, veredas, trilhas pantaneiras (…)”. E continua na segunda estrofe: “Agora subo a escada da noite/ os degraus da biblioteca do devir,/ desprovido, migrante, submisso (…)”. A cada pausa, uma camada imaginária se acrescenta.
Pode-se então dizer que as sentenças caminham marcadas sob o compasso das elipses. Daí a recorrência do uso da virgula como marca de respiração. Funciona como uma espécie de supressão da gramática, para que o verso fique contido ao osso, ao essencial: “No arder farsesco a validade encurta, /dedilho a gramática, o léxico, a sintaxe”.
Em uníssono com o ritmo respirado e pensado, também a frase ganha liberdade para desobedecer as previsibilidades e deixar de lado as conexões óbvias. Característica que se acentua principalmente na segunda parte do livro, intitulada “Frêmitos”. Um poema chamado “Rusgas”, por exemplo, começa dizendo que “o poente degrada a paciência no muro da igreja que cheira rapé”, e termina afirmando: “Escambam aveludados dentes de leão”.
Toda conexão é possível, porque não está regida pelo nexo da razão. Impera aqui o princípio de “uma música singular e contínua”, conforme a definição de Paul Valery em carta a Mallarmé, ao resumir a qualidade última da poesia. Nessa direção, o estilo de Paulo Ludmer oferece uma teia associativa de ideias e de imagens com o intuito de resgatar “o eco misterioso das coisas e sua secreta harmonia”, mencionados na mesma carta.
É o que acontece ainda na terceira parte, dedicada ao tema amoroso e à figura feminina. Encontra-se aí uma respiração própria, impulsionada pelas ondas do olhar, do tato, das intuições próprias dos amantes. Toda uma trama de qualidades são alinhavadas, mas sem uma síntese à vista; nos deparamos com a exaltação do “arroio lúbrico”, mas também com a baixeza do “fole do afeto provisório/orfanato do torpor, tibieza e comédia”. A ambiguidade permanece: trata-se de uma mulher desdobrada em muitas ou de muitas mulheres que se resumem a uma só.
O poeta pensa e respira.
Caminha enquanto lança imagens no papel.
Escreve a sua música em palavras.