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ESTILOS | por Orlando Fonseca

No início do século 20, o telégrafo e o cinematógrafo influenciaram, na literatura ou no jornalismo, a criação de um estilo que mudou a forma de construção da frase ou da sequência narrativa. As sentenças longas e carregadas de adjetivos, perífrases e circunlóquios, muito comum na criação literária do século anterior, deram lugar à objetividade da ordem direta.

Na ficção, parágrafos curtos, cenas rápidas e poucas digressões; na poesia, versos enigmáticos, coloquialidade e o ritmo psicológico. Mutatis mutandis, o que me leva a considerar a respeito disso, no século 21, com duas décadas de trocas de mensagens por Redes Sociais é: que estilo – se é que teremos algum – pode surgir desse novo modo de comunicação escrita?

Voltando aos modernistas da Semana de 22, podem-se recolher muitos exemplos do uso popular da sintaxe telegráfica. Alguns, oriundos do jornalismo, estavam familiarizados com aquela produção escrita. Tal fenômeno acompanhou a fragmentação do sujeito nas grandes metrópoles. O texto enxuto, da frase curta, sem conetivos, imitava a velocidade das comunicações ou das ruas. Na poesia, a ausência de conetivos e preposições, substituídos pela justaposição, em forma de painel ou mosaico; a representação estética privilegiava a alegoria – o particular figurando o universal, e a metonímia – a parte pelo todo.

No pós-guerra, o novo jornalismo trouxe de volta os recursos literários da narrativa. Esta já havia incorporado, nas obras de ficção, a linguagem do roteiro cinematográfico, com seus planos, cortes e paralelismos para compor a cena. Foi a ascensão de nomes como Tom Wolfe, Truman Capote, Gay Talese, e no Brasil, Loyola Brandão. A seguir, mais uma vez, a pressa exigiu o manual da redação e o texto burocrático. A rede social e os seus 140 caracteres chegavam com tudo, em tuites e zap zaps. 

O que se vê hoje, nos textos de jovens e adolescentes, é uma escrita truncada em vez de telegráfica, cheia de abreviaturas e modismos gráficos dos emojis. O laconismo denuncia a precariedade,  em vez da insinuação ou da síntese; e o pressuposto no lugar do subtexto literário gerado pela polissemia ou pela metáfora. Com certeza, tais ferramentas não têm como criar os pontos de indeterminação, essência do texto literário. Sem contar que, com o corretor automático, não é preciso sequer guardar a forma adequada da palavra escrita. Ou seja, a juventude pode estar escrevendo muito mais, sem a vantagem residual do aprendizado da forma. Além disso, em vista da abundância do processo, a toxicidade de informação não deixa espaço para a associação de conteúdos e a reflexão a respeito de suas verdades.

Pergunta atualizada, em tempos de modernidade líquida e de liquidação da verdade factual: no que virou o sujeito moderno, agora enrolado nesta rede social que virou a vida urbana? Qual seu tamanho na sociedade conectada, ao alcance de todos, à vista de todos? Esta linguagem apressada parece mais o sintoma de uma carência: o sujeito reduzido em seu poder de palavra, rendido ao acervo da Inteligência Artificial, exilado permanente em seu lugar de fala. Tal estilo-sem-estilo, intraduzível fora dos aplicativos, não transborda para outras áreas da produção escrita. A não ser para prejudicar a eficácia da linguagem. Dificilmente teremos na literatura um tal de estilo whatsáppico – que por si só tem cara de frankenstein cibernético, possível monstrengo verbal da cybercultura. No entanto, há esperança no horizonte, com educadores e pedagogos sugerindo o banimento de smartphones das salas de aula. Melhor voltar àquela tecnologia inventada ainda no século II da nossa era: o livro.

 

Orlando Fonseca

Orlando Fonseca nasceu em Santa Maria, em 7 de outubro de 1955. Professor Titular aposentado da UFSM, onde atuou por 31 anos, na área de produção textual nos Cursos de Comunicação Social e Letras. Doutor em Teoria da Literatura, pela PUCRS, 1997, e Mestre em Literatura Brasileira pela UFSM, 1991. Exerceu o cargo de Secretário da Cultura de Santa Maria, no período de 2001-2004; Pró-Reitor de Graduação na UFSM, 2010-2013. Patrono da Feira do Livro de Santa Maria em 2005. Cronista do Jornal Diário de Santa Maria e Site claudemirpereira.com.br. Presidente do Conselho Municipal de Política Cultural (CMPC – 2018-2019); Presidente do Coletivo Memória Ativa (2018-). Autor colaborador no site da Rede Sina.

Veja também o livro dele publicado pela parceria Rede Sina/Bestiário:

 

LIVRO: AQUELES ANOS (SEM DOURADOS) DE ORLANDO FONSECA

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