Compartilhar parte de minha estante, com comentários breves sobre livros cuja leitura me impactou e me convidou – e convida – à releitura, tornando-se assim motivo de conversas, de troca de impressões, de recomendações pessoais, de apresentações em saraus vários. Essa é a principal ideia desta coluna que se inicia hoje, atendendo ao gentil convite feito pela Melina Guterres, da Rede Sina.
Como uma estante pessoal, essa é formada por escolhas absolutamente subjetivas, particulares, de aquisições também por outras recomendações, de amigos ou resenhistas, por curiosidade ou por garimpagem ao acaso, bem-sucedida por certo. E, por isso, me anima a indicação de leitura – feita espontaneamente em muitas conversas, muitas vezes também apaixonadamente.
A intenção é a de manter aqui esse tom de conversa, de comentário ou, às vezes, de crônica, indicando, quando me parecer enriquecedor, resenhas de publicações dedicadas a um olhar em maior profundidade sobre a produção literária. E há esse desejo de proporcionar um lugar de sugestões de leituras a partir desse espaço de leitura, de minha estante e desses comentários, para quem, como eu, tem interesse em conhecer mais sobre a literatura e ensaios escritos por mulheres, principalmente poesia, como vai se notar claramente no decorrer do tempo. Há alguns autores que também compõem minha estante de recomendações e cujas obras pretendo compartilhar aqui.
Há certamente outras opções de autoras e de autores, outros interesses principais, outras estantes, aqui estarão reunidas minhas sugestões, assim como percorro outras tantas recomendações e prateleiras ao selecionar minhas leituras, minhas aquisições de livros.
“Eva-proto-poeta”, de Adriane Garcia, é o livro que escolhi para dar início a esse compartilhamento de sugestões de leituras a partir de meus preferidos da minha estante. Impactante, desde a capa, repleta de simbolismos, com arte de Micaelle Britto, filha da autora, esse é um livro cuja indicação de leitura e releitura tem me apaixonado fazer desde o seu lançamento pela Caos & Letras em 2020.
Composto por poesias escritas com maestria, “Eva-proto-poeta” faz de forma irônica e bem-humorada uma desconstrução, demolição, de um dos textos fundadores do patriarcado. Os mitos que subjugam as mulheres desde o Gênesis são revisitados na vingança, em aliança, de Eva e Lilith. A reescrita da narrativa sobre as mulheres pode trazer a retomada de sua história, como protagonistas, com potencial de mudança.
Esse livro tornou-se, para mim, um exemplo de como dizer muito, com poucas palavras, atingindo o alvo. Entre a piscadela e o soco, a dor e a gargalhada, desarmando.
Nascida em Belo Horizonte (MG) em 1973, Adriane Garcia é poeta, escritora e atriz. Graduou-se em História pela Universidade Federal de Minas Gerais e se especializou em Arte-Educação na UEMG. Publicou diversos livros, como “Fábulas para adulto perder o sono” (vencedor do Prêmio Paraná de Literatura em 2013, na categoria poesia, ed. Biblioteca do Paraná), “O nome do mundo” (Armazém da Cultura, 2014), “Só, com peixes” (Confraria do Vento, 2015), “Embrulhado para viagem” (col. Leve um Livro, 2016), “Garrafas ao mar” (Penalux, 2018), “Arraial do Curral del Rei: a desmemória dos bois” (Conceito, 2019) e “Eva-proto-poeta” (Caos & Letras, 2020). Atualmente, trabalha na reescrita de “A bandeja de Salomé”, que sairá em edição bilíngue, na tradução de Manuel Barròs, para o espanhol.
De “Eva-proto-poeta”, escolhi alguns poemas para atiçar o desejo de leitura:
Eva insone
Fora tudo cala
Tudo cala
Dentro
Tudo fala
Menu para ser servido frio
Lilith e Eva
Vão servir
Costelas.
Ex-esposa
Eva observa Adão
Lilith tinha toda a razão.
Paraísos artificiais
O paraíso
É quando Adão
Está dormindo
Demônios
Se Lilith soubesse
Tinha ido embora
Antes
Brisa e tempestade
Lilith cavalga ventos
Manipula ervas
Invade sonhos
Domina o gozo:
Imagem e semelhança
De deusa
Adão não se enxerga
Do mesmo pó
Do mesmo barro
Da mesma merda
Maria Alice Bragança nasceu em Porto Alegre, RS. Jornalista, diplomada pela FABICO/UFRGS, mestre em Comunicação Social pela PUCRS, redatora e editora de emissoras de rádio e de jornais, como Correio do Povo e Zero Hora, foi também professora de comunicação social e artes visuais nos cursos na Universidade Feevale. Como pesquisadora da área de comunicação e do jornalismo, possui artigos publicados em revistas e anais de congressos nacionais e internacionais. Atualmente, é diretora de Comunicação da Associação Gaúcha de Escritores (AGES), gestão 2019/2020.
Escreve poesia desde a adolescência, tendo publicado poemas em jornais, em antologias nacionais e em Portugal, além dos livros de poesia: Quarto em quadro, pela Shogun Arte, e Cartas que não escrevi, pela Casa Verde. Mantém, sem periodicidade, o blog “Alice & Labirintos” (alicelabirintos.blogspot.com) e é uma das fundadoras e organizadoras do coletivo feminista de escritoras Mulherio das Letras RS, participando também, além do grupo nacional do coletivo, do Mulherio das Letras Portugal e Mulherio das Letras Europa. Tem poemas publicados nas revistas literárias Gente de Palavra, Germina, InComunidade (Portugal), Literatura & Fechadura, Ser Mulher Arte e Mallarmargens.
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