As passagens de Rita Lee por Santa Maria nos anos 1970 são o plano de fundo para uma viagem no tempo. Ao ler “Rita Lee & Tutti-Frutti – Santa Maria, maio de 1978”, do artista Gérson Werlang, publicado pela editora Memorabilia, a gente acaba entrando numa onda de saudosismo. É curioso isso, porque eu nem era nascido. Mas, para quem circula pela cidade envolvido com a produção cultural, existe a possibilidade de nos empossarmos de cenas descritas no livro. Dependendo do nível de envolvimento com a cena, muitas passagens são repetidas ciclicamente. As pessoas ainda estão aqui, umas na mesma onda, outras nem tanto; os lugares não estão mais, mas outros similares surgiram. O ginásio do Corintians Atlético Clube ainda está lá, imponente, na Rua Riachuelo. O Theatro Treze de Maio hoje está vivo (e parece ter feito falta). O livro termina em 1978 e acrescenta alguns outros causos da época. De lá para cá, Santa Maria viveu outros momentos marcantes para o bem ou para o mal.
Quem conhece a obra de Werlang não se pega surpreso pela fluência do texto, mesmo que não seja uma obra fictícia como o ótimo Wild em Berneval (2020), apesar da quantidade de informações a serem entregues para contextualizar uma época em que havia a ditadura, um certo conservadorismo exacerbado (que teima em fincar o pé até hoje). Porém, cada época e cada jovem têm suas lutas e seus cotidianos para lidar. Claro que, ao escrever esse texto, limito-me em comentários para não dar spoiler. Mas a ideia de correr a linha do tempo alternando a vida de Rita e sua banda com o contexto social de Santa Maria é um dos ingredientes chaves da obra.
Partindo da premissa do livro, e quando li o último parágrafo, um sentimento de pertencimento junto de uma vontade louca de voltar no tempo me assaltaram. Isso porque aquela história ali também é sobre mim e sobre tantos outros que estão ou estiveram nessa frente da luta pela arte nas décadas seguintes. Imagino que, para o Grassi, o Orlando, o Candinho e outros que ainda estão circulando por aqui, deva ser incrível rememorar isso e ver que eles, a ideia deles, a juventude deles ainda está viva. Viva nos Gérsons, Atilios, Helquers, Denises, Paolas, Pyllas, Gadeas que estão aqui dando sequência, ou deram uma boa tratada no tempo de carregar a cultura da cidade nas costas.
Os leitores que beiram aos 40+, que viveram em Santa Maria, certamente inebriar-se-ão com esses relatos. Os mais jovens, com certeza, vão, talvez com certa inveja, querer estar na máquina do tempo que o Gérson Werlang vai ter que criar para que a gente possa viver a delícia dessa história além das páginas do livro. E eu, que acompanho essa corrida da plateia, só posso estar satisfeito em conhecer o passado e saber que ele, apesar de mudarem os nomes, volta e meia aparece para nos mostrar que não há ponto final na cultura: há uma construção infinita e democrática de possibilidades, vidas e sonhos.
P.S.: O título faz referência ao título alternativo do livro O Hobbit, de J. R. R. Tolkien.