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Baú no Sótão: “A poesia como expressão” Por Menalton Braff

Não se pode falar de Murilo Mendes sem lembrar o Surrealismo, pois trata-se do melhor cultor dessa estética entre nós, ou, pelo menos, aquele que mais fiel se manteve a seus  pressupostos.

Mas falar de Surrealismo, por seu turno, faz muito pouco sentido se não se levar em conta o Manifesto do Surrealismo, de André Breton, e me refiro aqui a seu Primeiro Manifesto, publicado em 1924. 

Em diversos aspectos o Surrealismo é uma dissidência do movimento Dada, movimento para o qual todos os valores burgueses, inclusive os valores artísticos, não se justificavam mais por estarem caducos. Entre as fontes em que se abastece a arte surreal, a despeito de várias correntes que o negam, está Zigmund Freud, com as suas descobertas. Aliás, difícil entender o livre-associacionismo, da escrita automática, sem levar em conta as várias instâncias em que Freud dividiu nossa mente: consciente, sub-consciente (era esse o nome dado na época) e inconsciente. 

Mas o Surrealismo não tinha, como arte, apenas um fundamento psicológico revolucionário para que fosse, ele também, o Surrealismo, uma arte revolucionária. Politicamente, assim como sua matriz, o Dadaísmo, afinava com o pensamento anti-burguês, chegando a simpatizar com o movimento socialista. Cláudio Willer, em seu magistral prefácio para Manifestos do Surrealismo, valendo-se do pensamento de Breton, afirma: “ Com efeito, ‘todos esses métodos − e muitos outros − não eram e nem são exercícios gratuitos de caráter estético. Seu propósito é subversivo: abolir esta realidade que uma civilização vacilante nos impôs como sendo a unicamente verdadeira.” 

Em suma, no Surrealismo vamos encontrar não só uma técnica de se fazer arte, mas também, e muito mais amplamente, uma visão nova da sociedade humana. 

Merecem nossos parabéns os professores Ricardo e Heloísa, cujo trabalho com literatura cumpre o digno papel de levar o texto literário a seus alunos do Colégio Otoniel Mota, o que já não é pouco, e além disso estimulam a produção literária dos próprios alunos. 

Em minhas mãos o “Projeto Murilo Mendes”, autor estudado neste ano, com poemas de diversos alunos do 3º. Ano do Ensino Médio. Nem todos, é claro, conseguem despir-se de seu pensamento lógico cartesiano em suas criações, mas o fato de que alguns dos alunos tenham atingido um nível excelente de poeticidade é um fato alvissareiro. Se a escritura não se valeu inteiramente da livre associação, isso já era acusação de Breton a muitos de seus seguidores. É muito difícil destacar de uma coletânea como esta, produzida por algumas dezenas de jovens, um texto exemplar, mas corro o risco de cometer injustiça, mas não chego ao fim sem citar este:

Nuvens na padaria

Nuvens de algodão caem do céu

Com pássaros andando

Sem rumo…

Olhando o azul flutuante…

Vidas as consomem

Como um buraco negro

E assim elas vão…

Bem próximo ao pipoqueiro

Bolinhos de chuvas

Rolam ao chão

Tortas de uva

Fritam no fogão

(Gabriel Bardan Terra)

 

O primeiro verso parece fugir do espírito já encontrado no título, chegando muito perto de ser apenas uma metáfora, mas em seguida, o tom de non sense aparente do título é retomado. A falta de lógica é aparente se levarmos em conta que o entrelaçamento dos sentidos vem de outras áreas da mente, de um lugar mais profundo e de mais difícil acesso. 

Há outros bons textos, neste livro. Aliás são quase todos surpreendentemente bons. E os temas mais encontrados não são muito simples, como seria natural esperar de adolescentes: tempo, desencontro, morte, política, voo, sonho, condição da mulher, espelho/identidade, e claro, o lirismo amoroso. 

Este é um livro que deverá estar na biblioteca da instituição, que dele sentirá justificado orgulho.

 

Menalton Braff nasceu em Taquara (RS) e radicou-se em São Paulo (Capital e interior) Formado em Letras, com pós lato sensu exerceu o magistério superior antes de mudar-se  para o interior onde se dedicou ao ensino médio. Tem 27 livros publicados, sendo nove infantojuvenis e catorze de literatura geral (contos e romances). Conquistou o Jabuti, livro do ano em 2000, com À sombra do cipreste, foi finalista da Jornada de Passo Fundo em 2003, finalista do Jabuti (contos) em 2007 e finalista do Jabuti e do Prêmio São Paulo de Literatura (romance) em 2008. Pela Editora Reformatório teve publicados Amor passageiro (coletânea de contos) e Além do rio dos Sinos (romance), livro com que conquistou o Prêmio Machado de Assis, da Biblioteca Nacional.  

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