Li dia desses em uma camiseta (leis, costumes, jurisprudência & depende).
Era para ser uma piada, mas, não achei a menor graça. Fiquei com a frase na cabeça. Confesso que fiquei mesmo foi com o “depende” martelando na cachola.
DEPENDE. É isso mesmo. Depois de 19 anos de advocacia, é exatamente essa a única resposta que, lamentavelmente, posso dar a um cliente no Brasil.
Vai demorar? Vou ganhar? Vou perder? Quanto tempo levarei para receber?
DEPENDE. De quem vai julgar. De quem é a outra parte. Se for uma multinacional, uma grande construtora, ou um membro do judiciário. Olha… esse depende vai “depender” mais ainda.
Não temos segurança jurídica neste país. Nem sei se algum dia tivemos. Lamento informar. O que está determinado por lei, pode ou não pode ser obedecido. Tudo DEPENDE da interpretação de quem vai julgar. Tudo realmente DEPENDE da sorte que o cliente vai ter na hora da distribuição (que é por sorteio). Se “cair” em tal vara, para tal juiz, tem mais chance do que se “cair” para aquela outra.
Estou cansada. Ontem um recurso pago, inclusive antes da data de vencimento, não foi julgado. Decidiram que não analisar por uma formalidade inventada (não foram pagas as custas). Oi? Como assim? Foram pagas. O recurso foi protocolizado antes e as custas devidamente pagas (dentro do prazo).
Vossas excelências estão enganadas, não foi o cidadão, no caso a cidadã aqui, que perdeu prazo. Foi a multinacional. A multinacional perdeu todos os prazos para contestar essa multa que não quer pagar e o juiz de primeiro grau fingiu que não viu!
Senhora e senhores, o acesso à justiça é garantido pela constituição federal. Desculpem, era para ser. DE PENDE também, né? Não existe garantia de nada ao sul do Equador. Lembrei agora.
Claro que irei embargar a decisão, recorrer e lutar até o fim. Só que é tão cansativo, sabe? Ando tão exausta de dizer aos meus clientes que tudo “DEPENDE.” Ando tão cansada de olhar para o espelho e dizer isso para mim mesma diariamente.
Ora, o estado receber o dinheiro de um recurso. Um valor altíssimo que não deveria nem existir, ficar com o dinheiro do cidadão e não julgar. Não realizar seu trabalho. O mesmo estado que favoreceu a parte contrária (uma multinacional que perdeu todos os prazos para contestar sua dívida) desfavorecer o cidadão com uma desculpa esfarrapada dessas.
E o pior, sou obrigada a frisar: o estado também se locupletar de valores do jurisdicionado e deixar de prestar seu serviço. Que vergonha…
Lembrei da camiseta pavorosa novamente. “LEIS, COSTUMES, JURISPRUDÊNCIA E “DEPENDE.” Que ridículo. Eu jamais vestiria uma porcaria daquelas. E sinto MUITO por quem “veste” uma camisa que eu não usaria nem como pano de chão.
O respeito às leis e o acesso à justiça jamais deveriam “depender” de nada. Eles simplesmente PRECISAM ser respeitados.
SAÍLE BÁRBARA BARRETO é advogada, contadora de histórias e bruxa malvada nas horas vagas.