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CRÍTICA | Clube das mulheres de negócios, por Paola Mallmann

Ontem, dia 10 de agosto aconteceu a abertura da Mostra Competitiva de Longas-Metragens Brasileiros no 52º Festival de Cinema de Gramado. Provocativo, inquietante e ao mesmo tempo com um humor mordaz, o longa-metragem Clube das Mulheres de Negócios, de Ana Muylaert, importante diretora brasileira e referência para novas gerações de realizadoras, abriu a programação da noite.

Após a caminhada clássica, no tapete vermelho, da diretora, equipe e elenco, com algumas entrevistas breves ao vivo, quando os representantes do filme foram chamados ao palco, a diretora trouxe, em seu discurso, sua trajetória ao longo da história do Festival de Cinema de Gramado, onde também estreou o longa Durval Discos que transformou sua carreira. Em sua fala, também elementos da história recente da produção cinematográfica brasileira e o cenário atual sobre o desafio do cinema de autor perante tempos de streaming e de consumo de conteúdos rápidos nas múltiplas telas.

Em conjunto com um elenco predominantemente feminino de peso, nomes como Louise Cardoso (que também esteve presente no Festival ano passado, com o filme Tia Virginia), Irene Ravache, Polly Marinho, Itala Nandi, entre outras atrizes do humor televisivo brasileiro, e atores como Luiz Miranda, a trama se desenrola com a história de dois jornalistas que vão realizar uma matéria no Clube de Mulheres de Negócios, administrado por Cesária, advinda de uma linhagem de mulheres que a antecederam, e, claro, com a ajuda de Brasília, a governanta do local que os recebe. Logo de início, as associadas estão na mesa, ouvindo uma proposta do novo negócio de Cesária quando os jornalistas chegam e participam da vivência naquele local, onde a lógica do machismo estrutural e objetificação do corpo feminino é invertida. Como um espelho, Muylaert lança uma irônica crítica ao comportamento padrão de abuso da sociedade dominada pelos homens e pela lógica machista através de uma rica metáfora, com personagens icônicos das camadas de elite da sociedade brasileira, porém, neste caso, dominada por mulheres.

O filme ganha um elemento surpresa: a presença de um onçário no clube e o fato de três onças terem escapado. Fato descoberto pelos jornalistas, sendo um deles neto da própria Cesária que, na medida em que a trama avança, se desencanta com os privilégios recebidos pela avó e percebe estar em meio a uma espécie de máfia, em que o jornalista Jongo é ardilosamente capturado. Em paralelo, as onças começam sutilmente a avançar, no território narrativo, embora sejam negadas suas ameaças pelas administradoras do local, até que ocorre um ataque de um cão, filho de uma das associadas. Neste momento, destaca-se a personagem de Zarife, uma mulher da extrema direita, que é uma nítida apologia ao ex-presidente do Brasil (Bozo). Ela resolve treinar o time de funcionárias, armando-as, porém a iniciativa é fracassada com a fuga das mesmas do local, deixando Zarife com sede de ela mesma e suas sobrinhas fazerem churrasco de onça.

A tensão crescente e o isolamento das associadas, na casa com seus cônjuges, em que se relavam diversas situações paralelas relacionadas à corrupção, abuso de poder e ao sexo, cresce.

A iniciativa de Zarife e suas sobrinhas também é fracassada em meio à mata escura e a personagem é carregada pelas mesmas até a casa, onde morre. A partir de então, as onças crescem, na trama, avançando dentro da casa e começando uma espécie de extermínio. Enquanto isso, os jornalistas que haviam ficado presos são soltos por uma funcionária que volta para resgatá-los e tecem diálogos construtivos que destacam a crítica da diretora perante a sociedade dominante.

As onças, cobras, rãs e até um corvo, ganham a cena como uma alegoria da resposta da natureza, sendo que boa parte das associadas são atacadas. Com isso, o filme quebra um pouco, pois há um certo exagero na aparição das onças feitas de forma computadorizada e efeitos especiais, criando um clima um tanto trash, todavia o que salva esse desfecho em que algumas cenas poderiam ser nitidamente cortadas, é a redenção das personagens em fuga do local em uma imagem poética à liberdade.

Em suma, o filme se embeleza desvelando a imagem dos jornalistas transformada em figuras femininas, deixando novamente explícita a intenção da diretora em relação ao filme ser como um espelho invertido da sociedade, jogando com figuras, arquétipos e posições sociais. Por fim, as onças se assenhoram do clube, dando desfecho à narrativa cinematográfica, que tem uma bela direção de fotografia e direção de elenco, e, claro, um rico roteiro, com exceção do demasiado apelo ao trash nas cenas finais. 🎬

 

PAOLA MALLMANN: Produtora cultural e audiovisual, diretora e mestra em Antropologia da Arte, Imagem e Comunicação.

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