Na segunda, 22, diversas funcionárias da Rede Globo, entre elas Ana Maria Braga e Patrícia Poeta, vestiram verde em solidariedade à Esmeralda*, nome fictício de uma ex-funcionária da empresa vítima de assédio moral, sexual por 4 homens no ambiente de trabalho. A história revelada na reportagem “A Globo e o assédio sexual” de João Batista Jr., na sexta 19, na revista Piauí, traz depoimentos de um ambiente totalmente insalubre pelo assédio.
O assédio sexual foi constitucionalizado crime em 2001, já uma educação anti-assédio ainda carece de muito investimento. A empresa já foi condenada a pagar R$ 2 milhões de indenização e ainda pode perder 50 milhões em ação coletiva que envolve funcionárias vítimas de assédio sexual em outras situações dentro do local de trabalho da empresa. Esmeralda, como tantas outras vítimas, teve a saúde mental atingida gravemente a ponto de tentar tirar a própria vida por duas vezes.
As consequências da saúde mental das mulheres vítimas de assédio também afetam gravemente a economia. De acordo com a pesquisa “Impactos Econômicos da Violência contra a Mulher” feita pela Gerência de Economia e Finanças Empresariais da FIEMG em 2021, em 10 anos, a violência contra a mulher provocou o fechamento de 1,96 milhão de postos de trabalho, com perdas de R$ 91,44 bilhões em massa salarial e de R$ 16,44 bilhões em arrecadação de impostos. Ao todo, estima que a violência contra as mulheres produza um prejuízo de R$ 214,42 bilhões no PIB do país ao longo de 10 anos.
Um levantamento da clínica de medicina preventiva Med-Rio em 2020, realizado a partir do acompanhamento de check-ups de executivas, constatou que, quando a clínica foi inaugurada há 30 anos, 40% das mulheres apresentavam sinais de estresse; hoje, são 67%. E as doenças gástricas estão ocorrendo mais nas mulheres (18%) do que nos homens (12%). Entre as executivas pesquisadas: 25% relatam insônia, 12 % têm sinais de depressão, 62% apresentam sobrepeso, 60% não mantêm uma dieta equilibrada, 50% estão com o colesterol alto e 50% bebem álcool regularmente.
A violência, além de um dano emocional irreparável, representa grande perda para as empresas não apenas em ações indenizatórias, mas também por falta de rendimento, perda de potenciais funcionárias que, abaladas, paralisam ou desistem de seus trabalhos.
Cientes, algumas multinacional e empresas nacionais já têm tomados medidas para diminuição de danos.
Google, a empresa de tecnologia anunciou em 2018 uma série de mudanças em sua política interna para combater o assédio sexual, após protestos de milhares de funcionários em todo o mundo. Entre as medidas estão a obrigatoriedade de treinamentos anuais sobre o tema, a criação de um canal de denúncia online e a transparência nos relatórios sobre os casos investigados. Uber, a empresa de transporte por aplicativo criou um programa chamado “Driving Change”, que oferece treinamentos online e presenciais sobre assédio sexual e violência de gênero para os motoristas parceiros e os usuários. A empresa também disponibiliza um canal de denúncia 24 horas por dia, sete dias por semana, que pode ser acessado pelo aplicativo ou pelo site.
Magazine Luiza, a empresa de varejo lançou em 2020 uma campanha chamada “Você não está sozinha”, que visa conscientizar e apoiar as mulheres vítimas de violência doméstica. A empresa oferece assistência psicológica, jurídica e social para as funcionárias que sofrem esse tipo de violência, além de divulgar informações sobre o tema nas redes sociais e nos pontos de venda. Natura, a empresa de cosméticos tem uma política interna de prevenção e combate ao assédio sexual e moral, que define os conceitos, as condutas proibidas e as sanções aplicáveis aos agressores. A empresa também conta com um canal de denúncia confidencial e independente, que pode ser acessado por telefone, e-mail ou site.
Apesar dos esforços, a mulher brasileira não tem, literalmente, um segundo de paz. A Pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostra que, em 2022, 30 milhões de mulheres sofreram algum tipo de assédio. É o equivalente a uma mulher assediada a cada um segundo. Um dos tipos de assédio que mais cresceu, segundo Samira Bueno, diretora do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, foi o caracterizado por comentários sexuais e constrangedores em ambiente de trabalho. Foram 11,9 milhões de mulheres alvos de assédio no meio profissional, o equivalente a um caso por hora.
Para um ambiente saudável e economia crescente é preciso aumentar o investimento em uma educação anti-assédio. Na maior cidade do país, a mudança começou nessa terça, 23, o prefeito de São Paulo-SP, Ricardo Nunes sancionou a lei “Não se Cale”, que estabelece a criação de uma série de medidas para o combate à violência sexual contra mulheres em bares, baladas e outros locais de lazer na cidade de São Paulo, além de outras medidas de acolhimento às vítimas seguindo o protocolo de ação desenvolvido pela Coordenação de Política para Mulheres da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania (SMDHC).
Que as mudanças sigam avançando, especialmente no magistrado onde as punições mais graves a juízes que comentem crimes é a aposentadoria compulsória. Ou seja, uma proteção corporativa, uma vez que a punição máxima implica no afastamento das funções, mas asseguram que o “culpado” continue recebendo seus salários, muitas vezes acima de R$ 30 mil reais.
Também nesta terça, o juiz Marcos Scalercio, acusado de assédio sexual, foi punido em decisão unânime dos conselheiros do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, com uma aposentadoria compulsória. Caso seja condenado na ação penal de assédio, ele pode perder rendimentos que recebe desde que foi afastado compulsoriamente. Em 17 anos de atuação, o CNJ já aplicou 130 penalidades a servidores e magistrados. Foram oito penas de advertência, 19 de censura, cinco remoções compulsórias, 17 de disponibilidade, 75 aposentadorias compulsórias e seis demissões.
Supondo que 75 recebam 30 mil por mês, só um mês saí mais de 2 milhões aos cofres públicos de salários pagos a criminosos.
Que as mudanças sigam, a justiça vença o corporativismo e seja verdadeiramente feita pelas mulheres e pela economia brasileira.
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Melina Guterres é CEO, fundadora da REDE SINA
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