Centenas de pessoas escrevem ficção no país. Movimentam anualmente centenas de milhões de Reais. Delas vivem pequenas editoras, gráficas, oficinas de escrita, livreiros e livrarias, sebos, mensageiros, acadêmicos de letras e muitos outros satélites econômicos, financeiros e comerciais.
Proliferam oficinas de escrita e de leitura que complementam a renda de aficionados. Aproveitam para ensinar e aprender desde jornalistas até roteiristas, dramaturgos e novelistas.
Aos escritores, agentes propulsores desse turbilhão, destinam-se uns poucos mimos, muitos enganos e ilusões. Autores diversos disputam migalhas sob o formato de prêmios de concurso, publicações em antologias, docências em cursos, debates em festivais e por aí vai. E, assim, metabolizam decepções, deparam-se vez ou outra com juris de competência duvidosa e uma mídia sufocada, no espaço e no tempo, para ampliar o debate desses impasses. Feiras e festivais literários grassam por um crescente número de cidades brasileiras em toda parte e movimentam turismo, hotelaria, culinária e meios de transporte.
Políticas culturais há muito tempo no Brasil não é assunto para amadores, embora uma fração de políticos – a exemplo do generalíssimo Franco na Espanha e do ditador Salazar, em Portugal, com um séquito de admiradores, aplaudam o lema Abaixo a Cultura. Um povo culto, instruído, é um povo crítico, contestador, que deseja ser convencido e repulsa ser oprimido.
As grandes editoras recebem regularmente dezenas de originais, filtram lentamente a qualidade artística e econômica, rejeitam a maioria. Mas, publicam muitos autores estrangeiros, às vezes medianos e medíocres vis a vis brasileiros. Produzem os livros na medida de sua capacidade operacional, técnica e financeira. Bem administradas respeitam seus limites negociais. Elas precisam de vendas, sobreviver. O fato é que estrangeiros no país possuem uma auréola mítica de bons, o que não corresponde sempre à verdade. Entrementes, um livro deve sair de uma prateleira (física ou virtual) à razão de centímetros quadrados por dia para remunerar o emprego de horas da estrutura da empresa na empreitada. Sem o binômio qualidade literária e comercial nada feito, não são casas de misericórdia. São mais comerciais os livros escolares, os de autoajuda, os infantis, os profissionais (culinária, turismo, moda e que tais).
Em ficção, jovens promessas perdem a atratividade para outros contemporâneos atentos ao racismo, orientação sexual, povos originais, quilombolas, direitos humanos e feminismo. Nas esferas cultas, discute-se o lugar de fala: por exemplo, cresce a ideia de que negros prioritariamente escrevam literatura negra. Autores se vem envoltos num manto de decolonização, numa berlinda de cancelamentos. A valoração de personagens inventados (trunfo criativo no passado) cede aplausos para auto ficção. É imprevisível o desaguar dessa conjuntura na qual se reconhece a premência de dívidas históricas com a negritude, o feminino, o quilombola e os povos originais.
Entrementes, em certames literários em profusão, há jurados despreparados para premiar poesia, crônica romance e novelas, mesmo entre acadêmicos de letras multiplicados no país por critérios discutíveis. Por sua vez, nem a academia assegura qualidade, nem o voluntarismo a destrói. O que está em pauta é o futuro de jovens virtualmente bons escritores que vão se liquefazendo nesta máquina de moer palavras e silêncios.
Portugal tem certames literários anuais, com prêmios em milhares de Euros, em dezenas de municípios. Alguns aceitam inscrições de lusófonos estrangeiros. Hoje, também propagam-se ofertas de residências literárias no exterior com subsídios do país anfitrião. Na Argentina, exige-se mais que autoprodução no curriculum do residente. É preciso publicar por grandes e renomadas editoras. Isso elimina o maior número de candidatos. No hemisfério norte, encontram-se frequentemente subsídios insuficientes, além de que às vezes a liberdade do residente é vigiada.
Contratar um agente literário acontece comumente quando ele precisa do escritor e não vice-versa. Ele se interessa por nomes que vendam milhares de livros aqui e no exterior. Raramente aplica tempo e dinheiro numa promessa. Diante de trilhas tão fechadas, para um bom escritor ingressar numa Academia de Letras reconhecida, tablado onde conquista voz, jetons, viagens a convite, mesas de debate, ele esbarra em concorrentes pop, televisivos, cinematográficos, musicais.
Por estrangulamento, resta o caminho de ganhar a láurea de um Jabuti, um Oceanos ou Biblioteca Nacional. Isso promove uns poucos enquanto os demais seguem arroz de festa. Observe-se que sucesso não são suficiências, assim como qualidade não significa vendas ou reconhecimento. A rigor, nos conceitos rondam incertezas: o que é belo e o que é sucesso são palavras de significados polissêmicos sem a menor unanimidade na contemporaneidade.
Paulo Ludmer, jornalista, engenheiro, professor, publicou mais de trinta títulos, vide www.pauloludmer.com.br