Para Dona Zefinha e outras velhas que nunca gozaram
minha mãe abandonou o sexo marital
& adjacente aos 30 e poucos anos
nunca entendeu como aquela porcaria
bruta e insossa
causou tantas guerras
rixas rachas
e cizânias sentimentais
tão pouco se importou
se o atrito das carnes
inventou o filme pornô
o detetive particular
e a cama redonda
clitóris era um palavrão paraguaio
Ponto G era ficção científica
e o tal de orgasmo não passava de um
inseto peçonhento de 7 pernas
meu pai chamava as bucetas do mundo de
chibiu
chavasca precheca quirica
lasca xana priquito
mas quando mamãe fechou as fronteiras
dos países baixos
ele esqueceu os sinônimos e inventou os
seus próprios substantivos
: cova de parir desgraças
carne morta dos infernos
tumba catinguenta da gota serena
e mausoléu de pelos
um dia o velho se declarou autossuficiente
e adentrou no estranho universo da
punhetagem fundamentalista
batia bronha nas noites pares
nas noites de lua cheia
e principalmente nas madrugadas
pós Sala Especial
o maluco descabelava o
palhaço no escuro
sem cerimônias e pra todo mundo ouvir
mamãe ouvia
o cortiço ouvia
as pulgas ouviam
o dono da venda que anotava nossos
fiados numa caderneta azul ouvia
e meu coração de pivete remelento também
ouvia
torcendo descompassado
pra que minha semenarca
não denunciasse meus podres
mais podres
o ritual era sempre o mesmo
a cama rangendo
um sibilo de cascavel no cio
um urro gutural e selvagem
e depois o silêncio
depois o abismo
e o bafo quente de um deus cruel
amaldiçoando nosso quarto-cozinha
as vezes o bruto gargalhava no ouvido da
minha santinha
: enfia essa buceta no cu!
Vlado Lima é compositor, poeta, editor e agitador cultural. Publicou os livros Sabe Nada, Inocente! (Sopa de Letrinhas, 2018), Como Suportar Jabs no Baço e Encarar Nocautes (Patuá, 2015) e Pop Para-Choque (Patuá, 2012). Produz o Sarau Sopa de Letrinhas, é um dos fundadores do Clube Caiubi de Compositores e também um dos responsáveis pela Editora Sopa de Letrinhas.