Quando estudante do Julinho (Colégio Júlio de Castilhos, em Porto Alegre), entrei em contato com a literatura portuguesa e devo ter lido Miguel Torga pela primeira vez. O poeta morou muitos anos em Coimbra e cantou o rio da cidade, o Mondego “a deslizar, pausado, na planura (…) mensageiro moroso dum recado comprido”. Um rio que é uma presença constante na literatura lusitana.
Mas do que tenho certeza desse período de juliano é da minha iniciação com a obra de Eça de Queirós. Li sublinhando diversas passagens do livro Contos e “Singularidades de uma rapariga loira” e “Civilização” foram os textos que mais fascinaram. Só mais tarde me dei conta do valor de “José Matias”, uma obra-prima que o adolescente que eu era não percebeu.
Creio que foi por meio dessa literatura, aprendida no tempo do colegial, que a cidade de Coimbra se desenhou no meu imaginário. Coimbra “de sonho e tradição”, como cantava Roberto Carlos, nos tempos da Jovem Guarda (no LP de mesmo nome, de 1965).
Engraçado que não foi em Coimbra que assisti aos estudantes da universidade local cantarem, envoltos em suas longas capas pretas, e sim em Lisboa, na Rua do Comércio. Em Coimbra, porém, conversei com essa juventude, que me abordou numa mesa de calçada (vestidos com as famosas capas) para vender números de uma rifa, que obviamente comprei.
Depois saí flanando, atravessei o Arco de Almedina e ingressei no território mais tradicional da cidade, local da antiga Sé, da Universidade e também das moradias estudantis. Um labirinto de altos e baixos que, de repente, me colocou diante de uma placa com os seguintes dizeres: “Nesta casa viveu, enquanto estudante, o escritor Eça de Queirós”. Um sobrado estreito, de porta e janela, que fotografei deslumbrado e com resultados terríveis. Voltei outras duas vezes para um registro de qualidade, mas não houve jeito de encontrá-la. Que emaranhado de ruas! Cada vez que ingressava nesse território percorria novas ruas, não avistava a casa do Eça, mas sempre encontrava alguma coisa no ar… que compensava tudo. Vestígios daquela literatura que comecei a apreciar nos tempos de Julinho.
Me perdi nessas ruas da Coimbra antiga, porém sempre encontrando o caminho de volta ao hotel, na margem do Rio Mondego (na Avenida Emídio Navarro). A janela do quarto dava para o rio e eu o observava, atento ao “surdo murmúrio do rio / a deslizar, pausado, na planura (…) mensageiro moroso / dum recado comprido”. Uma mensagem que até hoje não decifrei, na certa impregnada de anseios românticos e idealizações desvairadas que nem convém mais entender. Apenas apreciar de longe.