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6 poemas de Jair Alan Siqueira

Para ser livre (só preciso me prender)

O teu amor é tudo que vem e alivia
Meu desespero e a angústia de viver
Suaviza um canto e nele faço a minha via
De ser humano em luta contra o sofrer

Me identifica e expulsa o que sou
Me expõe sem máscaras, defeito ou pudor
Me reanima, chama à vida e conquistou
Meu coração que em ti desconhece a dor

A tua ausência é um tempo feito de espera
De ansiedade pela hora de voltar
És alimento, és a vida de quem dera
Ser o eterno e em teu amor fazer altar

No teu reencontro eu renasço e tenho a vez
De nos teus braços compreender o que é a paz
Me roço como quem roubar tua tez
Me complemento em ti, no que o amor me faz

Pega meu rastro, apaga e traça meu destino
Torna meu canto puro: prece de menino
Lava min’alma no teu manto de prazer
Pois pra ser livre eu só preciso me prender

Calando Canhão

Cuida
Da tua carcaça
Da tua cachaça
Da tua desgraça
Embora alguém
Te insista que a vida
é uma coisa sem ida
E não vale à pena
Querer a subida
Insista e grite
“Não sou uma mera
Figura perdida
Num canto qualquer”

Venha
Perfile uma luta
Que quando é justa
Haja o que houver
A vitória é certa
A voz quando em coro
é capaz de calar
o trovão de um canhão
derrubar o mandão
que do alto do trono
arrota projetos
projéteis que ferem
nossa liberdade.

Amor cafajeste

Eu venho lhe dizendo que lhe amo louca-mente
Eu venho lhe mentindo descarada-mente
Eu venho me escondendo covarde-mente
E aquele nosso plano tão incrível
O amor não perecível
É sonho acabado
Ficou pelo passado
É brasa apagada
Uma página folheada
Um livro que escondeu
Um amor que já morreu

Anda, me xinga
Me diz que eu não passo de um cão
Me bate, me roga mandinga
Mas deixa paz o meu coração

Meu lado cafajeste eu assumo
Se é o caso até eu sumo
Procuro outro rumo
Eu sei você terá noites de insônia
Pra apagar da memória
Os planos do passado
Futuro planejado
O amor que nos uniu
O castelo ruiu
Deixamos de ser nós
O amor perdeu a voz

Cego é quem pensa que ninguém vê

Ah! se um dia eu puder
Ouvir sem ter que sentir
Que estão me enrolando
Mentindo o que é bom pra mim
Até parece que tenho
A cara de um bobo qualquer
Até aparece sou
Uma cobaia fatal

Quero um dia poder
Ser livre para optar
Sem ter alguém que ordene
Me indique o que devo ser
Este meu corpo parece
Um objeto qualquer
Pensam que podem com ele
Me confundir com robô

Cego é quem pensa que ninguém vê

Ah! se um dia eu puder
Ficar bem longe de quem
Que pra vencer é preciso
Viver com o dedo em riste
Estes pobres pelegos
Que num joguete vulgar
Pensam que isso fará
A sociedade melhor

Quero um dia escolher
O que julgar bom pra mim
Saber que posso vencer
Com a força do que eu sei
Sonho um dia ser livre
De arbítrios e exploração
Quero só que respeitem
o meu direito de ser

Cidadãos carretéis cidadãos

Das bugigangas do meu pai
Nas flores do jardim da mãe
Ali eu fiz meu xangrilá
Meu lugar de brincar, meu sonhar

Depois de costurar a mãe
me dava sempre carretéis
Que em minha imaginação
Davam luz a um lugar sem igual

Era uma cidade pequenina
Feita de madeira, barro, lata
E outras coisas mais
Meus cidadãos carreteis
Tinham nome, profissão, não tinham posto
Nem havia bando de homens maus
Nesta cidade eu curtia
Uma vida que nunca pude encontrar

Lugar secreto que eu criei
Pra fugir dos xingões dos pais
Não dividia com ninguém
Meu lugar de brincar, meu sonhar

Porém um dia eu descobri
Que havia outro lugar cruel
Que me exigia muito mais
Eu cresci e deixei Xangrilá

É uma cidade grande feita de concreto
Crimes, correria e outros medos mais
São cidadãos carreteis
Número cada um tem, um posto, um nome, profissão
Um pesadelo a temer
Nesta cidade eu vivo
Uma vida que sempre quis evitar

Nos bafos de cachaça do meu velho pai

Era uma casa velha à beira estrada
Mal-assombrada, escangalhada
De cor macabra, de se temer

Tinha mais de cem anos, talvez duzentos
Ninguém podia ser bem exato
Ninguém lembrava quem construiu

Nem mesmo a criançada tinha coragem
De brincar perto pela noitinha
Pois se falava de assombração

Nela até eu já me perdi nas contas
Que num setembro de temporal
Nasci na morte da minha mãe

Eu fui crescendo nos bafos de cachaça
Dos bons conselhos que desta vida
Meu pai pensava me ensinar

Meu velho no trago disse que eu até posso
Durar bem mais que esta casa
Porém viver depende de mim

Quem quisesse encontrar o meu velho era
Só ir à farra de um botequim
Onde sempre era o anfitrião

A todo aquele que ele cativasse
Logo pedia, até implorava
Que não o deixassem morrer só

Entre fantasmas, bruxa e lobisomens
Eu fui traçando o meu destino
Curando os porres de um beberrão

“Não me deixem morrer só,
Não me deixem viver só
Não me deixem beber só”.

Noite alta
Trago alto
No seu leito
Morreu só

Eu
Não quero ser
O bom sujeito
Que hoje se foi
Quero
Me dar de todo
Todo segundo
Aproveitar

 

foto divulgação

 

Jair Alan Côrtes Siqueira– Escritor e jornalista. Nasceu em Cruz Alta, mas veio para Santa Maria em 1963. Ficou 11 anos fora até regressar em 1991. Morou em várias cidades, andou pelo mundo. Na sua poesia revela a influência do jornalismo, sendo mais concreto que lírico.

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