por Lilian Rocha
Chegamos em janeiro de 2022, o ano de 2021 não foi fácil para muitos brasileiros. Eu tive várias alegrias literárias no ano que passou, mas também uma grande tristeza pessoal, minha mãe faleceu no mês de outubro. Talvez por esse motivo tenha escolhido o livro Cartas para a minha avó, de Djamila Ribeiro, lançado pela Editora Companhia das Letras, em 2021, para a minha Coluna Palavras Retintas.
“Essa imagem de mulher negra forte é muito cruel. As pessoas se esquecem de que não somos naturalmente fortes. Precisamos ser porque o Estado é omisso e violento. Restituir a humanidade também é assumir fragilidades e dores próprias da condição humana. Somos subalternizadas ou somos deusas. E pergunto: quando seremos humanas?” (RIBEIRO, 2021, p. 15)
Nesse livro, a autora escreve na forma de cartas para a sua avó Antônia, que criou sete filhos, que possuía o dom de benzer, e por isso era muito requisitada, mas que sempre arranjava um tempo para dar muito carinho para a neta, através do olhar afetuoso, do trançar do cabelo, na contação de histórias, no colo quente e amoroso, nas rezas ancestrais, nas comidas fartas e apetitosas.
Djamila Ribeiro se desnuda revisitando fatos de sua infância e adolescência e questiona os desafios de criar filhos em uma sociedade tão racista.
A história perpassa a vida de quatro mulheres negras, esse fio de prata que liga Dona Antônia, vô de Djamila, Dona Erani, sua mãe, a própria Djamila, fio condutor e sua filha Thulane.
A perda de alguém que tanto amamos deixa marcas profundas, mas também lembranças boas e várias reflexões, que só acrescentam no nosso amadurecimento.
Podemos constatar o quanto são similares fatos de infância e adolescência de muitas meninas e adolescentes negras, como o preconceito com o cabelo, a baixa autoestima, o nunca ser a rainha ou princesa da turma, a que sobra nas festas na hora da dança, a amiga que faz a ponte de namoro para as amigas brancas…
O livro é uma afirmação da importância dessas mulheres negras que vieram antes de nós, que sofreram todo o tipo de invisibilidade e que mesmo assim, resistiram e criaram seus filhos e filhas, com amor, chineladas, silêncio, benzeduras, olhares, colos e lágrimas. Para sobreviver muitas tiveram que se mostrar como rocha mesmo quando se sentiam grão.
“…”Se alguém mexer com meus filhos, eu viro leoa”, respondeu. Dona Erani jamais permitiria que pessoas nos desrespeitassem, vó. Apesar da amargura da vida, de cobrar bastante da gente, de não ter muita paciência, ela nos protegia.” (RIBEIRO, 2021, p. 35)
Cartas para minha avó extrapola as experiências da autora, poderia fazer parte das memórias de inúmeras famílias negras. Além do fato de demostrar que política se ensina e se aprende nas relações, nas vivências e nos afetos do cotidiano, por ser inerente a condição humana.
Não conheci a minha avó materna, mas ouvi muitas histórias dela contadas por minha mãe, confesso que fiquei com vontade de escrever cartas para a vó Enedina.
Cartas para minha vó
Djamila Ribeiro
Companhia das Letras, 2021
ISBN 978-65-5921-091-6
Cartas brasileiras
Lilian Rocha
é natural de Porto Alegre- RS. É Analista Clínica, Musicista e Escritora. Autora dos livros: A Vida Pulsa- Poesias e Reflexões, Negra Soul e Menina de Tranças. Coautora dos livros: Leli da Silva: Memórias- Importância da História Oral e Travessias de Amanaã. Patrona da Feira do Livro de Canoas/RS de 2021.