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Estátua de Fenando Pessoa em Lisboa. Foto: Vitor Biasoli

Fernando Pessoa & Maria Bethânia | por Vitor Biasoli

O poeta Fernando Pessoa (1888-1935) está integrado ao roteiro lisboeta e os turistas fazem fila para tirar fotos ao lado da sua escultura, no Chiado, na frente d’A Brasileira (um dos cafés frequentados pelo escritor e ainda em atividade).

Na última vez que estive na cidade (em 2019), comprei na Livraria Bertrand (a uma quadra da famosa escultura) um livro chamado “Poetas de Lisboa”, no qual Fernando Pessoa participa, junto com Camões, Cesário Verde, Mário de Sá-Carneiro e Florbela Espanca. Edição bilíngue, isto é, os poemas portugueses traduzidos para o espanhol: Prefiero rosas, mi amor, a la pátria, / Y amo más las magnólias / Que la virtude y la gloria. (“Prefiro rosas, meu amor, à pátria”, de Ricardo Reis / Fernando Pessoa.)

Nessa oportunidade, não sentei n’A Brasileira para ler os poemas e fui até o Bar Martinho da Arcada (outro local da preferência do poeta), no entorno da Praça do Comércio. Bebi um copo de vinho e de repente me surpreendi com uma menina na mesa em frente, acompanhando os pais, desenhando e colorindo, muito concentrada.

Havia uma graça infantil tão marcante na menina que lembrei do poema de Alberto Caieiro (um dos heterônimos de Fernando Pessoa) que fala do Jesus Menino fugindo do céu e vindo surpreender o poeta na sua pequena aldeia. Na visão de Caieiro, Jesus Menino era humano demais “para [se] fingir / De segunda pessoa da Trindade” e os dois passam a viver juntos, estabelecendo uma relação muito estreita.

Conheci esse poema (“Poema do Menino Jesus”) escutando uma gravação de Maria Bethânia, no início dos anos 70, quando era católico de carteirinha, isto é, membro de juventude católica.

Fui na casa de uma amiga, ela colocou o long-play da Bethânia no toca-discos (“Rosa dos Ventos”, que recém saíra, 1971), selecionou a faixa em que a cantora recitava Pessoa e eu fiquei de queixo caído. Conhecia o poeta através de alguns poemas, incluídos no livro escolar de Língua Portuguesa (da quarta série ginasial, que guardo até hoje), mas Alberto Caieiro era novidade. Em especial esse poema, com uma visão desconcertante da figura de Cristo, apontando um outro modo de vivenciar o Evangelho.

O leitor não pense, no entanto, que, sentado no Café Martinho da Arcada, lembrei corretamente dos versos de Pessoa, do título do disco da Bethânia e tudo se passou de forma clara na minha memória. Nada disso, a menina entrou saltitante pelos meus olhos, acordou lembranças difusas do “Poema do Menino Jesus” na voz da Maria Bethânia e, especialmente, de mim mesmo, adolescente (na casa da minha amiga Mary), admirado com a grandeza de um poeta português que eu mal sabia a respeito.

Quarenta e oito anos depois do deslumbramento de escutar a Bethânia recitando Pessoa, eu revivia a mesma emoção em território lusitano.

 

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Foto: Dartanhan Baldez Figueiredo

Vitor Biasoli

Nasceu em Pelotas, em 1955. Graduado em História (UFRGS), fez mestrado em Letras e doutorado em História. Lecionou 38 anos, um tanto no Magistério Estadual ou tanto na UFSM, e hoje está aposentado. Publicou livros individuais e coletivos, entre eles “Calibre 22” (poemas) e “O fundo escuro da hora” (contos). Faz parte daTurma do Café.
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