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BAÚ NO SOTÃO | Rua das Laranjeiras

por Menalton Braff

Não sei por que a rua onde fui morar tinha o nome de rua das Laranjeiras. E cada vez que me lembro dela, revejo as sombras em que brincávamos de esconde-esconde ao entardecer.

Nossa vida era assim: de manhã, deixando nosso rastro escuro na geada do passeio, íamos para a escola, de onde saíamos debaixo do sol do meio-dia. À tarde, era o “frugal variado”: ajudar a mãe, futebol no campinho do quarteirão, empinar pandorga (este ser de tantos e tantos nomes), jogar bolinha de gude, coisas de moleque.

Boca da noite, esse era o momento. As sombras vinham caindo sobre o bairro, as meninas desentocavam como coelhos assustados — era a hora das brincadeiras em que se juntavam os sexos. De roda, brinquei muito de roda. Lembro-me ainda de cantigas e parlendas, que nos transformavam em príncipes e nossas casas em castelos. Não tínhamos, nisso, diferenças maiores de Dom Quixote. O mundo seria o espaço em que seria exercido nosso heroísmo.

Entre nós, havia o Renato, que, naquele crepúsculo, jurou esconder-se num lugar em que ninguém o encontraria.

Era eu quem batia e cheguei aos quarenta “lá vou eu”, pulando alguns números, ansioso por botar a mão no moleque. Descobri uma vizinha atrás do poste e registrei minha descoberta no muro onde escorávamos a cabeça de olhos fechados. Logo depois o irmão dela, deitado dentro duma valeta escura. Um a um de meus comparsas fui encontrando entre sombras grandes e pequenas. Alguns, mais espertos, chegavam ao muro antes de mim e estavam salvos.

Ninguém sabia do rumo do Renato. Ninguém o tinha visto. Saímos para todas as direções à procura do moleque. Uma hora mais tarde as janelas se escancararam iluminadas e as famílias começaram a se perguntar: Onde se meteu esse menino?

Depois do quarteirão, o bairro inteiro foi vasculhado.

Assim foi naquela noite, como nos dias e noites seguintes. Onde diabo se havia escondido o Renato?

Hoje, quando vejo aquele clarão avermelhado para os lados do poente, e percebo que as sombras começam a cair silenciosamente sobre o casario em volta, me lembro de nossas brincadeiras, mas principalmente me lembro do Renato, um menino de quem nunca mais tive notícia.

 

Menalton Braff 

Nasceu em Taquara (RS) e radicou-se em São Paulo (Capital e interior) Formado em Letras, com pós lato sensu exerceu o magistério superior antes de mudar-se  para o interior onde se dedicou ao ensino médio. Tem 27 livros publicados, sendo nove infantojuvenis e catorze de literatura geral (contos e romances). Conquistou o Jabuti, livro do ano em 2000, com À sombra do cipreste, foi finalista da Jornada de Passo Fundo em 2003, finalista do Jabuti (contos) em 2007 e finalista do Jabuti e do Prêmio São Paulo de Literatura (romance) em 2008. Pela Editora Reformatório teve publicados Amor passageiro (coletânea de contos) e Além do rio dos Sinos (romance), livro com que conquistou o Prêmio Machado de Assis, da Biblioteca Nacional.  

 

 

 

 

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