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Casa de Cultura Mário Quintana, Porto Alegre, RS. Foto: Carlos Edler

O instante e o registro por Rosana Zucolo e Carlos Edler

Pensar a fotografia, muitas vezes descrita como a arte de congelar o tempo, pode ser, no mínimo, intrigante. Pode o tempo ser capturado? Pode se tornar memória? O que atrai o olhar de quem registra um dado e inusitado instante?   Trata-se de uma ação precisa, atenta, pontual, principalmente disciplinada, que se segue a um olhar aguçado. E o que sugere o resultado do registro fotográfico a quem o vê?

A foto da Casa de Cultura Mário Quintana que trazemos aqui é de autoria do fotografo gaúcho Carlos Edler. Tentamos, juntos, “costurar” uma breve reflexão sobre o processo de registrar o instante e a percepção de quem vê o resultado. Em tal tentativa, consideramos que se fotografar é interpretar num sentido amplo, tentar escrever sobre este ato é fazer uma interpretação pessoal e bastante limitada desse amplo campo de conhecimento.

A “grosso modo”, a câmera fotográfica separa um momento de outro, apreende o instante de modo bem diferente do que nossos olhos, ainda que aguçados, não conseguem perpetuar o visualizado do mesmo modo que no registro fotográfico. Isto implica o fotógrafo enquanto especialista do ponto de vista da técnica, e  na sua condição de sujeito perceptivo.

“Eu funciono mais ou menos assim… enxergo a luz, a sombra e em preto e branco. No mais, é intuitivo, pura emoção. Sair para fotografar nas horas de luz intensa permite jogar com a observação dos detalhes que se destacam pelo contraste da luz e da sombra, num processo que vincula a técnica à  percepção. O resto se dá pelo momento, pelo que acontece enquanto estou ali observando” (Carlos Edler)

As fotografias podem congelar o tempo, mas também são subjetivas e relacionadas ao contexto e significado que vão além do momento registrado. O que vemos em uma fotografia é filtrado através das lentes do fotógrafo e também da nossa própria percepção como espectadores. Isto nos leva a pensar que fotografias não refletem a realidade, mas sim o fluir da vida. Cada fotografia marca uma interseção entre o fluxo do viver e a visão única do fotógrafo, criando um espaço onde a realidade e a subjetividade se encontram e se entrelaçam. É desse modo que a fotografia pode ser ficção, invenção, ruptura do tempo, cuja interpretação varia entre aquele que registra o instante e aqueles que veem o produto do registro fotográfico. Diferentes registros, diferentes formas de olhar.

É uma combinação de elementos visuais e emocionais que pode criar uma experiência profunda em quem observa. É dizer que a sua descrição sugere que o movimento e a passagem do tempo podem ser vistos e sentidos de maneiras diferentes, dependendo do contexto e das lembranças pessoais. Ou seja, é um lembrete de como a nossa percepção do mundo é influenciada por nossas experiências e associações individuais. Vale para o fotógrafo, vale para o espectador.

“Na foto da Casa de Cultura foi emocionante olhar aqueles panos ali voando. Saiu do normal da arquitetura, da estrutura. Estava bonito de ver aquilo voando, provocando uma emoção, um sentir inexplicável. Aí é quando tudo vira intuição e o registro acontece.” (Carlos Edler)

Acreditamos que a fotografia em questão pode ser “lida”  como uma forma poética  de interação entre estrutura e vento, a descrever o modo como a arquitetura se integra ao ambiente natural. Nela, o vento parece alterar a percepção da estrutura, ao criar uma sensação de leveza e movimento que contrasta com a solidez da arquitetura. Isso pode ser visualizado através do movimento das bandeiras esvoaçantes ou mesmo das sombras projetadas no edifício.  E essa observação visual pode evocar associações diversas no espectador. Por exemplo, é possível pensar que as bandeiras esvoaçantes e as sombras venham a sugerir a sensação de movimento e transitoriedade. E, desse modo, podem remeter às bandeiras de orações dos templos budistas a tremularem ao vento, abençoando-o e espalhando benção aos seres que respiram o seu ar.  Ou ainda, de modo mais nostálgico e simples, evocar memórias de infância, como a dos os varais cheio de roupas  coloridas e lençóis secando ao vento, como se bailassem nos quintais das casas das periferias ou cidades do interior.

Fato é que enquanto a fotografia captura um momento tangível, sua interpretação é fluida e aberta a múltiplas leituras. Ela não apenas preserva o efêmero, mas também provoca reflexão e diálogo sobre a natureza da percepção e do significado, como um ponto de encontro entre o instante imortalizado e a experiência subjetiva do observador.

Embora haja uma vasta gama de aspectos a serem discutidos sobre o processo fotográfico, desde os detalhes técnicos até as implicações filosóficas e emocionais da percepção da imagem, vamos nos concentrar aqui em reconhecer a rica interseccionalidade que a fotografia representa. Em última análise, ela nos lembra que, enquanto a técnica e o contexto histórico são cruciais, o impacto real da imagem reside em como ela ressoa em cada observador, revelando a complexidade do ser humano e a multiplicidade de perspectivas que cada momento pode engendrar.

Rosana Zucolo, jornalista, professora universitária aposentada, mestre em Educação(UFSM) e doutora em Comunicação(Unisinos). Nascida gaúcha, mora em Santa Maria, tem alma cigana, a Bahia como segunda terra e o mundo como casa.  Descobriu ter uma certa predileção por pares: dois filhos, dois prêmios Tim Lopes de Jornalismo Investigativo, dois empregos por muito tempo, dois projetos de cursos de comunicação, dois blogs,  duas casas, dois irmãos, dois cachorros, duas cachorras, dois gatos…

Carlos Edler, fotógrafo e fotojornalista  nascido em Santa Maria, hoje mora em Porto Alegre. Estudou Jornalismo na Universidade Federal de Santa Maria, quando foi repórter fotográfico freelancer na Sucursal da Cia. Jornalística Caldas Junior. Fotografou para as revistas Casa Claudia e Arquitetura & Construção da Editora Abril, atuou como repórter fotográfico no jornal Zero Hora/RBS e montou o próprio estúdio de fotografia publicitária.

 

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